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As imagens destas saídasi referem-se a estudos de representações não miméticas, porque não
representam o desejo de imitar outras imagens, e sim, de revelar uma síntese visual de escolhas, de
Dentro dos limites deste trabalho, destaco alguns aspectos, tais como um processo que busca na
cidade, lugares desérticos para uma experiência de montagem, o uso indicial da fotografia com obra
O termo “campo” tem dois sentidos aqui, referindo-se tanto aos lugares amplos, planos e com
presença de vegetação rasteira, arbórea e/ou arbustiva, quanto às formas brancas inscritas nas
imagens. Inicialmente, estes dois sentidos compõem as motivações à lógica experimentada (Dubois,
1999) através das saídas pela cidade de Porto Alegre, que visa constituir esta série.
A saída ou o passeio compreende uma estratégia de busca por lugares silenciosos (sem público),
para suportar, temporariamente, campos gráficos formados por figuras geométricas planas –
retângulos, triângulos e variações – ou sólidas – prisma, etc. – suspensas no ar, e distendidas entre
objetos verticais, tais como cercas, postes, árvores, etc. A experiência não concerne apenas às
formas da figura geométrica ou do seu projeto de construção e montagem, mas inclui também o
O silêncio é tema problemático, mas existe na experiência deste estudo, intuindo as direções mais
reservadas dos barulhentos caminhos da cidade ou projetando saídas à zona rural. Uma estética do
silêncio foi defendida por Susan Sontag (1987) como sendo o conjunto de “vozes” da arte
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contemporânea que se afirma, ou melhor, da expressão silenciosa causada pelas artes que passariam
a falar de si mesmas. Em geral, ela supõe a mudança do tradicional mito da arte como expressão da
consciência humana, vigente até o esplendor da arte moderna, para “um mito mais novo que
do silêncio se referiria, segundo ela, às tendências “à antiarte, à eliminação do ‘tema’ (do ‘objeto’,
Sontag defende uma tese crítica sobre os limites restritos que os discursos da arte contemporânea
encerraram: discussões sobre critérios de validação de estatuto, esquecendo-se que arte, como
não-espetacular e baseado em sutis inserções de campos gráficos pode manifestar uma voz
inconformista não aos discursos da Arte, mas à arte de se viver entre os densos objetos que em geral
a cultura urbana constrói. Este trabalho não representa uma crítica aos discursos da Arte
Contemporânea ou sobre seu silêncio, como defende Sontag, mas sugerem, a meu ver, um modo de
experimentar esteticamente a montagem como uma escolha de campo silencioso para outras
O silêncio existe como uma decisão – no suicídio exemplar do artista, que desse modo testemunha que foi
“demasiado longe”, e nas já mencionadas renúncias modelares à vocação artística. O silêncio também existe
como uma punição (autopunição) – na loucura exemplar de artistas (Hölderlin, Artaud) que demonstram que
a própria sanidade pode ser o preço da violação das fronteiras aceitas da consciência e, com certeza, nas
penalidades (que vão da censura e da destruição física das obras de arte às multas, ao exílio, à prisão do
artista) impostas pela “sociedade” face ao inconformismo espiritual ou à subversão da sensibilidade do
grupo, por parte do artista.iii
Os elementos que sobressaem das imagens de campo podem sugerir interesses meramente formais:
as ênfases nas linhas distendidas, nas figuras de caráter geométrico, no limite da paleta de cores
entre os terrosos e neutros, e, sobretudo, no enquadramento fotográfico que vai além do registro
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documental. Neste sentido, um enfoque demasiado sobre essa impressão (formal) pode sugerir “um
tipo de arte que muitas pessoas caracterizam, de modo pejorativo, como taciturna, deprimida,
submissa e fria”.iv Mas trata-se de uma experiência ativa que envolve aspectos além dos formais,
tais como leituras sobre teorias atomísticas ou sobre a natureza dos corpos (estendendo-as às noções
Sobre este último aspecto, cabe destacar que “a fotografia faz emergir a própria lógica do ato, da
síntese de elementos que articularam a lógica que realizou atos efêmeros, neste caso: a escolha do
fotográfico favorável à inserção dos corpos gráficos; a observação das condições meteorológicas
favoráveis à visita, considerando que alta luminosidade (luz direta) interfere na visualidade das
linhas brancas distendidas sobre a superfície, entre outros elementos que se articulam neste projeto
transitório.
