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Universidade e [os desafios da] “sociedade da desatenção”1

Antônio Fausto Neto

1. Comentários iniciais
Como toda fala, esta que a que se faz, situa-se em um momento
especial, a ocasião em que a universidade acolhe, através do seu
calendário professores, pesquisadores, estudantes e funcionários, para
a jornada do seu primeiro semestre de 2009.
Toda fala realiza-se através de circunstâncias específicas, a fim de
que seja sustentada. No caso da presente, enuncia-se a partir de uma
demanda a qual, de certa forma, dela se espera o seu “efeito surpresa”.
Ainda que traga algo já sabido, revelado pela “credencial” do
enunciador, reúne uma espécie de “mensagem cifrada”, uma
expectativa em torno da tematização de questões, que de um modo ou
de outro, estariam nos horizontes de uma instância de escuta, como é o
caso da Assembléia Universitária. Quando emite um convite para que
esta fala se faça, o lugar universitário diz, também, da existência do seu
“dispositivo de enunciação” (de “ouvir”) que estaria disponível e com sua
atenção articulada, para que uma situação de comunicação ali se
instale. Nestas condições, um discurso não se sustenta por si só.
Requer a presença do outro para que a co-enunciação se instale e
sentidos possam, aí, ser tecidos1. O pedido universitário traz assim um
amável convite, mas lembra também, ainda que de modo implícito, as
condições através das quais esta fala se dirija ao seu destinatário. Ela
foi precedida por um “ritual preparatório” que se realizou durante uma
semana quando a universidade anuncia que suas rotinas de aulas, de
pesquisa e de ofícios administrativos seriam suspensas para que sua
comunidade dê atenção a uma fala que refletirá sobre uma questão, a

1
Palestra proferida em 24 de março de 2009, no Centro Universitário Franciscano, Santa Maria/RS.
1
princípio deixada em aberto à cargo do convidado-conferencista. Esta,
de sua parte, ao imaginar a criação de uma situação de comunicação,
sabe também que não pode proferir qualquer discurso. Assim, faz
aproximações sobre temas que poderiam ser de interesse da
comunidade universitária. Propõe, para tanto, algo que lhe parece vital,
a problemática da qualidade dos vínculos desenvolvidos hoje, pelas
instituições e os atores sociais, num determinado tipo de ambiência, que
é da “sociedade do conhecimento”. Parte de uma hipótese sobre a qual
se organiza a reflexão. A sociedade em que vivemos nos convida para
entrar nas redes, mas produz, ao mesmo tempo, o dissabor da
fragmentação, ou de um determinado tipo de “solidão acompanhada”, o
que chamaria de processos de desatenção, gerados por práticas
intensivas de comunicação. Tais processos ao chamar atenção sobre
suas lógicas e atributos estariam produzindo novos e complexos
fenômenos psico-sociais, gerando como efeito, o que aqui se nomearia
como a “sociedade da desatenção”...
Não se pretende tratar desta questão de um modo mais
abrangente, algo que certamente seria possível através de reflexões
outras através de “programas de estudos” mais continuados. Chama-se
atenção para alguns aspectos sobre este novo tipo de sociedade que é
nomeada como sem “fronteiras”, quando na realidade, vivemos sitiados
e ou constituídos por novas fronteiras, gerando mal-estar, fadiga,
sentimentos de vida “sem horizontes”, num mundo em que somos
interpelados a, não só viver, mas sermos também “ser sem fronteiras”...
Faremos apenas uma certa caracterização introdutória de uma
problemática que constitui hoje, esta sociedade, valendo-nos de
registros que plasmam e se cristalizam na sociedade, enquanto
ambiente, e nos sistemas que lhe dão vida. Portanto, pedimos-lhe um
pouco de atenção, com sua paciência, para compartilhar consigo a
questão da “sociedade da desatenção”, e, sobretudo, suas ressonâncias

2
sobre nosso oficio. Ou seja, sobre suas repercussões nas práticas
universitárias. Devemos lhes dizer que não são questões distantes aos
nossos ofícios, uma vez que a Universidade é agente, mas também,
paciente destes fenômenos.

