I. EMBATE...................................... 8
II. UM NOVO EMBATE......................... 14
III. A MORTE INESPERADA...................... 21
IV. O CÓDIGO..........................................
26
V. O NOVO NAMORADO DE LETÍCIA....... 42
VI. AS TRÊS PESSOAS HIPNOTIZADAS...... 50
VII. ÍRIS BRAINVICH................................. 58
VIII. AS PIRÂMIDES IRMÃS......................... 64
IX. A ÚLTIMA PROFECIA DE AMANTTINIS 73
X. O COVIL DAS COBRAS......................... 75
XI. “DEMINSTIFUS MALÉFIQUIS PODERES!”. 82
XII. ENQUANTO HOUVER BEM... O MAL NÃO
PODE DOMINAR...................................
85
PRÓLOGO
RÚSSIA, 2000
>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>
EMBATE
1.
BRASIL, 2019
‘E stava frio. Porém, frio nenhum impediria que Christian Salém realizasse seu
sonho...
O jovem rapaz de cabelos negros e sedosos (não por cuidado, pois Christian não
dava a mínima a eles), olhos castanho-escuros e um cavanhaque para provar que
já passara dos vinte, estava encasacado da cabeça aos pés.
Mesmo com uma touca, o vento glacial e cortante parecia resvalar em seu
cérebro e continuar a flutuar por sob o ar, enquanto corria para que não pudesse
se atrasar para o grande dia: o dia de lançamento do game em alta definição mais
esperado de todos os tempos: HARDLEVEL.
Até então, hard (como vinha sendo chamado) dividia opiniões.
Na realidade, a divulgação do produto não haveria sido tão ampla pelo mundo
não fosse o vídeo que supostamente “vazou” – a despeito de muitos julgarem ter
sido jogado de modo intencional – na internet, que seria da desconhecida
empresa fabricante do jogo para comerciais.
Hardlevel possuía holografia; por isso, o fato de avocar tantas atenções para si
próprio quando visto por milhares de pessoas ao redor do planeta.
Claro que também existiam aqueles que davam pouco crédito ao vídeo, que podia
muito bem ter sido produzido por alguma pessoa criativa que lidasse bem com
computação gráfica e um tanto de ilusão ótica. Mas quando o Brasil foi
anunciado como sendo o primeiro país do mundo a receber a novidade (assim
como num teste de mercado: se funcionasse aqui, iria para o resto do mundo) os
rumores foram substituídos por empolgação e possibilidade de que o novo
videogame superasse as expectativas.
Dava orgulho a informação que o país recebera.
Era uma prova de dever cumprido, para alguns. O alarmante crescimento em
meio aos anos com certeza foi um dos pontos principais para a decisão, deixando
países como Estados Unidos e Japão seriamente para trás.
Christian Salém era um dos irrequietos pela inovação, que, por contar com fontes
superiores as da maioria da população, conhecia a respeito da veracidade dos
fatos a tempos. Por isso, quando sobrestou seus passos em frente à loja, reluzia
extasiação...
***
***
2. Um Novo Embate
°Iniciar Jogo
Modo Carreira
Cenário Digital
Vs Computador
Batalha
Opções
ATRIBUTOS do GUERREIRO
Força:
Magia:
Vidas:
FASES do JOGO
Fácil°
Difícil°
Muito Difícil°
>>>>>>>>>>
***
... Enquanto cuidava do braço recém-dormido, o telefone tocou. Era uma amiga,
de nome Melissa. Ou melhor, era mais que uma amiga... Se assemelhava mais a
uma namorada, no entanto nenhum dos dois jamais tocou neste assunto. A garota
adorava ir à shows, e, a cada semana, fazia um novo convite para uma ida a dois,
que nunca havia sido recusada.
Porém, pela primeira vez, Christian rejeitou o convite.
–Me perdoe Melissa, mas eu não estou com cabeça pra isso hoje, e ainda preciso
resolver um assunto aí que me aconteceu... Então me desculpe, mas não tenho
como ir – explicou o rapaz, em tom tenro e amável.
–O que é em Cris?... Você tá com outra, é? – replicou Melissa, sem a mesma
fleuma.
–Como assim, com outra? Eu nem...
Melissa cortou.
–Como assim o quê?! Você tá muito em cima do muro, garoto! Quer saber..., me
esquece, tá bem?! Você não tem meu número mesmo...
–Mas... peraí... Eu só...
E desligou.
Simplesmente.
Sem mais nem menos...
Christian, claro, não entendeu nada.
Ficou atônito. Bravo, até, emburrando-se por bons instantes; quem sabe,
experimentou da mesma sensação do garoto que levou aquela mãe-bronca na
loja, também sem saber de que se tratava e ficar tão pávido quanto ele.
Depois de esquecer um pouco o assunto, alongou o braço praticamente
recuperado da dor e guardou o hardlevel na caixa.
Tramitou descortês até chegar a seu carro, e se dirigiu novamente a loja
Gameshow.
***
3. A Morte Inesperada
Ele ainda estava um pouco atordoado com toda esta história envolvendo
hardlevel, porém, se encontrava atrasado para o emprego. Ele sentia que ser dono
de uma famigerada video-locadora como a sua era algo inconcebível para alguém
tão jovem como ele. Chamava-se J.S.V. Chamou-se, mais bem dizendo, Sétima
Arte, mas após a morte de seu pai, há três anos, a mudança para José Salém
Vídeos veio a calhar. Uma homenagem; ato excessivamente parafraseado em
muitas arestas por aí, mas sua forma de respeitar todo o trabalho que seu pai fez,
e que se precipitou sobre ele, o caçula dos filhos.
Com uma pressinha, o rapaz pegou um hambúrguer requentado que “dormiu” no
microondas, saiu veloz até o carro e o comeu enquanto dirigia até a locadora.
Christian se envolveu em seus pensamentos. Por alguns breves momentos, de
João Rodrigues Prestes à Avenida Euclides, ele repassava pesaroso em sua mente
o estranho fato que presenciara a pouquíssimos momentos. Era muito estranha a
história de Jonas, muito...
–Puxa, mas que demora em Salém! – Se arriscou em arquejar o mais autoritário
dos funcionários logo que o chefe chegou, sem receios de sua resposta.
Christian, apesar disso, não disse nada. Passou por todos eles, e apenas abriu a
porta.
O interior da locadora era de bom gosto. Donairoso e amoldado. Chegava a ser
aconchegante. O requinte em cada quina acúleo e vértice, em cada cômodo em
que se dividiam os variados gêneros de filmes. As prateleiras, que mesmo sempre
sendo esvaziadas, dificilmente não se encontravam cheias dos mais diversos
lançamentos.
A loja era dona de muitos clientes, a maioria deles, já assíduos. Um pouco da
notoriedade era devida às interessantes promoções, sim, que a elevavam a um
alto grau de primor. Algumas já antigas, da época de seu pai, outras recentes que
ele mesmo e seus funcionários planeavam durante o ano, mas todas congruentes.
Uma delas, imutável e invencível, consistia no seguinte: O cliente com o maior
número de locações no ano tinha direito a cinco grátis no fim dele.
Em outras palavras, o bom trabalho que só crescia ia prosperando cheio de
dedicação, que é o sinônimo e a chave para o bom negócio. Seu pai deu início ao
que acabou tornando-se o grande ganha-pão dos Salém, e Christian estava apenas
continuando. Sua única falha o relacionando a ele, era a falta de amizade quanto
a seus empregados. Aliás, ele tentava. Mas embora tentasse, não adiantava em
nada. Não se dava bem com ninguém em seu ambiente de trabalho.
Todos ali dentro adoravam seu pai, José Salém. Mas tinham sumo conhecimento
– pois por já estarem a par da informação, já que o próprio já os tinha informado
– de que quando ele viesse a falecer Christian o substituiria. E quando isso
aconteceu, bem antes do previsto, ficaram completamente abalados. Dois até se
despediram...
Mas ainda que o gerenciador Christian Salém ansiasse por mandar todos embora,
não podia fazer isso.
Não queria fazer isso.
Aí o coração falava mais alto que as decisões convenientes a ele mesmo: o que
seria de alguns, ou melhor, de todos eles? Provavelmente, não encontrariam um
outro emprego, o que acarretaria alguma falta financeira em suas famílias;
Christian era forte. Poderia muito bem suportar algumas briguinhas aqui, e outras
ali.
Além do mais, seu pai em vida ficaria muito desapontado em demitir quaisquer
de seus amigos, a não ser por motivos austeros.
Quem sabe se contado a alguém, o modo de pensar do chefe despertasse algum
tipo de curiosidade por parecer copiosamente paspalhão. Mas, em sua mente,
algo o implorava para que não despedisse nenhum desses pobres coitados..., por
isso, toda vez que surgiam benditas brigas ele dizia a si mesmo: “Tenha
Piedade”...
...E, até hoje, seu plano da piedade nunca dera errado. Até Hoje...
–AH... Cala a boca, Salém, eu já não te mandei calar!! – exigiu irritado o mesmo
funcionário que tratara o chefe mal na entrada, nervoso com uma repentina
ordem, que acabou num bate-boca.
Christian tentou o plano da piedade, mas não deu nada certo:
–Senhor Lemos – disse Christian, sempre muito educado, até com o mais reles
empregado.
–Fala, seu mané!... – respondeu, olhando para os colegas, que pareciam não
apoiar a ousadia.
–Está despedido.
–Perdão?
–Está despedido! – Christian incrementou rispidez em sua voz.
–Mas... Senhor Salém, eu...
–Sem mais, Senhor Lemos. O senhor não é mais meu funcionário.
–Eu... Eu...
–Guarde suas palavras, por favor, Senhor Lemos.
Lemos vistou o chefe com olhar de remorso, e se ateve como o mesmo pediu.
Não desejou nem ficar até o fim do expediente; destituído de suas funções, foi-se
embora, prometendo voltar no dia seguinte para buscar a quantia em dinheiro que
era sua por direito.
–Desacato... não será mais aceito! – brandiu Christian logo depois da saída de
Lemos.
Um cliente entrou, meio desorientado, durante a repreensão do chefe. Dois ou
três funcionários foram atendê-lo, para quebrar um pouco o clima.
–Se houver algum problema, José... Avise aos outros que estarei na minha sala.
O silêncio cuidou de se acomodar entre os serviçais da loja, salvo aqueles que
atendiam ao cliente chegado há pouco.
Agora Christian, confortavelmente assentado na poltrona-trono que já pertencera
a seu pai, estava prestes a estrear, finalmente, seu hardlevel.
Seu amor por jogos era incondicional. Ainda mais uma novidade, uma nova
tecnologia. Por isso Christian adorava tanto videogames. Era quase como um
instinto: um impulso dificílimo de se controlar.
O retirou da caixa, cintilante como um curumim, e o ligou.
–AH!!! – O mesmo choque que o invadiu na primeira vez que o ligou, voltou a
ele...
...TOC, Toc, toc.
–Entre.
–Algum problema, senhor? – investigou um de seus funcionários, apreensivo.
–Não, não. Meu grito foi muito alto?
–Foi sim Sr.
–Me desculpe Elias. Volte ao trabalho.
–Sim senhor.
Elias fechou a porta levemente, e saiu a passos largos.
Christian voltou os olhos para o videogame. O seu Ódio Contra a Máquina
estava se intensificando. Já era a segunda vez que ocorrera o mesmo problema.
Nervosíssimo, o rapaz guardou o videogame na caixa e começou a pensar no
exato momento em que fez a suposta troca na loja. Ia voltar lá. E ia agora.
–Mas... Senhor Salém!... Quem vai gerir a loja no seu lugar... Enquanto estiver
fora?
–Você. Pode fazer isso por mim, Marcos?
–Eu?! Claro!! – surpreendeu-se Marcos.
A gentileza de Marcos foi respondida com um sorriso discreto e rápido, que
quase passou despercebido.
Entrando no carro e ligando com pressa a chave de ignição, o rapaz deslizou até a
Gameshow.
Ficou inconformado à medida que se ia se aproximando, porquanto o quarteirão
da loja se encontrava lotado. Voltou algumas quadras, e guardando o carro no
estacionamento mais próximo dali.
A tarde muito formosa e quente exigiu seu ray-ban, que normalmente penava no
porta-luvas do rapaz nestes mesmos meses todos os anos.
A temperatura agradável, gostosa, normalmente atraía multidões para o centrão
de São Paulo.
Exatamente por isso, Christian achou muito curioso o fato de a rua estar tão
inóspita.
O percurso do estacionamento até a loja, mesmo sendo curto (não passavam de
três quadras), reservou-lhe uma surpresa nada deleitável.
Enquanto manejava o aparelho defeituoso, alguém o surpreendeu:
–Ei... me passe o seu hardlevel, ou eu enfio esta faca nas suas costas – silvou
uma voz desconhecida, demasiado ameaçadora.
Christian sentia a lâmina cortante da faca tão colada em sua pele, que ele tinha
absoluta certeza que qualquer movimento brusco a alojaria dentro de seu corpo.
–Espere rapaz... não vamos nos...
–Me passe... Agora! – irritou-se o ladrão, que parecia não querer rodeios. No
entanto, seu tom de voz parecia ainda mais baixo.
–Claro – acalmou Christian. – Mas seria mais fácil se você tirasse essa faca das
minhas costas. – sugeriu.
Christian sentiu, lentamente, o instrumento cortante se afastar de sua pele. No
mesmo momento, uma mão se estendeu até onde ficou bem visível à seus olhos.
–Quando eu disser três..., você vai colocar o seu hardlevel em minhas mãos...
Sem Gracinhas...
Christian não fez nada senão assentir.
–Um... Dois...
–PARADO AÍ, SEU IDIOTA! – Urrou outra voz desconhecida, as costas de
Christian.
Mas era tarde demais: Christian já havia posto o videogame nas mãos do ladrão,
que saíra correndo tão velozmente, que driblou fácil o policial que tentara
impedi-lo...
***
...Num lugar assaz distante dali, a tarde já começava a findar e o céu nebuloso,
vestido de nanquim enigmático começava a surgir. A agradável praça central, um
pouco apinhada de gente, punha-se lentamente a ser evacuada devido ao tempo
encoberto. Porém, no meio de todos, Jonas Anderson tentava gritar...
“Socorro! Aqui, Socorro!”... embora gritasse muito, ele não saberia explicar se
questionado porque seus gritos saíam... Abafados.
Estava no meio de um aglomerado de pessoas, mas parecia estar invisível.
Ninguém o ouvia ou via; Jonas estava... MORTO.
Há pouco tempo atrás, ele viu seu corpo levantar do banco onde estava sentado,
jogando o game hardlevel, e sair andando, sem ele. Jonas tentou segui-lo, mas ele
se perdeu em meio a multidão.
