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Pedro Aguiar2
Resumo
O jornalismo de agências de notícias guarda particularidades e idiossincrasias até hoje pouco
reconhecidas e, no contexto brasileiro, virtualmente ignoradas. Frente a este cenário, o
trabalho contribui com proposições para uma pesquisa histórica sobre o jornalismo de
agências, ambos nacional e internacional, particularmente contrastando os diferentes modelos
adotados nas distintas realidades: EUA e Europa Ocidental, de um lado; o Leste Europeu e os
países em desenvolvimento, de outro. Acredita-se, aqui, que conhecer a história do jornalismo
de agências revela-se como capítulo importante para a história do jornalismo em todas as suas
dimensões.
1. Problemas da pesquisa
A bibliografia brasileira sobre estudos da prática jornalística segmentada por mídia ou
suporte tecnológico contém ricos exemplos acerca do meio impresso, do rádio, da televisão e da
recentíssima internet – gerando sobre esta última, em pouco mais de uma década, uma explosão
de tratados sobre os aspectos e a práxis do jornalismo online. Surpreendentemente, a mesma
bibliografia não é bem servida (para não dizer desprovida em absoluto) de títulos preocupados
com um segmento profissional que conta com mais de dez vezes o tempo de existência do meio
digital: o das agências de notícias.
O fato de existirem desde a quarta década do século XIX parece não ter dados às agências
tempo suficiente para atrair a atenção de pesquisadores, teóricos e historiadores do jornalismo
brasileiros, em contraste marcado com vizinhos hispano-americanos, homólogos lusófonos ou
congêneres em sociedades de nível de desenvolvimento socioeconômico semelhante, como os
indianos e europeus orientais. Pois é destas regiões diversas e inter-distantes que provém quase
toda a bibliografia disponível e analógica à realidade brasileira. Interessa aqui relativamente
1
Trabalho apresentado no VII Encontro Nacional de História da Mídia – GT História do Jornalismo. Fortaleza, 2009.
2
Graduado em Comunicação Social, habilitação Jornalismo, pela Escola de Comunicação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro; aluno de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Comunicação em
Comunicação e Cultura, linha Mídia e Mediações Socioculturais, da ECO/UFRJ. pedreco@gmail.com
pouco, senão como contraste, a descrição do modelo de agências historicamente existente nos
países precocemente industrializados – uma Reuters ou Associated Press quase nada tem a ver
com agências do Terceiro Mundo. As pesquisas e dissertações oriundas das regiões periféricas do
capitalismo dispõem de muito mais valor analítico para nosso caso, pois versam sobre as
características e o papel do jornalismo de agências em contextos que enfrentam problemas e
condições de produção análogos aos que vivemos na sociedade brasileira.
Não cabem dúvidas de que a razão mais forte para a ausência de interesse no campo do
jornalismo de agências por autores brasileiros é o próprio fato de o mercado profissional de
agências de notícias ser fraco – e sempre tê-lo sido. Mais, ainda, por ser este mercado
caracterizado por um modelo de negócio sui generis, seja em relação ao cânone capitalista ou a
outros países em desenvolvimento: as agências de notícias brasileiras falam do Brasil para o
Brasil, e não do Brasil para fora nem do mundo para os brasileiros. Até mais especificamente,
falam de um quadro reduzido da sociedade brasileira, concentrado no eixo Rio-São Paulo, para o
restante do país, sem dar a mesma medida ao fluxo contrário. Reproduzem, em escala nacional, os
desequilíbrios Norte-Sul outrora tão criticados em relação ao sistema global de informações das
agências transnacionais.
Como se vê com Paterson (2006; 3), Boyd-Barrett & Rantanen (2002; 4) e Mattelart
(1994; 28), a função elementar das agências de notícias é a importação e exportação de conteúdo
jornalístico, especificamente aquele de origem internacional, além-fronteiras. A própria gênese
das agências como serviços de informação financeira para bancos, investidores e capitalistas nas
metrópoles européias, no século XIX, evidencia esse papel e está ligada à noção de que o próprio
“jornalismo nasceu internacional” (NATALI, 2004: 13). A demanda da produção de propriedade
privada por informação nova de origem estrangeira seria a razão-mestra por trás do surgimento do
jornal, na época mercantil, e da agência, já na era do capital.