2. Rumo a “sociedade da desatenção”


Destacamos elo de questões que nos leva a caracterizar o que
estamos definindo pela “sociedade da desatenção”.
Há um conjunto de ações que, ao longo de, pelo menos três
décadas, transformam tecnologias em novos meios, geram novas
formas de interações; redesenham a organização e o funcionamento
social; reformulam as lógicas das diferentes práticas sociais;
disseminam novas redes; deslocam a problemática da produção do
sentido de instâncias fontes e de recepção de mensagens, para o da
plataforma da circulação de mensagens; substituem as formas
tradicionais pelas quais se estabelecem os laços e vínculos sociais, pela
emergência de processos conectivos e de fluxos, culminando em uma
nova ambiência que recebe a nomeação de “sociedade mediatizada”.
Trata-se de uma sociedade atravessada pelo “modo de existência” de
processos, ações e produtos midiáticos, os quais permeiam e
capilarizam, indistintamente, todas as instituições, inclusive a
universitária, esta também cativa das suas manifestações e efeitos.
A vida da sociedade midiatizada é concebida como algo que se
passa em uma “sociedade líquida-moderna” Bauman2. Sociedade em
que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo
mais curto do que aquele necessário para consolidação, em hábitos e
rotinas, das formas de agir3. Nesta, as realizações individuais não
podem se solidificar em posses permanentes, porque em um piscar de
olhos, os ativos se transformam em passivos, e as capacidades em
incapacidade (...). É uma vida precária, é uma sucessão de reinícios

3
(...). A instrução de que mais necessitam os praticantes desta vida
liquida moderna não é como começar ou abrir, mas como encerrar ou
fechar (...). A vida liquida não pode ficar parada. Velocidade, e não
duração é o que importa. Com a velocidade certa, pode-se consumir
toda a eternidade do presente continuo da vida terrena4. A vida liquida
alimenta a insatisfação do eu consigo mesmo. A desatenção à vida em
comum impede a possibilidade de renegociar as condições que tornam
líquida a vida individual5.
Esta nova ambiência reformula o ethos e a ética da comunicação e
da interação social, na medida em que toda atividade de produção
simbólica produzida no interior da sociedade, passa cada vez mais por
redes que operam segundo nova lógica dominante, de natureza
interacional. Somos “convertidos” a nos mover em “estágios e
modalidades de atenção” definidos por tais lógicas e seus ‘postulados
de atenção’, nos quais está subjacente a idéia segundo a qual os
processos de operação de sentido não podem se realizar fora destes
formatos. Ou seja, sem ação dentro da rede, não há comunicação.
Há décadas, talvez muitas décadas passadas, o capitalismo
enfrentava o desafio de resolver os impactos e as transformações da
“sociedade da abundância” para a “sociedade da escassez”, no sentido
de equacionar a problemática da inclusão dos indivíduos no campo da
distribuição das riquezas. Despontava o tema de inclusão social, no
contexto de uma ambiência desenhada segundo estruturas de produção
de bens e que eram transacionados nos mercados nacionais e
internacionais. Formulava-se problemática que envolvia relações sociais
e o destino dos indivíduos referido à estrutura e à própria lógica de
organização social, enquanto uma referencia essencial. Ou seja, as
possibilidades de bens materiais e de conhecimento se organizavam
segundo um nicho de relações organizadas e reguladas pelos atores
sociais, e suas instituições. A sociedade produzia nestas condições, ao