O rapaz não tinha ideia de como havia acontecido isto: como sua alma havia sido
separada de seu corpo. Mas, consigo, havia um pequeno palpite, sobre quem
havia cometido horrenda maldade: Hardlevel.
4. O Código
***
***
–Por que você morreu, Susane? Também foi por causa do hardlevel? – Jonas
indagou a uma mulher que acabara de chegar, também em espírito, na praça onde
se reuniam.
–É... acho que sim... – a mulher chamada Susane respondeu, muito por ainda não
saber de nada.
–Todos nós – começou Jonas, havia seis ou sete pessoas detrás dele, que senão
crianças, adolescentes – ao que tudo indica, morremos por causa do hardlevel.
–Mas... e agora? Não há como voltar? Perdemos nossos corpos e não podemos
mais recuperar? – questionou a mulher, em tom amofinado.
–Há... uma hipótese...
–E qual é? – quis saber Susane.
–Existe um código, para que façamos conexão com alguém que esteja vivo. É um
ótimo modo de termos alguma chance de voltar.
–Perdão. Eu não entendi nada do que disse... – a mulher contou, sem se
envergonhar.
–Porque nem eu sei muito bem o que estou dizendo... – declarou Jonas. – Foster,
explique a ela, por favor.
Um homem senil saiu da escuridão.
–Você também jogava... Hardlevel? – interrogou Susane, parecendo surpresa
com o fato de alguém idoso se interessar pelo jogo.
–Sim. Não é só porque sou velho que não posso gostar de um videogame novo,
que parecia inteligente – alegou Foster, desaprovando o julgamento da moça.
–Ele foi o primeiro a chegar aqui, Suzanne. E conhece coisas que ainda não
sabemos – Jonas esclareceu a moça.
O rapaz olhou para Foster novamente como se fosse um sinal para que ele
pudesse começar a falar.
–Bem, então a início de explicação, eu creio que já não sejamos os únicos
afetados pelo videogame.
–Afetados? Estamos mortos, não estamos? – interrompeu Susane, abismada.
–Deixe ele falar! – sugeriu uma garotinha trigueira de olhos castanhos-areia, que
também chegara há pouco tempo.
–Bom, como eu dizia, não somos os únicos afetados – repetiu Foster a palavra
que incomodou Susane. – Na verdade, presumo que não somos nem dez por
cento deles. Como vêem, estamos em pleno centro da cidade. Só não podem ver-
nos, ou sentir-nos... – explicou Foster, dando um soco no rosto de um homem que
passava, mas ele não o sentiu. – Acredito que o hardlevel seja um tipo de...
Transferidor.
–Transferidor? Como assim? – questionou um garoto que também estava com o
grupo, absorto nas informações que Foster passava a eles.
–Não sei se sentiram o mesmo que eu, mas havia algo estranho dentro do
videogame.
–“Algo Estranho” – repisou Susane em tom francamente irônico. – Pode ser
mais específico, Sr. Sabichão?...
–Havia VIDA na máquina! – respondeu Foster excelso e aborrecido com a moça.
Susane o olhou sovada e perplexa.
–Isso é Impossível!
–Não, não é, Susane. Infelizmente é verdade – divulgou Jonas, desenredado.
–O código que o rapaz Jonas falou, só pode ser feito por uma pessoa. Temos
apenas que nos preocupar em garantir que nenhuma outra o esteja usando no
momento, senão, pode dar... Errado.
–E como ele pode ser feito? – questionou um garoto baixo de cabelos pretos e
impugnados, referindo-se ao código.
–Teremos que esperar cinco pessoas passarem, e cada uma delas terá um
número marcado bem aqui – disse Foster, apontando para a região da testa. –
Quando todas passarem, juntamos os números e vemos o resultado: esse é o
código.
–E como você sabe de tudo isso? – intrigou-se Susane, novamente.
–Leitura.
–Leitura? – retiniram todos ao mesmo tempo.
–Pra ser mais exato, Relatos Secretos de Bóris Brainvich, de Íris Brainvich.
Todos permaneceram olhando-lhe enfadados, mas ele não continuou a falar.
Apenas voltou a se sentar no banco metálico onde estava exatamente quando o
chamaram.
–Então todos vocês estão esperando esses números – perguntou Susane em tom
presunçoso.
–Sim – Jonas rebateu.
–E encontraram quantos?
–Nenhum.
–E se esses números não existirem? Se não chegarem até nos?
–Existem Susane. Foster disse que existem – respondeu a garotinha morena.
Mas Susane possuía um defeito grave: contestar tudo o que lhe era apresentado.
De modo súbito, após a frase da garota, ela explodiu:
–Isso é uma tremenda LOUCURA! Como vocês podem acreditar no que esse
velho decrépito está dizendo! – exclamou, com Foster tão afastado, que não
podia nem ao menos se defender. – Ele não sabe o que diz! Está baseando tudo
no livro idiota que leu!!
Todos olhavam para ela com ar de desaprovação ao que dizia. Perdendo espaço, a
moça decidiu recuar:
–Qual é, gente... Era só uma piada...
–Não era. Piadas têm graça.
–Por favor, pessoal... Não queira polemizar discutindo. E você Susane, se não
acredita nas palavras de Foster, pode sair daqui. Vá procurar outro grupo.
Realmente parece loucura, mas...
–Um número! – alguém berrou.
Todos viraram os olhos imediatamente para onde o rapaz abalizara. Realmente,
uma mulher passava a frente deles. E existia um número marcado em sua testa: 8.
–... É a nossa única chance... – Jonas finalizou sua frase.
–Oito. Número oito... – disse o mesmo rapaz, tentando memorizá-lo.
O jovem Jonas Anderson agora sabia que todos, em especial a desconfiada
Susane, acreditariam pelo menos um pouco no que Foster procurava afirmar. Ele
não fazia ideia de como o velho conhecia tantos segredos, mas sabia que ele não
mentia, como Susane insistia em procurar provas concretas contra. Na verdade,
até ele, às vezes, se sentia um tanto incrédulo em analogia as revelações de
Foster, por nunca ter ouvido falar de algo parecido; Mas não estava pouco
ligando para isso. Contanto que conseguisse seu corpo de volta, tudo estaria
bem...
...Conforme a noite abatia-se, Jonas percebia que, ainda que sem corpo, sentia
sono. Alguns do grupo já roncavam audivelmente, mas um par de olhos negros
insistia em permanecer vividamente aberto.
–Não vai dormir, garoto? – interrogou o dono dos olhos ao examinar a face
sonolenta, obviamente em alma, de Jonas.
–Não. Eu vou ficar aqui acordado com você – determinou Jonas, decidido.
Foster não disse nada; mas ficou admirado com a decisão desvanecedora de
Jonas, pois todos estavam dormindo.
–Bom Foster, enquanto não temos nada pra fazer, vamos nos conhecer melhor,
não é? – sugeriu Jonas, amigável.
–Claro! Já estava quase dizendo o mesmo – confessou Foster, embora, pelas
circunstâncias, não parecesse ser verdade.
–Eu sou Jonas Anderson, e tenho vinte e três anos. Trabalho, quer dizer,
trabalhava... É a força do hábito né...
Foster riu.
–Como eu dizia, trabalhava numa empresa de contabilidade, e ainda morava com
a minha mãe... E isso até que me deixa um pouco preocupado. Eu fico
imaginando como ela deve estar...
–Ela deve estar bem... – Foster começou.
–Tomara.
–... Se você não tiver retornado para casa – rematou. – É claro que, por ser um
garoto inteligente, você sabe que estou falando do seu corpo, não é?
–Claro.
Foster percebeu o olhar de preocupação de Jonas referente à sua mãe, e quis
mudar de contexto rapidamente, na tentativa de que ele esquecesse um pouco o
assunto.
–Você já falou um pouco sobre você, garoto, então agora é minha vez – afirmou
Foster com um sorriso nada empolgante. – Eu sou Samuel Foster, nascido no dia
dezesseis de agosto de mil novecentos e cinquenta e sete. Fui aposentado por
invalidez do meu serviço no exército quando, após um tiro, perdi completamente
os movimentos da perna esquerda.
–Então você...
–Sim. Precisei amputá-la – respondeu Foster, prevendo a pergunta de Jonas – Eu
usava uma perna mecânica no lugar dela. Eu...
–Foster...
–Espere, me deixe terminar, garoto...
–Foster! – Jonas bradou exageradamente arisco. – Um número!
Os dois estavam sentados cara a cara, de modo que um via a praça, e o outro, a
rua. A escuridão estava aliciada com um tempo nubífero, por isso era tão difícil
enxergar.
Mas Jonas o viu. Ali estava ele, cravado na testa de um homem que vinha
apressado, e corria tanto, que parecia estar fugindo de alguém.
–É! É um dois! – contra-atacou Samuel ao virar-se ligeiro para a praça, o local
onde Jonas vigiava.
–Eu acho que não era um dois... – avisou Jonas, momentos depois de o homem
passar por eles.
–Então vá atrás dele! – ordenou Samuel.
–O quê?...
–Vá... Atrás... Dele!... AGORA!!!
Foster não precisou nem terminar a frase porque Jonas saiu em disparada atrás do
homem. Se sua vida realmente dependia desses números, ele não hesitaria em tê-
los. Estava no encalço do sujeito desconhecido, quando ele dobrou uma esquina.
Jonas arquejou, extenuado, e também entrou na mesma rua. Parou, e examinou
todos os cantos dela, mas o homem não estava lá... havia desaparecido... Mas...,
para onde teria ido? Era um beco sem-saída, ele não poderia ter ido a lugar
algum, e...
–AHH!!!
Jonas sentiu algo transpassar sua alma. Era o homem. Ele parecia ter tentado
agarrá-lo, mas, sem sucesso.
O rapaz correu como nunca correra em vida até se distanciar razoavelmente do
homem misterioso.
...O que será que ele queria? O que viera buscar? Será que, de alguma forma, ele
sabia da presença de Jonas ali?...
Essas eram algumas das perguntas pendentes enquanto o rapaz corria, mesmo
dispnéico.
Um.
O número era um.
E não dois, como Samuel pensara.
Jonas desconhecia a razão pela qual o homem pulou sobre ele, mas sabia que ele
não pretendia algo bom.
Retornou a praça trazendo o verdadeiro número, e o sol se pôs de vez no céu
azul...
***
***
Chovia Granizo. Mas, mesmo sem pele, Jonas podia senti-la, flagelando-
lhe, enquanto perseguia o dono do quinto número.
Os dois que antecederam esse haviam sido fáceis, passaram andando. Mas este
pequeno garoto cismara em correr tanto quanto o homem com o número 1.
Jonas o acossava há mais de dez minutos, e toda vez que se aproximava, o garoto
dobrava a rua. Foram parar numa alameda escura e suja, com árvores tão grandes
e frondosas que a deixavam mais escura e sombria do que parecia ser.
Já em seu encalço, o garoto parou, alcantilado, e começou a olhar para o lugar
onde Jonas estava. Um horrível frisson o invadiu quando o garoto perguntou:
–Quem é você?
Jonas suspirou por um momento, e viu o número 6 gravado em sua testa.
–Meu nome é Jonas, e... estou morto.
–Por que está me seguindo?
Por mais incrível que possa parecer, Jonas não sentiu ilícito contar ao garoto tudo
o que lhe havia acontecido.
–Você está LOUCO! Eu não tenho número nenhum gravado na testa!! – berrou o
menino, quando Jonas terminou de contar toda a indigesta história.
O rapaz resolveu não discutir com o garoto, porque afinal, ele não tinha nada a
ver com este acontecimento. Seria muito melhor ainda deixá-lo fora disso, onde
exatamente estava quando começou a conversar com Jonas.
Despediu-se do menino com apenas um aceno de mão, e avançou em direção a
praça onde todos do grupo o aguardavam, a espera do número. Quando estava
prestes a cruzar a rua, o garoto disse:
“ESPERE”
Bem como Jonas volveu-se novamente, viu dois pares de olhos encararem os
seus. Um o enfrentava firmemente; mas, o outro, não tinha muito foco; Jonas
sabia ainda estar invisível a ele.
–Ali papai, “Olhe”... – dizia o garoto, apontando insistente para onde Jonas
estava.
–Eu não o vejo, filho – respondeu o homem, enquanto Jonas pregava os olhos no
número Um, repousado em sua testa.
–ELES contaram que ele diria que temos números marcados na testa. E ele disse,
papai, ele disse...
–Filho, eu quero que me diga exatamente aonde ele...
–Papai! Ele está... CORRENDO!!!
Jonas saíra em disparada dali. Ele sabia que existia alguém por trás de tudo isso.
Alguém que queria impedir que usassem o código...
–MAIS RÁPIDO, PAPAI! Mais Rápido!!
Apesar de muito assustado, Jonas Anderson não olhava para trás. Ele sabia que o
pai do garoto estava extremamente próximo. Pelo menos isso poderia elucidar o
pulo do homem sobre ele na tentativa de apanhá-lo, um dia antes. Mesmo que
considerasse impossível a hipótese do homem conseguir pegar-lhe, não queria
arriscar. Não Podia arriscar... Ele corria de modo contemporizado, pois estava
perdido. Nunca andara por aquele bairro, então estava procurando ao menos
despistar o garoto e seu pai.
–JONAS, AQUI!
O rapaz olhou para o lugar de onde surgiu a repentina voz, e viu um velho de
cabelos e barbas que pareciam revestidos com uma camada prata dentro de um
tipo de incubadora.
–Que diabos é isso?...
–É um esconderijo, ora! Agora entre e cale a boca, porque o garoto pode nos
ouvir – advertiu o mesmo velho.
“Jogue o cubo PAPAI! Jogue o CUBO Agora!!!”
“Onde ele está, filho?!?”, Jonas sentiu a voz rouca do homem se aproximar mais
e mais do lugar que ele se encontrava.
“Eu... NÃO SEI!... Ele SUMIU!!”
“Mas que Droga! Quase o pegamos!”
“Ainda podemos pegá-lo! Vamos por ali...”
E os sons dos passos do homem e do garoto começaram a se distanciar dali.
–Eles já foram – informou Samuel, abrindo a portinhola do lugar onde se
escondiam.
–Você ainda não me explicou o que é isso – obstinou Jonas, apontando firme para
o artifício de onde saíram. – Eu nunca vi um troço desses na minha vida!
–O problema... – principiou Samuel Foster – É que você não está vivo... Você se
esquece disso? – indagou, olhando de maneira especiosa para Jonas.
Jonas não respondeu, pois odiava se sentir diminuído, ou ignorante. E no
momento, ele se sentia exatamente assim.
