Vous êtes sur la page 1sur 2

Entrevista com Luc Ferry "A laicidade não é o fim do sagrado"

14 de novembro de 2006
Última Atualização 05 de junho de 2008

"A laicidade não é o fim do sagrado" Luc Ferry é um desses novos filósofos franceses, ao mesmo tempo professor de alto
nível e ensaísta, capaz de tocar o grande público* como André Comte-Sponville. O sucesso na França de sua última
obra, L’Homme-Dieu ou Ie Sens de la Vie (O Homem-Deus, ou o Sentido da Vida) dá razão às teses do autor,
que acredita que a questão do sentido é hoje mais crucial do que nunca nas sociedades democráticas e laicas
modernas.

Label France: Por que o senhor acha que o movimento de laicização é irreversível no Ocidente?
Luc Ferry: A rejeição aos dogmas, ou seja ao argumento da autoridade, a reivindicação de autonomia e liberdade de
consciência, a emancipação do político em relação ao religioso e o trabalho de solapa das tradições que foi realizado há mais
de três séculos na Europa, e que caracteriza a laicidade, é um trabalho tão fundamental que sob muitos aspectos ele é
irreversível. Ele o é pelo menos tanto quanto a própria democracia. O indivíduo moderno, que se acredita único e
insubstituível, está mais desprotegido do que no passado diante da morte, da velhice e do sofrimento, privados de sentido.

O senhor não tem receio de que, diante da angústia inédita deixada pelo declínio das grandes religiões e das
utopias, cada vez mais pessoas acabem se refugiando nas ideologias intolerantes, mas portadoras de certezas?
Existe de fato uma falta de sentido nas sociedades ocidentais atuais, que pode induzir fenômenos sectários ou
fundamentalistas, mas acho que eles continuam sendo relativamente marginais no espaço europeu, onde estão
desacreditados. Eu acho, de fato, que a ameaça principal que pesa sobre nossas democracias reside em sua incapacidade de
justificar de maneira forte sua própria política. É por isso que evoco em meu livro a idéia de que se pode basear a política
unicamente em motivações de tipo técnico.

De fato, antes de pensar como muitas pessoas que o refúgio na esfera privada leva a uma deserção da esfera
política, o senhor vê nisso uma condição para o fornecimento de recursos à política e o reinício dos projetos
coletivos?
Exatamente. Não se trata de descartar a razão na política, ou seja, o reconhecimento das regras. Está claro, por exemplo,
que nós teremos que entrar numa questão que se chama moeda única e que os cidadãos da Europa teriam interesse em
compreender o que isso significa. Existem aí implicações bem reais. A razão possui, portanto um papel a desempenhar, mas
eu estou convencido de que não podemos basear uma política, principalmente de sacrifício, nos próximos anos, justificando-a
unicamente pelas obrigações. Será preciso encontrar outras motivações. Por isso, a idéia de uma política do sentimento me
parece ser a única esperança possível. Ela poderia ser a ocasião para se dar à lei sua dimensão concreta. Porque esse
famoso retorno à esfera privada, da qual tanto se falou nos anos 80, está longe de consagrar a vitória do egoísmo. A
sacralização dos laços afetivos privados, que marca a finalização de toda a história da família moderna, vem acompanhada
também de uma preocupação inédita de justiça universal e de um potencial extraordinário de simpatia, que poderiam ser
utilizados, no bom sentido do termo, para fundar grandes projetos políticos.

E quem encontra sua expressão plena no humanitarismo, essa nova exigência de solidariedade com a
humanidade inteira? Sejam quais forem, com efeito, as críticas legítimas ao humanitarismo midiático e à denúncia do álibi
que ele pode constituir para políticas omissas, acho que o humanitarismo constitui um grande progresso. Na França, por trás
de alguns nomes explorados pela mídia, tem centenas de milhares de pessoas que fazem trabalho benevolente
anonimamente em instituições de caridade. A ação humanitária laica é uma invenção recente que testemunha essa
divinização do humano, agora considerado sagrado como tal, a ponto de sobrepujar às vezes a sacrossanta soberania dos
Estados, com o direito de ingerência. O humanitarismo poderia ser resumido pelo famoso preceito cristão assim formulado:
"Não deixe que se faça aos outros o que você não gostaria que fizessem com você." Ele está situado na exata linha da
filosofia contemporânea, que coloca as experiências dos outros no centro da consciência moral. Talvez jamais tenha sido tão
grande quanto hoje a consciência da responsabilidade de cada um em relação aos outros, de quem se compreende ser o
alta-ego além de toda aparência étnica, religiosa ou cultural

O senhor vê, no nascimento do amor moderno, com a passagem a uma sociedade individualista e igualitária a
partir do século XVIII na Europa, a origem desse vasto movimento de divinização do humano, que desloca para
o homem a noção de sagrado, mais do que a suprime?
O humanitarismo é inseparável do nascimento da família e do amor moderno, ou seja, do casamento por amor, que introduz
o sentimento entre o casal e entre os pais e os filhos. O amor a seus próximos é essa mediação que permite o acesso ao
universal. Sempre se insistiu, nas histórias políticas, na questão da ideologia dos direitos humanos, tendo o nascimento da
ciência e do direito moderno como pilares da laicidade, que é a emancipação dos indivíduos em relação às tradições, em
particular as religiosas. Ainda não se viu suficientemente que essa história não teria acontecido sem uma poderosa
motivação. Se nós nos tornamos laicos, não é somente porque fomos convencidos pela beleza da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão de 1789, mas também porque na realidade cotidiana da vida das famílias os indivíduos emanciparam-
se do peso das tradições no plano sentimental. Eles recusaram a idéia de que o casamento seja organizado do exterior pelas
comunidades parentais, camponesas, etc. Essa reivindicação individualista de escolher o parceiro com o qual se vai construir
a vida, mas também a de escolher seu trabalho, com o nascimento do salário, estiveram na base da laicidade. Dois fatores
de emancipação dos indivíduos por muito tempo subestimados, exceto pelos historiadores das mentalidades. Não são apenas
os valores formais, abstratos, que fazem a história. Acho até que esta última não pode ser feita sem motivações reais,
"substanciais".