4
mesmo tempo, a abundância e a escassez nos processos distributivos
da riqueza produzida, e nas oportunidades por ela geradas. O
deslocamento da realidade da “sociedade da abundância” para a
“sociedade da escassez” é um traço sobre o qual nossa vida vai se
submetendo ao longo de processos históricos, os quais complexificam
as relações sociais e a qualidade da vida. Cuidemos, assim de examinar
algumas destas transformações, e que dizem mais de perto ao foco
desta reflexão. Trata-se do deslocamento dos efeitos do “capitalismo de
estruturas” para o “capitalismo de fluxos” cujas lógicas repousam em um
novo tipo de interação, segundo o qual o deslocamento dos indivíduos
para o interior de novas redes significa, dentre outras coisas, complexos
processos de desenraizamento de suas redes, dos afetos, e de modos
de comunicar e de reconhecer. Trata-se da emergência da “sociedade
da comunicação”, na qual os “medias” têm um papel determinante. Por
efeito dessa modalidade de comunicação, essa sociedade será
considerada não como uma sociedade transparente, mais consciente de
si, como se apregoa. Pelo contrário, uma “sociedade mais complexa, ou
mesmo caótica”; e é precisamente neste “caos” relativo que residem as
nossas esperanças de emancipação6.
As possibilidades do interesse e da atenção entre os indivíduos
são mediados por dispositivos tecno-simbólicos midiáticos segundo
realidades de construção que lhes são próprias, convertendo os
indivíduos em pacientes ou co-gestores de processos segundo
modalidades de atenção que visam nomeá-los como “personagens” e
“atores” desta própria realidade.
Nos atuais padrões de desenvolvimento a questão da inclusão
material deixa de ter atenção, pois estabelece um outro tipo de acesso,
de natureza simbólica, que é a da comunicação quando enfatiza a
problemática do acesso ao âmago das redes e seu manejo por parte
dos indivíduos propriamente dito, questão convencionada pela inclusão

5
digital. Os indivíduos são “convidados” para vivenciar e experimentar um
determinado protocolo de comunicação cuja estrutura tem como
referência o mundo das redes. O estimulo ao “conexismo” certamente
supôs que quanto mais redes movidas segundo interesses e
conhecimentos distintos, gerariam mais possibilidades de entendimentos
transparentes, sem manchas, e sem a presença de névoas ou zonas de
sombras... Mas, da transformação da sociedade nesta nova ambiência,
resultam opacidades, indiferenças, repetições, desconhecimento,
esquecimento e a questão-tema desta reflexão, a problemática da
desatenção.
Este conceito será aqui tratado mais como um problema do que
por uma simples definição, pois entendemos que quanto mais um
problema se apresenta na forma de questões, mais pode ser formulado,
argumentado, e, quem sabe, esclarecido.

3. Conceituando a “sociedade da desatenção”...


Para que possamos penetrar neste cenário da “sociedade de
desatenção”, vamos, inicialmente aproximar esta noção de uma outra
que vem ocupando largamente nossa vida, em nossas peles e nossas
mentes, que é a da “cultura da convergência”. De uma maneira didática,
esta noção é apresentada por Henry Jenkins7, acadêmico americano,
em uma entrevista na revista Superinteressante (‘É com você leitor’,
março/2009). Afirma: “É vivermos em um mundo em que toda a historia
que é contada a alguém passa por diversos veículos, como tv, cinema,
celular, internet, videogames. E, em que o fluxo dessa história é
moldado tanto por decisões tomadas pelas companhias que produziram
o conteúdo quanto pelos indivíduos que o recebem”8. O autor chama
atenção para a existência de uma nova ambiência de comunicação – ou
de interação – constituída por novas hierarquias de fluxos não mais
dispostos em termos lineares em que um produtor fala para audiências a

6
distancia; na qual se redefine o status de produtores e receptores de
mensagens, onde o processo discursivo passa a ser submetido à
interdiscursos que se originam e circulam segundo novas modalidades
complexas, e com relaxamento nos processos de controle; onde o
conexismo ocupa o lugar de ofertas de mensagens transportadas
segundo “regimes de tempos” diferenciados; no qual os fundamentos do
“contrato social”, sobre qual se erige o processo comunicacional, cedem
à noção de “contato”. Onde, também, os vínculos sociais cedem à idéia
de fluxos. Nada melhor para ilustrar esta mutação do que um recém
anúncio publicitário veiculado por uma operadora de telefonia celular.
Descrevendo-o rapidamente: o anúncio visa vender aparelhos de
determinada marca que é associada à própria operadora. Tem como
foco uma mensagem, uma articulação de texto-imagens. As imagens
são, certamente, de atores reais (consumidores da telefonia celular) que
são inseridas na mensagem textual, a qual de sua parte diz o seguinte:
“O Antonio (figura) fez um comentário no blog da Adriana (figura), que
subiu o filminho do Rogério (figura), que recebeu música da Viviane
(figura), que mandou um email para Sibila (figura), que descobriu tudo
sobre o Julio (figura), que postou as fotos da Andréia (figura), que o
Paulo (figura) mandou no fim de semana”9. O anúncio chama atenção
para as virtudes e eficácia do dispositivo celular, descrevendo as
funções que realiza e que são conferidas por atos praticados pelos
próprios consumidores do aparelho. Porém, ele diz mais que isso:
chama atenção para um dos aspectos da tal “cultura de convergência”,
para o papel crescente que o celular passar a ter como ponta de
processo de um novo modelo de produção/circulação/recepção de
mensagens no qual as relações sociais se fazem, se movem e se
estruturam nesta modalidade de rede, assumindo as feições de uma
nova “vida em comum”, distinta daquela que caracterizava a vida
comunitária de até, então.