–Quem eram eles? O garoto e o homem?– perguntou Jonas após eles já haverem
percorrido duas esquinas, e ele sentir-se mais seguro de si mesmo.
–Bom, Jonas, eu quero que saiba que não sou nenhum expert formado em
“defesa contra alienígenas ou outros perigos alheios”. Eu fui em vida uma pessoa
normal, que por ter tido um tempo de vida maior que o seu, aprendi coisas mais
que você. Por isso e por muitas outras coisas, eu posso concluir que o menino e o
homem já sabem de toda a história envolvendo o hard; talvez até saibam mais
que nós. Alguém que queria nos deter usou-lhes na esperança de que pudessem
nos pegar. Esse alguém, Jonas, está com medo que o nosso plano dê certo...
Os dois cortaram outra esquina, e finalmente avistaram a praça de bancos
metálicos.
–Jonas... eu cheguei a uma decisão... – revelou Samuel, antes que pudessem se
encontrar com o grupo.
–Qual? – quis saber Jonas em grande afã.
Samuel parou subitamente de falar. Ele abriu seus lábios novamente quando já
estavam em frente ao grupo.
–Esta Noite, a conexão será feita – declarou Samuel, a todos que podiam ouvi-lo.
–E quem vai fazê-la? Você é?... – Susane instigou.
–JONAS.
–Eu? – indagou Jonas, em tom de surpresa.
–Por que ele? – se exaltou novamente Susane, que parecia condenar seriamente a
decisão.
–Porque ele foi o único a correr atrás dos números. Foi o único a ficar acordado,
os esperando, enquanto vocês dormiam. Foi o único que correu riscos por aqui.
Só por isso... – explanou Foster imensuravelmente claro.
–Mas... Foster! Não pode ser ele! Se isso realmente for verdade, todo o meu
futuro vai estar nas mãos de um... Moleque!
–MOLEQUE?!? Olha aqui, senhorita “SE METE EM TUDO”, eu...
–Acalme-se Jonas. E, Susane, será ele. Não há mais o que contestar – disse
Samuel quando todos os outros faziam sinal de apoio a Jonas. – Você já sabe com
quem irá estabelecer a conexão?
“Christian”, Jonas pensou. O único que poderia crer nessa história.
–Jonas?...
–Christian.
–Quem é Christian?
–Um grande amigo.
–Certo. Então, antes de começarmos, devemos ponderar um pouco sobre o que
você irá falar a ele. Já tem alguma idéia? – Foster questionou.
–Hum... sim.
–E o que é?
–Bom, eu vou tentar dizer a ele que estou morto, e que preciso de sua ajuda para
voltar à vida – sugeriu Jonas. – E também que ele precisa encontrar meu outro
eu e descobrir tudo o que conseguir.
–Bem lembrado! – contrapôs Foster, aprovando-o com um sorriso. – Acho que se
você também tiver a oportunidade, fale para ele procurar sobre um escritor
chamado Bóris Brainvich.
–Lá vem ele com essa história de “Brainviqui” de novo... – zumbiu Susane com
os garotos que estavam ao seu lado.
–Pode deixar Samuel – asseverou Jonas.
Samuel Foster olhou circunspeto para Jonas e articulou:
–Você está pronto?
–Sim.
–Então podemos... Começar.
–Quando você quiser...
–Você tem que imaginar firme o lugar para onde você vai, está bem? Você vai
parar exatamente no lugar onde está pensando.
–Está bem.
–Tem alguma pergunta?
–Não.
Samuel pediu para que Jonas entrasse num círculo riscado no chão. Ele entrou, e
Foster começou a proferir os números do código: 8, 1, 3, 9, 6. Cada vez mais
rápido, cada vez em outras línguas...
...E a praça começou a girar. Jonas via borrões na escuridão; acenando-lhe e
desejando boa sorte...
–Espere! Eu tenho uma pergunta!...
Tarde demais. Jonas já estava fora da praça.
–Queria saber quanto tempo eu fico assim... – disse, quando seu corpo parecia,
de alguma forma, restituído a sua alma.
Jonas estava numa casa grande e desarrumada. As luzes estavam acesas em cada
um dos cômodos, com exceção da sala. Nela, o televisor estava com a imagem
congelada, provavelmente após o fim de algum filme. O rapaz se aproximou mais
da sala, e viu restos de pipoca esparramados pelo tapete. No entanto,
rapidamente, sua atenção se desviou da pipoca para um rapaz de cabelos negros,
que roncava ruidosamente...
–CHRISTIAN!...
O rapaz, porém, nada ouviu. Estava absorto em sonhos, e pela primeira vez na
semana estava tendo um bom sono.
Jonas tomou parte do tempo que tinha para refletir sobre algumas idéias. Foster
não lhe dera muitas instruções sobre o que fazer. Nem menos lhe falara sobre o
tempo que possuía para realizar o trabalho. Em outras palavras, Jonas teria que
agir rápido, e sozinho...
***
Christian dormia como uma pedra. Jonas apreciava os curiosos minutos que
pareciam devolver-lhe seu corpo. Já tentara acordar o amigo gritando, mas ele
nem ao menos se movia. Estava quase desistindo e imaginava que a qualquer
momento tudo começaria a girar novamente e ele estaria de volta à praça, quando
o inesperado aconteceu: no momento em que ele resolveu encher um balde
d’água e jogar em Christian, o amigo acordou na mesma hora, de um susto, e
passou a fitá-lo, com olhos tão vermelhos quanto o fogo.
–Mas O QUÊ?
Christian e Jonas estavam frente a frente. O primeiro rapaz muito mais confuso
que o segundo.
–Jonas, o que você tá fazendo aqui?! – rufou Christian, com os olhos numa cor
rubro-escaldante.
– Acalme-se Christian, tenho uma longa história pra te contar...
E Jonas explicou-lhe tudo. Desde sua fatídica morte até como chegara ali.
–ISSO É RIDÍCULO! – pulsou Christian completamente esbodegado.
–Christian, acredite em mim, pelo menos por um instante! – Jonas implorou.
Christian, porém, o olhava com suspeição.
–Você quer saber do dia em que o visitei pela última vez, não é?... Porque mudei
de idéia tão rapidamente. É porque aquele já não era mais eu. Quer dizer, no
começo era, depois a outra coisa dentro do meu corpo já estava começando a me
dominar...
Christian fez cara de pasmo.
–Mas.. Eu te vi! Na sua casa! E você foi completamente grosseiro comigo!!
–Aquele não era eu, Christian! Você ainda não entendeu?! Alguém tomou meu
corpo!! – gritou Jonas em tom excedido – Mas... você me viu na minha casa?
Quer dizer, meu corpo, eu estou pegando o hábito do Foster...
–Sim. Eu fui à sua casa te visitar depois do dia que veio aqui – suscitou Christian
um pouco mais calmo, mas ainda espantado de modo desmedido.
–Está entendendo melhor agora? Você foi a minha casa e conversou com alguém
que está no meu corpo, mas que não sou eu...
–Isso é impossível, Jonas!
–Christian. É a segunda vez em menos de uma semana que eu ouço você dizer
que algo é impossível. E, por incrível que pareça, eu tenho certeza que você é a
única pessoa que pode me ajudar. Não tenho ideia do que tinha naquele
videogame, mas era maligno. A propósito, desfaça-se do seu o mais rápido
possível.
–O meu foi roubado.
–Roubado?
–É. Esse videogame virou uma febre imediata Jonas. Eu vejo todos os dias nas
ruas pessoas com o hardlevel, por todos os cantos que olho. Comigo foi só um
roubo, mas vi na T.V. um dia desses um assalto numa loja de games e adivinhe
apenas o que roubaram: hardlevels. Sinceramente, acho que até mesmo já
mataram por esse jogo.
–Isso porque ele é viciante Christian! É normal alguém se interessar por um
videogame, mas não é normal não conseguir parar de jogá-lo! Você não chegou a
jogar o seu por ele estar com defeito, não é mesmo?
–É.
Os dois se entreolharam por ínfimos momentos, e sem entremeios, Jonas foi
direto ao ponto:
–Bem, amigo, tenho que contar-lhe logo a razão de eu ter vindo até aqui, pois não
sei quanto tempo ainda possuo...
–Como eu posso vê-lo? – impugnou Christian, intrigado.
–Christian, eu ainda não sei explicar muito bem, só quero que ouça o que eu
tenho a...
–EU NÃO CONSIGO ACREDITAR NISSO, JONAS! NÃO CONSIGO!! É
TUDO MUITO... Muito...
–CHRISTIAN!
O rapaz se calou no mesmo momento.
–Eu sei que é difícil entender, mas você acha o quê?! Que estou mentindo pra
você! Por que faria isso? Não é uma brincadeira um tanto sem nexo? – interrogou
Jonas, surreal e evasivo. – Eu dependo de você, amigo. A minha vida depende
disso...
–Me perdoe. É que é muito difícil acordar com um balde de água na cara, e
depois ouvir uma história dessas... – confessou Christian. – O que eu tenho que
fazer?
–Eu quero que comece a se relacionar com o meu outro eu, enquanto vejo o que
consigo descobrir. E, dentro de alguns dias, vou tentar falar com você
novamente. Outra coisa: preciso que você procure um livro pra mim de um
escritor chamado Bóris Brainvich. Não me disseram o nome, mas sei que você
vai conseguir encontrá-lo...
–Eu admito que ainda esteja meio perplexo... Mas vou te ajudar, amigo. Eu vou.
–É muito bom ouvir isso, Christian.
Os dois amigos só não cederam a um amplexo porque seria impossível.
–Quando tempo você ainda tem? – interpolou Christian, desairoso.
–Não sei. Mas ainda devo ter muito... por quê?
–Porque você está... SUMINDO!...
–Sumindo?
–Olhe Suas Mãos!
Jonas olhou. Sua mão direita estava completamente aspirada; e a esquerda, sem
dois dedos.
–O que... Que é ISSO!
Jonas olhava agora para o lugar onde estaria seu dedo indicador, e seu corpo
começava a ser tragado com mais rapidez.
–Christian, faça tudo o que eu te pedi! – exclamava ao amigo, conturbado.
–Mas O Que Está Acontecendo, Jonas?
–Eu não sei! Eu não sei!!! – reiterava, desesperado.
–No segundo que se sucedeu, Jonas pôde perceber que o amigo não podia mais
vê-lo. Mas ele ainda estava ali...
DE REPENTE, tudo começou a girar. De novo...
***
Christian acordou atordoado com a noite curiosa do dia anterior. Cada vez
que o caso de Jonas parecia mais real, se tornava ainda mais bizarro.
Hoje o rapaz não iria para o trabalho. Precisou incomodar Marcos às seis da
manhã para avisá-lo de que ele cuidaria da locadora por um tempo, até então,
indeterminado. Pediu também que Marcos desse o endereço de sua casa para as
mulheres que ainda precisassem ser entrevistadas para o emprego. Estava
tomando todas essas medidas que pareciam muito drásticas para que não fosse
necessário conciliar o caso encoberto do amigo com seu emprego, o que poderia
acabar deixando-o ainda mais estressado.
Ainda espregiçava-se gostosamente, confortabilíssimo nas cobertas suntuosas de
sua cama enquanto o dia lá fora começara cálido outra vez.
O momento era oportuno para visitar a casa de Jonas. Antes que pudesse voltar a
esfriar e a chover, e sua visita se tornasse inadequada...
–Christian querido, o que faz aqui tão cedo? – a mãe de Jonas perguntou, em tom
amável.
–Eu preciso muito falar com o Jonas... Sra. Anderson.
–Ele ainda deve estar dormindo... Mas vá lá, você é amigo dele. Pode subir, bata
na porta até alguém abrir...
–Obrigado, Sra. Anderson – Christian respondeu, franco.
–Não há de quê, querido...
Christian subiu as escadas balaustradas até o quarto de Jonas, mas um impulso o
tomou: ele não bateu na porta. APENAS A ABRIU. Deparou-se com Jonas lendo
um livro fino, que foi fechado paralelamente a sua chegada. O rapaz procurou
memorizar o nome do autor que ele trazia em sua capa vermelha, escrito em
letras garrafais: Bóris Brainvich. Acima do nome do autor ainda vinha escrito:
“As Três Pessoas Hipnotizadas”.
–O que faz aqui, Christian? – perguntou Jonas num tom tão perverso que
Christian poria em prova conhecê-lo mesmo se não soubesse da história que
envolvia hardlevel.
–Me desculpe Jonas... é que sua mãe me disse que você já estava acordado, e que
eu poderia entrar sem bater...
–Tá. O que quer?
–Como, o que quero Jonas? – disparou Christian, tentando parecer natural. – Não
posso nem te visitar mais que você vem com toda essa sua educação?
–Me deixe viver! Você vem pra cá demais, e isso não é normal!
Christian sentiu que a pessoa no corpo de Jonas possuía um diálogo realmente
estranho.
–Que livro é esse? – Christian mudou levianamente de assunto, apontando para o
livro vermelho debaixo do braço de Jonas.
–Vá embora.
–Não, eu quero saber que livro é esse...
–Vá embora, por favor. Eu... não estou bem. Vá logo...
Christian olhou no fundo dos olhos de Jonas.
–Está bem, tchau.
Ele desceu as escadas em passo acelerado.
–Senhora Anderson, me perdoe pelo incômodo, eu...
–De maneira alguma filho, volte quando quiser! – ofertou a Sra. Anderson,
sorridente como sempre.
–Tudo bem – prometeu.
Um casalzinho apaixonado passava cantarolando pela rua logo quando Christian
deixou a casa dos Anderson.
Sem querer, ele ficou-os analisando por um momento, e acabou percebendo que
era Melissa.
Melissa, a última garota que lhe dera um fora feio...
O rapaz entrou inconformado em seu carro como se a garota o tivesse traído, mas
eles nem estavam...
De uns tempos pra cá, Christian Salém não vinha possuindo muita sorte com
mulheres. Talvez não fosse tanto uma questão de sorte, tendo mais a ver com sua
falta de tempo. Trabalho com certeza era uma das razões; acabava corroendo-lhe
o dia, e assim impedia relacionamentos.
Mas isso não era uma desculpa sensata para alguém como ele. Podia encontrar a
garota que quisesse, se quisesse. Mas neste momento da vida, não era o assunto
de suas maiores preocupações.
Um dia, o destino fluiria, conspirando a seu favor, e a pessoa apropriada
certamente aparecia.
Dirigindo refletindo. Com a mente divagando. Uma das coisas que ele melhor
fazia na vida era matutar, elaborar coisas.
No momento, estava contente pelo bom início da ajuda sigilosa ao amigo Jonas.