O Brasil não sofreu o mesmo processo. Embora o jornalismo brasileiro também tenha
nascido com os olhos voltados para fora (AGUIAR, 2008), nunca por aqui se instaurou a
demanda por fluxos sistemáticos de informação internacional conduzidos por vias próprias. Fosse
escrevendo do mundo para o Brasil ou para o mundo sobre o Brasil, este trabalho jornalístico
sempre ficou maciçamente nas mãos de profissionais estrangeiros, com patrões estrangeiros,
destinado a clientes estrangeiros e seus devidos interesses estrangeiros. A idéia da “soberania
informativa”, defendida por representantes terceiro-mundistas durante os debates globais sobre a
informação nos anos 1970 e 1980, nunca se efetivou como política por aqui.
Graças a isso, aliado à manutenção das agências como campo de trabalho diminuto para
jornalistas (embora de maior remuneração média, segundo dados de 1999 do Sindicato dos
Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo), não há livros nacionais sobre jornalismo de
agências, não se ensina essa especialização nas faculdades de jornalismo e pouco se lembra da
importância destas empresas para as condições de produção da notícia, para a conformação do
discurso jornalístico, para a construção cotidiana das “visões de mundo” da opinião pública e para
a manutenção de hegemonias.
Para entender melhor o fenômeno, as particularidades da prática profissional do
jornalismo de agências e suas funções políticas, econômicas, culturais e ideológicas, aqui se
propõe revisitar a história deste segmento, levantando comparações entre o realizado no mundo e
no Brasil.
Interessa-nos aqui, primordialmente, anotar aspectos da investigação histórica sobre o
jornalismo de agências como práxis, não tanto como produto ou mais um suporte tecnológico da
produção jornalística. O trabalho em agências é um trabalho diferenciado daquele nas redações de
veículos, por uma série de especificidades a serem examinadas em detalhe mais adiante, e como
trabalho – no sentido marxiano – tem papel marcado dentro da estrutura produtiva da mídia. Ao
mesmo tempo, participa da reprodução das condições de produção da informação (tratada como
mercadoria) devido à própria lógica produtiva das agências, moldadas no capitalismo industrial.
Não por acaso, tantos problemas e repetições errôneas de procedimentos são atribuídos ao “vício”
por parte da redações de dependerem dos serviços de agências.
Resgatar a história do jornalismo de agências por meio de seu produto – os textos
fornecidos à mídia – é tarefa árdua e, a depender do quadro espaço-temporal escolhido, pode
mesmo ser impossível. De forma geral, agências de notícias não armazenam o conjunto do
material produzido e fornecido aos seus clientes (principalmente texto; para o caso de fotos, há
muitas vezes serviços de banco de imagens, negociados separadamente). A digitalização da
produção até facilitou este processo, mas não deu conta de reproduzir o volume imenso de
material produzido até então (antes dos anos 1980 e 1990) nem criou a prática sistemática de
armazenamento do conteúdo novo. Mais ainda: para o caso de agências estrangeiras, os acervos –
quando existentes – são mantidos nas sedes centrais, nos respectivos países de cada uma.
Finalmente, há que se fazer uma ressalva: contar a história do jornalismo de agências não
é sinônimo perfeito de contar a história das agências de notícias. Da mesma forma que uma
pesquisa sobre a trajetória do telejornalismo não se reduz a um relato de corte temporal sobre as
emissoras e redes de televisão, um estudo acerca das mudanças experimentadas pela prática
profissional, pela técnica, pela estilística e pela ética em cada caso são imprescindíveis para a
compreensão verdadeiramente histórica do jornalismo segmentado em qualquer suporte.