7
Este anúncio, além de fazer a publicidade de um dispositivo, realça
a existência desta nova cultura, desde novo modo de viver no qual o
“regime de fluxos” assume o “regime de vínculos”, e no qual as
possibilidades de contatos são organizadas no interior de “plataforma de
sentidos”. Nas plataformas convidam-se os indivíduos a explorar e a
esgotar o ato de viver, “enquanto uma certa intercambialidade”, na qual
se resume, certamente a noção deste vasto mundo.
A emergência desta nova ambiência apresenta o tema do espaço
diante de um certo paradoxo, e com efeitos, sobre o problema da
atenção, algo que certamente interessaria aos estudiosos dos processos
cognitivos. Constatamos que o tema da “sociedade da comunicação”
acompanha de perto tema equivalente, como o “da sociedade do
conhecimento”. Ou seja, o conhecimento é aquilo que resulta dos fluxos
e de processos que tratariam, de organizar e manejar arquivos. A
sociedade passa a ser também uma conseqüência desta lógica de
fluxos, na medida em que sua organização, em termos sistêmicos, está
subordinada aos processos de informação que passam a estruturar sua
organização e seu funcionamento. Este processo chama atenção para o
fato de que a noção clássica de fronteiras se diluiria diante das suas
transformações provocadas por dinâmicas que as reorganizaria,
realocando-as em “zonas de tranasformações”. O avanço da tecnologia
e da cultura digital sugeriria pensar que a erradicação das fronteiras –
desde processos mentais àqueles de natureza socio-cultural – seria um
fenômeno em franco processo intensivo de existência, por conta da
“quebra de limites” impostos pelas lógicas e dinâmicas do conexismo.
Neste caso, mutações estariam a se produzir nas fronteiras discursivas,
onde seus limites seriam invadidos pela ordem da interdiscursividade –
quando um discurso pode ser reconfigurado e renomeado em diferentes
meios, e a noção de sua autoralidade passaria a escapar do lugar dos
produtores. Também, quando emissões podem ser vistas em outras

8
temporalidades pelos indivíduos que, de receptores, se convertem em
produtores, ao manejar a confecção e edição de conteúdos. No âmbito
dos conhecimentos, cujos processos de inteligibilidades dos fenômenos
são disputados – enquanto de noções de sentidos por diferentes
campos sociais (caso da AIDS, por exemplo) – o que permite dizer que
estudos de fenômenos complexos migram cada vez mais para o âmbito
de “zonas de indeterminações”, abandonando aquele das fronteiras
curriculares! E, é por isso, que falamos de nanotecnologias no plural!
Porém, onde residiria o paradoxo entre a oferta de sentido do
“viver sem fronteiras” – do “você sem fronteiras”... deste convite à
desatenção à vida comum – e a emergência de novas fronteiras e seus
efeitos auto-referenciais?
Possivelmente, a explicação estaria na ocorrência de
manifestações comportamentais, do nosso modo de ser no mundo da
midiatização, das nossas relações com a cultura e as práticas da
convergência e da cultura digital. Alguns fatos chamam a nossa
atenção:
– Há um ano, o romancista norte americano Jonathan Franzen
publicou um extenso artigo, traduzido em edição da FSP, de 16 de
novembro, de 2008, sobre o que chama “Amor sem Pudor”. Trata-se de
uma reflexão sobre as manifestações do funcionamento – das
tecnologias e suas incidências – na esfera pública, a serviço do “uso
privado”. O autor fala sobre os incômodos da tv de aeroportos, que
normalmente é assistida por uma pessoa, mas incomoda outras noves,
diminuindo, ano após ano, a qualidade de vida do viajante. Enfatiza o
deslocamento da “cultura da nicotina” para a “cultura do celular,
ilustrando: “um dia o volume no bolso era um maço de marlboro, no dia
seguinte, era um motorola. A poluição por fumaça virou poluição sonora
(...)”. A tese do seu artigo é nos dizer que o convite ao conexismo,
levando a vida íntima para a via pública, pela sua publicização via o

