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José Leonardo Machado Demétrio de

Souza
Instituto de Física, Universidade
Federal Fluminense

PIERRE HENRI
LUCIE, U MA LIÇÃO
DE VID A

“Os educadores são como velhas árvores. Possuem uma face, um nome, uma ‘estória’ a ser contada.
Habitam um mundo em que o que vale é a relação que os liga aos alunos... E a educação é algo para
acontecer neste espaço invisível e denso, que se estabelece a dois. Espaço artesanal.”
Rubem Alves1

Desde que comecei a me interessar pela Física como uma possibilidade


de futura profissão, isso lá pelos meados dos anos sessenta, já ouvia falar de
um francês que era professor do Departamento de Física da PUC do Rio de
Janeiro e que era o responsável pelas embaraçosas questões de “ordens de
grandeza" que deixavam em pânico alunos e professores dos cursos pré-
vestibulares. Por exemplo: “qual a ordem de grandeza do número de bolinhas
de ping-pong necessárias para encher completamente uma sala de aula?”
Ninguém ensinava como resolver isso nas escolas. Não havia nenhuma
fórmula que pudéssemos usar. Era um terror tão grande que um famoso curso
pré-vestibular do Rio de Janeiro na época só encontrou uma forma de se ver
livre daquela ameaça: contratar o Pierre como professor e assim tirá-lo dessa
atividade de preparar as provas do vestibular. Mas foi por pouco tempo, apenas
o suficiente para que o velho mestre conseguisse realizar um antigo sonho:
comprar um belíssimo Citroën do ano, que ele dirigia com um orgulho quase
francês.
Mas, aos poucos, fomos todos nos deixando desafiar por aquelas
questões e, a partir delas, percebemos toda uma nova possibilidade de encarar
o ensino da Física. Deixando de lado aquela maneira bem comportada,
previsível e “quadradinha” como era feito até então, e passando a permitir, mais
que isso, a promover o assédio de questões diferentes, inesperadas e para a
solução das quais, muitas vezes, não havia a menor possibilidade de
socorrermo-nos de fórmulas e equações devidamente memorizadas. Era o
começo de uma revolução!

