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O Banco Mundial como ator político, financeiro e intelectual
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Ebook746 pages9 hours

O Banco Mundial como ator político, financeiro e intelectual

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About this ebook

Desde sua constituição, em 1944-1946, o Banco Mundial se destacou por sua originalidade entre as organizações internacionais criadas depois da Segunda Guerra Mundial. Este livro, uma obra ousada e uma excelente história do Banco Mundial, é um minucioso trabalho de pesquisa com documentos originais e fontes primárias, que permitiram ao autor uma reconstrução preciosa da trajetória do Banco, no contexto das grandes transformações mundiais ocorridas entre 1944 e 2008.
LanguagePortuguês
Release dateMar 15, 2012
ISBN9788520010471
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    O Banco Mundial como ator político, financeiro e intelectual - João Márcio Mendes Pereira

    A grande política compreende as questões ligadas à fundação de novos Estados, à luta pela destruição, pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas econômico-sociais. A pequena política compreende as questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela predominância entre as diversas frações de uma mesma classe política. Portanto, é grande política tentar excluir a grande política do âmbito interno da vida estatal e reduzir tudo à pequena política (...). Os mesmos termos se apresentam na política internacional.

    Antonio Gramsci,

    Breves notas sobre a política de Maquiavel (1932-34)

    Para Mazi

    Agradecimentos

    Parte expressiva da literatura internacional necessária à realização deste trabalho — originalmente defendido como tese de doutoramento no Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense — foi obtida graças ao apoio inestimável de algumas pessoas. Agradeço, por isso, a Carmen Alveal, Luiz Bernardo Pericás, Sérgio Sauer, Fabrizio Rigout, Miguel Carter, Pilar Gamero, Flaviane e Flávia Canavesi, Lisa Viscidi, Marcela Pronko, Roberto Leher e Guillermo Almeyra. Agradeço também a João Paulo Rodrigues e Marina dos Santos por viabilizarem o acesso a documentos e livros localizados em bibliotecas de Brasília.

    Sou grato aos professores que compuseram a banca examinadora por seus comentários, questionamentos e sugestões. Em particular, a Carlos Walter Porto-Gonçalves e a Roberto Leher, que também compuseram a banca de qualificação e me brindaram com sugestões decisivas para os rumos da pesquisa.

    Agradeço a Eduardo Barcelos por haver confeccionado os mapas apresentados aqui.

    Meu reconhecimento integral à professora Virgínia Fontes, por anos de interlocução rigorosa, franqueza no trato pessoal e encorajamento à ousadia intelectual. Foi uma grande honra para mim ter contado com o seu apoio e sua confiança nessa jornada.

    Devo dizer, por fim, que não teria feito essa travessia sem a presença, o cuidado e o amor da minha mulher, Márcia. Por tudo que vivemos, é a ela que dedico esta pesquisa.

    Sumário

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    LISTA DE TABELAS

    LISTA DE MAPAS E GRÁFICOS

    PREFÁCIO

    INTRODUÇÃO

    CAPÍTULO 1

    Grupo Banco Mundial: estrutura e divisão interna de trabalho

    ORGANIZAÇÕES QUE COMPÕEM O GRUPO BANCO MUNDIAL

    Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Bird)

    Associação Internacional de Desenvolvimento (AID)

    Corporação Financeira Internacional (CFI)

    Centro Internacional para Conciliação de Divergências em Investimentos (CICDI)

    Agência Multilateral de Garantias de Investimentos (AMGI)

    Instituto do Banco Mundial (IBM)

    Painel de Inspeção

    PARCERIAS E INICIATIVAS MULTILATERAIS EM CURSO

    INSTÂNCIAS DE DECISÃO, GOVERNANÇA E DISTRIBUIÇÃO DO PODER DE VOTO

    CAPÍTULO 2

    Do nascimento à consolidação — 1944-1962

    BRETTON WOODS

    NASCIMENTO E PRIMEIRAS DEFINIÇÕES ESTRATÉGICAS

    INÍCIO DA GUERRA FRIA

    GANHANDO A CONFIANÇA DE WALL STREET

    MODUS OPERANDI: DINHEIRO, IDEIAS E INFLUÊNCIA POLÍTICA

    PRESSÕES CRUZADAS E AMPLIAÇÃO INSTITUCIONAL

    CAPÍTULO 3

    Crescimento acelerado, diversificação de ações e ampliação do raio de influência — 1963-1968

    CAPÍTULO 4

    Desenvolvimento como segurança, assalto à pobreza e início do ajustamento estrutural: os anos McNamara — 1968-1981

    EXPANSÃO OPERACIONAL: SETORES E REGIÕES

    CONSTRUÇÃO POLÍTICO-INTELECTUAL DO ASSALTO À POBREZA: TEORIA E RESULTADOS

    ENDIVIDAMENTO ACELERADO, FUGAS PARA FRENTE E INÍCIO DO AJUSTAMENTO ESTRUTURAL

    CAPÍTULO 5

    Ajustamento estrutural, consolidação do programa político neoliberal e embates socioambientais — 1981-1995

    A POLÍTICA DO AJUSTAMENTO ESTRUTURAL: DIMENSÕES E TENSIONAMENTOS

    FIM DA GUERRA FRIA, CONSENSO DE WASHINGTON E IMPULSO À NEOLIBERALIZAÇÃO

    DETERIORAÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA E CONTRAOFENSIVA INSTITUCIONAL

    PESQUISA, CONHECIMENTO E MECANISMOS DE REPRODUÇÃO DO PARADIGMA DOMINANTE

    CINQUENTA ANOS DE BRETTON WOODS: CRÍTICAS E EMBATES SOBRE O PAPEL DO BANCO MUNDIAL

    CAPÍTULO 6

    Reciclagem e dilatação do programa político neoliberal — 1995-2008

    COOPTAÇÃO, CONSENTIMENTO E INTERNALIZAÇÃO DA DOMINAÇÃO: A POLÍTICA DE WOLFENSOHN

    RECICLAGEM E DILATAÇÃO DO PROGRAMA POLÍTICO NEOLIBERAL

    CONTROVÉRSIAS EM WASHINGTON E REAFIRMAÇÃO DA REALPOLITIK ESTADUNIDENSE — 1998-2000

    OPERAÇÕES FINANCEIRAS POR SETORES E REGIÕES

    PESQUISA, CONHECIMENTO E MECANISMOS DE REPRODUÇÃO DO PARADIGMA DOMINANTE

    DE 2005 A MEADOS DE 2008: O BANCO MUNDIAL SOB WOLFOWITZ E ZOELLICK

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    BIBLIOGRAFIA E DOCUMENTOS CITADOS