Podia ainda não ter descoberto nada muito proveitoso, mas deixara o sujeito, não
muito amistoso, numa posição desconfortável quando questionado sobre o tal
livro com o nome que Jonas dissera: Bóris Brainvich. Sentia que estava muito
próximo de descobrir que segredos o envolviam.
Deflagrando até sua moradia, cuidou de despir a jaqueta xadrez quente que usava
(apesar do calor, ventava como nunca), aproveitando o raro tempo acessível em
frente à seu novo computador, que apresentava uma curiosa tela com formato
ovóide, inovação no escopo microprocessadores.
Ao passo que começava a ler certas manchetes numa página eletrônica de
tablóides, uma o impressionou logo quando bateu os olhos:
Era de abismar.
Horrorizar.
Deixar pasmo.
“Como era possível uma coisa dessas?”, Christian imaginava. “Mas que
videogame epidêmico, devasso, vício de louco”.
Devia estar sendo um impacto vergonhoso contra o Brasil, agora com a notícia
do roubo provavelmente sendo exportada por todo o planeta...
O assunto até o deixara raivoso.
Mas antes que desligasse o computador que só veio lhe trazer notícias ruins,
alguém bateu em sua porta. Christian já foi abri-la estressado, afinal, havia uma
campainha, o que não dava a ninguém motivos para bater na porta forte desse
jeito. Porém, quando a entreabriu, suas ofensas a pessoa falharam. Do lado de
fora da residência, ele se deparou com a pessoa que mais amava no mundo.
–MÃE?!?
–Olha aí o meu garoto, como é lindo não é, Syd? – perguntou a mãe do rapaz,
que era alegre e jovem. Seus cabelos pretos fluidos eram partidos ao meio e
jogados por sobre seus ombros. Usava uma japona preta que a cobria por
completo.
–É... – concordou um homem com um rosto chupado e um bigode horrível, ao
lado de sua mãe.
–Querem... Entrar? – Christian perguntou, sem jeito, na verdade querendo
convidar a ingressar à sua casa apenas sua mãe.
–Claro filho! Me ajude com as malas no carro...
Sua mãe se virou, e Christian se aproximou dela antes do homem.
–Quem é esse cara, mãe? – cochichou ao pé do ouvido dela.
–Ah, sim! Deixe-me apresentá-los – pediu, numa voz que conseguia ser maviosa
e aguda ao mesmo tempo. – Filho, este é meu novo namorado Sydney, e Syd,
este é meu filho, como eu já tinha lhe dito, inclusive.
–Muito prazer! Sua mãe comentou muito bem de você!... – revelou Sydney, com
a mão estendida para um cumprimento.
–Prazer... – proferiu forçado Christian, apertando brevemente a mão do homem.
Por sua cara, ele não havia gostado do tal Syd.
Pegaram as malas no carro, e voltaram para sua casa.
–Está fazendo muito frio por aqui, não filho?
–Pois é. É o mês, né. Falaram que está sendo o julho mais frio do século... Bom,
liguem a T.V., eu vou ver algo para comermos...
Christian se afastou um pouco e sua mãe interpolou:
–Você ainda tem uma plasma, filho? Elas já saíram de moda...
–Estão um pouco defasadas, mas eu continuo adorando T.Vs de plasma, são mais
bonitas que essas novas que andam saindo...
A mãe de Christian não respondeu e o rapaz chegou trazendo um vasilhame
repleto de hambúrgueres e fritas, e três copos de refrigerante.
–Ainda comendo esses lanches né filho? Eu já lhe falei que faz mal a saúde... –
recriminou sua mãe, ao vê-lo depositando o pote de hambúrgueres e os copos por
cima da mesa de vidro ao lado do sofá.
–Mãe, fique quietinha e coma, vai... você vai gostar... – garantiu Christian,
enquanto abria as persianas para que a pequena quantidade de luz que estava lá
fora pudesse entrar.
Sua mãe comeu os hambúrgueres com desgosto, e Sydney se empanturrou de
tudo, como se nunca houvesse comido aquilo. Após uma rápida arranjada nos
objetos da casa, o rapaz sentou-se para conversar com a mãe.
–E então, mãe? Você não estava em Nova York? – quis saber Christian,
encabulado com sua volta relâmpago.
–Estava. Mas não gostei dela. Das pessoas, dos costumes. E é uma cidade muito
feia, Christian. Suja demais. Prefiro visitar cidades da Itália...
–É mais suja que São Paulo?
–É.
Ele não falou nada. Mas duvidava que existisse lugar no mundo mais sujo que
São Paulo...
–E a sua casa no Rio? Como está, mãe?
–Eu vendi.
–Vendeu? Mas você tinha posto ela a venda por acaso?
–Não, mas apareceu por lá um senhor obstinado em comprá-la por um preço
irresistível.
–Mãe, aquela casa valia pelo menos cem mil cartões grandes.
–Eu a vendi por cento e noventa. E comprei aquele novo modelo do Fusion lá
fora.
Christian ficou perplexo.
–Mas... Mãe! Você estava tão bem por lá!! Vai morar aonde agora?
–Não sei... Aqui? – sugeriu.
–AQUI? – Christian repetiu um tanto zombeteiro. Sydney fez cara feia. – Tá
bem.
–É mesmo filho?
–Claro mãe.
–AH... Me dá um abração aqui, Chris! É só por alguns dias, até eu e o Sydney
encontrarmos alguma casa aqui por perto de você...
–O quê? Você vai morar com ele? – perguntou Christian, sem medo da careta que
ele poderia fazer desta vez.
–Filho... Claro que vou! Eu ficarei aqui no máximo uns cinco dias, até
encontrarmos uma casa pra gente por aqui... – disse, atribuindo um novo abraço,
agora em Sydney.
–Que bom, mãe... – dissimulou Christian, que sabia que, por enquanto, a melhor
resposta era a que a agradasse mais, pois sua mãe ficava ainda mais decidida
quando contrariada. – E vocês estão namorando há quanto tempo?
–Dois meses.
–Dois... MESES?
–É. Filho, não era pra você estar trabalhando? – questionou sua mãe, transitando
de assunto – Quando cheguei, fui direto a locadora, mas me falaram que você não
iria trabalhar hoje...
–É. Foram uns negócios aí que eu estou tentando resolver – respondeu,
aparentando não querer contar a sua mãe sobre a estranha história que ele já
estava inserido.
–Certo – Sua mãe parou de falar e ficou o observando. – Vou sair um pouco com
o Syd, dar uma passeada pela cidade. Quando voltarmos, a gente conversa
melhor...
–Letícia – chamou Sydney, antes que Christian pudesse falar algo.
–Fale, querido.
–Onde é o banheiro?
–Não, eu não sei. Onde é Chris?
–Segunda porta a direita.
O homem se levantou e saiu da sala. Christian aproveitou a ausência de Sydney
para falar com a mãe.
–Letícia Nunes Salém, olha onde você está se metendo, em... namorando com um
cara há dois meses e já quer morar com ele?
–Christian, eu...
–Me escuta mãe. Isso não está certo. Eu sei que eu não mando na sua vida, mas
tome cuidado. Sei que ainda sente muita falta do papai, mas não é assim que vai
esquecê-lo. Por favor, não tome decisões precipitadas.
–Ah filho... não exagere...
–Não estou exagerando, mãe. E você sabe que eu não estou.
Christian escutou os passos de Sydney e parou de falar no mesmo momento. Sua
mãe se levantou e se dirigia a porta quando parou, ao olhar para uma das bolsas
que trouxeram.
–Christian! Eu já estava me esquecendo! O Sydney trouxe um presente pra você,
não é mesmo, Syd?
–É! Espere só um minuto! – O homem foi até uma maleta vinho e pegou um
embrulho grande e redondo.
–Abra querido! – disse sua mãe, quando o presente já estava em suas mãos.
Ele rezou para que não fosse o que ele imaginava, mas era: um hardlevel novinho
em folha.
–Abra logo a caixa, Chris! – pediu Letícia, apreensiva.
O rapaz abriu e contemplou com aversão o mefistofélico videogame. Ele sabia
que alguém com desígnios malignos estava restringindo cada vez mais o caminho
para alguma conquista. E agora, sua mãe também corria perigo.
–Fiquei sabendo que a única empresa que o vendia aqui faliu, não foi? Esse aí
compramos na nossa passada rápida pelo Rio de Janeiro. Falando nisso, isso aí
virou uma mania por lá, viu?!
–Não vai jogar? – perguntou Sydney, em tom turbulento.
–Não. Agora não – respondeu Christian, guardando o videogame novamente na
caixa.
–Também soube que até agora apenas o Brasil o recebeu né Chris. Acho que já
sabia disso, não é? – questionou Letícia, evasiva. – Eu sei que você adora
videogames, e foi só eu dizer isso pro Syd, que ele veio com um destes...
–Hum. Muito bom. – Christian oscilou e pensou rápido no que podia dizer –
Acho que esse videogame não vai para outros países – conjeturou aleive, sabendo
que o que dizia não era verdade.
–Vai sim! – replicou Sydney como se o tivessem ofendido.
–Mas já começou a ser exportado? – averiguou, pois começara uma questão que
lhe acarretara curiosidade.
–Não. Estima-se que dentro de um mês.
Christian suspirou aliviado. Esta ameaça não poderia se alastrar por todo o
planeta. Não agora...
–Mas jogue logo esse jogo, Christian. Você vai gostar muito...
As últimas palavras de Sydney caíram como uma bomba. Mas o rapaz ainda não
conseguia acreditar que o que passava por sua cabeça pudesse ser verdade.
–Sydney, você já jogou hardlevel? – indagou pausado e plácido, como se uma
pergunta favorável fosse digna de uma resposta equiparada.
–Já. E só posso assegurar que é um jogo muito bom. É interessante e...
Surpreendente...
–Ah, não!
–O que foi filho?
–Estou ansioso para jogá-lo! – mentiu. Christian começou a perceber que a
gravidade do problema era grandiosa. Mas ele tinha certeza que sua mãe não
creria na história nefasta que tinha para contar.
–Mãe... a senhora nunca chegou a jogar este jogo, não é mesmo?
–Claro que não, filho. Você sabe que nunca gostei dessas coisas...
–Continue não gostando... – sibilou baixinho.
–Isso não é muito difícil – respondeu, empós entender o que o filho havia dito. –
Mas então Chris, nós vamos indo, acho que vamos indo sair um pouco.
–Tudo bem. Você tem algum celular contigo?
–Não, mas tenho um MP15.
–Então tá. Eu já tenho o número dele. Se divirtam – disse, com um sorriso
fingido de canto de boca – Qualquer coisa me liga, mãe...
–Tá bom filho – disse, dando-lhe um beijo no rosto.
–Depois, eu também dou uma passada por lá.
Sua mãe concordou com um gesto carinhoso, e eles saíram. Christian odiou com
derradeira exatidão o momento quando Sydney colocou seu braço sobre os
ombros de sua mãe... Ele nunca chegou a gostar dos novos namorados dela, mas
desta vez o caso era condizente a sua visão paradoxal deles...
Christian ficou reparando pela vidraça escurecida do quarto de hóspedes os dois
se distanciarem. Foi quando viu seu amigo, Jonas Anderson, agora em uma de
suas exauríveis e raras aparições pela rua. Se atemorizou quando viu que ele se
aproximava de sua casa, porém depois desceu outra rua e se afastou dali.
Assuntou no mesmo instante em que já não via mais o amigo que era a hora certa
para agir. Pegou novamente a jaqueta quente e entrou no seu carro dirigindo
apressado até a casa dos Anderson.
Quando a Sra. Anderson novamente o atendeu, e novos pedidos de desculpa
foram proferidos, ele precisou sustentar uma mentira para conseguir o que queria.
–Sra. Anderson, eu vim apenas buscar uma mochila que esqueci quando passei
por aqui hoje – articulou Christian, que veio planejando o que iria dizer enquanto
conduzia seu carro.
–Tudo bem Christian. Entre – obtemperou a Sra. Anderson, que, por alguma
razão, não parecia tão bem como nos dias anteriores.
–Muito obrigado, Sra. Anderson. Acho que eu devo tê-la deixado no quarto do
Jonas. Ele está aí?
–Não, não está. Mas pode ir lá encima. O quarto é dele, mas a casa é minha...
–Novamente, eu agradeço Sra. Anderson.
–Não há de quê, querido!
Christian subiu as escadas até o quarto do amigo, e entrou sorrateiramente.
Fechou as janelas, e acendeu a luz. Não podia esconder a pitada de nervosismo
que o envolvia, mas estava tentando ser bastante rápido em seu ato enérgico.
Começou, obviamente, a partir da estante de livros: nenhum deles possuía uma
capa vermelha e um autor chamado Bóris Brainvich. Depois foi ao guarda-roupa:
também nada. Embaixo de sua cama muito menos. Sua procura estava sendo
inútil e não surtira nenhum préstimo.
Espaçou uma pequena fenda na janela, e viu que Jonas estava chegando. Em
exorbitante desespero, Christian começou a revirar todo o quarto, cuidando de
alinhar tudo novamente onde estava, até que o encontrou. Estava ali, embaixo do
tapete, e por ser tão fino, ele pisara no livro sem se dar conta logo quanto entrou.
Num rápido estímulo o rapaz jogou o livro pela janela, e só não se jogou junto
porque provavelmente quebraria a perna pela altura considerável. Esperou o
baque do livro ao chão do lado de fora da casa, e desceu as escadas velozmente,
dando de cara com Jonas.
–O que faz aqui? – questionou Jonas, num tom friamente horripilante.
–Ele veio buscar a bols...
–Isso! Isso mesmo! – ratificou Christian, atalhando tardiamente que a Sra.
Anderson parasse de falar.
–Buscar a... Bolsa? – perguntou, olhando de sua mãe para Christian. – Que
Bolsa??
–Que eu pensei ter esquecido aqui, mas não. Não está aqui... – Christian tentava
pronunciar formalmente cada palavra. Mas não estava nenhum pouco seguro de
quaisquer delas...
–Você não veio com bolsa nenhuma aqui hoje... – falou Jonas, eriçando as
sobrancelhas.
–Não?! Então está explicado... me perdoem o desconforto, eu peço novamente
minhas sinceras desculpas...
–Querido Christian! Não precisa se culpar! É normal nos equivocarmos às
vezes... – amparou a Sra. Anderson.
–É... – ele deteve-se brevemente – Essa é minha deixa, não é? Já vou indo, um
abraço e muito obrigado!
–De nada querido! – respondeu a Sra. Anderson sutilmente frugal.
Jonas, porém, não fez nada senão entregar um sorriso atrofiado.
