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ARTE DAS FORMAÇÕES:
discurso crítico e
arte não figurativa no Brasil1
Ivair Reinaldim
No contexto artístico brasileiro dos anos 50 e início dos
60, o debate entre os adeptos da figuração (“realismo”) e os da não
figuração (“abstracionismo”), que teve seu ápice na década de 402 ,
foi gradualmente substituído por uma separação teórico-ideológica
entre críticos e artistas das diferentes manifestações de arte não
figurativa, sobretudo os que defendiam a hegemonia da abstração
geométrica, representada pelo concretismo, e os que acreditavam no
prevalecimento da abstração informal ou tachista. Essas duas posições
críticas antagônicas, ambas bastante partidárias, buscavam reforçar
a qualidade de uma vertente, em detrimento da outra, definindo qual
delas seria a legítima representante da vanguarda na produção das
artes plásticas nacionais3. Por outro lado, havia ainda a presença do
neoconcretismo, próximo à vertente geométrica, porém, reagindo a
certas posturas rigorosas assumidas pelos artistas concretistas, em prol
de uma reintrodução da expressividade na produção artística4.
Apesar da identificação de discursos críticos tão marcados,
objetivamos analisar esse embate teórico partindo de um texto escrito
pelo poeta e crítico diletante Theon Spanudis, intitulado Arte das formas
e arte das formações, o qual tivemos contato através de uma cópia
datilografada no acervo pessoal da artista Lygia Clark5. Acreditamos
que esse texto, ainda pouco conhecido no meio acadêmico, possa
oferecer diferentes parâmetros para compreensão da produção abstrata
brasileira, para além dos limites do discurso crítico contemporâneo a
ela.
Sendo assim, em primeiro lugar, iremos identificar aspectos
da formação e atuação de Spanudis junto ao meio cultural brasileiro;
em seguida, abordaremos algumas questões teóricas explicitadas
em seu texto, articulando o pensamento do crítico com o de alguns
historiadores da arte (Wilhelm Worringer, Henrich Wölfflin e Giulio
Carlo Argan). Em seguida, contraporemos o posicionamento do poeta
neoconcreto em relação ao embate crítico das diferentes vertentes de
produção de arte não figurativa com os argumentos utilizados pelos
críticos Mário Pedrosa – defensor da abstração geométrica – e Antonio
Bento – defensor do informalismo –, explicitando como o texto de
Spanudis pode ‘abrir novos horizontes’ para compreensão da produção
abstrata brasileira, abrangida em seu conjunto. Esperamos desse modo,
contribuir para uma revisão do discurso crítico dedicado à arte abstrata
no Brasil.
O percurso de Spanudis: de psicanalista a crítico de arte
E continua:
Notas bibliográficas:
1- Este ensaio foi desenvolvido a partir da disciplina Questões Temáticas da
História da Arte, ministrada pela professora Dra. Maria Luisa Luz Tavora no
Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da
UFRJ, durante o 2º semestre de 2008.
2 - Cf.: Amaral, Aracy. Arte para quê?: a preocupação social na arte brasileira,
1930-1970. 2ª ed. São Paulo: Nobel, 1987. Preferencialmente o capítulo
“Realismo versus abstracionismo e o confronto com a Bienal” (p. 227-271).
3- Cf.: Silva, Ana Paula França Carneiro da. A arte informal e os limites do
discurso crítico moderno em Antônio Bento e Mário Pedrosa, no final da década
de 1950. Dissertação de Mestrado em História e Crítica da Arte. Rio de Janeiro:
PPGAV/EBA/UFRJ, 2007.
4- Em um segundo momento, ao neoconcretismo será creditado o epíteto de
verdadeira vanguarda nacional, sobretudo, através dos textos de Ferreira
Gullar e da repercussão e desdobramentos de importantes estudos dedicados ao
movimento carioca, tais como o do crítico Ronaldo Brito. Cf.: Amaral, Aracy
(coord.). Projeto construtivo brasileiro na arte (1950-1962). Rio de Janeiro:
Museu de Arte Moderna, São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1977; Brito,
Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro.
São Paulo: Cosac & Naify, 1999; Couto, Maria de Fátima Morethy. Por uma
vanguarda nacional: a crítica brasileira em busca de uma identidade artística
(1940-1960). Campinas: Ed. da Unicamp, 2004.
5- O texto consultado não possuía referência quanto à data e local de publicação.
Ainda não conseguimos averiguar tais dados, porém, supomos que o mesmo
tenha sido escrito entre 1959 e 1960. Como Spanudis cita o neoconcretismo, seu
texto é posterior à publicação do Manifesto Neoconcreto (mar. 1959); e, devido
ao fato de Lygia Clark fazer referência ao artigo de Spanudis em um texto de
sua autoria, intitulado “Do ritual”, escrito em 1960 (In: Lygia Clark. Barcelona:
Fundació Antoni Tàpies; Marseille: MAC, Galeries Contemporaines des Musée
de Marseille; Porto: Fundação de Serralves; Bruxelas: Société des Expositions
du Palais des Beaux-Arts, 1997-1998, p. 122-123), ele não pode ser posterior
a este período. Agradecemos à Associação Cultural O Mundo de Lygia Clark
pelo acesso ao texto de Spanudis, durante o processo de realização de projeto de
catalogação do acervo da artista, do qual fizemos parte no 1º semestre de 2008.