    REPORTAGENS CITADAS

    PÁGINAS ELETRÔNICAS CONSULTADAS

    Lista de abreviaturas e siglas

    ADM — Agência de Desenvolvimento Mundial

    AID — Associação Internacional de Desenvolvimento

    AMGI — Agência Multilateral de Garantias de Investimentos

    AOD — Ajuda Oficial ao Desenvolvimento

    BAD — Banco de Desenvolvimento Asiático

    BAfD — Banco de Desenvolvimento Africano

    Berd — Banco Europeu para a Reconstrução e o Desenvolvimento

    BID — Banco Interamericano de Desenvolvimento

    Bird — Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento

    BIS — Banco de Compensações Internacionais

    BMD — Banco Multilateral de Desenvolvimento

    CAD — Comitê de Ajuda ao Desenvolvimento

    CDM — Conta do Desafio do Milênio

    Cepal — Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe

    CFI — Corporação Financeira Internacional

    CGIAR — Grupo Consultivo para a Pesquisa Agrícola Internacional

    CIA — Agência Central de Inteligência

    CICDI — Centro Internacional para Conciliação de Divergências em Investimentos

    CMB — Comissão Mundial de Barragens

    Delp — Documento Estratégico de Redução da Pobreza

    DRI — Desenvolvimento Rural Integrado

    Escap — Comissão Econômica e Social para a Ásia e o Pacífico

    EUA — Estados Unidos da América

    FAO — Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação

    FMI — Fundo Monetário Internacional

    Gatt — Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio

    GBM — Grupo Banco Mundial

    IBM — Instituto do Banco Mundial

    ICMM — Conselho Internacional de Mineração & Metais

    IDE — Instituto de Desenvolvimento Econômico

    IDS — Institute of Development Studies

    Ifad — Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola

    IFI — Instituição Financeira Internacional

    MIT — Massachusetts Institute of Technology

    Nafta — Tratado Norte-Americano de Livre Comércio

    NEI — Nova Economia Institucional

    OCDE — Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico

    OECE — Organização Europeia de Cooperação Econômica

    OIT — Organização Internacional do Trabalho

    OMC — Organização Mundial do Comércio

    OMS — Organização Mundial da Saúde

    ONG — Organização Não Governamental

    ONU — Organização das Nações Unidas

    Otan — Organização do Tratado do Atlântico Norte

    PAE — Programa de Ajustamento Estrutural

    PIB — Produto Interno Bruto

    Pnud — Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

    PPME — Países Pobres Muito Endividados

    RDM — Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial

    RIE — Revisão das Indústrias Extrativas

    Sapri — Revisão Participativa do Ajustamento Estrutural

    Saprin — Rede da Revisão Participativa do Ajustamento Estrutural

    Sunfed — Fundo Especial das Nações Unidas para o Desenvolvimento Econômico

    Unctad — Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento

    Unesco — Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

    Unicef — Fundo das Nações Unidas para a Infância

    URSS — União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

    Usaid — Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional

    Lista de Tabelas

    1.1Países elegíveis ao Bird, à AID e a ambos por região — 30 de junho de 2008

    1.2Sumário de empréstimos do Bird, 15 maiores mutuários — 30 de junho de 2007

    1.3Sumário geral de empréstimos do Bird — 30 de junho de 2007

    1.4Movimentação financeira do Bird — 1995-2008

    1.5Reposições da AID por país e período — 1961-2011

    1.6Financiamento da AID — 1994-2011

    1.7Sumário de créditos da AID, 15 maiores mutuários — 30 de junho de 2007

    1.8Sumário geral de créditos da AID — 30 de junho de 2007

    1.9Movimentação financeira da AID — 1995-2008

    1.10Compromissos financeiros da CFI — 2000-2008

    1.11Denúncias apresentadas ao Painel de Inspeção — 12 de novembro de 2008

    1.12Organizações financeiras internacionais associadas ao Banco Mundial — 30 de junho de 2008

    1.13Principais parcerias multilaterais do Banco Mundial — 30 de junho de 2008

    1.14Estados-membros e poder de voto no Bird — 30 de junho de 2007

    1.15Estados-membros e poder de voto na AID — 30 de junho de 2007

    1.16Poder de voto dos membros mais poderosos no Bird, anos selecionados

    1.17Poder de voto no Bird e posição na economia internacional — 30 de junho de 2007

    1.18Poder de voto dos diretores-executivos do Bird — 30 de junho de 2007

    1.19Presidentes do Banco Mundial desde 1946

    2.1Subscrições de capital e poder de voto no Bird — agosto de 1947

    2.2Distribuição geográfica dos gastos efetuados com os empréstimos do Banco Mundial — 1946-1962

    2.3Empréstimos do Bird e créditos da AID para desenvolvimento — 1947-1969

    2.4Empréstimos para desenvolvimento concedidos pelo Banco Mundial — 1948-1961

    2.5Compromissos financeiros anuais do Bird com países menos desenvolvidos (1948-1961)

    3.1Posição do Banco Mundial entre bancos globais por ativos — anos fiscais selecionados

    3.2Tamanho do Banco Mundial: crescimento por períodos — de 1948-1949 até 1993-1994

    3.3Tamanho do Banco Mundial: crescimento anual — de 1948-1949 até 1993-1994

    3.4Volume de empréstimos do Banco Mundial entre 1961-1969 por países

    3.5Volume de empréstimos do Banco Mundial — 1961-1969

    3.6Alocação setorial dos empréstimos do Banco Mundial (Bird e AID) — 1961-1969

    4.1Compromissos financeiros do Grupo Banco Mundial por região — 1946-1973

    4.2Empréstimos do Banco Mundial durante a gestão McNamara — 1969-1982

    4.3Empréstimos do Banco Mundial durante a gestão McNamara — 1969-1982 (percentual)

    4.4Empréstimos para o setor agropecuário por região — 1959-1995192

    4.5Distribuição dos projetos para agropecuária e desenvolvimento rural — 1965-1982

    4.6Distribuição dos projetos para agropecuária e desenvolvimento rural por região — 1965-1986