Christian saiu pela porta ainda dando um breve aceno, e pegou conciso o livro
debruçado no gramado da família Anderson, correndo o mais rápido que pode até
seu carro. Decidiu de última hora ir constatar se tudo corria bem com sua mãe, e
saiu apressado. Sabia que encontrá-la em pleno centro não seria tarefa das mais
simples; e inclusive precisou percorrer um largo caminho a pé até chegar onde
ela estava.
–Filho! Estava nos procurando?... – indagou sua mãe, ao ver Christian se
aproximando ofegante.
–Estava – admitiu. – Vocês andam, em? – disse o rapaz, enxugando um punhado
de suor que escorria por seu rosto.
–Ah, Chris... Não precisava vir... – respondeu sua mãe, que parecia preocupada
pelo cansaço do filho.
–E aí? Jogou o hardlevel? – inquiriu Sydney, oportunista.
–Ah, sim, claro! – contou Christian caluniosamente.
Sydney abriu um sorriso.
–E já está sentindo algum efeito?...
–O que disse?
–Quero dizer, você está gostando do jogo? – pigarreou o homem, tentando
desconversar o que acabara de falar.
–Sim, estou... – Christian restabeleceu, sacando muito bem o que Sydney tentara
encobrir em frases reformuladas.
–E esse livro em sua mão? Como se chama? – Sydney tentou mudar de assunto
logo quando ocorreu-lhe a primeira idéia.
Christian não havia percebido, mas saíra com o livro nas mãos, ao invés de
deixá-lo na segurança de seu carro. Graças a isso, teria que pensar em algo para
satisfazer a bisbilhotice de Sydney.
–Se chama... “O Observador”. É o novo livro daquele autor que surgiu, o...
Ernesto F. Nunes.
–Ah, é o novo livro do Ernesto, filho? Depois eu quero dar uma olhada nele.
Você sabe que adoro livros dele...
–Tudo bem, mãe.
–Eu também posso vê-lo? – perquiriu Sydney, em tom pueril.
–Claro. Depois vocês podem até lê-lo juntos... – prescreveu Christian apertando
um pouco o passe, pois Sydney e sua mãe andavam equivalentemente rápidos.
–Eu queria ver ele... Agora...
–Agora? – vacilou Christian afastando o livro de Sydney, como se isso
significasse um não.
–Filho! Olhe a educação... – repreendeu Letícia, ao ver Christian não querer
apresentar o livro a Syd. – Dê logo o livro a ele!
Mas Christian não obedeceu à mãe. Tentou ignorar e continuar andando.
–Você vai me deixar ver o livro, ou não? – questionou Sydney, parecendo
intransigente.
–Não...
–O que está havendo, Christian?
–É... Olhem! – Christian apontou para a próxima esquina, onde se dispunha um
palco com alguma banda que começara a tocar no exato momento em que ele
abalizou. Ele sabia que sua mãe tinha uma grande queda por música. E sabia
qual seria sua reação.
–Vamos, querido! – coagiu Letícia correndo e dando pulinhos joviais, segurando
o braço de Sydney e o puxando, forçado.
–Claro querida... – respondeu o homem, dando uma última e rabugenta olhadela
para Christian, que conseguira o que queria.
–Mãe! Eu vou deixá-los a sós! – Christian teve que gritar, pois o som já estava
briosamente alto.
–Tá bom filho! É um grupo muito legal! – exclamou Letícia, dançando e
obrigando Sydney a fazer o mesmo, estendendo o dedo polegar até que Christian
percebesse um sinal de positivo.
–Ela vai ficar bem... – disse Christian a ele mesmo, sorrindo.
Saiu em franco abarcamento dali, sempre se esgueirando para trás a fim de
conferir se Sydney não o estava seguindo. Afinal, uma tênue altivez, pode
complicar a qualquer um. O rapaz atingiu o ponto onde se achava seu carro, e
guiou-o tão velozmente que parecia estar nas gravações de algum thriller
hollywoodiano. Avançou os jardins de sua residência trazendo o livro em suas
mãos, e, ao entrar, se sentiu decidido a lê-lo. Jonas não podia... esperar. O tempo
era ruidosamente curto. E sabe-se lá o que estava no corpo de seu amigo iria
tomar nota do sumiço do livro. E quando descobrisse, Christian com certeza seria
um dos suspeitos. Ele ainda desconhecia quase todos os mistérios envoltos à
história de Jonas. Todavia, teria que decifrá-los sozinho. Ainda não sabia como
faria isso, ou que perigos corria, mas algo dizia que este livro responderia tudo...
A inscrição na capa do livro parecia ter sido feita de forma buril. Com algum
objeto de metal que fosse sólido o bastante para emprestar firmeza às mãos de
quem o fez. Christian abriu o livro, e sua asma o atacou: ele estava
completamente coberto por poeira, como se há tempos não estivesse sendo
folheado. Uma estranha insígnia que se assemelhava muito a uma esfinge estava
repousada em sua primeira página, mas Christian não quis gastar muito tempo
com ela. Pulou logo para a segunda e tossiu mais um pouco antes de começar a
ler:
Proêmio
1. A Invasão
“Conta o conto que eles virão. Sim, virão e tomarão nossos corpos. Serão muitos, e
organizarão um método para realizar seus intuitos maléficos. Começarão num lugar, e se
expandirão lentamente por todo o planeta. Será como uma estratégia da mais ordinária
guerra; unir-se ao inimigo, e destruí-lo de dentro para fora.
Antigos relatos indicam algum lugar nas Américas como sendo o primeiro território a ser
incorrido. Não foi possível especificá-lo, mas haverá um objeto, que proporcionará a invasão.
Seus corpos são inferiores aos nossos, entretanto, suas tecnologias e inteligência são
incrivelmente esmagadoras.
–Descarada! Quem deu o golpe de marketing foi você!! Nem sabia o motivo dele
mandar o livro para cá e decidiu mandar junto sua matéria?! Por ganância, não é?
Ganância!!! – Christian protestava completamente inconformado de a mulher
estar criticando um homem morto... Que não estava ali para se defender...
Ele terminou de ler a abominável matéria de Imelda, mas ainda não conseguira
parar de olhar para a foto da família Brainvich, posta bem abaixo da matéria.
Podia se ver Bóris, no centro, com um maxilar pronunciado, olhos azuis, e um
sorriso contagiante. Kemberly à direita de Bóris, com cabelos ruivos, nariz tênue
e incontroversamente escarpado. Na extrema-direita, havia uma garotinha
angelical. Tinha os olhos claros do pai combinados aos cabelos vermelho-vivos
da mãe. Era a garotinha Íris, que somados aos seus prováveis dois anos e meio da
fotografia, devia se encontrar com vinte, vinte e um anos em média.
Christian continuou observando desajustado a foto, e lágrimas arredias e
inexplicáveis tentavam evadir-se por seu rosto. “Será que este será o fim da
humanidade?”, ele matutava, entoando um canto solfejante e sofredor, porém
mudo. “E ninguém, ao menos, dera conta disso?”...
***
7. Íris Brainvich
O local era muito sujo. Parecia uma prisão sem grades. A sala desordenada que
se juntava a cozinha recebia um odor forte e nauseante que borbulhava do fogão
encardido. A meia-luz, dois homens conversavam. Iluminados apenas pela chama
acesa de uma vela num castiçal.
–Mas, mestre, fiz tudo o que me pediu! – respondeu em gritante desespero um
jovem baixinho e sardento, prosternando-se ao outro.
–Não importa! O tempo que lhe dei foi suficiente para encontrar a garota! É
inadmissível que vinte anos depois ela ainda esteja viva!! – exclamou o homem
que era chamado de mestre, encostando um objeto dourado no rosto do rapaz
curvado a seus pés.
–Não! – berrou o jovem quando algo muito parecido com um carbúnculo brotou
em sua pele. A ferida começou a se alastrar perspicazmente até que ele caiu,
gemendo e contorcendo-se, soltando uma espuma de saliva pelo canto da boca.
–Idiota – disse o mestre olhando nervoso e com cara de desprezo para o jovem
rapaz caído e deformado no chão. – Me fez perdê-lo por motivos fúteis... Mas
você sabe que sua morte não foi improfícua. Não posso permitir a queda de toda
nossa oligarquia. Não desta vez...
***
A alvorada linda como há muito tempo não se via, e Christian fazia força para
desejar não ir chefiar sua empresa numa formosa ocasião como esta. Se
perguntava como estariam as coisas sem ele, se estavam lidando bem com sua
ausência. Agora sim iria ficar sem ir ao emprego por tempo mais indeterminado
ainda, pois não queria tirar os olhos de sua mãe nem por um instante.
Um dos privilégios de se morar próximo ao parque ecológico, é a sinfonia
delicada, misturada com os mais diversos acordes, dos bem-te-vis, tuiuiús e
demais aves do céu, formando um espetáculo magistral.
Letícia acordava preguiçosamente enquanto Christian preparava algum lanche
que não fosse ou guardasse semelhança alguma com hambúrgueres. A cozinha
planejada tinha uma bela mesa dobrável que praticamente não tinha utilidade por
falta de visitas, e por ele adorar comer no sofá assistindo a qualquer porcaria que
passasse na T.V. Por equivaler a uma das coisas que sua mãe reprovava e muito
ser tomar café-da-manhã em frente à televisão, ele a abria tão orgulhosamente.
–Dormiu bem, mãe? – perguntou Christian abrindo um sorriso, quando Letícia
entrou na cozinha.
–Sim filho. Mas eu ainda não pude esquecer tudo o que houve ontem.
–Mãe... Tente se acalmar um pouco. Vamos, sente aqui para comer. Eu bati uma
vitamina de morango com leite, e aqui tem pão, geléia, e frutas...
–Me perdoe filho. Eu não quero comer nada.
–O quê? Por que, mãe? Você tem que comer alguma coisa, não pode ficar sem se
alimentar! Vai se sentir mais mal ainda...
–Sei disso, filho. Mas ainda não esqueci o Sydney, eu... O amava!
–Mãe. Por favor. Eu quero que você...
–Tem alguém na porta.
–O que foi?
–Alguém acabou de bater na porta – Letícia avisou outra vez.
Christian olhou para a mãe imaginando que ela apenas tentou interrompê-lo. Mas
ao chegar à porta, ela realmente estava certa: à soleira, uma mulher muito
inquieta estava no outro sentido dela.
–Mãe, eu estou entrevistando algumas mulheres para preencherem vagas de
emprego lá na locadora, e acabou de chegar uma agora. Eu vou conversar
rapidamente com ela aqui na sala, e quero que você coma alguma coisa, tá bem!
–Tá, filho. Vou tentar fazer um esforço.
Christian sorriu outra vez para a mãe, e abriu a porta.
Uma moça linda de modo indiscreto, com cabelos ruivos cacheados e olhos azuis
penetrantes. Seu corpo esguio era delicado e formoso ao mesmo tempo, e seu
rosto transparecia uma meiguice que excedia qualquer melindre. Christian ficou
entorpecido a observá-la, como se ela fosse uma doce substância química, a mais
doce que já vira. Atribuindo um sorriso débil e equiparado em higidez e
contentamento, sem saber o que dizer.
–Ham... Crreio que você é Chrristian Salém, nón?
–Sou... Sou sim... – respondeu Christian, sem nem ao menos perceber a
pronúncia desajeitada do português que a moça possuía. – Entre...
–Clarro, prreciso falarr urrgentemente com você.
A moça entrou rápida, ainda dando uma última olhadela para a rua.
Sentou delicadamente, antes que fosse convidada, e disse não mais tão
prazenteira:
–Chrristian, que bom que lhe encontrrei. É muito imporrtante tudo o que tenho
parra lhe dizerr...
–Sim. Quero que me conte primeiro porque o interesse no trabalho. Você já tem
experiência em video-locadoras? Já trabalhou com algo parecido? E acredito que
você não seja brasileira... Não é mesmo?...
–SHTÓ SKAZAL? Querro dizer, o que disse?
–Se já trabalhou em uma video-locadora antes...
–Video-locadorra? Eu nón sei de que está falando...
–Não sabe? Como assim?... Não te informaram que o trabalho era numa...
–Esperre, Chrristian. Acho que ainda nón me aprresentei. Sou Írris Brrainvich.
–Íris, você quer dizer? Íris Brainvich?
–Isso mesmo.
Christian ficou pasmo. Não sabia se era exclusivamente por estar cara a cara com
a garotinha russa da foto ou pelo perfume almíscar que ela utilizava, que
dominou o ar por completo.
–Você... Por que você está aqui?
–Chrristian – a moça titubeou um pouco antes de prosseguir – Você foi a pessoa
escolhida parra destrruir uma ameaça que veio à Terra. Os...
–Eu já sei. Alienígenas.
–Já sabe? – Íris intrigou-se.
–Sim. Eu li o As Três Pessoas Hipnotizadas, de Bóris Brainvich.
–Meu pai.
–Isso. Acho que é sim. Pelo que descobri...
–Bem, entón você já sabe do perrigo que nós serres-humanos corremos.
–Sim.
Ela deu um sorriso e mostrou dentes perfeitos.
–Eu vim prronta parra contarr a você tudo sobrre a invasón, mas você já sabe...
Entón eu posso pularr parra a prróxima parrte...
Na verdade, Christian nem mostrava ansiedade em saber o que ela iria falar;
contanto que ela continuasse a falar...
–... Você foi o nomeado parra defenderr o planeta – revelou Íris, parecendo
agitada outra vez – Defenderr o planeta dos alienígenas.
–Espere aí, Íris... Como é que eu vou fazer isso? – interrogou Christian, achando
um pouco patético tudo o que ouvia.
–Você tem que virr comigo.
–Como é que é?
–Venha comigo. Eu prreciso te mostrrar o que deve fazerr.
Christian ainda não havia encontrado as palavras certas para negar o convite da
“quase” desconhecida. Ele só ficava assim, sem jeito, quando terminava com
alguma garota bonita, ou conversava com alguma garota bonita...
–Olha Íris, é uma longa história. Não é só porque é a primeira vez que eu estou te
vendo na minha vida!... minha mãe está aí, e ela não...
–Sua mãe é Letícia Salém e seu namorrado, Sydney Campos, virrou um
alienígena. Disso, pelo menos, eu já sei.
–Como sabe?
–Eu te conto no caminho. Chame sua mãe parra irr conosco. Não há nada parra
esconderr dela.
–Está bem. – cedeu Christian, com toda a inocuidade do mundo. – Mãe!
–O que foi, filho? – indagou Letícia surgindo na sala logo após ser chamada.
–Preciso que vá comigo até um lugar. Não quero te deixar sozinha aqui.
–Tá – ela respondeu, olhando desde os olhos azuis e penetrantes de Íris até os
castanhos e conhecidos do filho.