1
Extraído de um lindo conto denominado “Sobre Jequitibás e Eucaliptos – Amar”, publicado em:
Rubem Alves - Conversas com quem gosta de ensinar - Cortez: Autores Associados, SP, 1983.
Esse espírito de rebeldia, essa inquietude, sempre foi um dos traços
mais marcantes e mais cativantes na personalidade e na práxis pedagógica do
Prof. Pierre Lucie. Um bom exemplo desse seu ânimo renovador foi a obra “A
Física com Martins e Eu”2 na qual ele apresentava a Mecânica para estudantes
de ensino médio através de histórias em quadrinhos, ilustradas por ninguém
menos do que o Henfil, numa parceria brilhante em que texto e traço se
misturavam em uma simbiose perfeita para criar situações em que um
personagem — o Martins — aluno irreverente e curioso, e que fazia perguntas
sem cessar, como que contaminado pela rebeldia do Pierre, procurava levá-lo a
um desespero aparente que nunca o atingiu na vida real. E o Pierre, então,
quase sempre “desesperado”, buscava fazer de tudo para que o Martins,
finalmente, aprendesse Física; o que, aliás, sempre acabava acontecendo sob
os aplausos incentivadores do mestre. E Pierre sabia, como ninguém, colocar
nas palavras do Martins aquelas dúvidas que, às vezes até de forma
inconsciente, mais dificultam o entendimento dos conceitos e dos princípios da
Física. E, dessa forma, através do Martins: irreverente sim, impertinente às
vezes, mas com um aguçado espírito crítico e uma enorme vontade de
aprender, o Pierre nos mostrava o tipo de aluno que ele esperava que nós
fôssemos. Um primor de livro. Genial !
Ainda na década de 60, prestei o vestibular para o Departamento de
Física da PUC do Rio de Janeiro, e, durante a prova de Física daquele exame,
tive a oportunidade de, pela primeira vez, ver pessoalmente o Prof. Pierre Lucie
que visitava os locais de prova. Lá estava eu, aspirante a uma vaga no
Departamento de Física onde ele era professor, diante do grande mito Pierre
Lucie. Lembro-me de ter ficado emocionado com aquele inesperado contato e
ansioso pelo dia em que, finalmente, pudesse ser seu aluno. Logo em seguida,
como estudante do Departamento de Física da PUC do Rio de Janeiro, tive o
privilégio de conviver com o Prof. Pierre Lucie durante o período do curso
básico. Naquela ocasião, o Prof. Pierre Lucie, além das aulas normais das
disciplinas de Física I e Física II, encontrava-se conosco, seus alunos do Curso
de Física, diariamente às dezessete horas para aquilo que ele carinhosamente
apelidara de “chá das cinco” e onde, na realidade, ele estreitava as relações
interpessoais que sabia serem extremamente importantes para o exercício de
nossa futura profissão. Nesses encontros, partilhávamos dúvidas, tentávamos
diferentes caminhos para entendê-las, propúnhamos novas formas de abordar
problemas, enfim, como diriam os jovens hoje, “curtíamos” a Física, tudo sob a
paciente e incansável orientação do querido mestre, e, principalmente,
absorvíamos dele o gosto e o entusiasmo por estarmos ali, fazendo aquilo de
maneira tão prazerosa.
Anos mais tarde (em 1977), quando eu já era professor do Instituto de
Física da UFRJ, recebi honrado um convite do Prof. Pierre Lucie para trabalhar
com ele na elaboração das questões de Física do exame vestibular organizado
pela Fundação Cesgranrio. Tratava-se, naquela época, de um grande concurso
unificado para todas as Universidades do Grande-Rio, envolvendo algo da
ordem de cem mil candidatos para um total de cerca de vinte mil vagas. Pierre
sempre fazia questão de conscientizar toda a banca da responsabilidade de
nosso trabalho, menos como instrumento de avaliação, que efetivamente devia
ser — e bom — mas, principalmente, como um modo de contribuir para o
desenvolvimento do ensino de Física da região ou mesmo do país, na medida
2
Lucie, Pierre. Física com Martins e Eu. Ilustrado por Henfil. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 1970.
em que as questões dos exames vestibulares têm sempre uma forte
penetração em todo o sistema educacional, sendo reproduzidas em livros e
apostilas e utilizadas, dali em diante, por muitos e muitos professores para
ensinar aqueles conceitos. Assim a tarefa de elaborar aquelas questões devia
ser entendida pela banca que, portanto, não devia medir esforços para que
elas fossem claras, precisas, bem escritas e bem apresentadas. E quem quer
que já tenha trabalhado com o Pierre bem sabe de seu exigente zelo e de seu
alto padrão de qualidade.
Também na Fundação Cesgranrio, o Pierre foi o editor da revista
Contato, através da qual ele procurava incentivar a troca de experiências e de