    4.7Distribuição dos projetos para agropecuária e desenvolvimento rural aprovados por subsetor — 1965-1973

    4.8Distribuição dos projetos aprovados para agricultura e desenvolvimento rural por subsetor — 1974-1986

    4.9Dez principais mutuários do Bird e da AID — 30 de junho de 1981

    5.1Compromissos financeiros do Banco Mundial para fins de ajustamento por região — 1980-1993

    5.2Empréstimos do Bird e da AID por setor — 1982-1989

    5.3Distribuição regional dos empréstimos do Banco Mundial — 1982-1991

    5.4Dívida externa total (pública e privada) dos países em desenvolvimento — 1970-2004

    5.5Dívida dos países em desenvolvimento com o Bird — 1970-2004

    5.6Atividades de ensino e assistência institucional realizadas pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico — 1983-1990

    5.7Empréstimos do Banco Mundial para setores com foco no aliviamento da pobreza — 1981-1993

    5.8O consenso de Washington original

    5.9Empréstimos do Bird e da AID por setor — 1990-1995

    5.10Projetos do Banco Mundial em colaboração com ONGs, por regiões e setores — 1974-1995

    5.11Periodização da implementação das reformas neoliberais na América Latina, segundo o mainstream

    5.12Distribuição regional dos empréstimos do Bird — 1983-1995

    5.13Distribuição regional dos créditos da AID — 1983-1995

    5.14Atividades de ensino e assistência institucional realizadas pelo Instituto de Desenvolvimento Econômico, por setor e região — 1991-1993

    5.15Financiamentos do Banco Mundial para projetos ambientais — 1986-1998

    6.1Projetos do Banco Mundial em colaboração com ONGs, por regiões e setores — 1987-1999

    6.2Políticas de estabilização monetária e liberalização econômica na América Latina e no Caribe — 1975-1995

    6.3Os estágios da liberalização econômica, segundo o mainstream neoliberal

    6.4Matriz de políticas para implementação do Marco Integral de Desenvolvimento — 1999

    6.5Consenso de Washington original (final dos anos 1980) e ampliado (final dos anos 1990)

    6.6Superposição dos empréstimos dos bancos regionais de desenvolvimento e do Banco Mundial — 1996-1998

    6.7Indicadores de desempenho da Conta do Desafio do Milênio

    6.8Compromissos financeiros do Banco Mundial — 1990-2008

    6.9Empréstimos para fins de ajustamento estrutural e setorial do Banco Mundial — 1994-2000

    6.10Empréstimos para fins de ajustamento estrutural e setorial do Banco Mundial — 2001-2008

    6.11Compromissos financeiros para fins de ajustamento do Banco Mundial por região — 1996-2004

    6.12Empréstimos do Banco Mundial por tópico e setor — 1995-2008

    6.13Empréstimos do Banco Mundial por tópico e setor — 1995-2008 (percentual)

    6.14Empréstimos do Bird e da AID por tópico e setor — 2002-2008

    6.15Distribuição regional dos empréstimos do Banco Mundial — 1992-2008

    6.16Empréstimos do Bird por tema e setor e por região — 1990-2003

    6.17Empréstimos do Bird por tema e setor e por região — 1990-2003 (percentual por região)

    6.18Créditos da AID por tema e setor e por região — 1990-2003

    6.19Créditos da AID por tema e setor e por região — 1990-2003 (percentual por região)

    6.20Empréstimos do Banco Mundial (Bird e AID) por tema e setor e por região — 1990-2003 (percentual)

    6.21Empréstimos do Banco Mundial (Bird e AID) por região — 1990-2003 (percentual)

    6.22Distribuição regional dos empréstimos do Bird — 1995-2008 (percentual)

    6.23Distribuição regional dos créditos da AID — 1995-2008 (percentual)

    Lista de mapas e gráficos

    Mapa 1.1Países elegíveis ao Bird, à AID e a ambos — 30 de junho de 2008

    Mapa 1.2Países elegíveis a empréstimos do Banco Mundial (Bird e AID) por região — 30 de junho de 2008

    Mapa 1.3Quinze maiores mutuários do Bird — 30 de junho de 2007

    Mapa 1.4Quinze maiores mutuários da AID — 30 de junho de 2007

    Mapa 1.5Poder de voto no Bird (15 maiores acionistas) — 30 de junho de 2007

    Mapa 3.1Volume de empréstimos para os clientes do Banco Mundial — 1961-1969

    Gráfico 6.1.Grupos dentro do Banco Mundial que produzem pesquisa — maio de 2006

    Prefácio

    História contemporânea, ciência e política: uma mesma vocação

    O Banco Mundial, muito mais do que um banco, enfeixa um complexo de entidades e uma gigantesca base de ação econômica, social, intelectual e ideológica, o que é magistralmente esmiuçado neste livro. Porém o resultado dessa análise incisiva é, acima de tudo, uma obra de História Contemporânea em seu sentido mais pleno. Estudar o funcionamento do Grupo Banco Mundial, na cuidadosa maneira como fez João Márcio, envolveu esmiuçar as múltiplas conexões internacionais que tecem a hierarquia entre os países, organizam a desigualdade econômica e promovem convencimento, o qual, apoiando-se em inúmeras e variadas imposições e sanções, levam a crer que o mundo sob o qual vivemos é a única maneira possível de produzir a existência.

    Este livro é uma verdadeira joia de pesquisa, apesar dos inúmeros óbices que se interpuseram para a localização e disponibilização de documentos sobre o Grupo Banco Mundial. Defrontando-se com documentação de difícil acesso e trato árido, João Márcio Mendes Pereira cresceu como pesquisador a cada obstáculo, deslindando o que se procurava ocultar em documentos impessoais. Constitui uma rara lição de metodologia de pesquisa aos que pretendem compreender e explicar instituições que se apresentam como meramente econômicas. Contesta na prática os que imaginam que a documentação institucional não permite identificar lutas e embates políticos e delas extrair as formas dominantes de subjetivação, mesmo difusas.

    João Márcio conseguiu trazer à tona um variado processo histórico composto de arranjos, correlações de força e de tensões, desvelando a imbricação entre grandes empresas, fundações e governos na consolidação internacional e internacionalizada de estruturas produtivas, de políticas econômicas e de preparação intelectual de dirigentes para o capital nos mais diferentes países. Partindo de números frios, pacientemente correlacionou os dados de maneira a desvendar uma extensa teia de relações econômicas, sociais e intelectuais no plano internacional.