–Entón é melhorr irmos...
–Claro Íris.
O rapaz abriu a porta e a primeira a sair foi a própria moça.
–Você veio... a pé?
–A pé querr dizerr caminhando?
–Sim Íris. Quer dizer – respondeu Christian, que, apesar de cômico, sabia que ela
falava sério.
– Entón sim...
–Vamos com meu carro.
Christian foi até a garagem e pegou seu Croma.
Ambas entraram, e enquanto dirigia averiguou:
–É muito longe daqui, Íris? – disse Christian, indo à direita, onde ela mesma
pediu.
–Muito menos que imagina...
–O que disse?
–Pode parrar. É aqui – relatou a moça, apontando para uma bela casa de vidro.
–Quem mora aí? Você?
–Sim.
Saíram dirigindo-se a residência.
–Nossa... E eu sempre quis saber quem era o dono desta mansão... – declarou
Christian entrevistas, enquanto a moça abria a porta da residência com uma
chavinha pequena.
–Mansón?... O que é isso?
–É o tipo de casa que você tem...
Íris ainda o observava equivocada, mas ele parou de falar. Entraram no lugar e a
vista de dentro era ainda mais vislumbrante: a claridade batia diagonalmente e se
arquivava de um borne formoso e escopo. Devia ser muito prazeroso a alguém
acordar todos os dias com todo aquele fulgor do raiar.
–Íris, não é? – sua mãe finalmente disse alguma coisa, pois fora a conversa antes
de saírem, ela ficou em silêncio por um tempo considerável.
–Isso, senhorra Salém...
–Onde é o banheiro? – inquiriu Letícia, mas, pela primeira vez na vida, Christian
desconfiou dela ter perguntado isto apenas para admirar boa parte da casa...
–No fim do corredor, a primeirra porrta a esquerrda.
–Obrigada, Íris...
–De nada.
Letícia abrira espaço para que Íris e o filho ficassem sozinhos novamente.
–Você ainda não me contou como sabe sobre a minha mãe... – argumentou
Christian adentrando até um tanto incivil, mas de modo muito inocente, na sala
de estar da casa antes da própria Íris.
–Eu...
–Íris!... O que é isso!!
Christian ficou impressionado com o que seus olhos viam. Antes pensou ser um
bicho de pelúcia um pouquinho descuidado sobre o sofá da moça. Mas, de
repente, o bicho piscou e deu uma breve espreguiçada. O rapaz deu uma
cambalhota, uma pancada para trás, tomando um susto danado. Uma “criatura-
verde”, pequena, de visual maltratado, e um rosto completamente disforme.
O rapaz estava prestes a espancar o ser frágil, que, pelo menos aparentemente,
não seria capaz de se defender.
–Chrristian! Nón faça nada! Ele é... Um amigo...
–Amigo?! Não parece... Eu não confio em “coisas verdes”, Íris, desde um
tempão, quando comecei a me abarcar na literatura, lendo meus primeiros livros
de ficção... – disse Christian, parecendo esperto.
Christian e o ser verde se encararam por raros momentos, até que um deles foi
atravancado por uma voz graúda, que se assemelhava a de um barítono.
–E aí? Vai ficar só me olhando e nem se apresentar? Porque, sem ofensas, até
agora não vi nada de literário em você, como disse aí, se ostentando o máximo
que pôde...
Christian ficou completamente atônito e em estado de choque. Estava olhando
para uma coisa verde falante.
–Vamos Chrristian, nón seja mal-educado... Cumprrimente Amanttinis!
–Amanttinis? Quem é Amanttinis? Esse bicho que fala?...
–Bicho que fala uma ova, rapaz! Você sabe em frente a quem está neste
momento?!
–Ham... Uma criatura verde falante?
Amanttinis vistou-o anuviado e nervoso.
–Você tem muita sorte. Eu não quero machucá-lo, senão você já estaria morto...
No mesmo momento, Christian se acovardou. Que infortúnios poderiam sair
dali? Do diálogo entre ele e um... Um...
–Você está falando sério?
–Se Amanttinis está falando sérrio, Chrristian?
Íris e Amanttinis o arrostaram ao mesmo tempo.
–Clarro que nón! – Íris terminou. – Ele cuida de mim desde que eu erra uma
crriançinha!
Christian estava no meio de estranhos. Estranhos que pareciam tratá-lo com um
ligeiro vilipêndio. Com certeza, Íris era a menos estranha na sala.
–Bom, rapaz, já que você não quis se apresentar eu mesmo nos apresento. Eu sou
Amanttinis, um dos reis dos Ericlashivas que vocês comumente chamam de
alienígenas. A propósito, não gosto desta alcunha. Não sei de onde vocês a
tiraram, mas ela não bate bem em meus ouvidos... E você é Christian Salém. Um
homem de vinte e dois anos que tem uma vida humana feliz. Ainda faltam-lhe...
–Alto lá, prezado Amanttinis!... Como você sabe tanto sobre mim?
–Humanos... Eu vou precisar falar novamente que eu não sou humano para você
poder entender? Não somos iguais a vocês, Christian. Somos diferentes.
Christian parecia começar a contrair interesse na conversa. Mas ainda
preocupava-se com outra coisa.
–Eu vou ver se está tudo bem com a minha mãe. Ela está demorando, não
acham?
–Chrristian, pode deixar que eu vou ver. Fique aí – sugeriu Íris, empurrando seus
ombros para que ele voltasse a se sentar.
–Tá bem...
O alienígena continuou.
–Então, Christian, me deixe esclarecer algumas coisas que poderão responder a
algumas perguntas que você deve estar tendo. Como já disse sou um dos reis dos
Ericlashivas. Meu irmão, Amanttis, é o outro. Quando nossos pais morreram,
deixaram a insigne herança que possuíam e a única que precisávamos: uma
pirâmide pequena e dourada, que lhes conferiam alguns poderes.
–Poderes? Que tipos de poderes? – Interrompeu Christian, curioso e atento a cada
vírgula.
Íris e sua mãe entraram na sala.
–Ela se perrdeu pela casa... – Íris contou – Já expliquei tudo o que está
acontecendo parra ela.
–Me permita continuar Íris.
Íris acedeu com um gesto prosaico.
–Que poderes, você perguntou, não foi? São poderes que a pirâmide atribui a
cada um que a possui. Na nossa terra, apenas a linhagem nobre pode tê-la, e os
poderes apenas podem ser usados a favor do povo. Nossos pais sabiam que nós
dois éramos os herdeiros legítimos, e por sermos gêmeos, concordaram no
tocante de deixar-nos assumir juntos o reinado. Eles morreram quando eu e meu
irmão tínhamos dezesseis anos de idade. Mas antes de falecerem, dividiram a
pirâmide em duas partes para que eu e ele pudéssemos dirigir o país desfrutando
ambos do mesmo elemento que era nosso por direito.
–Espera aí. E o que tudo isso tem a ver com a invasão de vocês ao nosso planeta?
–Um pouco de calma, por favor, dispendioso rapaz. Estou tentando elucidar tudo
o mais resumidamente possível, se você me permitir...
–Tá bom. Continue então.
–Eu convivi com meu irmão Amanttis. Pude ver exatamente como ele crescia,
cada vez mais ambicioso, querendo conquistar tudo que podia com sua audácia
eufórica. O poder que a pirâmide lhe conferiu era forte demais, e sua cobiça era
grande demais. Eu sabia que isso traria sérios problemas no futuro... – o
extraterrestre fez uma interpelação. Parecia repassar os fatos em sua mente –
Num certo dia, meu irmão acordou infeliz com o corpo inerme que tínhamos. Ele
dizia que, com nossos poderes, poderíamos ter o corpo que quiséssemos, ou
melhor, o corpo de quem quiséssemos. Como podem ver em mim mesmo, nossa
estrutura corporal é mortiça e frágil. Essa era a única coisa em nós que ainda era
inferior. Para meu irmão, porque para mim e para todos a vida já era boa demais
para maiores questionamentos. A angústia de Amanttis de sempre querer algo
mais originou uma revolta, que infelizmente foi muito bem aceita por nosso
povo. Teria acontecido a vinte anos atrás, se eu não tivesse impedido.
–E como você impediu?
–Relatando a um humano, chamado Bóris Brainvich. Bóris era um escritor, e ele
mesmo sugeriu escrever tudo o que lhe disse para que pelo menos algumas
pessoas pudessem ser alertadas. Meu irmão ficou furioso quando soube que
frustrei os planos dele, e depois disso nunca mais voltei à meu planeta. Cometi o
que lá chamam de “pecado indefensável”. Passei o resto da minha vida a proteger
Íris, que estava sendo seriamente procurada por ele, devido a um de meus últimos
presságios que chegaram a seus ouvidos ter sido que a filha de Bóris poderia
impedir seus planos...
–Presságios? Você tem... Presságios?!
–Esse é o meu poder. O poder que o meu pedaço de pirâmide me conferiu. A
capacidade de prever acontecimentos. Amanttis recebeu um poder que o ajudou
muito em sua investida de invadir a terra: hipnotismo. Ele tem a capacidade de
hipnotizar pessoas, qualquer uma, com um simples olhar. Abusando de seus
poderes, ele propôs um plano ao povo. Nele, três humanos hipnotizados já eram
suficientes para que ele alcançasse seu pernicioso objetivo de chegar a Terra em
total segurança.
–Então você está querendo me dizer que o seu irmão faz parte deste tipo de...
Conspiração?
–Christian, você não entendeu nada do que eu venho lhe contando? Meu irmão
não faz parte, ele é a própria conspiração! Acima de qualquer ressalva, Amanttis
é o principal e específico culpado de tudo que está acontecendo.
–Entendi. Mas me surgiu uma curiosidade: no seu país vocês devem falar
português, não? Porque o seu é extremamente bom...
–Ha ha, muito engraçado, mas lá nós não falamos português não. Esqueci de te
contar que nós alienígenas, modéstia parte, somos seres muito mais inteligentes e
adiantados, adiantados mesmo, acho que anos-luz a vocês, em tecnologia.
Aprendemos a língua de vocês em três anos.
–Três anos? Você acha isso pouco? Com três anos eu também já sabia falar... – o
rapaz caçoou.
–Você já falava todas as línguas do seu planeta em três anos?
Christian ficou boquiaberto e espantado.
Amanttinis o arcou com uma face risonha e continuou.
–Bem, eu tenho que terminar de explicar-lhe, pois tenho certeza que ainda deve
estar muito confuso. Quando Amanttis hipnotizou três humanos, finalmente foi
possível adentrar em segurança no planeta Terra. Cada alien projetou o seu
próprio videogame, escolhendo a dedo o corpo do ser - humano que iria dominar.
Quase todos que eu pude observar, optaram por corpos de garotos e garotas
jovens, com pouquíssimo tempo de vida, mas eu escolhi você.
–Eu? – questionou Christian, olhando no fundo dos olhos do alien.
–Sim, você. E eu fui o único que criei um videogame com defeito, de modo
proposital. Contei a meu irmão que não tolerava o plano desde o início, mas ele
não me deu ouvidos. Até que tive a visão...
–Que visão?
–Que se eu não o obedecesse, e, mesmo que às escondidas tramasse algo para
impedi-lo, ele não conseguiria terminar o que começou. Minha estratagema vem
dando muito certo, agora que eu e Íris temos a pedra angular do nosso
planejamento.
–E quem é?
–Ora, é você, Christian!
–Eu? Mas...
–Você foi o único até agora que jogou o videogame e não perdeu seu corpo. Você
é a pessoa da minha visão. A única pessoa que pode impedir tudo isso!!
–Eu não posso não! – bradou Christian em tom irritadiço. – Aqui no meu planeta,
Amanttinis, não é só aparecer com uma história maluca, querer que eu acredite
em tudo, e ainda por cima participe da trama! Você está louco! Você é um
alienígena! Eu não confio em você!!
–E nos humanos? Você confia?! – cortou Amanttinis em tom contundente. – Pois
pelo pouco que conheci a raça de vocês são tão inconfiáveis quanto nós podemos
ser. Eu podia muito bem estar em seu corpo neste momento, nós não estaríamos
aqui tendo essa conversa, e com certeza seria o fim da humanidade. Sim, eu traí a
confiança do meu irmão, para ajudar uma raça que eu nem ao menos conhecia.
Então se você, que é um humano, não quer defender seu próprio povo, eu desisto.
Christian estremunhou. Mas por dentro. Olhou de Íris para sua mãe, que fez um
sinal de que o filho deveria obedecer ao alienígena.
–Eu acho que lhe devo desculpas.
–Não brinque... Eu respeito seu ceticismo, Christian. É de complexa
decodificação tudo isso, mas...
–Eu aceito sua proposta.
Amanttinis transcendeu um olhar de dever cumprido. Avistou sua operação
fruindo.
–Tudo bem.
Ainda tem algo que quer muito saber, Christian?
O rapaz pensou rapidamente, entrevendo os pensamentos.
–Por que um... Videogame? Algo tão... inocente...
–Justamente pela última palavra que disse. Inocente. Significa corpos em sua
maioria jovens, o que não conseguiríamos com um cigarro, por exemplo. O
videogame holográfico é algo ingênuo e viciante ao mesmo tempo.
“Como alguém pode planejar tamanha truculência? Como? Como pode alguém
pensar em tirar a vida de crianças, de adolescentes... Eles não eram humanos,
apesar de humanos serem capazes de atrocidades maiores que essas”...
Sem querer, Christian acabou chorando. Chorando por quê?
Por todos os sofrimentos do mundo.
O inofensivo e bondoso Amanttinis, já ganhando a confiança de Christian,
levantou-se com extrema dificuldade do sofá para que pudesse entregar uma leve
carícia no buço do rapaz.
–Está vendo, Christian! Isto o diferencia do meu irmão. Seu amor! Ele não quer
saber de nada senão de si mesmo. Em minha opinião, ele está pouco ligando para
os outros alienígenas. Ele não possui um pingo de altruísmo. E você sim, você
possui, por isso pode derrotá-lo!
–Eu estou pronto para o que der e vier – garantiu Christian, olhando para o porto
seguro que o panorama de sua mãe lhe apresentava.
Os vidros temperados com uma cor ouro traziam um brilho descomunal ao rosto
do rapaz.
–Que bom. Que bom que passou a entender, amigo Christian. A sua vida, neste
momento, é a mais importante de todas neste mundo. Você está pronto para que
eu possa prosseguir para a parte final?
–SIM...
8. As Pirâmides Irmãs
Uma mulher morena e de rosto enxovalhado esperava por algo sentada num
banco do extenso parque do Ibirapuera.
