Educação: diálogos do cotidiano
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Book preview
Educação - Andrea Beremblum
Créditos
Copyright © 2011 Alexsandro Soares de Paula, Aloisio Jorge de Jesus Monteiro, Amparo Villa Cupolillo, Andrea Berenblum, Eliane Fazolo Freire, Fernando Gouvêa, Ingraty Aparecida da Silva Victorio, João Carlos Bernardo Machado, Leandro Gonçalves Dorneles, Lia Maria Teixeira de Oliveira, Liliane Sanchez, Lucília Augusta Lino de Paula, Maria da Conceição Calmon Arruda, Marilia Campos, Martha Lenora Queiroz Copolillo, Ramofly Bicalho dos Santos, Virginia Correia
Edição: Lucia Koury
Revisão: Fabbio Cortez
Capa e projeto gráfico: Alexandre Brum
Produção para ebook: Fábrica de Pixel
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
E26
Educação: diálogos do cotidiano / Andrea Berenblum e Lia Maria Teixeira de Oliveira. – Rio de Janeiro: Outras Letras, 2011.
204 p.
Inclui bibliografia ISBN 978-85-88642-38-6
1. Educação – Rio de Janeiro (Estado). 2. Educação rural. 3. Escolas rurais. 4. Professores – Formação. 5. Universidades e faculdades . I. Berenblum, Andrea. II. Oliveira, Lia Maria Teixeira de, 1957.
Outras Letras Editora
Rua Humaitá, 85 | sala 201
Humaitá | 22261-000 | Rio de Janeiro | RJ
Tel.: (21) 2267-6627
www.outrasletras.com.br
outrasletras@outrasletras.com.br
Associada à Libre
www.libre.org.br
Prefácio
Universidade entre diálogos e práticas cidadãs
A universidade pública brasileira tem sido, cotidianamente, desafiada a cumprir o preceito constitucional da obediência ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Docentes e discentes constroem suas trajetórias acadêmicas tendo esse preceito como pano de fundo inspirador.
A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, consciente de sua responsabilidade de gerar, socializar e aplicar o conhecimento nos diversos campos do saber, visando à formação de profissionais – cidadãos com autonomia para o aprendizado contínuo, socialmente referenciado para o mundo do trabalho, e capazes de atuar na construção da justiça social e da democracia, conforme preconizado em seu Plano de Desenvolvimento Institucional, vem, com o esforço de sua comunidade acadêmica, aceitando o desafio de articular ensino, pesquisa e extensão como um dos seus princípios fundamentais.
Educação: diálogos do cotidiano expressa esse esforço integrador, de um grupo de docentes/ pesquisadores/ extensionistas e seus estudantes que, reunidos no Laboratório de Estudos e Pesquisas Diálogos e Saberes Cotidianos, e participando do Programa Nacional de Extensão – Proext, vêm procurando aprofundar reflexões, aproximar áreas de estudo, discutir a partir de diferentes olhares e contribuições teóricas algumas das principais questões que configuram o contexto educacional e, sobretudo, as preocupações com a formação profissional dos futuros professores.
Repensar as práticas, compreender a complexidade do processo educativo, com a percepção da necessidade de que a universidade seja o espaço em que a diversidade, o respeito ao outro e a constante construção de novos saberes, capazes de contribuir para a formação de jovens mais comprometidos com o desenvolvimento social, são aspectos que se destacam nos diferentes textos que compõem esta obra.
Discussões e diálogos sobre a qualidade do ensino e sobre a produção do conhecimento; sobre as múltiplas dimensões que se apresentam na formação de educadores, em particular aqueles que vão atuar com modelos alternativos voltados para a realidade do campo, que impõe uma reconfiguração de espaços e tempos escolares e a introdução de um novo paradigma formativo capaz de atender às demandas dos sujeitos que vivem e constroem o cotidiano do campo; sobre novos cenários que se delineiam a partir da institucionalização de novas políticas públicas para a formação de professores no âmbito da educação profissional; o olhar sobre a história e as perspectivas inovadoras introduzidas em instituições escolares e o seu impacto na formação de professores são contribuições importantes ofertadas por este livro.