    Este livro mantém cuidadosa distância de qualquer proselitismo e averigua cautelosa mas corajosamente as tensões internas e as estreitas conexões entre as opções e inflexões do Banco Mundial e os conflitos específicos da política norte-americana. Sua contribuição é inestimável ao mostrar como se generaliza internacionalmente uma forma peculiar de política, elaborada e/ou referendada pelo Grupo Banco Mundial e incorporada institucionalmente, de maneira mais ou menos velada, pelos demais países. A dialética da relação entre os âmbitos nacionais e as instituições internacionais voltadas para a disseminação e a conservação da ordem do capital-imperialismo ganha relevo e substância neste livro, que demonstra ao mesmo tempo a rígida crispação da desigualdade e a imposição de flexível mobilidade oferecida para quantidades cada vez mais faraônicas de capitais procurando valorização.

    É quase impossível destacar um aspecto isolado deste formidável trabalho, uma vez que as relações estão apresentadas como são na vida real, entrelaçadas. No entanto, vale atentar para algumas questões, ainda insuficientemente exploradas na literatura crítica, pela magnitude de suas implicações na vida social da grande maioria da população do planeta, e levar em conta a força com a qual penetraram nas políticas públicas e nos partidos políticos de inúmeros países. Em primeiro lugar, a conversão ideológica realizada em fins da década de 1960 pelo Banco Mundial, procurando afogar a luta social pela igualdade sob uma maré, mais discursiva do que efetiva, do assalto à pobreza, realizado por meio de políticas de gotejamento. Essa prática constituiria a base para desdobramentos ulteriores de uma pobretologia que, apresentada com todas as letras neste livro, tinha como um de seus elementos centrais a tentativa de apagar as razões do próprio aprofundamento internacional da pobreza, diretamente ligado à expansão internacional capitalista e às sucessivas expropriações que promove.

    Em segundo lugar, a íntima conexão entre produção científica, grandes empresas, fundações internacionais, governos — em primeiro e central lugar, o dos Estados Unidos — e o Banco Mundial na promoção, no apoio e na generalização de uma agricultura capitalista de grandes extensões, impregnada de tecnologia e de defensivos, devoradora de terras, que posteriormente se converteria em base da produção de transgênicos.

    Finalmente, gostaria de sublinhar a imbricação profunda entre aparelhos de hegemonia com claras origens nacionais, que se apresentam sob o rótulo de sociedade civil, Estados e o Grupo Banco Mundial. Novamente, não se trata de uma relação mecânica. Além da intimidade de algumas fundações com o Banco Mundial, como a Ford Foundation, ocorreram também aqui tensões e embates em âmbito internacional. Na última década, vem ocorrendo acelerado processo de incorporação seletiva ao Grupo Banco Mundial de algumas entidades associativas internacionais consideradas maduras, tendo como contrapartida o isolamento e a fragmentação das questões trazidas por outras entidades, apresentadas como imaturas. Embora não seja este o alvo deste livro, merecem nossa atenção os procedimentos de criminalização incidindo sobre movimentos sociais no âmbito internacional, em especial sobre aqueles que persistem em organizar setores populares contra a dinâmica destrutiva do capital ou, mesmo, endinheiradas campanhas de descrédito lançadas sobre aqueles que se limitam a explicitar os dramáticos efeitos das políticas impostas pelo Grupo Banco Mundial.

    A atuação cosmopolita dessa agência internacional a serviço da expansão do capital, respondendo sobretudo às injunções da política dominante dos Estados Unidos, procura incorporar terrenos cada vez mais extensos da formulação intelectual, avassalando enorme espectro de reivindicações de cunho mais ou menos pontual que se disseminavam no cenário internacional.

    Não vou me alongar mais na apresentação deste que, como qualquer bom livro, absorve o leitor ao compartilhar com ele um universo que, aparentemente cotidiano, se revela pleno de surpresas.

    Gostaria de me dedicar agora a outro aspecto, prosaico e afetuoso: refiro-me à grande amizade que me liga a João Márcio. Como transferir uma experiência vivida para uma tela em branco que se converterá em prefácio, algo que conserva sempre um aspecto muito formal? Ainda mais, um prefácio de um livro que resulta de uma tese de doutorado da qual tive a satisfação de ser a orientadora. Procurarei trazer para o leitor alguns dos aspectos mais sensíveis dos encontros que povoaram uma grande amizade.

    Conheci João Márcio quando ele cursava sua graduação em História na Universidade Federal Fluminense, onde eu lecionava. Ficamos amigos. Se a memória não me trai, nos conhecemos num curso no qual procurei debater cuidadosamente Karl Marx e Max Weber, comparando seus pressupostos metodológicos e as análises históricas realizadas sobre a emergência do capitalismo. Mesmo que não tenha sido naquele curso o nosso encontro, certamente as questões que ali eram tratadas povoaram nossas conversas.

    Aliás, sequer estava em discussão naquele curso o famosíssimo livro de Max Weber, Ciência e política: duas vocações, editado no Brasil pela Cultrix, de São Paulo, em 1970. Com tranquilidade, porém, considero que, para a amizade construída com João Márcio, era evidente a impossibilidade de escolher, como sugeriu Weber, entre a ética do cientista, feita de convicção, e a ética do político, costurada pela responsabilidade da ação imediata e tingida de pragmatismo. Para Weber, o cientista se pauta pelo valor do conhecimento, elaborado através de firmes procedimentos metodológicos, e deve apresentar os resultados, por mais incômodos que eles se revelem para suas próprias crenças e expectativas. Já os políticos, para ele, são guiados pela responsabilidade, precisam aceitar interesses e valores contraditórios e muitas vezes precisam ocultar seus verdadeiros sentimentos e suas dúvidas. A acuidade de Weber e seu refinamento em apresentar a diferença entre ciência e política se ressente, todavia, da dicotomização paradoxal na qual ele se encerrou. A suposição de partida separa profissionais, da política ou da ciência, sem questionar ou indagar a que responde tal divisão social do trabalho. Naturaliza, portanto, algo que não é necessário e nem sempre existente na história da humanidade.