informações entre os professores universitários e de ensino médio, visando o
aprimoramento constante do ensino de Física, Química, Biologia e Matemática.
Ele mesmo escreveu vários dos artigos de Física publicados nessa revista.
Essa época foi para mim de rico e vasto aprendizado e de imensa
satisfação pessoal. Colaborei com o Prof. Pierre Lucie até a sua prematura
morte em 1985 e, com muito orgulho, o sucedi na presidência da banca de
Física da Fundação Cesgranrio. Talvez por isso, em 1995, quando do XI
Simpósio Nacional de Ensino de Física da SBF, realizado no Instituto de Física
da UFF, fui convidado para compor uma mesa redonda que prestou, em nome
da comunidade de físicos e professores de Física do país, uma singela
homenagem ao saudoso mestre por ocasião dos dez anos de sua morte.
Naquela ocasião, procurei contar um pouco da biografia desse querido
mestre que tanto influenciou gerações de físicos e professores de Física de
nosso país — que ele fazia questão de dizer ser também muito seu, já que ele
o havia escolhido por opção e não pelo fato acidental de haver nascido aqui.
De mais a mais, completava irônico (e usando o irrefutável argumento de ser
mais idoso), ele tinha muito mais tempo de Brasil do que nós, seus alunos.
Baseei-me para tanto, e também no que está escrito a seguir, em lembranças
de conversas com o Pierre e num texto do Prof. Sérgio Costa Ribeiro (outro de
meus saudosos mestres) escrito em homenagem ao Pierre logo após a sua
morte.
O fato é que o Pierre nasceu no dia 14 de agosto de 1917 em Condom,
uma pequena cidade na Gasconha, no sudoeste da França, ali nas
proximidades dos Pirineus. Aos vinte anos ele já completara os seus estudos
em Toulouse, obtendo o baccalauréat ès sciences, e estava cursando as
classes preparatórias para as Grandes Écoles quando foi convocado para o
serviço militar. Então, em 1937, ele vai para a École Spéciale Militaire de Saint-
Cyr, onde, dois anos depois, se gradua como oficial do exército francês. Mas já
estamos em 1939, começo da segunda grande guerra, e, em 1940, Pierre é
capturado pelos nazistas e enviado a um campo de prisioneiros em Arnswalde
(à época, na Alemanha. Atualmente: Choszczno, na Polônia). Ali ele completou
sua formação, estudando Mecânica Analítica, Óptica Superior, Análise Superior
e Geometria Diferencial, e Mecânica Quântica. Em 1945, com o fim da guerra,
Pierre é libertado pelos aliados e, com a saúde bastante abalada, vem para o
Brasil. Foram tempos muito difíceis!
Por sua bravura como oficial do exército francês, Pierre recebeu a
condecoração da Légion d’Honneur, da qual ele, com justa razão, muito se
orgulhava.
Logo de sua chegada ao Brasil, Pierre ainda teve que enfrentar muitas
dificuldades até se ambientar. Várias foram as atividades por ele exercidas
para sobreviver, tendo chegado mesmo a trabalhar como motorista de
caminhão, até ser “descoberto” por professores secundários franceses que
lecionavam em escolas particulares do Rio de Janeiro. Pierre então começa a
sua carreira acadêmica no Brasil lecionando Física nos colégios Santo Inácio e
Rio de Janeiro. E essa carreira foi um marco na história do ensino de Física no
Brasil. Naquela época, final dos anos 40 e começo dos anos 50, o ensino de
Física nas escolas secundárias se caracterizava pela exibição de
equipamentos (muitas vezes apenas de suas figuras e esquemas de
funcionamento) que reproduziam experiências de Física e, assim, procuravam
ilustrar seus princípios e leis. Os livros didáticos continham descrições
minuciosas dessas engenhocas, que pouco ou nenhum interesse podiam
despertar. A Física era então percebida pelos alunos como um conjunto
desconexo de curiosidades, sem nenhuma ligação com o dia-a-dia das
pessoas. Aí chega o Pierre e começa a mudar o ensino da Física, procurando
dar uma visão mais conceitual de seus princípios e leis; promovendo a
redescoberta através da observação e da experimentação; enfim, mostrando
aos alunos que a Física está presente no cotidiano das pessoas. A Física
apresentada pelo Pierre não era nem aquela insípida exibição de
equipamentos, nem uma equivocada tentativa de substituição dos fenômenos
observáveis por uma sucessão de intrincadas equações matemáticas que
buscassem descrevê-los de forma acabada e definitiva. A Física apresentada
pelo Pierre podia ser tocada, sentida, vivenciada e, conseqüentemente,
ampliada, contestada e até mesmo modificada!
Essa permanente busca por novas formas de ensinar, levou o Pierre, em
1963, a participar de um grande projeto de reformulação do ensino de Física
realizado pelo Massachusetts Institute of Technology. Mais tarde, esse projeto