Entretanto, na medida em que o acesso às fontes necessárias para a reconstituição do cotidiano
operacional das agências de notícias se revela dificultado (por exemplo, falta de documentação de
agências já extintas) ou mesmo impossibilitado (caso das fontes de história oral sobre as primeiras
décadas das agências, no século XIX), o desenho do mapa cronológico das empresas resta como
primeiro passo no caminho para se resgatar o que se passava dentro delas.
3
De acordo com Blondheim (1994; 63), os cinco jornais eram o New York Sun, de Moses Yale Beach, o New
York Herald, de James Gordon Bennett e Frederic Hudson, o vespertino New York Evening Express, o Courier
and Enquire, de James Watson Webb (embaixador americano no Brasil, 1861-1869), e The Journal of
Commerce, de Samuel Morse, que em 1832 inventara o telégrafo.
4
Segundo Schwarzlose (1979; 24), a prática de interceptar navios antes que alcançassem o cais para ‘furar’ os
concorrentes data de 1784 em Boston, quando o jornal Massachussetts Sentinel o fazia durante a Guerra de
Independência dos EUA, e foi sistematizada em 1811, quando Samuel Topliffe, Jr. assumiu a cantina da Casa de
Câmbio de Boston e criou uma sala de leitura com um mural no qual pregava notas com informações colhidas dos
navios abordados pelos newsboats que ele mesmo operava. Logo o mural se tornou uma referência para os
jornalistas da cidade, o que é confirmado por Hakemulder et al. (1998; 37). O pioneiro da atividade em Nova York
teria sido o próprio Morse, co-fundador e co-proprietário do Journal of Commerce desde 1827 (mesmo ano de
fundação do Jornal do Commercio carioca). Com a formação da Harbor News, as escunas usadas por Morse foram
logo postas a serviço da entidade, que viria a se transformar na AP.
participantes – agora seis, acrescidos do New York Tribune, de Horace Greeley – decidiram “criar
um estatuto e uma planilha” (idem; ibidem) e formalizaram o acordo sob um marco jurídico, a
Harbor News Association.
Uma flotilha de newsboats, de propriedade e operação conjuntas pelos sócios, reunia
outros ‘carregamentos de notícias’ no porto. O acordo era limitado à coleta de notícias no
porto de Nova York e não dizia respeito a quaisquer outros arranjos para apuração em
terra, mar ou por pombos-correio. Isto não significava, entretanto, que não existisse na
época nenhum outro acerto de cooperação entre os jornais associados. Enquanto a
Harbor Association era uma entidade legal, com fundação contratual, os acertos
telegráficos contemporâneos, que não envolviam propriedade conjunta, nenhuma
questão de manutenção, compra ou venda de bens palpáveis, não exigiam um marco
jurídico. Assim, um acordo de trabalho não-formulado era suficiente. (BLONDHEIM,
1994; 64)
O mesmo Blondheim (1994; 62-65) registra como a idéia de se formar um pool foi
estimulada por uma demanda comercial para se estimular uma otimização do uso das conexões de
telégrafo, em uso comercial desde 1844, mas ainda raríssimas e caríssimas. Graças a uma regra
imposta pelas operadoras, cada pessoa (física ou jurídica) tinha direito a no máximo 15 minutos
de uso da linha por transmissão. Com isto, os repórteres nas sucursais portuárias aguardavam em
fila e, trocando impressões e informações com os colegas, faziam uma seleção dos fatos que
julgavam mais importantes, o que os levava a enviar despachos idênticos. Para não simplesmente
repetir material (ou seja, eliminar redundância do processo), os editores tomaram a iniciativa de
sugerir o pool para poupar custos, tempo e maximizar o volume de informação recebido. Os
despachos enviados por cada repórter a cada intervalo de 15 minutos, então, passaram a ser
distintos e complementares, transmitidos a um destinatário único e de lá redistribuídos entre os
participantes.