    Decerto, vivemos em sociedades com uma dramática divisão social do trabalho, cuja análise nos ajuda a compreender o sofrimento expresso por Weber. Não obstante não se ocupar com este aspecto crucial do problema, Weber instiga e inquieta, ao considerar que os valores mais caros a cientistas e políticos tornam-se irredutivelmente incompatíveis. O elaborado impasse ao qual ele nos conduz pode, entretanto, disseminar uma paralisia feita de desilusão, porém bastante confortável: libera ficticiamente um e outro — cientista e político — para o descompromisso com seus mais altos valores, irremediavelmente dualizados. Aos cientistas, secundariza a responsabilidade. Aos políticos, deixa em segundo plano a busca da compreensão do conjunto da vida social e a convicção forjada pelo conhecimento.

    Assim, para muitos, a busca desinteressada de conhecimento se converte em aplicação sistematizada e muitas vezes mecânica de técnicas de pesquisa, no máximo voltada para as angústias e inquietudes do próprio pesquisador, que, em muitos casos, apenas reflete sua ânsia de fazer uma carreira acadêmica. Trata-se do desinteresse interessado sobre o qual já escreveram Robert Merton e Pierre Bourdieu. Outros se sentem autorizados a ignorar o fato de que suas pesquisas repousam sobre enorme manancial histórico de tentativas de compreensão e explicação do mundo realizadas pela humanidade e se limitam a fazer investigações com requintadas técnicas, mas sobre temas inócuos. Melhor dizendo, sobre temas apenas aparentemente inócuos, pois tendem em geral a reiterar o mundo tal como está, como se fosse necessário e insuperável. Muitos desconsideram que, se é certo que a procura do conhecimento não deve se reduzir a seu alcance pragmático ou utilitário, não deve se descomprometer das condições da existência humana.

    Se, como queria Weber, é fundamental averiguar a fundo os elementos desconfortáveis para suas próprias opções teóricas, não basta fazê-lo de maneira aligeirada, e sim realizar uma rigorosa crítica de pressupostos teóricos e das implicações intelectuais e sociais da produção científica e dos diferentes tipos de valores que nela circulam. A lição de Marx ao elaborar sua formidável crítica da economia política subjaz ao longo de todo este livro.

    Infelizmente, em nossos dias, ao contrário desse penoso, mas gratificante trabalho, muitos confortavelmente desprezam as consequências sociais de suas pesquisas, separando o valor do conhecimento do valor da vida humana.

    Aos políticos, a prédica de Weber pode resultar numa liberação para inúmeros tipos de compromisso, de maneira a atingir objetivos não necessariamente explicitados, uma vez que a ética da responsabilidade sugerida por ele autoriza tanto o segredo de Estado — o que seria, a princípio, recusado ao cientista — quanto definições arbitrárias de valores supremos, definidos pela própria personalidade do líder ou resultantes das características da dominação segundo a qual se delineia sua própria prática profissional. Com Marx, e em seguida com Antonio Gramsci, entretanto, a luta se revelava mais profunda: não basta estabelecer procedimentos para as decisões de dirigentes, mas apontar a todo o tempo o processo pelo qual se recompõem as clivagens entre dirigentes e dirigidos. Ler Weber ajuda a conhecer os desafios e as contradições que as duas vocações encerram; posto vivermos numa sociedade, a divisão social do trabalho se apresenta como rigidamente cristalizada.

    Contudo, o desafio que nutria a amizade crescente com João Márcio era o de combater exatamente esse enrijecimento, procurando aliar a rigorosa atividade de pesquisador à militância consciente. A opção weberiana crispava o devenir histórico, separava valores que precisam caminhar juntos, mesmo que não idênticos. Com Marx, abriam-se possibilidades mais amplas para compreender a estreita vinculação do conhecimento com a militância, nenhum dos dois reduzido a uma profissão, mas tornados partes integrantes da própria existência.

    Assim, mais do que uma oposição entre profissões incompatíveis, o dilema incidia sobre a própria existência social. Em longas conversas com João Márcio, ficava clara a importância de enfrentar autores com pressupostos distintos dos nossos e, por vezes, até mesmo francamente contraditórios. Conversávamos sobre isso, líamos muito mais do que os autores com os quais concordávamos, recuperando uma experiência da existência humana mais ampla do que os rótulos podem encerrar.

    As disjuntivas opondo convicção e responsabilidade não são falsas. Mas podem ser dramaticamente insuficientes, uma vez que existir no mundo, tendo a coragem de enfrentar seu pleno significado, exige enfrentar essas disjuntivas conjuntamente e não abdicar, de maneira terrivelmente sofrida — como o foi para Weber, aliás — de uma ou de outra. Aceitar ser ora responsável e pragmático, ser político, ou ora convictos e pesquisadores sérios, ser cientistas, era apenas a confissão de uma enorme impotência. Muitas vezes conversamos sobre o horror da amputação de um dos dois lados da existência humana — a convicção contraposta à responsabilidade, a ação desencadeada independentemente da reflexão — e até mesmo contra ela.

    Weber provavelmente jamais foi enunciado de forma explícita, nas diferentes ocasiões em que conversei com João Márcio. Mas era em torno dessas questões que nossos debates cresciam. Como conhecer e explicar o mundo sem abdicar dele? Este livro é a demonstração de que isso é não só possível, mas a cada dia mais urgente. João Márcio demonstra que o conhecimento engajado é uma condição para a superação (e não apenas a recusa) de pontos de vista parciais, ainda que contenham grãos de verdade.

    Nossa amizade compartilhou ainda a experiência de termos vivido, em diferentes períodos, em Jacarepaguá e de estudar roubando tempo aos empregos. Além disso, reconhecemos a coragem dos suburbanos e a ousadia de enfrentar limitações que para muitos pareciam enormes.

    Uma grande amizade intelectual, provocativa e afetuosa nos une desde então. Acompanhei, como leitora, sua monografia de conclusão de curso, com a qual enormemente aprendi. João Márcio ingressou no mestrado em outra instituição, onde trabalhou com afinco. Mais uma vez a distância, convivi com sua brilhante dissertação. Tivemos muitos encontros informais, algumas vezes em conversas regadas por cerveja ou vinho. Debatíamos sobre variadas questões teóricas e conjunturais, sem escamotear nossas dúvidas; discutíamos a importância de produzir conhecimento com o rigor necessário, sem preconceitos e sem limitações. Interrogávamo-nos sobre como trabalhar as contradições que povoam nosso mundo e nossa própria existência sem abrir mão dos preceitos éticos e políticos. Em nossas longas conversas, havia um fio comum: ousar fazer de tal forma que conhecimento e convicção jamais se afastassem de responsabilidade e da militância diante das desigualdades que constituem o mundo e ousar trazer para o conhecimento o sentido da existência social e singular.

