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QUINTA-FEIRA
I. JESUS ESTAVA JUNTO do lago de Genesaré com uma grande multidão
que desejava ouvir a Palavra de Deus. Pedro e os seus companheiros de
trabalho lavavam as redes depois de terem labutado uma noite inteira sem
pescar nada. E Jesus, que queria meterse a fundo na alma de Simão, entrou
na sua barca e pediulhe que a afastasse um pouco da margem. E, sentado,
ensinava da barca à multidão1. Enquanto escutava o Mestre, a quem já
conhecia desde que seu irmão André o levara até Ele2, talvez Pedro tivesse
continuado com a tarefa de deixar arrumados os apetrechos de pesca, sem
suspeitar dos planos grandiosos do Senhor.
Quando acabou de falar, Jesus disse a Simão: Guia mar adentro e lançai as
vossas redes para a pesca. Tudo convidava à desculpa: o cansaço, que é
maior quando não se pescou nada, as redes já lavadas e preparadas para a
noite seguinte, a inoportunidade da hora para a pesca. Mas o olhar de Jesus, o
tom imperativo e ao mesmo tempo amável com que deu a ordem, a enorme
atracção que Cristo exerce sobre as almas nobres, levaram Pedro a fazerse ao
largo novamente. O único motivo por que o fez foi Jesus: Mestre – disselhe –,
estivemos trabalhando durante toda a noite e nada pescamos, mas, sob a tua
palavra, lançarei as redes. Sob a tua palavra. Essa foi a grande razão.
Em muitas ocasiões, quando aparece essa fadiga peculiar que resulta de
não vermos frutos na vida interior ou na acção apostólica, quando nos parece
que tudo foi um fracasso e nos assaltam raciocínios humanos que nos
pretendem convencer a abandonar a tarefa, devemos ouvir a voz de Jesus que
nos diz: Duc in altum, guia mar adentro, recomeça, torna a tentar... em meu
Nome.
“O segredo de todos os progressos e de todas as vitórias é, na verdade, o
saber recomeçar, o tirar ensinamentos de um fracasso e o tentar de novo”3.
Através desses aparentes fracassos, talvez o Senhor queira dizernos que
devemos trabalhar por motivos mais sobrenaturais, por obediência, por Ele e só
por Ele.
“Que poder o da obediência! – O lago de Genesaré negava os seus peixes
às redes de Pedro. Toda uma noite em vão.
“– Agora, obediente, tornou a lançar a rede à água e pescaram «piscium
multitudinem copiosam» – uma grande quantidade de peixes.
“– Acredita: o milagre repetese todos os dias”4.
Se alguma vez nos encontramos cansados e sem forças para recomeçar,
olhemos para o Senhor que nos acompanha nesta nossa barca. Jesus
convidanos então a pôr em prática, com docilidade interior, com empenho,
esses conselhos que recebemos na confissão, na direcção espiritual, certos de
que recuperaremos as forças. “Muitas vezes – diz Santa Teresa –, pareciame
não poder sofrer o trabalho conforme a minha baixeza natural. Disseme o
Senhor: Filha, a obediência dá forças”5.
II. PEDRO FEZSE AO LARGO com Jesus na barca, e em breve percebeu
que as redes se enchiam de peixes; tantos, que parecia que iam rompêlas. E
fizeram sinais aos companheiros da outra barca para que viessem ajudá los.
Eles vieram e encheram as duas barcas, tanto que se afundavam. Houve peixe
para todos; Deus sempre recompensa a obediência com frutos sem conta.
Esta passagem do Evangelho está cheia de ensinamentos: durante a noite,
na ausência de Cristo, o trabalho havia sido estéril. O mesmo acontece na vida
dos cristãos, quando querem empreender tarefas apostólicas sem contar com o
Senhor, em plena escuridão, deixandose levar unicamente pela sua
experiência ou por esforços demasiado humanos.
“Filho, se não abates o teu juízo, se és soberbo, se te dedicas ao «teu»
apostolado, trabalharás durante toda a noite – toda a tua vida será uma noite!
–, e no fim amanhecerás com as redes vazias”6.
Pedro mostrouse humilde ao obedecer à voz de quem, por não ser homem
de mar, bem se poderia pensar que pouco ou nada sabia daquele trabalho em
que ele, Simão, tinha adquirido tanta experiência e saber ao longo dos anos.