De repente, à sombra da marquise dum edifício, surgiram três pessoas
encapuzadas e uma delas, ao aproximar-se, desvencilhou a capa do rosto com
extrema ligeireza, mostrando uma fisionomia petulante, segura, de olhos verdes e
argutos, uma barba rala que começara a crescer a pouco, e cabelos castanho-
brilhantes penteados para trás com perfeita exatidão.
–Tirem logo a capa, inúteis! – ordenou o homem, e dois garotinhos surgiram
detrás delas.
Do meio de uma moita de azaléias pularam mais dois, que correram com pressa
até onde os outros estavam.
Um deles, alto e de nariz turvo sobre os lábios grossos, começou:
–Estamos seguros?
–Totalmente.
–Olhe mestre, eu sou Eklinis, e...
–Vamos cortar as apresentações – o homem de olhos verdes parecia impaciente. –
Contem logo tudo o que conseguiram.
Todos ficaram em silêncio, como se não tivessem ouvido a última frase do
homem.
–Contem inúteis, eu quero resultados! Um por então irá falar qualquer progresso
que teve!!
Ele coleou primeiro a mulher, com um olhar áspero e seco, e ela respondeu na
mesma hora:
–Eu encontrei outros de nós! Dezenove no total!
O homem fez uma cara de desgosto.
–Muito bem. É aceitável. Alguém mais?
–Eu consegui nosso esconderijo chefe, se esqueceu?
–É verdade, Jungnis. Você também cumpriu com seu dever.
Antes que qualquer outro pudesse falar, um garoto gritou:
–Eu encontrei o abrigo de Íris e de seu irmão!
–O que disse?
–Sei onde Amanttinis se esconde!
–Não acredito!...
Um riso gracioso e excitadamente sinistro saiu da garganta do homem.
***
***
***
Christian dirigia tremendo. Sua mãe, a seu lado, queria confortá-lo, mas não
sabia o que dizer.
Enfim chegaram à casa do rapaz, e ele estacionou o carro em sua garagem.
Permaneceu lá, sentado, e todos dentro dele fizeram o mesmo.
–Droga! – ele exclamou, dando um soco no painel.
–Calma, filho. Estamos todos bem...
–Bem? Estamos todos bem? Mãe, há uma ameaça terrível aí fora e quem foi
chamado para destruí-la? Não, não foi nenhum herói de história em quadrinhos,
nem um personagem de filmes de aventura, foi um homem que ainda é um guri!
–Não diga isso filho, você...
–Não mãe. Não quero conselhos. Só quero paz. Paz para refletir sobre todo esse
pandemônio. Não sei ainda quais serão minhas peripécias para vencer tudo isso...
–Chrristian. Acho que é melhorr entrrarmos. Nón é tón segurro aqui forra.
–Vamos.
O rapaz levantou-se flébil e Letícia colocou suavemente as mãos sobre seus
ombros, como se isso o fizesse se sentir mais alentado. Íris apanhou as chaves
com a mulher e abriu a porta.
Uma subvenção provinha da pirâmide. A pirâmide dourada em seu bolso, que ele
retirou e vislumbrou com a mão protegida pelo papel branco. Era a segunda vez
que ele a colocara em sua mão em magros minutos, e era a segunda vez que ele
se sentia inteiramente revigorado neste dia. Aquele objeto, um triângulo vivo
quebrado medialmente parecia ser vitalizante, restaurador. E aquele objeto, de
certa forma, o ajudaria a salvar o planeta. Mas, e o seu estado moral? Será que
ele se encontrava pronto para tal proeza?
Todos na sala pareciam repudiar qualquer tipo de amálgama; Letícia era a mais
silenciosa da sala, seguida de perto por Íris, que parecia esperar o momento
propício para falar. Quando Christian lhe entregou uma visada favorável ela deu
início a suas palavras:
–Chrristian. Temos que começar a agirr logo, parra que seu amigo, seu
namorrado, Letícia, e todos os outrros que perderram os corpos possam voltarr a
viverr.
–Sim. O que temos que fazer?
–Irr até o esconderrijo de Amanttis e seus comparrsas.
–E você por acaso sabe onde é o tal esconderijo?
–Sim. Cerrta vez, Amanttinis me mandou seguirr um alienígena. Acabei dando
num beco escurro, e a residência que vi, bateu com uma de suas visóns em que
ele via seu irrmão entrrando no mesmo lugarr. Só poderremos irr até ele quando
você exercerr total domínio sobrre a pirrâmide.
Christian assentiu ao que a moça disse, e olhou novamente para o poliedro em
suas mãos. Decidiu tirar o pano que o resguardava.
–Nón faça isso, Chrristian!
Ele não obedeceu, e viu sua mãe e Íris trepidantes com que consequencias sua
poderia acarretar. A pirâmide, porém, não produziu nenhum efeito adverso,
moldando-se perfeitamente a suas mãos como provavelmente acontecia com
Amanttinis.
–Então o que estamos esperando? Preparem-se, vamos agora mesmo!
***
***
As coisas mudaram muito no grupo criado por Foster e Jonas desde que Susane
decidiu deixá-los. A moça alegou dever a decisão da saída ao fato de, segundo a
própria, ninguém gostar dela ali; e por Jonas e Samuel quererem “mandar” em
todos.
Porém, de uma forma geral, cada um deles individualmente, cada qual com seus
graus, estavam descrentes de que pudessem retroceder a existência, ter de volta
seus corpos, suas famílias, suas afeições...
Era desesperante para qualquer um deles imaginar que não poderiam mais voltar,
mortos de forma tão ingrata.
Foster permaneceu por dias compenetrado em sabe-se lá o quê. Afastado dos
outros, cada um estava mais desordenado que o ulterior.
E certos dias se passaram depois que Susane se foi.
–Sabe de uma coisa, Jonas...
–O quê, diga lá.
–Eu já desisti há muito tempo de lutar por nossas vidas. Estamos mortos, cara.
Mortos! Acabou! Foi muito estranho o modo como acabou, mas infelizmente o
fim chegou para nós.
–Não fale assim, Henrique. Você tem uma vida toda pela frente ainda garoto!
Não pode ceder, assim...
A menininha de cabelos castanhos falou:
–Eu também já desisti. O Fábio desistiu, a Luísa, a Susane, que inclusive foi
embora, até o Foster desistiu. O cara se isolou e não quer mais a presença de
ninguém!
–Não fale isso, Bella. Não podemos perder as esperanças.
–Jonas, pare, por favor! Eu acho que até esse grupo já não faz mais sentido! Se
estamos mortos, o que acha de separar-nos?! Vou embora agora mesmo!
–Você? Eu que estou fora daqui! – imprecou Fábio, nervoso.
–Eu também vou sumir por aí – avisou Henrique.
–Sumir por aí?! Vocês são... Crianças!!
–Crianças... Estamos mortas, então não há problema nenhum...
Os três pequeninos se levantaram, saindo de seus respectivos bancos, dividindo-
se e sumindo em poucos instantes.
Jonas não acreditou. Mas também não os chamou de volta. Sabia que aquela
garotada era impertinente e teimosa. Principalmente teimosa. Por isso deixou-os
ir. Provavelmente eles estavam certos. Não havia mais esperanças...
***
Ele nunca havia se sentido tão bem em sua vida até o célebre momento em que a
pirâmide estava em suas mãos, despida de qualquer coberta.
Antes mesmo que eles pudessem realizar qualquer intrépida decisão, Íris passou-
lhe escritos que Amanttinis deixara a ele:
Querido Christian, se você tem este
bilhete em mãos, eu já não devo mais
estar entre vocês. Quero que saiba que a
pirâmide que lhe entreguei é um objeto
de extremo poder. Peço que vá atrás de
meu irmão, com grande cautela, e nunca,
de forma alguma, o deixe possuí-la. Será
o fim de tudo se Amanttis conseguir
minha parte da pirâmide. Meu irmão não
sabe, pelo menos por enquanto, que você
a possui. Ele não sabe quem é você, o
que faz, e isso é um ponto a seu favor. O
seu objetivo para restabelecer tudo, é
conseguir o outro pedaço de pirâmide, o
de meu irmão. Por isso precisa ir até ele.
É a única forma de destruí-lo, e por fim
nessa história de uma vez por todas.
Lembre-se, meu irmão sentirá, sem
querer, minha falta. Somos gêmeos, pode
ser que isso o ajude muito.
Quando você tiver os dois pedaços de
pirâmide em seu poderio, deve uni-las e
proferir as seguintes palavras:
”Deminstifus Maléfiquis Poderes”. É o
encanto que quebra todo o mal. Que
destrói meu irmão e meu povo.
Você é a intervenção, do bem contra o
mal.
Adeus, Christian, sei que vai de conseguir.
Tenha uma boa vida.
–O que é que está escrito aqui? Deminstifus Maléfiquis Poderes?
–Isso. Você tem que decorrar.
–Claro. Pode ter certeza que isso aqui nunca mais vai sair da minha cabeça...
–Tomarra.
Íris olhou para Christian com um olhar sereno e compassivo, como o de um anjo.
Letícia não fazia nada senão examinar a afinidade na troca de olhares que os dois
tinham.
–Íris, você saberá guiar-nos exatamente até o local?
–Sim Chrristian.
A moça e o rapaz se levantaram, mas Letícia permaneceu sentada.
–Eu não vou, filho.
–Perdão? Acho que não compreendi, mãe.
–Eu não vou com vocês. Não é pelo perigo, e sim porque quero descansar,
sobrestar um pouco essa psicose...
–Mãe, você não pode ficar sozinha aqui! Eu não vou permitir...
–Christian, isto não é tão perigoso quanto pensa. Eu vou ficar aqui, sob custódia.
Não há alienígenas com corpos humanos invadindo casas e matando pessoas,
pelo que eu saiba. É um tipo de conflito interno.
–Mãe...
Íris interrompeu os movimentos de Christian em discórdia a Letícia.
–Ela está cerrta, Chrristian. Não fique tão prreocupado. Sua mãe estarrá mais
segurra aqui do que indo conosco.
–Está bem, então. Vamos.
Christian deu um largo abraço em sua mãe. Foi seguido por Íris.
–Feche tudo, mãe. Tudo. Ainda tem aquele seu namorado, ah droga! E se ele vir
aqui?!
–Pare filho, pare!...
O rapaz calou-se e se virou. Mas antes de sair disse:
–Eu vou voltar, mãe. Você vai ver.
Letícia queria chorar, mas esperou que seu filho batesse a porta para que pudesse
fazer isso.
–Eu sei que vai voltar, Christian. Eu sei...
***
O tráfego estava horrível, e, para piorar as coisas, Íris mal sabia para onde o
estava levando.
–Chrristian, acho que entrramos na pista errada de novo...
–Ah, não... De novo, Íris? Vou ter de dar a volta.
–Nón, tem um desvio, bem ali...
Íris indicou a placa que recomendava o desvio na pista.
Um turbilhão de adágios passava pela cabeça de Christian, como num lampejo,
enquanto volvia o volante do carro. Várias lembranças invadiam sua ponderação.
Sua infância, Jonas Anderson, sua mãe... Pensava em que iria fazer, como iria
lutar contra o poder do perverso Amanttis, o alienígena incorporado em humano.
O maldito matara o pai de Íris, e provavelmente, a esta altura, seu próprio irmão.
–Chrristian.
–Fale.
–A pirrâmide está com você?
–Sim. Segura em meu bolso.
A temperatura ia caindo, o dia ganhando muita bruma, e o logradouro que agora
entraram era feio, e tão coberto por cedros que o céu deixava o ambiente ainda
mais enegrecido.
–Parre.
–O que você disse?
–Ham... Pare.
Christian acuou.
–Íris, você viu o que acabou de falar?
–Pare.
–Isso mesmo! Pare! Você não puxou o erre!
–Chrristian, não há tempo parra brrincadeirras. O lugarr é aqui
10. O Covil das Cobras
A casa era muito feia. O local era mambembe. Talvez o esconderijo mais
discreto e sujo da cidade.
O calçamento desgastado da rua, as casinhas desagrupadas, o rio sujo que corria
ao lado delas. Com todo o progresso que os dois mil e dezenove anos da
humanidade tinham, aquilo era tudo de mais vergonhoso que o homem poderia
gerar. E trazia a triste conclusão de que o avanço trazia ainda mais pobreza para
o mundo.
Por precaução, Íris pediu que Christian estacionasse o carro esquinas antes.
O rapaz saiu andando impaciente. Sentia-se como um cantor ansioso e
acovardado, prestes a sua estréia nos palcos.
Íris segurava sua mão, de um modo muito forte, mas mesmo assim confortante, e
ele desejou que ela não a soltasse nunca mais.
Eles seguiam pela rua recém-escura, respirando a força o ar fétido do local, que
era ainda pior pelo rio coberto de esgoto que desembocava por ali.
Chegaram quando Íris apontou.
E era um espaço horrendo.
Um matagal alto no lugar onde devia se encontrar um canteiro bem aparado.
Mirtáceas mortas se espalhavam como um formigueiro. O gradeado coberto por
ferrugem estava escancarado, como se uma visita já fosse esperada.
–Temos que entrrarr, Chrristian.
O rapaz concordou com a cabeça, mesmo sem haver concordância com sua
mente.
Entraram.
“Repugnante ideia”, Christian pensou.
Havia uma piscina grande, ampla, que até agora era o item mais limpo da casa.
Por dentro, era mais miserável que por fora.
O local cheirava absinto.
Havia uma mesinha de granito para refeições, onde se encontrava aluá posto em
jarras.
Um candelabro prata iluminava nada. A casa estava vazia. Completamente.
Christian e Íris andavam com açodamento em território inimigo. Procuravam à
pirâmide. Tinham a esperança de que Amanttis a tivesse deixado lá, só...
De repente, barulhos. Conversas. Se aproximavam mais e mais da saleta imunda.
–Eles chegarram...
Íris e Christian subiram escadas como num instinto; chegando a uma altura
considerável, uma saliência se precipitava no teto.
–É um sótão, Íris! Vamos entrar!...
Christian levantou a moça para que pudesse introduzir-se no compartimento,
encaixado na armadura do telhado. Íris o ajudou logo depois.
Deixaram uma pequena fresta, para que pudessem enxergar tudo abaixo deles.
Entraram cerca de oito pessoas: em sua maioria, crianças pequenas.
–Vocês viram aquilo?! Ele tentou botar medo em mim!
–Será, majestade? Será que ele não falava sério?
–Falar sério? Me poupe, Derinslink. Não tem como aquilo ser verdade. Um
humano vai me abater como? Você viu o que ele disse? Que destruiu sua
pirâmide para que eu não pudesse pegá-la, a maior asneira que poderia ter
feito...