9
dispositivo do celular – significa a constituição de uma nova fronteira na
qual os indivíduos se instalam e passam a constituir sua vida e seus
processos de atentividade, ignorando a existência do outro. Diz ele:
“uma praga nacional de hoje que só vem se agravando é a do cliente
que continua absorto num telefonema enquanto efetua uma compra em
uma caixa de um supermercado ou em uma loja (...) Embora seja
verdade que algumas caixas e balconistas pareçam não se incomodar
em serem ignoradas, uma porcentagem notavelmente maior delas se
irrita, se aborrece ou se entristece visivelmente quando uma cliente se
mostra incapaz de afastar-se do celular para lhe dedicar pelo menos
dois segundos de interação direta. Desnecessário dizer que a própria
infratora (...) ignora alegremente o fato de estar irritando alguém”. Trata-
se da pertinente para ilustrar os paradoxos de comunicação e de
referências fronteiriças interacionais! A atenção em si mesmo gera a
desatenção pelo outro. Até onde iria a tendência, pergunta o autor: “se
Nova York queria realmente virar uma cidade de viciados em telefone,
perambulando pelas ruas como sonâmbulos, envoltos em pequenas
nuvens pegajosas de vida privada ou, se a noção de um eu público
mais contido conseguiria prevalecer, foi esclarecida: [O] triunfo do
celular foi rápido e total”10. E uma nova fronteira se estabelece dentro
das fronteiras físicas e geográficas.
A ambiência tecno-midiática institui novas comunidades auto-
referentes que estabelecem suas fronteiras a partir de suas próprias
ações junto às redes. Recentemente, um dos principais colunistas do
New York Times Nicholas Kristof, ao comentar o desaparecimento da
edição em papel de um importante jornal americano, e a manutenção
apenas de sua edição digital, chama atenção para o fato de que as
pessoas se deslocam cada vez mais para o ciberespaço. Cada um de
nós vai se tornando o próprio editor, seu próprio vigia, gerando uma
nova espécie de produto noticioso batizado por Nicholas Negroponte, no

10
11
“Eu Diário” . Para o colunista este processo pelo qual temos mais
autonomia para pesquisar nos blogs, sites e montar nosso próprio
produto, tem a ver com o fato de que “necessariamente não queremos
boa informação, mas, antes informação que confirme nossos
preconceitos. Na prática, gostamos de nos abrigar no útero
reconfortante de uma câmara de eco. Se por um lado, a plataforma
digital permite expandir fronteiras de nossas buscas, produz, por outro
lado, o nascimento de uma outra, com graus de estreitamento. Esta
nova é representada pelo fato de que quando editamos – por
processos de busca e de seleção – opiniões que sejam convergentes
com o que pensamos, estamos, assim nos isolando ainda mais em
nossas próprias câmaras hermeticamente mais fechadas. Por outras
palavras: ao buscar o reforço de nossas visões de mundo entre pares,
estaríamos criando uma comunidade de atenção, cristalizando o papel
das comunidades auto-referentes, habitadas pelos atores que pensam
igual. Considerando os perigos que significa a existência deste tipo de
fronteiras, o colunista diz que a única maneira de avançar em tentativas
de atenuar estes processos de auto-referencias – cujo auto processo de
seleção de notícias atua como narcóticos – seria cada um de nós se
esforçar para elaborar intelectualmente com parceiros adversários,
cujas visões deploramos12. Ou seja, reformulemos o nosso processo de
observar, no sentido de construir novas possibilidades de examinar a
vida – à sociedade, seus atores e suas dinâmicas.