Fiase, no entanto, do Senhor, tem mais confiança na palavra de Jesus do que
nos seus anos de faina pesqueira. Esta obediência e confiança nas palavras de
Jesus acabaram de preparar Pedro para receber a sua chamada definitiva. Foi
como se o Senhor só tivesse querido chamálo para sempre depois de obter
dele um acto de obediência e de confiança plenas.
Para quem quer ser discípulo de Cristo, a necessidade da obediência não
resulta de considerações de conveniência ou de eficácia, mas de que a
obediência faz parte do mistério da Redenção, pois o próprio Cristo “revelou o
seu mistério e levou a cabo a Redenção por meio da sua obediência” 7. Quem
quiser seguir os passos do Mestre não pode, pois, pôr limites à sua obediência;
o Senhor quer que lhe obedeçamos no fácil e no heróico, como Ele próprio o
fez: “Obedeceu em coisas gravíssimas e dificílimas: até à morte de Cruz”8.
A obediência levanos a querer identificar em tudo a nossa vontade com a
vontade de Deus, que nos é dada a conhecer através dos pais, dos superiores,
dos deveres que nos são impostos pelos afazeres familiares, sociais e
profissionais. Numa palavra, levanos a uma submissão alegre e delicada às
disposições da autoridade legítima nas diversas ordens da vida humana,
principalmente ao Papa e ao Magistério da Igreja. E no que se refere à alma,
levanos de modo muito particular a ser dóceis aos conselhos recebidos na
confissão e na direcção espiritual.
Jesus começou por pedirlhe que lhe cedesse a barca, e acabou por ficar
com a sua vida. E Pedro haveria de deixar atrás de si uma marca inesquecível
em tantas almas que o próprio Cristo poria ao seu alcance. Começou por
obedecer num pequeno pormenor e o Senhor manifestoulhe os grandiosos
planos que tinha para ele, pobre pescador da Galileia, desde toda a eternidade.
Nunca teria podido suspeitar da transcendência e do valor da sua vida. Milhões
e milhões de pessoas acenderiam a sua fé na daqueles que seguiram Jesus
naquele dia, e muito particularmente na de Pedro, que seria a rocha, o
fundamento inamovível da Igreja.
Nós também não podemos imaginar as consequências da nossa fidelidade
em seguir as pegadas de Cristo. O Senhor pedenos cada vez mais
correspondência, mais docilidade e mais obediência ao que nos vai
manifestando de muitas maneiras. E, se formos fiéis, um dia farnosá
contemplar a transcendência do nosso seguimento com obras: “Se
corresponderes à chamada que o Senhor te fez, a tua vida – a tua pobre vida! –
deixará na história da humanidade um sulco profundo e largo, luminoso e
fecundo, eterno e divino”10.
Não ponhamos limites ao Senhor, tal como Pedro não os pôs. “Se és homem
de mar alto, agarra com firmeza o teu leme [...]. Se te dás a Deus, dáte como
os santos se deram. Que nada prenda a tua atenção e te desvie da marcha que
empreendeste: és de Deus. Se te dás, dáte para a eternidade. Nem as vagas
nem a ressaca abalarão os teus alicerces. Deus apoiase em ti; mete também
ombros ao trabalho, e navega contra a corrente [...]. Duc in altum! Lançate às
águas com a audácia dos ébrios de Deus”11.
A nossa Mãe Santa Maria, Stella maris, Estrela do mar, ensinarnosá a ser
generosos com o Senhor quando nos pedir emprestada uma barca e depois
quiser que lhe demos a vida inteira.
(1) Lc 5, 111; (2) cfr. Jo 1, 41; (3) G. Chevrot, Simão Pedro, pág. 20; (4) Josemaría Escrivá,
Caminho, n. 629; (5) Santa Teresa, Fundações, pról. 2; (6) Josemaría Escrivá, Forja, n. 574; (7)
Conc. Vat. II, Const. Lumen gentium, 3; (8) São Tomás, Comentário à Epístola aos Hebreus, 5,
8, lec. 2; (9) R. GarrigouLagrange, As três idades da vida interior, pág. 683; (10) Josemaría
Escrivá, Forja, n. 59; (11) J. Urteaga, O valor divino do humano, págs. 130132.