ficou conhecido como o famoso PSSC (Physical Science Study Committee)
que foi, sem dúvida, um marco no ensino de Física em vários países do
mundo. No Brasil, introduzido pelo Pierre em 1965, a despeito dos esforços
desenvolvidos principalmente pela Universidade de Brasília, que traduziu o
texto principal e o manual de laboratório, e pela FUNBEC- Fundação Brasileira
para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências, que reproduziu grande parte
dos equipamentos de laboratório, o PSSC não teve a repercussão que poderia
ter tido. Muitos professores conseguiram ver esse projeto apenas como mais
um livro didático para o ensino de Física, e isso era tudo que o PSSC nunca
quis ser, já que havia sido concebido como um curso completo de Física,
envolvendo não só o livro texto, mas um sem número de outros meios
auxiliares tais como: filmes didáticos, textos auxiliares e de aprofundamento,
novos equipamentos de laboratório, projetados dentro de uma filosofia de
simplicidade que buscava expor os fenômenos físicos a serem estudados de
uma forma direta, quase ostensiva. Pode-se dizer que a experiência do PSSC
entre nós malogrou antes mesmo que pudesse ter havido uma tentativa mais
abrangente de implantá-lo. Mas a influência desse projeto pode, ainda hoje, ser
percebida em alguns de nossos melhores textos para o ensino de Física em
nível médio.
Na universidade (PUC-Rio), o Pierre foi responsável por uma
interessantíssima experiência de ensino ao ministrar um curso de Física I
utilizando o Planetário do Rio de Janeiro, vizinho à PUC. Ali, a mecânica de
Newton era ensinada através da observação dos fenômenos astronômicos
reproduzidos na cúpula do planetário. Todos nós que somos professores bem
podemos avaliar as dificuldades e a ousadia existentes por trás de uma ação
como essa. E foi um enorme sucesso. Muitos são hoje os bons professores e
pesquisadores de nossas universidades que participaram desse curso, quer
como alunos, quer como monitores. Dessa época é o seu livro “A Gênese do
Método Científico”3, leitura obrigatória para todos que se interessem por
Filosofia da Ciência.
A produção escrita do Pierre sempre foi impressionante, embora muito
do que ele produziu não possa mais ser recuperado. O Pierre escrevia e
reescrevia apostilas, listas de exercícios com as respectivas soluções, roteiros
de laboratório e livros sem cessar. Era muito comum o Pierre recolher algo que
havia escrito e que já não passava pelo seu crivo, pois ele havia descoberto
uma maneira melhor de expor aquela matéria. Nem ele mesmo tinha uma
noção exata da extensão de sua produção escrita.
É preciso mencionar também a intensa atividade do Pierre no
desenvolvimento e na organização de inúmeras instituições voltadas ao ensino
da Física em vários níveis. Ele participou com o Padre Franz Xaver Roser da
criação do Departamento de Física da PUC do Rio de Janeiro, onde foi
também Coordenador do Ciclo Básico do Centro Tecnológico, que, aliás,
ajudou a implantar num trabalho feito junto ao MEC. Ele colaborou também na
reformulação do ensino de Física do Instituto Gleb Wataghin da Unicamp, onde
lecionou no final dos anos 70. Pierre foi ainda um competente gerente de um
programa voltado para o ensino básico de Ciências, o SPEC (Sub-Projeto de
Ensino de Ciências) do PADCT (Programa de Apoio ao Desenvolvimento
Científico e Tecnológico), que operava com recursos do Banco Mundial. Em
reconhecimento de sua dedicação e eficiência nesse trabalho, os professores
de Biologia prestaram-lhe uma homenagem, dando o seu nome a um parque
no Rio de Janeiro. Recebeu também a medalha da Ordem Nacional do Mérito
Educativo.
Pierre nos deixou na madrugada de 12 para 13 de setembro de 1985,
aos 68 anos de idade, após mais um dia de aula. Naquela ocasião, ele se
dedicava febrilmente a explorar as potencialidades do emprego de
microcomputadores no ensino de Física. Como sempre, estava vários anos à
frente de seu tempo, como um verdadeiro desbravador, sintonizado com o
futuro e esbanjando aquela juventude intelectual que talvez tenha sido o traço
mais marcante de sua genialidade.
Nunca consegui ler o texto de Rubem Alves que citei antecedendo essas
minhas palavras sem recordar com muito carinho e saudade do bom amigo e
mestre Pierre Henri Lucie. Espero que, para as novas gerações que não
tiveram a oportunidade de conviver com ele, eu tenha conseguido deixar claro
o porquê.

3
Lucie, Pierre. A Gênese do Método Científico. Rio de Janeiro : Editora Campus, 1977.

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