    Em seu doutoramento, João Márcio afinal integrou o grupo de estudantes sob minha orientação. Nossos encontros se refinavam, sob a múltipla injunção do desafio teórico, do desafio histórico e da pedagogia de mão dupla que tais desafios envolvem. João Márcio não necessitava de orientação para sua investigação, já era um pesquisador maduro, um jovem sólido na pesquisa e na vida. Se uma infinitesimal parte cabe aos orientadores, a mais importante é o reconhecimento da capacidade dos pesquisadores que temos a sorte de encontrar. O jovem João Márcio tem já uma extensa trajetória, que agrega não apenas sua própria vivência, mas incorpora a longa luta daqueles que, subordinados ao capital, ousam a ele se defrontar. Em qualquer terreno.

    João Márcio militava em movimentos sociais e, curioso e feroz, enfrentava os textos e a vida, em condições por vezes bastante difíceis. Devem ser fáceis e dóceis as pessoas que enfrentam tais desafios? O refinamento do conhecimento deve adoçar os modos ou, ao contrário, aguçá-los? Afiando o gume de sua capacidade intelectual, sem perder o fio da luta social, João Márcio pôde encontrar o espaço dos afetos e do amor doce, visível na sua ligação com sua companheira Márcia.

    Esse é um pedacinho de uma história que, de outra forma, ficaria oculta na sombra projetada pela belíssima pesquisa que este livro apresenta.

    Meu mais relevante papel nesta tese foi o de ter sugerido a importância de aumentar o primeiro capítulo — que versava sobre a história do Banco Mundial — para convertê-lo numa pequena publicação que tínhamos urgência de ler e divulgar. A capacidade de João Márcio — com a contribuição da banca que atuou na qualificação de sua tese — foi a de não aceitar nada pela metade. A tese final e o livro que temos nas mãos expressam a teimosia, a coerência, a coragem e a persistência de João Márcio. Modificou sua tese, sem a perda de um fiapo sequer de sua consistência e de sua abrangência para torná-la aquilo de que precisávamos. Livro atual, rigoroso e que não se satisfaz com denúncias, mas se nutre de enorme e paciente pesquisa e, sobretudo, da inteligência necessária para corporificar a teoria, transformando os ingredientes da investigação histórica (documental e bibliográfica) e da curiosidade intelectual em explicação histórica.

    Virgínia Fontes

    Introdução

    Esta pesquisa* tem como foco a ação do Banco Mundial, as pressões que a modelaram e os interesses a que serviu ao longo da sua história. Sua hipótese central é a de que o Banco age, desde as suas origens, ainda que de diferentes formas, como um ator político, intelectual e financeiro, e o faz devido à sua condição singular de emprestador, formulador de políticas, ator social e produtor e/ou veiculador de ideias em matéria de desenvolvimento capitalista, sobre o que fazer, como fazer, quem deve fazer e para quem fazer. Ao longo da sua história, o Banco sempre explorou a sinergia entre dinheiro, prescrições políticas e conhecimento econômico para ampliar sua influência e institucionalizar sua pauta de políticas em âmbito nacional, tanto por meio da coerção (influência e constrangimento junto a outros financiadores e bloqueio de empréstimos) como da persuasão (diálogo com governos e assistência técnica).

    Os atributos de poder que gradualmente deram ao Banco uma condição ímpar entre as demais organizações internacionais decorreram de contingências históricas, decisões institucionais e, fundamentalmente, da supremacia norte-americana. O Banco foi, em grande medida, uma criação dos Estados Unidos e a sua subida à condição de organização internacional relevante foi escorada, do ponto de vista político e financeiro, pelos EUA, que sempre foram o maior acionista e o membro mais influente. As relações com os EUA, sob a forma de apoio, injunções e críticas, foram decisivas para o crescimento e a configuração geral das políticas e práticas institucionais do Banco. Em troca, os EUA beneficiaram-se largamente da ação do Banco em termos econômicos e políticos, mais do que qualquer outro grande acionista, tanto no curto como no longo prazos. As relações com o poder norte-americano foram e continuam sendo fundamentais para a definição da direção, da estrutura operacional e das formas de atuação do Banco.

    Por sua vez, a política norte-americana para o Banco sempre foi objeto de disputa e barganha entre interesses empresariais, financeiros, políticos, ideológicos e de segurança diversos, às vezes radicalmente diferentes, quanto ao papel da cooperação multilateral e da assistência externa ao desenvolvimento capitalista. Dessa disputa originou-se o apoio dos EUA à assistência externa em geral e ao Banco Mundial em particular como instrumentos para a promoção de uma economia internacional livre e aberta ao capital no pós-guerra, bem como o suporte à cooperação multilateral como meio efetivo para alavancar e alocar recursos para essa finalidade e, assim, desonerar a carga dos EUA com a ajuda econômica bilateral. Originou-se, também, a instrumentalização das organizações internacionais, incluindo o Banco Mundial, para fins imediatos da política externa americana, contrariando a pregação sobre o multilateralismo.

    Com o passar do tempo, a disputa passou a envolver um número cada vez maior de atores políticos e econômicos. A partir do final dos anos 1960, o ativismo crescente do Congresso sobre a política externa dos EUA pouco a pouco alcançou o Banco Mundial, abrindo pontos de entrada durante a década seguinte para que interesses variados influenciassem as provisões norte-americanas para a instituição. Até então, a política de Washington para o Banco era definida basicamente pelo jogo de poder entre o Departamento do Tesouro e o Departamento de Estado. Durante os anos 1980, o ativismo do Congresso criou oportunidades para que grupos políticos e organizações não governamentais norte-americanas passassem a agir por dentro do parlamento, com o objetivo de pautar as ações do Banco Mundial em matéria social e ambiental. Desde então, o Congresso tornou-se alvo de lobbies e campanhas públicas voltadas para influenciar a política dos EUA para o Banco. Isso transformou o Congresso norte-americano no único parlamento cujos trâmites de fato têm peso sobre as pautas e a forma de atuação do Banco, o que também reforça a gravitação dos EUA sobre a organização.