A data tradicionalmente atribuída para a fundação da entidade que seria o embrião da AP
é, em Boyd-Barrett (1980; 131), Salinas (1984; 34), Mattelart (1994; 28), Hakemulder et al.
(1998; 38), Shrivastava (2007; 6) e Jovanović & Lazarević (2005; 8) é maio de 1848, ocasião da
reunião na sede do New York Sun em que a New York Associated Press foi formalizada.
Entretanto, em 2005, a própria AP divulgou que adquiriu documentos dos seus jornais fundadores
cujo conteúdo indicava que, na verdade, a entidade havia sido fundada dois anos antes, em maio
de 1846, no início da Guerra dos EUA contra o México, quando já havia dois anos de incipientes
linhas de telégrafo, confirmando uma suspeita que Blondheim já sinalizava em seu livro de 1994.
Era conveniente para Hudson, um homem do Herald, desmerecer o estágio inicial da
Associated Press, e uma memória fraca não fazia os eventos desse período nada mais
vívidos. O registro contratual na mão de Hudson – os dois acordos da Harbor News, um
de meados de 1848, outro do início de 1849 – provavelmente respaldou sua cronologia.
Ainda assim, o esforço pioneiro do New York Sun e a impressão sobre o primeiro e
grande “congresso da República do jornalismo” que deu origem à New York Associated
Press permaneceram. Hudson reconheceu que isto teve lugar na redação do grande rival
do Herald, o New York Sun. (BLONDHEIM, 1994; 64-65)
Todos estes veículos, observa Salinas (1984; 34), eram representantes da chamada penny
press, a imprensa de cunho popular responsável pelo modelo do jornal massificado norte-
americano, que nem por isso deixava de dedicar espaço privilegiado ao noticiário internacional
(ao contrário do que faz a imprensa popular brasileira, por contraste).
Já nos meses seguintes, o telégrafo começa a ser implantado nos EUA, tendo Nova York
como centro: em junho, já existem as linhas Nova York-Washington e Nova York-Boston; no mês
seguinte, são ligadas as cidades do interior nova-iorquino (Albany e Buffalo) e, até setembro, a
Filadélfia. Boyd-Barrett (1980; 130-134) enfatiza que o crescimento meteórico da Harbor
News/AP se deu em estreita parceria comercial com a Western Union – operadora telegráfica que
viria a alcançar monopólio do sistema no século XIX –, com quem mantinha contratos de
exclusividade e estabeleceu um truste para o uso das redes. Com isto, a cooperativa instalou um
escritório de representação em Boston, antecipando ainda mais na rota portuária. No ano seguinte,
foram mais ao norte e abriram a primeira sucursal no exterior, na cidade portuária de Halifax, no
Canadá, primeira parada dos navios que chegavam da Europa para a América do Norte.
Antes dos telégrafos, a primeira tecnologia empregada para a transmissão de notícias foi a
dos correios que, na França de Havas, segundo Mattelart (1994; 15-19), era monopólio estatal.
Em seguida, com a introdução do telégrafo na Europa (em 1844-1845 na França, e 1848 na
Inglaterra, embora não o modelo de Morse), os correspondentes passam a despachar suas matérias
por meio de estações urbanas, a um custo alto pago pelas agências. Nos locais que a rede
telegráfica não alcançava, Havas e Reuter empregam pombos-correio, que chegavam a voar 124
km, percorrendo a distância entre Aachen e Bruxelas, último trecho que faltava para conectar
linearmente Paris a Berlim. O “sistema” durou apenas três anos, entre 1848 e 1851, perdendo
sentido quando foi instalado o cabo submarino entre Dover, na Grã-Bretanha, e Calais, na França,
o que fez Reuter mudar-se para a Inglaterra (SALINAS, 1984; 35). Ressalte-se que os animais
eram utilizados para o envio de material dos correspondentes expatriados para as redações, não
para a distribuição da agência a seus clientes.