6- Estas e demais considerações sobre a biografia de Spanudis foram feitas a
partir da consulta ao livro de Ronaldo Brito, já citado, e a alguns sites na internet
(acesso em 02/08/2008), entre os quais: http://www.sbpsp.org.br/1024x768/
default.asp?link=hist6;
http://www.macvirtual.usp.br/mac/templates/exposicoes/theonspanudis/
colecao.asp;
http://www.cce.ufsc.br/~nelic/boletim8-9/antoniocarlossantos.htm.
7- Worringer, Wilheim. Abstracción y naturaleza. Tradução de Mariana Frenk.
2ª ed. Buenos Aires: Fondo de Cultura Econômica, 1966, p. 19. [tradução livre
do autor]
8- Ibid., p. 19. [tradução livre do autor]
9- Ibid., p. 24. [tradução livre do autor]
10- Cf.: Hegel, Georg W. F. Filosofia da história. Brasília: Ed. da UnB, 1995.
11- Theon Spanudis faz uma crítica a Worringer em seu texto. Para ele, “as
idéias de Worringer não passam de mera hipótese útil, sem dúvida para facilitar
a aceitação, naquele tempo, de uma arte não-figurativa. Típico produto da
mentalidade ocidental que, enraizada nos ideais naturalísticos de séculos de
arte, precisava levantar hipóteses psicológicas para explicar as possibilidades de
uma arte não-naturalística. Não resta dúvida de que as hipóteses de Worringer
não resistiriam, hoje em dia, ao menor exame sério e objetivo.”
12- Esses pares de conceitos são, a saber: linear vs. pictórico, plano vs.
profundidade, forma fechada vs. forma aberta, pluralidade vs. unidade, clareza
absoluta vs. clareza relativa. Os primeiros seriam uma qualidade das formas
clássicas; os segundos, das formas barrocas. Cf.: Wölfflin, Henrich. Conceitos
fundamentais da história da arte: o problema da evolução dos estilos na arte
mais recente. Tradução de João Azenha Jr. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
13- Cf.: Ferreira, Glória e Mello, Cecília Cotrim de (org.). Clement Greenberg
e o debate crítico. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2001; BUENO, Guilherme. “Giulio Carlo Argan, Clement
Greenberg: a teoria para a arte moderna como projeto”. In: Arte & Ensaios,
Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da EBA/UFRJ, Rio
de Janeiro, ano VIII, n. 8, 2001.
14- Argan, Giulio Carlo. Arte moderna: do iluminismo aos movimentos
contemporâneos. Tradução de Denise Bottmann e Federico Carotti. São Paulo:
Companhia das Letras, 1992.
15- Ibid., p. 11.
16- “A possibilidade de tomar os próprios processos formais como expressão
e significado, e de estabelecer uma história das imagens vinculada ao conjunto
das demais atividades culturais, sem dúvida fascinava por sua amplitude. Os
trabalhos de arte extravasavam definitivamente a esfera do belo e adquiriam
uma dimensão intelectual efetiva.” Naves, Rodrigo. “Prefácio”. Ibid., p. xv.
17- Argan, Giulio Carlo. Salvación y caída del arte moderno. Tradução de
Osvaldo López Chuchurra. Buenos Aires: Nueva Visión, 1966, p. 41. [tradução
livre do autor]
18- Ibid., p. 49. [tradução livre do autor]
19- Todas as referências a posicionamentos teóricos ou a textos de Antonio
Bento e Mário Pedrosa são devedoras da análise seminal feita por Ana Paula
França Carneiro da Silva, realizada em sua dissertação de mestrado, já citada.
Da mesma autora, o artigo: “Antonio Bento e a vanguarda artística brasileira
no final da década de 1950”. In: Arte & Ensaios, Revista do Programa de Pós-
Graduação em Artes Visuais da EBA/UFRJ, Rio de Janeiro, ano XV, n. 16,
2008.
Referências consultadas:
AMARAL, Aracy (coord.). Projeto construtivo brasileiro na arte (1950-1962).
Rio de Janeiro: Museu de Arte Moderna, São Paulo: Pinacoteca do Estado,
1977. [catálogo de exposição]
www.cce.ufsc.br/~nelic/boletim8-9/antoniocarlossantos.htm
www.macvirtual.usp.br/mac/templates/exposicoes/theonspanudis/
colecao.asp
www.sbpsp.org.br/1024x768/default.asp?link=hist6