De fato, depressa ficou claro que a fotografia, longe de ser limitar a ser apenas o instrumento de uma
reprodução documentária do trabalho, que intervinha depois, era de imediato o pensamento, integrada à
própria concepção do projeto, a ponto de mais de uma realização ambiental ter sido finalmente elaborada em
função de certas características do procedimento fotográfico, como por exemplo, tudo que se refere ao
trabalho do ponto de vista.vi
Cristina Freire atribui ambigüidade e perenidade às fotografias (entre obra e documento) de projetos
transitórios: “ao registrar ações e situações, a fotografia e, posteriormente, o vídeo tornam perenes
projetos transitórios e ocupam, dessa maneira, o lugar intermediário entre a obra e a sua
documentação”.vii Ela concorda com Dubois, afirmando que a “lógica do índice oferece os
princípios necessários para a interpretação das fotografias conceituais realizadas durante a década
de 70”.viii Seguindo essa linha de raciocínio, as imagens das saídas de campo, de caráter transitório,
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carecendo da perenidade fotográfica como ambigüidade entre obra e documento indicial de seus
gestos (na acepção de Cristina Freire) guardaria semelhanças às práticas deste período. Em
indicial das imagens de projetos temporários, como concorda Freire, estendendo a ideia de índice
fotográfico a sua possibilidade crítica frente aos acervos tradicionais da Arte, que, segundo ela,
confundem-se na ambigüidade da foto entre obra e documento. Entretanto, sem ser este o alvo desta
imagem através da analogia que se justificaria ao falarmos do processo químico que se revela por
... esse tipo de trabalho artístico, que se desenvolveu sobretudo nos anos 70, baseia-se globalmente no princípio de
tomar como objeto (isto é, ao mesmo tempo como quadro, suporte, material e como a própria obra), a paisagem, com
todos os seus elementos. Situado em suma em algum lugar entre uma arquitetura e uma escultura da natureza, esse
domínio artístico pode reagrupar tanto tentativas modestas quanto projetos gigantescos: isso pode ir do simples
deslocamento de um sujeito num espaço natural até manipulações muito complexas de vastos materiais terrestres, quer
se trate de captar elementos, quer de assinalar sítios, quer ainda de construir dispositivos muito elaborados etc.
(DUBOIS, 1999, p. 282-283)ix
Os campos gráficos construídos ao longo deste exercício podem ser considerados “dispositivos”,
pois se destinam a uma arte de inclinação ambiental. Em outras palavras, podem ser dispositivos de
uma inscrição de campo (gráfico) suspenso na natureza e, consequentemente, uma inscrição sobre
sua imagem. Assim, elas se assemelham de fato a célebres obras deste tipo de arte, tais como
Richard Long, em “Walking a line in Peru” (1972), de Michel Heizer, em “Double Negative”
(1969), de Robert Smithson, “Mirror Displacement” (1969), Michael Singer, “First Gate Ritual
Series” (1976), Robert Irwin, em “Tilted Planes” (1978-79), Mary Miss, em “Veiled Landscape”
(1979), Jan Dibbets, em “Pespective Correction” (1969), Richard Serra, em “Shift” (1970-72), entre
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outros.
Deste elenco de trabalhos setentistas, destaco a série de Jan Dibbets tanto pelo modo crítico de
“correção” do ponto de vista retiniano da câmera, quanto pela construção de figuras geométricas
distorcidas para outra distorção: a anamorfose da imagem fotográfica. Outro aspecto da série é o
uso da imagem arborizada como de pano de fundo ao contraste da ilusão geométrica. Já nos
dispositivos de “Saídas de Campo”, não se trata de ilusão ou de correção visual, mas sim, um retrato
representação, notadamente, a de matriz albertiana. O preço histórico desta contracultura nas artes
plásticas é posto em debate em parte pela crítica do silêncio na arte contemporânea de Susan Sontag
No presente, penso que tais manifestações de contracultura nos deixaram um legado de liberdade,
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desmarcando as fronteiras que distinguiam as artes por linguagens (desenho, pintura, escultura,
etc.), tornando mais complexas nossas possibilidades de ação reflexiva, estética e prática. Em
matriz formalista da crítica norte-americana. Desse modo, este trabalho é fruto deste legado sem
demarcações precisas: revelando a partir de obras fotográficas, processos que se articulam entre
uma motivação ao silêncio, uma inscrição gráfica ao ar livre que pode ser vista como escultura não
monumental.