A percepção de que a área de educação de nossa instituição vem se fortalecendo cada vez mais, buscando intensamente dialogar com a realidade, interagindo de forma propositiva com os demais níveis e modalidades de ensino, dinamizando metodologias e práticas pedagógicas, construindo e difundindo novos saberes em interação com os saberes das demais áreas de conhecimento, nos enche de orgulho e alegria, por perceber que a partir dessas experiências e confluências novas possibilidades são criadas e permitem à UFRRJ concretizar seus principais objetivos, dentre eles os de formar profissionais-cidadãos qualificados, críticos e socialmente engajados, e de criar mecanismos de ampliação dos espaços de interlocução com a sociedade, dirigindo suas funções acadêmicas de ensino, pesquisa e extensão para o atendimento das demandas sociais e do desenvolvimento do país.
Prefaciar este livro é, portanto, um privilégio e um presente que me foi ofertado pelos seus autores, companheiros de jornada, com os quais sempre aprendo e com os quais compartilho os ideais de uma universidade cidadã.
Professora Ana Maria Dantas Soares
Vice-reitora da UFRRJ
Apresentação
Os sentidos deste livro
"Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo...
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou...
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma..."
Fernando Pessoa
A publicação que apresentamos é dirigida aos educadores e estudantes que, tal como os autores, estão incessantemente buscando compreender a realidade identitária que configura a formação de professores na universidade, a partir das relações sociais e intersubjetivas vindas de experiências institucionais e instituintes, construídas no e do cotidiano escolar em meio às diferenças. Parte do livro dedica-se ao estudo sobre o estreitamento de laços políticos e culturais entre atores dos movimentos sociais, sujeitos da universidade a partir de processos educativos e novas práticas pedagógicas, cuja concretização torna-se possível devido às perspectivas de luta cultural de sujeitos coletivos e das políticas públicas pela democratização e universalização da educação e suas modalidades.
Quando nos candidatamos ao edital do Proext/MEC 2009, pensamos na possibilidade de buscar apoio material e de recursos humanos para consolidar um eixo estruturante no currículo dos cursos que se voltam à formação de professores para a educação do campo, desenvolvimento da agroecologia e diversidade cultural. Na medida em que o programa nos auxiliasse para a produção de conhecimentos e a publicação destes, com certeza conseguiríamos aproximação com tempos e espaços representativos de práticas pedagógicas dialogadas com o universo dos sujeitos que criam e recriam a educação em meio à diversidade. Muitos livros têm publicado os estudos e trabalhos originários de pesquisa e de atividades de extensão universitária, cuja relevância se destaca na busca de retratar a realidade e os conhecimentos provenientes das experiências entre as relações institucionais e instituintes. Diante de tantas práticas pedagógicas que se configuram, aquelas mais intensas e articuladas dessas relações são as que se sobressaem dos laços apertados entre políticas públicas, instituições, diversidade cultural, processos de afirmação identitários e novas tecnologias.
Vale ressaltar que os autores escrevem estabelecidos no ambiente universitário e vinculados ao Laboratório de Estudos e Pesquisas Diálogos e Saberes Cotidianos (CNPq/IE/UFRRJ), questionando a institucionalidade curricular e científica ancorada na ciência normal, porque para estes a realidade instituída é um mundo
de aparências que resiste em aceitar as novas demandas dos movimentos sociais diversos. Estes se formam da instalação dos processos socioculturais de atores que ainda reivindicam respeito às suas cidadanias e educação de qualidade em instituições públicas e gratuitas seja do campo ou da cidade. Fala-se desde meados da década de 1980 de ruptura paradigmática e emergencial de paradigmas contra-hegemônicos, aqueles da visão consolidada. No entanto, as referências científico-curriculares libertárias, para ser implantadas, estão requerendo um esforço hercúleo por parte dos docentes das instituições universitárias; esforço que na verdade revela a dificuldade em aceitar práticas educativas que se definem a partir do cotidiano dos atores que buscam a inclusão social. São expressões e falas populares que até então estavam ausentes no âmbito universitário. Nesse contexto, as experiências e discussões desta publicação se baseiam no âmbito da docência de educadores e educadoras que aceitam o desafio de trabalhar com as contradições e os dilemas de processos sociais que se configuram nos espaços/ tempos de redes intersubjetivas e, por assim ser, pressupõem propostas em meio às ambiguidades, questionamentos e tensões.