É o telégrafo que faz surgir a necessidade do lide: a transmissão eletromagnética nas
décadas de 1840 e 1850 ainda se constituía de linhas instáveis, as conexões caíam facilmente, e
era alta a probabilidade de a mensagem chegar ao outro ponto truncada, mesmo com o recurso da
codificação em pontos e linhas. Por tudo isso, os editores e os gerentes da produção jornalística
nas agências perceberam que, a fim de garantir que os dados mais importantes teriam prioridade
na transmissão (e, em caso de interrupção ou truncagem, pelo menos eles estariam garantidos), o
texto deveria ser estruturado em ordem decrescente de relevância – dando origem, assim, à
“pirâmide invertida”. A partir de uma necessidade da técnica, a forma e o conteúdo do trabalho
jornalístico deveriam ser modificados, relegando o valor estético e literário para segundo plano. A
inovação levaria algumas décadas até se firmar como paradigma estilístico do texto jornalístico,
inclusive com os telegramas muitas vezes sendo reescrito nas redações e “re-floreados”. O que
interessa aqui, porém, é salientar como um dos cânones do texto jornalístico teve origem com a
lógica produtiva das agências de notícias, e que, por sua vez, estas surgiram e se desenvolveram
graças à demanda capitalista por informação sistemática, em fluxo contínuo e de origem
distribuída.
fontes: Boyd-Barrett (1980; 158), Salinas (1984; 38), Shrivastava (2007; 13-14)
O cartel durou quase por 60 anos, até a Primeira Guerra Mundial, quando a Wolff foi
debilitada pela derrota alemã (não só por depender de incentivos do Estado, mas porque a
economia alemã como um todo ficou arruinada, afetando seus próprios assinantes) e teve seu
território repartido entre as concorrentes. As agências norte-americanas tiveram atitudes diferentes
em relação à aliança européia: enquanto a AP foi progressivamente se aproximando do cartel, a
UP e a INS (antecessoras da UPI, fundida a partir destas em 1958) optaram pelo enfrentamento
direto, inclusive oferecendo seus serviços a jornais da América Latina. No entre-guerras, o cartel
sobreviveu parcialmente, com a adesão formal da AP em 1927, mas a perda da Rússia para a
nascente TASS, a agência soviética. Esta assinou um acordo com AP e UP em 1934, repudiando
formalmente o oligopólio europeu, no que foi seguida pela Rengo, agência japonesa. A quebra
dos termos dos acordos levou a um fim definitivo do cartel, logo antes da Segunda Guerra
Mundial (SHRIVASTAVA, 2007; 15).
Mais tarde, já no cenário da Guerra Fria, uma nova estrutura dos sistemas internacionais
de informação instituiu uma espécie de redivisão global entre as agências de notícias: do lado
capitalista, AP, UPI, Reuters e AFP (sucessora da Havas fundada pelo Estado francês)
constituíram um novo oligopólio, apelidadas de “Quatro Grandes” (ou Big Four), enquanto a
TASS atuava como agência principal no bloco socialista, embora jamais exercendo monopólio de
coleta e distribuição nos países satélites.
O Terceiro Mundo, por sua vez, ficou à mercê das quatro ou cinco agências
transnacionais, que detinham não só as tecnologias de transmissão como praticavam preços
competitivos. O jornalismo de agências que executavam e forneciam, no entanto, continuava
orientado para os seus clientes domésticos, cuja maior variedade e capacidade financeira fornecia
a elas maior fatia de suas receitas (BOYD-BARRETT, 1980).
Nos países em desenvolvimento, portanto, o jornalismo de agências foi desenvolvido
como uma espécie de resposta às frustrações com a cobertura feita pelas agências do “Norte”
(incluindo aí não só as potências ocidentais, mas também a URSS) e com um acentuado papel
político no processo de construção das identidades nacionais que se seguiu à descolonização (do
pós-guerra aos anos 1980).