4. Professor como carteiro


Para finalizar, tentemos aproximar alguns destes registros e seus
efeitos sobre as práticas universitárias.
Não estando imune às ressonâncias das dinâmicas destes
processos, a cena universitária se contata com o que lhe externo, e
muitas vezes apresenta os elementos desta realidade, como os últimos

11
“ingredientes” a compor os seus processos formativos. Não se trata
apenas dos contatos e das interferências destas referências externas,
uma vez que a Universidade é um microcosmo da sociedade onde
instala. Porém, em muitas situações a universidade desativa as
atenções que deveria dar às complexas relações, (que desenvolvem o
mundo da vida sobre suas ofertas curriculares, pedagógicas, etc). No
lugar delas, estreita-se pelas lógicas e exigências mais restritas. Se nos
dermos ao trabalho de analisar os anúncios publicitários que as
universidades publicam nas mídias, principalmente nos fins de semana,
observaremos que a ênfase de suas ofertas está mais voltada para a
qualidade dos laboratórios em si, do que para o seu capital humano,
para a natureza de sua oferta curricular, a qualidade de pesquisas nelas
desenvolvidas, os prêmios que os docentes recebem pelo seu
reconhecimento na esfera acadêmica e científica. Curiosamente,
percebe-se que, atualmente são os cursinhos pré-universitários que se
destacam como a instância que valoriza o perfil de seus docentes, em
sua comunicação pública...
A universidade enfrenta, hoje, um grande dilema que é o fato de
fazer com que o choque de velhos com novos conhecimentos não gere
automaticamente novas formas de ignorância. Os conhecimentos não
devem estar associados, e a ser serviço de uma aprendizagem faz de
conta. Pelo contrário, devem estar subordinados à modelos finos e
criativos de atenção que contemplem no seu contrato pedagógico o
contato com os arquivos, a dinamização da experimentação, visando
elaborar a inovação. Estes processos não estão garantidos a priori pelas
máquinas. Mas como disse, por processos mais complexos que
implicam que aprendamos a caminhar sobre areia movediças,
parafraseando Bauman. Falamos muito em “projetos político-
pedagógicos” como algo que simboliza nossos caminhos. Mas devemos
neles apostar como uma espécie de nosso “pedido de atenção” junto

12
àqueles que nos reconhecem, ou querem nos reconhecer, no sentido de
querer conhecer os atos que presidem a eleição de nossas prioridades.
O que chamamos atos de eleição é a explicitação das causas que
fundamentam nossas ofertas pedagógicas – curriculares – educativas,
no sentido de qualificar nossos projetos de aprendizagem com as
competências e habilidades intrínsecas aos ofícios para os quais
preparamos os alunos. Mas, também com outras competências que os
habilitem a influenciar nos objetivos, nas apostas e nas regras do jogo,
isto é não só as habilidades pessoais (instrumentais), mas, também, nas
competências sociais13. Ou seja, construir espaços profissionais e
humanos pelos quais a vida possa ser refeita dos efeitos, dos processos
de desertificação a que somos submetidos em várias instancias de
nossas experiências. Restabelecer a atenção precarizada pela a
dinâmica das lógicas do “mundo liquido”. Para tanto “não se trata de
adaptar as atitudes humanas ao ritmo acelerado das mudanças do
mundo, mas também de fazer com que este mundo tão rapidamente em
mutação, resulte mais acolhedor para a humanidade”14.
Talvez, não exista nenhuma instituição – como a universitária –
que seja dotada de tantas qualificações para agregar ao lado dos
indicadores que persegue nos seus objetivos, as razões do aprendizado
as quais os indicadores deveriam estar subordinados. Nestas condições,
incorporar nos seus processos pedagógicos, nos laboratórios, e em
salas de aula, o “sabor de palavras” várias que sejam frutos de atenção
e enunciação distintas, e que possam ser experimentadas com atenção
de uma vida mais em comum, do que apenas a que é proposta pelas
plataformas digitais. Vem de um eminente tecnólogo Silvio Meira, em
fragmento de suas reflexões sobre a presença, desafios e
potencialidades da cultura digital sobre o ambiente educativo. Diz ele:
“quando se conecta tudo, o problema passa a ser não só de percepção,