Este livro é fruto de inúmeros diálogos e encontros. Diálogos entre os autores, professores, colegas, pesquisadores e alunos; diálogos com autores, assimilando suas diversas contribuições teóricas; diálogos com estudantes nos grupos de pesquisa e em sala de aula, nas orientações de trabalhos acadêmicos. Toda essa gama de diálogos revelam afinidades intelectuais e pessoais que caracterizam a produção de conhecimentos como uma multiplicidade de práticas cotidianas coletivas e solidárias. Cada artigo que compõe o livro foi elaborado a partir do diálogo de diversos textos que, ao se encontrarem, se ressignificam e se transformam, constituindo outras interações. Desejamos que ele suscite novos e promissores diálogos.
Andrea Berenblum e Lia Maria Teixeira de Oliveira
Laboratório de Estudos e Pesquisas Diálogos e Saberes Cotidianos
CNPq | IE | UFRRJ
Linguagem, corporeidade e cultura na formação de professores
Linguagem, corporeidade e cultura na formação de professores
Aloisio Jorge de Jesus Monteiro
Amparo Villa Cupolillo
Andrea Berenblum
Eliane Fazolo Freire[1]
Contemporaneidade e perspectivas de um saber com sabor
A expansão das fronteiras urbanas como importante processo dinâmico de transformação cultural destaca-se entre os fenômenos mais significativos e, contraditoriamente, pouco reconhecidos no campo das políticas públicas instituídas. Tal fato implica sérios limites sociais em termos de habitação, saúde, educação, cultura e trabalho.
Acreditamos que a superação destas condições limitantes de desenvolvimento social e humano poderá ser alcançada com o reconhecimento das comunidades de fronteira, capazes de pensar, inventar e realizar seus sonhos de uma vida mais plena e generosa. É preciso, portanto, desconstruir os estigmas que marcam os residentes de comunidades periféricas e, ao mesmo tempo, criar condições para a (re)construção de novos protagonistas
de políticas sociais em uma perspectiva instituinte, naquilo que Silva e Grupioni (2001, p. 15) definem como convívio na diferença
, ou seja:
A afirmação da possibilidade e a análise das condições necessárias para o convívio construtivo entre segmentos diferenciados da população brasileira, visto como processo marcado pelo conhecimento mútuo, pela aceitação das diferenças, pelo diálogo.
As políticas públicas de combate às desigualdades sociais precisam superar a concepção de ausência e ações descontínuas, que orientaram diversos projetos, e caminhar na via da construção de políticas inclusivas.
Nossa proposta inspira-se em uma concepção horizontalizada de ação pública, bem como no envolvimento dos sujeitos de diversos espaços populares de fronteira.
Nessa perspectiva, buscamos identificar a dinâmica das concepções, as ausências institucionais e as novas formas de organização das políticas públicas em educação, como também ações instituintes que dizem respeito à superação das condições de exclusão, abandono, omissões e violência escolar.
Entendendo que o problema da violência na sociedade contemporânea ultrapassa os limiares das condições socioeconômicas, bem como os muros
dos próprios conflitos educacionais, uma nova concepção de educação é uma iniciativa que propõe a (re) construção de princípios éticos e recursos educacionais. Estes devem visar, por um lado, ao entrelaçamento da realidade vivida pelos jovens e adultos com seus sonhos e subjetividades e, por outro, ao desenvolvimento da consciência de cidadania e dignidade humana, pautada em uma cultura de solidariedade
, gerando assim o estabelecimento de um ambiente propício ao desenvolvimento de um saber com sabor
.
Novas configurações sociais, violência e cultura: múltiplas abordagens
Quem observa o faz de certo ponto de vista, o que não situa o observador em erro. O erro na verdade é ter certo ponto de vista, mas absolutizá-lo e desconhecer que, mesmo do acerto de seu ponto de vista, é possível que a razão ética nem sempre esteja com ele.