E o que significam estes campos gráficos além de suas próprias experiências de montagem? O que
eles expressam? Grosso modo, são tradicionais e primitivas representações da filosofia sobre as
formas matemáticas da natureza. Nesse trabalho, as figuras são corpos matemáticos que se
materializam em campos. Tal pensamento aporta-se na definição dual de corpo para Gottfried
Leibniz (1646-1716)x: corpo matemático, concebido pela razão sobre as coisas com as três
propriedades elementares (x, y, z); e corpo físico, percebido pelas propriedades da matéria, tais
como, resistência, densidade, capacidade de ocupar espaço e quando é forçado a ceder ou a deter-se
Estas ideias gerais de Leibniz abriram espaço ao sentido físico de massa que conhecemos da teoria
newtoniana (que relaciona força (f) e aceleração (a) dos corpos às suas capacidades de ação e
reação) à física contemporânea que considera corpo como “certa intensidade de campo”.xii
Desta visão esquemática da física moderna, decorre a noção contemporânea que integra corpo e
campo, neste caso, atribuindo-lhe a noção de intensidade gráfica. Em especial, esta noção privilegia
matemáticos (geométricos), gerando um campo gráfico cujo processo ambiental é capturado pelo
olhar fotográfico.
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As noções integradas de corpo como matéria, força, intensidade de campo e estrutura (usados na
física contemporânea), bem como os usos fotográficos com finalidades indiciais advém de
pensamentos praticados noutros processos artísticos. A série intitulada “Estudos sobre o campo: de
um banco, de Pilar Prado, de Mayra Redin, de Manuela Eichner, de Cristiane Schmidt e Camila
corpos humanos e artificiais eram confrontados entre si, em situações de medida ou de comparação,
Se os trabalhos anteriores lidavam com montagens diretas sobre modelos-vivos, hoje, a construção
de campos, que mantém o uso de linhas estruturais ou estais, torna-se o próprio modelo de
Estudos sobre o campo de Pilar Prado, 2009. Saída de campo III, 2009.
A série de campo sugere discussões sobre uma estética de silêncio dentro da cidade como foi
mencionado, realizando saídas urbanas, silenciosas e sem público. Trata-se de uma série não-
espaço em campo.
virtual, aos engajamentos espetaculares da arte, sigo pela saída de campo, pela caminhada reflexiva,
pelo tempo de criação, do silêncio e recolhimento. As imagens públicas geradas pelo caminho
discreto serão publicadas depois, através de algum meio informativo (experiência ainda pouco
vivida). E elas são mais do que meros documentos de registro, porque operam uma lógica do índice
de construções temporárias, em parte, semelhantes aos modos da arte ambiental (Land Art, Earth
Art).
Estas imagens podem ecoar uma recente história da arte de manifestações da fotografia documental-
expressões alargou de fato os limites do que se imaginava arte até os anos 60, propondo “a saída do
artista do ateliê (em direção a um ateliê sem muros) e a saída do trabalho de arte do museu e da
Sair para produzir na rua, agir sem espetáculo, fotografar campos silenciosos são vozes
inconformistas frente à confusão que se ouve da cidade. Os lugares deste estudo são também
desertos, porque são ermos e amplos (como muitos espaços explorados pela expressão ambiental).
A procura por uma desborda íntima nos limites que a cidade encontra o deserto parecem ser
estratégias sutis em relação à ditadura da pressa, mas permitem a entrada da intuição, da reflexão e
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BIBLIOGRAFIA:
ARCHER, Michael. Arte Contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
BERNARDES, Maria Helena. Retrato da Utopia. In: A fotografia nos processos artísticos
contemporâneos. SANTOS, Alexandre; SANTOS, Maria Ivone dos (Orgs.) Porto Alegre: Editora
FREIRE, Cristina. Gestos perenes: o registro fotográfico na arte contemporânea. In: A fotografia
nos processos artísticos contemporâneos. SANTOS, Alexandre; SANTOS, Maria Ivone dos (Orgs.)
SONTAG, Susan. A Vontade Radical. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
TIBERGHIEN, Gilles A. Nature, Art, Paysage. Paris: Actes Sud / École. Nationale Supérieure du
Internet:
Http://www.installationart.net/Chapter2Immersion/immersion02.html#culturenotnature. Acesso em
20 de maio de 2009.
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i
Ver pranchas em anexo.
ii
Cf. SONTAG, 1987, p. 12.
iii
Idem, cf. p. 16.
iv
Id. Cf. p. 17.
v
Cf. DUBOIS, 1999, p. 254.
vi
Id. Cf. p. 285.
vii
Cf. FREIRE, 2004, p. 32.
viii
Idem.
ix
O grifo em negrito é nosso.
x
Filósofo e matemático alemão, cujas ideias contribuíram ao imaginário da moderna filosofia da ciência, em particular,
da reflexão sobre a mecânica dos corpos.
xi
EINSTEN-INFELD, The Evolution ofPhysics, III; trad. it., p. 253 apud FERRATER, 2004.
xii
Idem.
xiii
Cf. BERNARDES, 2004, p. 192-193.