13
mas de atenção para a percepção. Eu presto atenção a que? Reflito
sobre o que?”15.
Reflitamos, ainda que de modo rápido, sobre este enunciado. Não
se trata de nos deslocarmos – por nos deslocar – para as redes, a
plataforma e os processos de conexão, uma vez que, irreversivelmente,
nele já estamos. Mas, ao mesmo tempo fazer sobrepor à lógica da rede
– que nos envia para determinados modos de observação – outros
processos de observação. Ou seja, observar de outra forma a realidade
ou processos que me observam, ou me enquadram em determinados
processos segundo os quais possa olhar a realidade que me observa.
Este é um novo nível de atenção e de percepção, para a realidade a
qual estamos expostos. Ou seja, presto atenção a que? Na medida em
que elejo prestar atenção a alguma coisa, elejo as categorias com as
quais vou produzir o ato de prestar atenção. E, ai, reside uma tarefa de
aprendizado, calcado em outras observações que trazem, consigo
escolhas pedagógicas, laboratoriais, éticas, teóricas, estéticas ,etc.
Este descolamento de educadores e educandos, de uma realidade
que impõe à sua própria observação, significa um primeiro passo de um
novo e complexo processo de aprendizagem – saber aprender alguma
coisa. Ainda lembrando Meira: “fazer algo bem é desenvolver uma
capacidade de eventualmente desaprender, para aprender outra coisa”.
Há muitos anos, uma espécie de pedagogo da experiência humana,
Sigmund Freud, ao refletir sobre os desafios ao processo de
aprendizado que devemos realizar para nos reconhecer, comentava
algo, desconcertante: é preciso “desconhecer” para “reconhecer”... Em
que medida estes processos – desaprender para aprender e
desconhecer para reconhecer – não seriam construções de uma mesma
linhagem e que, vinda do ambiente da produção de conhecimentos, não
estariam desafiando hoje, os modos com que a universidade organiza,

14
em suas rotinas, conhecimentos a serem disponibilizados para formação
dos seus alunos?
Estas frases são menos injunções e mais pré figurações do que
poderia vir a ser a universidade – enquanto uma nova vida em
laboratório, na expressão de Bruno Lattour16.
Certamente, algumas indicações podem estar a disposição
daqueles que desejam refletir sobre estes assuntos, notadamente como
a universidade pode manter certa vocação identitária em tempos nos
quais grande parte das tecnologias, dos arquivos, da circulação de
dados passam à margem de suas instalações físicas? Em suma, como a
universidade pode chamar atenção para seu papel, em tempos
marcados pela proeminência e os efeitos da sociedade da desatenção?
Finalizo, considerando a responsabilidade que tem, a
Universidade neste processo, enquanto mediadora de novos desenhos
pedagógicos e de conhecimento. Especialmente, a tarefa dos
professores como mediadores.
É possível que a universidade não tenha controle sobre os
grandes bancos de dados que proliferam e se disseminam sobre a
guarda de inúmeras e diferentes corporações econômicas e industriais.
É possível também que os melhores equipamentos para pesquisa se
encontrem no outro lado da rua, ou em outras redes, distintas àquelas
onde situa-se a Universidade. Mas, certamente, somente nela reside –
os agentes, insumos, capitais –capazes de submeter dados e arquivos à
processos de observação que transcendam observações pré-definidos
por observações sistêmicas... Estão os pesquisadores, os professores!
Os conhecimentos podem estar conectados em outros processos de
organização curricular e devem estar a serviço de um ato lembrado por
Popper: “somos estudantes de problemas e não de disciplinas”. Em
tempos mais recentes, repete-se esta máxima, porém vinda de ambiente
de experimentação. Podemos pensar em “quando relacionamos muitas