Paulo Freire
O processo de modernização exigido aos países de terceiro mundo surge, na atualidade, caracterizado pela tentativa de instituição de um modelo econômico suficientemente forte para competir internacionalmente, que acaba por gerar um processo de sucateamento econômico nos países periféricos.
O neoliberalismo, a partir da desterritorialização, busca também destituir as pistas de memórias e projetos futuros. Nessa direção, segundo Walter Benjamin[2], faz-se necessária a afirmação das tradições culturais e de histórias reprimidas (memórias).
Tudo isso é alimentado por um tipo de racionalidade científica e tecnológica que desfruta ainda de uma hegemonia que precisa ser crescentemente questionada. Preocupa-nos, por exemplo, as seguintes questões: como o discurso da organização científica do trabalho pode esconder, no seu interior, condições para ampliação dos mecanismos de violência e opressão humana? O que esta lógica de mercado tanto urbana quanto rural, em termos de violências físicas e simbólicas, de fato reservam para os países periféricos? Por fim, quem realmente pagará a conta desse processo de modernização com ausência de democracia?
O processo de ocidentalização planificada acaba por atingir o imaginário humano e potencializa o que denominamos de síndrome do atraso
, ou seja, a falsa ideia de superar condições do atraso social a partir de um modelo externo ideal.
O capital catalisa este ímpeto subjetivo, contamina o imaginário coletivo com um sentimento de obsessão pelo progresso e utiliza-se deste instrumento como fonte de lucro certo.
M. Santos (2003, p. 18), ao reivindicar outra globalização, fala de fábula, realidade e possibilidades:
(...) devemos considerar a existência de pelo menos três mundos num só. O primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a globalização como fábula; o segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização como perversidade; e o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma outra globalização.
No subterrâneo dessa transformação cultural, científica e tecnológica, repousa, para Benjamin (1994, p. 115-119), uma revolução civilizatória sem precedentes, com a perspectiva de um novo patamar de relacionamento humano.
Nesse sentido, e paradoxalmente, a globalização seria também o lugar de outras possibilidades de conhecimento e de produção cultural. Sonhos e perversidades, empatias e apatias estão encenando a trama concomitantemente.
Entretanto, muitas vezes perdemos a perspectiva da afirmação de nos colocar em uma posição que permita enxergarmo-nos no espelho de nossas memórias históricas, como aqueles que simplesmente compõem mais um entre os tantos fios da rede de complexidade humana, e acabamos por cair no que Villa[3] chama de pessimismo sociológico
, tendo como desdobramento imediato o aparecimento do fenômeno violência.
Nesse sentido, diversas formas de violência podem aqui ser ensejadas em uma potencialidade de barbarismo da civilização atual. Assim como em Benjamin, Elias[4] destaca a importância da memória na construção do conceito de civilização, não tanto pelo conhecimento que traz, mas pela intencionalidade da ação que carrega.
É ao recuperarmos a narrativa como uma forma artesanal sensível de comunicação e ao desvelarmos e superarmos a nossa pobreza de experiência, onde esta, na realidade, não é mais particular, mas de toda a humanidade, que faremos surgir uma nova barbárie, como diz Benjamin (1994, p. 115-119):
Barbárie? Sim. Respondemos afirmativamente para introduzir um novo conceito e positivo de barbárie... Em edifícios, quadros e narrativas a humanidade se prepara, se necessário, para sobreviver à cultura. E o que é mais importante: ela o faz rindo. Talvez esse riso tenha aqui e ali um som bárbaro.
Essa é uma barbárie que impele a seguir em frente, a começar e a construir o novo, e que, fundamentalmente, não se recusa e nem tem vergonha de beber na fonte da sabedoria ancestral.
Apoiados em Benjamin, também quando falamos de uma nova barbárie, nos referimos, efetivamente, a outra percepção de sistemas de valores, enfim, uma barbárie que assuma a promessa de outras possibilidades civilizatórias.
Para ele, o conceito de civilização e cultura está conjugado à noção de experiência e narração. Assim, a cultura se dá nas