Que lugar é reservado à religião por esse seu humanismo laico e espiritualista, que faz as pazes com os valores
cristãos, mas baseia-os na experiência íntima do sagrado através do amor?
Pode-se ser uma pessoa que crê sem ser hostil à laicidade. Da mesma forma como se pode ser agnóstico, que é o meu caso,
sem, no entanto, excluir nem a idéia do sagrado - essa é a tese de meu livro - nem mesmo a legitimidade de uma
interpretação propriamente religiosa do sagrado. Eu tomei o sagrado num sentido completamente preciso, como "aquilo por
que seria possível se sacrificar", um valor visto como superior a sua própria vida. Acho que nos encontramos atualmente
numa fase que concede um espaço ao sagrado, talvez mais importante do que nunca. Não que o sagrado subsista como
sobrevivência, mas, antes, que nós descobrimos o sagrado sob formas inéditas, singulares, especialmente por intermédio do
amor na família moderna. O humanitarismo espiritualista tem isso de comum com o religioso, já que reconhece o mistério do
homem, de sua consciência por ela mesma, seu status único e fora do comum, sua vocação moral e é feito do amor ao outro
e ao homem que há no outro e além dele, uma experiência capaz de dar um sentido à vida. É por isso que eu acho que uma
interpretação "crítica" desse sagrado, especialmente da experiência do amor moderno, é completamente legítima e poderia
até ser esclarecedora para aqueles que crêem. O que mudou realmente foi o lugar do indivíduo em relação à religião. Nas
sociedades tradicionais, a religião precedia o indivíduo e impunha-se a ele do exterior, enquanto que o sagrado com face
humana, que eu descrevo nesse livro, é um sagrado pensado a partir do homem e que decorre de nossas experiências
vividas. Esses valores de amor e respeito pelo outro, considerados como fim e não como meio, não são mais impostos de
fora, mas livremente sentidos como necessários pelo próprio indivíduo, em sua consciência. Assim interiorizada, a moral
possui um valor superior. É nesse sentido que eu acho que o universo laico e individualista, que dá à liberdade do homem
todo o espaço, talvez seja o que tenha mais condições de permitir o desabrochar da vocação moral do homem.

Deus não é mais indispensável nesse humanismo moderno. E o Diabo?


Acho que a partir da experiência do sagrado, assim como eu o entendo, o divino em todo caso é indispensável. Mas o divino
não é a existência de Deus, como um avô barbudo escondido por trás das nuvens. O que se quer dizer concretamente, aliás,
quando se fala de Deus? Quanto ao Diabo, reflita simplesmente sobre o que, para mim, é o fundo da questão e que
desenvolvi em outro livro, A Nova Ordem Ecológica. O que distingue fundamentalmente o animal do humano não é a
inteligência, nem a afetividade ou a sensibilidade, contrariamente ao que dizia Descartes, mas o fato de que, globalmente, e
até prova em contrario, o animal não está "em excesso" em relação a natureza, Ou seja, ele está programado pelo que se
chamava antigamente de instinto, e que o indivíduo finalmente conta em relação à espécie. O humano, que em parte é
também animal, é capaz de fugir a seu programa natural. Ele pode cometer excessos até morrer, atos totalmente
desinteressados, ou seja, fundamentalmente anti-naturais, mas ele pode também ser um assassino ou torturador. Se ele
mata, o animal não tortura, não existe sadismo entre os animais. Existe evidentemente uma crueldade objetiva, mas ela está
situada fora do bem e do mal. O homem, por sua vez, pode tomar o mal como projeto e ter prazer nisso. E essa capacidade é
explicada por sua liberdade. As religiões tinham um nome para designar essa capacidade incrivelmente inventiva de fazer
mal, era o demônio. A cultura laica não possui uma palavra para denunciar o lado propriamente demoníaco do mal, ou seja, o
fato de assumir o mal como projeto. O discurso contemporâneo das ciências humanas procurou reduzir o fenômeno do mal
aos determinismos bio-sócio-históricos e ao contexto. Não acredito nessas interpretações, porque acredito na liberdade
humana. É porque sabemos que o mal é uma das sibiliciacies do ser humano, que ele também nos assusta. E acho que nós
ganharíamos muito se reconhecêssemos que o mal está em cada um de nós, para aprender a melhor lutar contra. Se
conseguimos interiorizar a idéia de Deus, falta-nos então agora fazê-lo em relação ao Diabo...

Entrevista concedida a Anne Rapin* Professor universitário, Luc Ferry é também presidente do Conselho
Nacional de Programas, encarregado de elaborar reformas para o ensino escolar na França. Sua obra
precedente.A Nova Ordem Ecológica (edit. Grasset, 1992), já havia obtido sucesso junto ao grande público.
Seus livros são traduzidos em mais de quinze línguas (alemão, inglês, coreano, espanhol, húngaro, italiano,
japonês, norueguês, polonês, português, russo, servo-croata, sueco, turco...).

Vous aimerez peut-être aussi