    Esta pesquisa se apoia empiricamente em fontes documentais produzidas pelo próprio Banco Mundial e numa volumosa e rica literatura especializada sobre múltiplos aspectos da sua organização e de sua trajetória. Do ponto de vista metodológico, a análise documental priorizou o cruzamento permanente de fontes internas diversas, em particular aquelas dedicadas à prescrição de políticas, ao balizamento do debate sobre desenvolvimento e ao informe anual de suas próprias atividades. A prática de cruzamento permanente também foi aplicada à leitura crítica da bibliografia, aqui contemplada, sempre que possível, na sua diversidade máxima.

    O Capítulo 1 apresenta um panorama das organizações que compõem o Grupo Banco Mundial (GBM), do qual o Banco Mundial (Bird + AID) é parte, e discute a divisão de trabalho entre elas. O objetivo é apresentar, em linhas gerais, a complexidade institucional do GBM, divisar a abrangência do seu campo de ação e indicar os nexos entre as organizações que potencializam a influência do GBM como um todo e do Banco em particular. Além disso, o capítulo identifica as principais parcerias e iniciativas multilaterais em curso desenvolvidas pelo Banco, com o propósito de ressaltar a capilaridade das suas formas de atuação e o seu grau de articulação política, econômica e institucional. Por fim, o capítulo apresenta o poder de voto dos Estados-membros e as principais instâncias de decisão do Banco para mostrar como, em diversos planos, as desigualdades de riqueza e poder constitutivas do sistema internacional se traduzem na estrutura do Banco.

    O Capítulo 2 cobre as duas primeiras décadas da história do Banco Mundial. Parte da conferência de Bretton Woods, patrocinada pelos EUA em 1944, e chega ao final da gestão Black, no início de 1962. Ressalta a assimetria de poder que marcou a realização da conferência, os planos para o Banco gestados pelo Tesouro norte-americano e as depurações que sofreram por pressão dos banqueiros de Wall Street. Mostra de que maneira a irrupção da guerra fria e o lançamento do Plano Marshall impactaram o funcionamento do Banco nos seus primeiros anos e que papel lhe foi reservado pelos Estados Unidos no âmbito das demais organizações internacionais criadas no pós-guerra. Discute a dependência do Banco ao mercado financeiro norte-americano e mostra de que modo a necessidade de ganhar a confiança dos investidores de Wall Street para viabilizar-se como ator financeiro modelou a trajetória do Banco nos seus primeiros 20 anos. O capítulo também analisa o caráter da política de empréstimos adotada pelo Banco naquele período, identifica as ideias que a pautavam e discute como o Banco exerceu, já naqueles anos, um papel disciplinador em países da periferia. Em seguida, examina as pressões internacionais e geopolíticas desencadeadas durante a segunda metade dos anos 1950 que impulsionaram a ampliação do Banco, mediante a criação da CFI e da AID, e levaram a uma revisão parcial da sua política de empréstimos. Ao final do período, o Banco havia se tornado uma agência sólida do ponto de vista financeiro e, graças à AID, alcançava todas as regiões do mundo fora do campo comunista.

    O Capítulo 3 aborda a trajetória do Banco durante a gestão Woods (1962-68), que coincidiu com o auge do credo internacional no desenvolvimento. Esse foi o período em que a organização como um todo mais cresceu. O texto delineia os contornos gerais e as causas desse movimento expansivo pelo qual o Banco não apenas aumentou enormemente o número de clientes, o volume de empréstimos e o tamanho do seu orçamento administrativo como também começou a emprestar para setores antes não financiáveis, como educação, abastecimento de água e saneamento básico. O capítulo também discute o crescimento dos empréstimos para agricultura, mostrando como estavam associados ao deslanche da Revolução Verde e ao foco em áreas politicamente sensíveis para os Estados Unidos, como a Índia e o Paquistão. Analisa, ainda, de que maneira o redesenho gradual do mapa geopolítico internacional, decorrente da superposição da divisão norte-sul entre nações ricas e pobres à divisão leste-oeste da guerra fria, impactou as formas de atuação do Banco Mundial. Por fim, o texto aborda de que modo os problemas econômicos enfrentados pelos EUA no final dos anos 1960 levaram o Banco a buscar fontes de financiamento alternativas ao mercado de capitais norte-americano e obrigaram Washington a rever suas contribuições à AID, dando origem a um padrão de negociações periódicas vulneráveis ao jogo político entre Executivo e Congresso que gerou diversas implicações importantes para o Banco.

    O Capítulo 4 abarca os anos McNamara (1968-81), um período fundamental na história do Banco Mundial. O texto situa a conjuntura internacional em que McNamara assumiu para explicar a força do movimento expansivo promovido pela sua gestão. Discute as pressões, a orientação política e as medidas operacionais que conduziram à consolidação do Banco como uma agência capaz de exercer liderança no âmbito da assistência internacional ao desenvolvimento. Aborda o quadro político e macroeconômico norte-americano no final dos anos 1960 e início dos anos 1970 para explicar as tensões entre o governo e o Congresso norte-americanos sobre a definição e a condução da política dos EUA para o Banco e analisa de que modo tais tensões impactaram o primeiro quinquênio da gestão. Em seguida, o capítulo analisa a construção política e intelectual da bandeira do assalto à pobreza, entronizada por McNamara, relacionando-a com a conjuntura política internacional, a revisão da política de ajuda externa norte-americana e os debates no âmbito do mainstream econômico. Discute de que modo o assalto à pobreza se traduziu em projetos para os meios rural e urbano, o papel que tais projetos cumpriram na indução do gasto público e na definição de políticas setoriais e sociais e as contradições e limites de que padeceram. Aborda, na sequência, a maneira como o Banco reagiu à instabilidade crescente da economia internacional após o fim do regime de Bretton Woods e o primeiro choque do petróleo, bem como à instabilidade política que pôs fim à distensão (détente) da guerra fria. O capítulo traz à discussão, ainda, as principais fricções dentro do governo norte-americano com relação à política dos EUA para o Banco pós-1973, a aceleração do endividamento dos países da periferia no final dos anos 1970 e, como expressão de um novo momento da economia política internacional, o lançamento do empréstimo de ajustamento estrutural em 1980. Por fim, aborda as tensões políticas da transição do governo Carter para o governo Reagan e o seu impacto sobre as provisões dos EUA para o Banco Mundial.