15
áreas do conhecimento, essa conexão muda a nossa formação inicial e
nos tornamos pensadores, como os filósofos. (...) E isso tem sido um
diferencial em minha carreira” 17.
Este autor fala sobre o papel da Universidade face o modo de
reorganizar informações que são estilhaçadas pelas praticas inerentes à
“sociedade de desatenção”. Quando Meira fala do processo
educacional, alude às suas instituições, especialmente sua vocação,
enumerando princípios, que redesenhariam a instância de formação
teórica e experimental da Universidade. Esta “deve ser uma unidade de
conhecimento capaz de aprender e desaprender, evoluir. Para não ficar
irrelevante”. Sugere ações programáticas, que necessariamente não
representam receitas, e nisso certamente residiria o trabalho
insubstituível do professor: “prover os alunos das infra estruturas
conceituais que sejam a base de um processo de aprendizado e
desaprendizado continuo. Mais importante do que saber é saber
desaprender. Aprender deveria ser um processo de inovação. O que é
inovar? Compreender o mundo, entender conceitos e recombiná-los. A
escola deveria ser um ambiente onde se pudesse perguntar, errar,
experimentar. Vem de um crítico literário George Steiner, pensamentos
muitos interessantes sobre as substancias que dinamizariam a
universidade e sua vida laboratorial, hoje. Diz-nos “as próximas forças
intelectual, artística e científica virão da Índia. Temos muitos alunos
chineses, e eles são bons anotadores e dizem sim a tudo. Mas os
indianos discutem, fazem perguntas importantes que com freqüência
são inquietantes”. Comenta reflexões de Heidegger sobre por que da
ciência ser tão enfadonha? Ele explica que é porque ela só tem
respostas. E, parafraseando Sammuel Beckett, valoriza o ato da
experimentação, como possibilidade da ciência criar, de modo distinto:
“Faça de novo. Tente outra vez. Erre outra vez. Erre melhor”18.

16
Falando sobre o papel do professor no âmbito desta vida
laboratorial, que é a da universidade, termino minha reflexão. Recorro
novamente as palavras de Steiner, ao refletir sobre o próprio trajeto de
intelectual e de professor: “Veja esse quadro que está ali (um retrato de
Steiner em sua juventude, debaixo dele escrito em italiano, ‘il postino’ –
o carteiro). Eu quero ser um carteiro, quero que me chamem de “O
carteiro”, como esse personagem maravilhoso do filme sobre Pablo
Neruda. É um trabalho muito bonito ser professor, aquele que entrega
cartas, embora não as escreva. Meus colegas odeiam ouvir isso. A
vaidade dos acadêmicos é enorme (...) Somos os carteiros, e somos
importantes. Os escritores precisam de nós para chegar a seu público. É
uma função muito importante (...) este tipo de mediação”19. Espero que a
sociedade e universidade assim pensem também. Muito obrigado.

Notas
1
BARTHES, Roland. Cómo vivir juntos: simulaciones novelescas de algunos espacios cotidianos.
Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2005.
2
BAUMAN, Zygmunt. O medo liquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
3
op cit, página 7.
4
op cit, página 18.
5
op cit, página 20.
6
VATTIMO, Gianni. A sociedade transparente. Lisboa: Edições 70, 1991.
7
JENKINS, Henry. Entrevista à revista Superinteressante, março/2009, ‘É com você leitor’.
8
Ver também: JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2008.
9
Jornal Zero Hora, 20/03/2009, p. 27.
10
FRANZEN, Jonathan. Amor sem Pudor. In: Jornal Folha de SP, página 4, Caderno Mais,
16/11/2008.
11
KRISTOF, Nicholas D. O Eu Diáro.In: Jornal Estado de SP, 23/03/2008, p. B8.
12
op cit; ver também KEEN, Andrew. O culto do amador: como blogs, MySpace, You Tube e a
pirataria digital estão destruindo nossa economia, cultura e valores. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2009
13
BAUMAN (op cite), página 166
14
BAUMAN (op cite), página 169
15
MEIRA, Silvio. O visionário. São Paulo: Personalité, s/d.
16
LATTOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora. São
Paulo: UNESP, 2000
17
BEZERRA, Charles. O designer Humilde, Lógica e Ética para Inovação.
18
op cit
19
STEINER, George. O carteiro. In: Jornal Folha de SP, Caderno Mais, páginas 4 e 5, 18/01/2009.

17

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