Em diversos casos, as agências nacionais eram questão de política de Estado, e o marco
regulatório sobre suas atividades freqüentemente lhes garantia monopólio sobre a assinatura e a
redistribuição interna do conteúdo das agências transnacionais (BOYD-BARRETT, 1980).
Graças a esta estratégia, as agências nacionais do mundo em desenvolvimento exerciam o
filtro primaz sobre o que se passava e dizia no exterior – particularmente o que fosse
publicado a respeito do próprio país em questão. A agência era a mão do Estado fechando e
abrindo a porteira do gatekeeping diretamente, numa época em que não existia um Google à
disposição para mapear, buscar ou encontrar outras fontes de informação. Mesmo assim, há
diferenças marcadas entre os jornalismos de agências praticados nas várias regiões.
Por exemplo, na Índia, o jornalismo de agências na Índia seguiu o modelo do colonizador
britânico. A primeira agência nacional indiana fundada após a independência, PTI, foi criada em
agosto de 1947 seguindo o modelo da PA (Press Association) britânica, e mantendo acordos com
a Reuters. A outra agência indiana de expressão internacional é a UNI (United News of India),
existe desde 1959 e opera principalmente no Subcontinente e na esfera de influência indiana,
como as nações insulares do Oceano Índico e os países do Golfo Pérsico.
Na África, a enorme diversidade do continente e o longo e desigual processo de
descolonização impedem uma categorização uniforme do jornalismo de agências africano, mas
realidades comuns vividas por diversos países do continente (tanto do norte quanto da esfera
subsaariana) permitem a identificação de amplos traços gerais. O marcado oficialismo nas
matérias, por exemplo, e a atenção dada a assuntos de viés “positivo” (em contraste com a ênfase
em guerras, violência e tragédias naturais e humanas dada pelas agências transnacionais) são
alguns deles. Além disso, as agências africanas foram pioneiras nas iniciativas de cooperação com
agências de outros países em desenvolvimento para ampliar e melhorar a circulação de notícias no
sentido Sul-Sul, e não só Sul-Norte. Boyd-Barrett (1980; 212-213) assinala como as agências de
Gana e da Nigéria lideraram o movimento pela formação da Agência de Notícias Pan-Africana
(PANA), até hoje existente, e como a agência nacional egípcia, criada sob Nasser, já nasceu com o
intuito de ter relevância regional, denotado já pelo nome, Middle East News Agency (MENA).
No contexto brasileiro, especificamente, há a peculiaridade de não haver – e nunca ter
havido – um mercado nacional expressivo de agências de notícias. A única agência estatal em
âmbito federal jamais foi grande empregadora ou fornecedora de informações, nem para a
mídia de alcance nacional, nem mesmo para a local (e, em absoluto, para a internacional). As
agências comerciais privadas, da mesma forma, acostumaram-se a operar como meras
“agenciadoras” do conteúdo produzido pelos veículos de seus conglomerados. Grande parte
delas sequer destaca pessoal específico para realizar tarefas de apuração, preferindo fazer de
cada repórter de seu “jornal-pai” também (e secundariamente) um repórter da agência. Não
são propriamente ditas agências de notícias, senão “agenciadoras de notícias” – aquilo que no
jargão da mídia nos Estados Unidos é denominado syndication –, na medida em que existem
primordialmente para revender o conteúdo produzido pelos veículos de suas holdings, não
para produzir material exclusivo diretamente para os clientes.
Em conclusão, o Brasil jamais teve uma agência de notícias internacional. Na imensa
maioria do mundo, agências de notícias são empresas especializadas em informação
internacional. Mas as agências que existiram no Brasil sempre foram mas voltadas para
alimentar a própria mídia nacional, sem se importar em atender a imprensa do resto do
mundo. Além disso, não só nunca houve uma agência brasileira de atuação global, preocupada
em cobrir os fatos do exterior para alimentar o noticiário internacional da imprensa doméstica,
como tampouco as agências que existiram se importaram em informar sobre o Brasil para
fora.
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