    O Capítulo 5 cobre os anos de 1981 a 1994-95. Destaca a virada liberal-conservadora na economia política internacional com a ascensão de Thatcher e Reagan e situa a mudança na política dos EUA para o Banco nesse quadro mais amplo. Analisa o processo de neoliberalização do Banco, tanto do ponto de vista organizacional como político-intelectual. Discute a irrupção da crise da dívida externa em agosto de 1982 e o giro do discurso e da política do Banco Mundial a serviço dos credores privados internacionais. Acompanha o desenho gradual dos programas de ajustamento ao longo da década de 1980, em sintonia com as variações da estratégia de gestão da dívida comandada pelos EUA, até a sua consolidação, no final dos anos 1980, como programa político neoliberal. Mostra como e por que, a partir de 1986-87, o Banco começou a falar em custos sociais do ajustamento estrutural e a patrocinar programas para aliviar os efeitos socialmente regressivos dos programas econômicos e neoliberalizar o conjunto da política social. Aborda a ascensão da campanha ambientalista contra os projetos financiados pelo Banco Mundial, a sua penetração no Congresso norte-americano e as respostas táticas que o Banco foi obrigado a dar no final dos anos 1980. Na sequência, o capítulo analisa a gestação das coordenadas estratégicas que passaram a orientar a ação política, intelectual e financeira do Banco Mundial no início da década de 1990, quais sejam: a remodelagem da política social, a mudança do papel do Estado na economia e, como elo entre ambas, a governança das reformas neoliberais. Como parte desse processo, o texto discute a assimilação das ONGs ao modus operandi do Banco Mundial. A seguir, discute a dinâmica da segunda onda de ataques ao histórico ambiental do Banco deslanchada no início dos anos 1990 e avalia o seu saldo político. O capítulo também problematiza o processo de produção intelectual do Banco, à luz das injunções políticas a que estava subordinado e das suas próprias características organizacionais. Por fim, o texto expõe as críticas de vários matizes desferidas contra o Banco Mundial em 1993-94, para ressaltar as diferenças de posição dentro da esquerda e da direita sobre o presente e o futuro da instituição naquele momento, quando os acordos de Bretton Woods completaram 50 anos.

    O sexto e último capítulo abrange os anos de 1995 a 2008, durante os quais o Banco cumpriu um papel de pivô na dilatação e na reciclagem do programa político neoliberal, contribuindo para preservar os seus fundamentos. O capítulo está organizado em seis partes. A primeira analisa a dinâmica mais geral da gestão Wolfensohn (1995-2005), dando destaque à conjuntura política em que ele assumiu, às táticas que empregou para ganhar apoio de ONGs norte-americanas e internacionais e à reforma administrativa que empreendeu. Além disso, discute as principais iniciativas multilaterais promovidas por essa gestão e avalia o seu saldo político para o Banco. A segunda parte analisa o processo de dilatação e reciclagem do programa político neoliberal, tal como empreendido pelo Banco a partir de 1995, de modo articulado com as principais tomadas de posição da gestão Wolfensohn. A terceira parte apresenta e discute os principais termos do debate dentro do establishment norte-americano entre os anos 1998-2000 acerca do papel do Banco Mundial (e do FMI) frente às novas condições da economia internacional, novamente com o propósito de desvelar os matizes das posições norte-americanas. A quarta parte traz à discussão dados sobre a movimentação financeira do Banco no atacado e por setor, tema e região, com o propósito de mostrar para onde e para que fins foi o dinheiro e fundamentar empiricamente o processo de reciclagem e dilatação da agenda neoliberal promovida pelo Banco. A quinta parte problematiza mais uma vez a produção intelectual do Banco, agora à luz de pesquisas mais recentes sobre o tema. O capítulo se encerra com uma análise da movimentação do Banco no período 2005-08, evidenciando os percalços da gestão Wolfowitz, a transição para a gestão Zoellick e a continuidade da agenda neoliberal.

    As considerações finais amarram algumas ideias-força que atravessam toda a pesquisa e trazem à discussão o papel do Banco Mundial frente à crise financeira internacional deflagrada em meados de 2008.

    NOTA

    * Este trabalho foi originalmente defendido como tese de doutoramento no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense no dia 13 de janeiro de 2009. Compuseram a banca examinadora os professores José Luís Fiori (Economia, UFRJ), Carlos Walter Porto-Gonçalves (Geografia, UFF), Roberto Leher (Educação, UFRJ), Marcela Pronko (Fiocruz) e, como orientadora, Virgínia Fontes (História, UFF). Sua realização somente foi possível graças ao recebimento de bolsa de estudos da Capes.

    CAPÍTULO 1Grupo Banco Mundial: estrutura e divisão interna de trabalho


    O Grupo Banco Mundial (GBM) é constituído por sete organizações com diferentes mandatos, gravitação política, estruturas administrativas e instâncias de decisão. São elas: Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Bird), Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), Corporação Financeira Internacional (CFI), Centro Internacional para Conciliação de Divergências em Investimentos (CICDI), Agência Multilateral de Garantias de Investimentos (AMGI), Instituto do Banco Mundial (IBM) e Painel de Inspeção. A expressão Banco Mundial designa apenas o Bird e a AID. A seguir, cada organização é vista em maior detalhe.

    ORGANIZAÇÕES QUE COMPÕEM O GRUPO BANCO MUNDIAL

    Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Bird)

    O Bird é a organização mais antiga, maior e mais importante do Grupo Banco Mundial. Produto das articulações que promoveram a conferência de Bretton Woods, nasceu em 1944 junto com o FMI. O nexo entre ambas as organizações é de tal ordem que, desde o início, a precondição para um país se tornar membro do Bird é vincular-se ao FMI.

    Sediado em Washington, começou a operar em 1946 com menos de 400 funcionários. Em 1993 tinha cerca de oito mil e, em meados de 2008, tinha cerca de dez mil empregados, dos quais dois terços trabalhavam na sede. O restante estava disperso em quase 120 escritórios espalhados pelo mundo.

    Em 1947, quando efetuou seu primeiro empréstimo, tinha 42 países-membros; em 1967, 106; em meados de 2008, após 62 anos de operação, tinha 185, enquanto a Organização das Nações Unidas (ONU) contava com 192 países-membros. Trata-se, pois, de uma organização com alcance mundial de fato.

    O fundamental da sua estrutura organizativa e de suas funções

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