–Mas e Íris, mestre? Não pode ser um perigo a mais? O senhor não se lembra da
visão que ele teve, há alguns anos?
–Íris... – um riso debochado e cheio de cinismo saiu do homem de olhos verdes –
Íris já deve estar... Morta. Como pode alguém simplesmente sumir! Vamos, me
diga! Há muito tempo que ela não dá as caras, e nenhum de vocês a encontrou.
Inclusive, recebi de meus apontamentos a notícia de que Amanttinis nunca esteve
com ela.
–Mestre, quer dizer que conseguimos! Seu irmão era o único que ainda podia nos
impedir!
–Claro imbecil, agora deduziu isto? Eu sabia que nosso plano não iria falhar! Sou
um gênio, não sou? Exclusivamente graças a mim, vocês vão viver com corpos
muito melhores! Nossas vidas serão mais longas, mais longas que as dos próprios
humanos...
Christian nunca vira Amanttis na vida, mas podia afirmar com grande certeza que
era o alto de olhos verdes, o mais audaz e cínico da sala.
–E se o seu irmão não destruiu a pirâmide dele? E se...
–Bobagem. Já sei o que vai falar. Que ele entregou a pirâmide a Íris. Impossível.
Improvável.
–Senhor, temos apenas um problema.
–O quê?
–A falta de seu irmão. Ela pode matá-lo.
–Outra bobagem. Bobagem sobre bobagem... Isso é apenas uma lenda, querido.
Uma historinha mitificada. Cortando este assunto inculto, quero informar-lhes
que vamos realizar uma grande reunião, nesta noite. Já avisei todos que os quero
aqui, até o fim do dia.
Um garotinho que sentado numa poltrona carcomida apenas observava a
conversa, decidiu participar.
–Mestre, temos outro problema.
–O quê.
–VISITAS!
O garoto pegou um cabo de vassoura e bateu com força na portinhola do sótão. O
cabo bateu em cheio no rosto de Christian, e o soalho podre desabou no mesmo
momento.
Íris e Christian caíram sob o galpão de granito.
–Ora, ora, ora, se não são Íris Brainvich e... e... Quem é esse garoto?
–Não sei mestre. Nunca o vi.
O garotinho deu uma mexida com o cabo no rapaz que tombou de mau jeito e
estava muito zonzo.
Íris se levantou aérea após a queda, tateando Christian exasperadamente; sem
saber se o mais certo era tentar protegê-lo ou acordá-lo. Desequilibrada pelo
nervosismo, decidiu optar pelo mais sensato:
–Chrristian! Acorrde! Acorrde agorra!!
–Ham... Íris...
Amanttis foi até os dois. Virando o rosto da moça delicadamente, colocou seus
olhos nos dela.
–Tem os olhos do seu pai, garota. Os mesmos.
–Você o matou! – berrou Íris com ódio, se abdicando de seus braços num
rebento.
–Você tem que culpar meu irmão, mocinha. A culpa é toda dele, foi ele quem
envolveu seu pai nesta história. Bóris não estaria morto hoje, não fosse
Amanttinis.
–Mentirroso! O culpado de tudo é você!!
Amanttis soltou uma risadinha impudica.
–Até seu sotaque, querida... Ele é idêntico ao de seu pai! Vocês poderiam ser
irmãos gêmeos, não pais e filhos...
Christian acordou. Levando a mão a cabeça doída pode catalisar rapidamente o
ambiente. Prorrompeu de modo espontâneo, quando viu Amanttis próximo de
Íris.
Amanttis, por sua vez, julgou a ação indecorosa como um gesto educado de
felicitação.
–Que personagem singular... Já sei quem você deve ser... Só pode ser...
Christian não queria mesmo saudações. Pulou por cima do rei dos alienígenas, e
deu insistentes socos nele, até que arrancar o sorriso fingido de sua cara. Queria
encontrar a pirâmide, mas os outros aliens o seguraram, impedindo de prosseguir
e revidando os murros com extrema violência.
–Nón facon isso! Parrem Agorra!
–Você é louco, garoto? – questionou Amanttis, enxugando uma pontinha de
sangue que escorria pelo canto da boca. – Meu irmão lhe mandou fazer isso? Um
humano inofensivo, contra mim?!
A ferocidade contra Christian, à esta altura, já chegava a ser covarde.
Imobilizado e vulnerável, ainda assim tentava se defender. Evitou um chute
segurando o pé do agressor, mas um deles puxou pelo pescoço deixando-o livre
para o assalto dos outros.
Íris lacrimejante, segura por outros dois.
–Parrem, vocês vón matá-lo!!
Amanttis encarou-a com um olhar alegórico, dizendo:
–Me dêem ele aqui. Vocês são cruéis demais para matar alguém...
Os servos obedeceram prontamente, soltando o ensanguentado Christian Salém.
–Você gosta de nadar, rapazinho?
Christian cuspiu sangue no desprezível quando se agachou até ele.
–Isso deve significar um sim... – riu-se Amanttis, limpando o rosto.
Puxou Christian como uma marionete até a arena principal: a piscina.
A platéia se sentou ao redor dela como se um espetáculo circense estivesse
prestes a começar.
Dos olhos de uma única pessoa escorriam lágrimas, que queimavam-lhe o rosto.
–Nón! Mate-me entón! – Gritava a pobre Íris – Ele nón merrece isso!!
–Íris, querida, sei que damas são sempre as primeiras, mas vou abrir uma
pequena exceção desta vez. Vai ser rápido, e você é a próxima... Vamos começar
então rapaz? Hoje a fila está grande...
Amanttis jogou Christian na piscina, e pulou logo depois.
O rapaz queria nadar, ou afundar, tudo ou qualquer coisa que pudesse afastá-lo
do perigoso Amanttis. Mas seu corpo linfático pelas agressões não o permitiria.
Ele já estava acabado...
Amanttis não perdeu tempo, e submergiu o rapaz na água, jugulando-o e tentando
afogá-lo.
–Como é seu nome, meu caro?
Christian estava tonto, e via apenas um borrão de olhos verdes perguntando seu
nome.
–Como é seu nome! Eu quero saber!!!
Ele decidiu usar palavras que nunca usara em sua vida.
–Vai se danar.
–IDIOTA!!
Amanttis o sufocou novamente, segurando-o dentro das águas clorais da piscina.
Os pulmões do rapaz retorcendo-se em busca de oxigênio, seu fôlego baixando à
ritmos alarmantes.
–Hum! – pulsou Christian novamente com toda a força quando foi precipitado
outra vez para fora d’água. Puxava todo o ar que podia puxar, mas que não
pautava nada. Seus sentidos tentavam fazê-lo permanecer com os olhos
arregalados, tentavam fazê-lo entender, mas ele se sentia enfraquecido,
entorpecido, sentia-se morrer.
–Solte-o, Amanttis! SOLTE-O AGORRA!!!
–Acalme-se querida. Já é quase sua vez...
–Nón, Nón, Parre, PARRE!!!
–Inúteis, contenham essa garota. Não estão vendo que estou ocupado?!
Após a ordem, Íris parou de gritar.
As mãos sujas e firmes de Amanttis trouxeram Christian de volta a superfície por
mais uma vez.
–Um garoto tão bonito... Por que quis me impedir? Por quê? Quis ouvir as
palavras de meu irmão, não foi?... TOLO. Tanto quanto ele.
Dizendo isto o pôs de volta na água, alucinadamente.
Afogamento.
Jeito deplorável de morrer. Não que todos não sejam, mas, este era pior. Este era
rude, banal, feio...
Os aliens riam como se um malabarista realizasse suas mais ousadas acrobacias.
As principais, as finais.
Christian não compunha mais nenhum tipo de resistência. Estava perdendo os
sentidos, e, naquele momento, mal sentia as mãos estáveis e imundas que
agarravam seus cabelos. Parecia esperar tranquilo por seu fim certo.
Com os olhos ofuscados pela dormência frígida de sua mente, viu alguma coisa
brilhar em seu bolso. Tanto, que o fez lembrar de tudo. O fez retomar seus
pensamentos e procedimentos. O fez pegá-la e erguê-la bem no alto, apesar de
suas mãos enfraquecidas.
Num fremido extraordinário, Amanttis o soltou, se repelindo do objeto como o
cervo escapa de um leão furioso.
–CRETINO!
Amanttis caiu no mesmo momento que Christian se restabeleceu, saindo da
piscina intensamente bem, como se nada tivesse padecido. Como se seus
sofrimentos fossem nulos com a pirâmide aquiescida em suas mãos.
–Só mesmo um ser como você poderia planejar isso. Somente alguém com mal
no coração para arruinar a vida de bilhões de seres humanos ingênuos, vitimados
por um videogame!
Christian destemido, e com o poder da pirâmide, mas apesar disso o pararam.
Amanttis saía com muito esforço da piscina, tentando apoiar-se sobre suas mãos,
enquanto Christian bateu os olhos assustados em algo.
–NÃO!!!
Íris Brainvich dependura numa mirtácea velha e encolhida, com as vestes
vermelhíssimas de um sangramento no ventre.
Com toda a robustez do mundo, Christian soltou-se dos aliens que o barravam, e
chutou a árvore com tanta força que um grosso cipó soltou sua prisioneira, que
foi escorregando suavemente aos braços do rapaz.
Naquele momento, ele esqueceu de tudo. Tudo o que tinha que fazer. O que tinha
que cumprir.
Seu objetivo, no momento, era salvar a vida de Íris.
–Não o deixem fugir! Peguem-no!!!
Os berros injuriados de Amanttis de nada adiantaram: Christian disparou em
velocidade até encontrar-se fora dos limites da casa; Íris em seu colo, perdendo
muito sangue.
Ele corria.
Corria sem olhar para trás. Já próximo de seu carro pegou a chave em seu bolso
com uma das mãos, e o abriu.
Seu sangue fervia em suas veias, enquanto dirigia frenético.
Seus pensamentos pareciam anestesiados, paralisados pelo tormento que a falta
da garota poderia lhe trazer.
Neste exato momento, ele descobriu que a amava. A amava desesperadamente...
–Vai ficar tudo bem. Aguente Íris. Aguente, por favor – Christian falava a uma
Íris desmaiada devido à diminuição de coagulação sanguínea, acariciando seus
cabelos com terno amor.
Íris estava ficando pálida, e Christian sentiu que não podia mais continuar.
Parou.
Mas não podia, estavam vindo...
Correu a um posto de gasolina, o estabelecimento mais próximo de onde estava.
Íris quase morta em seus braços.
–Eu preciso de um pano! Alguma coisa!
Um homem na conveniência do posto correu assustado para socorrer a moça.
–Espere, senhor! Espere!
O coração de Christian palpitava na mesma instância que o de Íris parava.
Em desesperante agonia, ele rasgou sua camiseta, e tentou estancar o sangue com
ela.
–Aqui está senhor!
O homem surgia trazendo gaze e um tecido branco e limpo.
Parecia tarde demais. Parecia o fim.
Íris Brainvich já devia estar morta.
Christian fechou seus olhos, e algo passou por sua cabeça.
“Não”... “Será que seria possível”?, “Será que...”
Ele não quis esperar por mais nem um minuto. Tirou a pirâmide do bolso e
colocou no ventre de Íris, onde seu sangue não parava de escorrer.
Houve um silêncio. O homem do posto olhou assustado para Christian, como se
ele tivesse terminado de matá-la ao colocar um objeto pontiagudo em seu
abdômen. Christian impaciente e esperançoso ao mesmo tempo, mirando a
primeira mulher que realmente amara em sua vida, entregue e frágil em seus
braços, com a vida por um fio.
–Han... – Íris suspirou numa lufada, voltou à vida. O coração de Christian ficou
mais calmo.
Ela olhava do rapaz para o homem do posto, sem saber o que acontecia.
–O que é esse negócio que você pos na...
–SHU... – disse Christian, mandando-o fazer silêncio. – Ela está melhorando.
Vou levá-la até um... Íris, o que está fazendo!
Íris começara a remover a pirâmide da barriga, e Christian se assombrou
instantâneo ao ato.
–Você não pode tirá-la, Íris! Você perdeu muito sangue, e pode acabar...
–Chrristian, vou terr que correrr riscos. Você vai prrecisarr dela – avisou Íris
estendendo a pirâmide que estava saturada pela cor vermelha viva.
Christian ficou de joelhos, ao lado da moça, no chão.
–Íris, eu não quero mais saber de nada, de ninguém, eu só quero salvar você!
–Nón diga isso, Chrris. Irrei ficarr bem. Grraças a você. Você me prrotegeu...
E, dizendo isto, os lábios dos dois se entrelaçaram, num beijo eterno, intenso,
total...
–Íris... Eu...
Com delicadeza, Íris encostou a mão nos lábios do rapaz, detendo sua fala.
–Agorra vá Chrristian. Vá salvarr o mundo...
11. “Deminstifus Maléfiquis Poderes!”
***
Íris ficou sob conta do dono do posto de gasolina até que mandassem uma
ambulância. Mesmo sem acreditar em exatamente nada do que o rapaz disse, o
dono do posto aceitou ajudar, abrigando a moça ali até que chegassem.
Christian esperava voltar, se conseguisse cumprir seu objetivo, para se certificar
o hospital que Íris havia sido internada.
Ele desvaneceu-se pela avenida, andando em marcha lenta nas ruas agora vazias,
esperando o momento em que se encontrassem novamente: Amanttis e ele.
O rapaz não tinha mais medo. Era movido pelo amor, pelo bem, pela fé. Se
morresse, iria morrer defendendo sua vida e a de todos com toda sua coragem...
Entrou numa ponte. Edificada sobre arcobotantes fincados na terra do rio abaixo
dela, e com pouca iluminação.
Apertou os olhos, pois além da falta de luminosidade da plataforma a noite
começava a enevoar-se.
Muito de repente, houve um baque. Algo chocou-se contra ele. Seu carro guinou
violentamente, colidindo com um poste. O air-bag inflou.
Sua cabeça doía e parecia crescer por dentro, parecia querer explodir.
Saiu do carro sobressalente, catalisando cada corpo escuro na plataforma.
Viu o tamanho do problema: Seu carro perdeu o controle logo após um outro que
bateu contra o dele. Era grande como um furgão, o carro do provocador do
acidente. Mas estava vazio. A ponte estava vazia. Ali só haviam dois carros e um
homem...
Inesperada e assustadoramente, um vulto começou a recortar-se. Não era só
Christian quem estava ali. Alguém corria em sua direção.
Amanttis...
...
Esta seria a peleja final. Alguém sairia vivo, e outrem, morto.
–Será seu fim, querido – um homem alto, forte, e de olhos verdes que andava
tranquilo e sem amparos na ponte monótona. – Christian Salém, um jovem
homenzinho que perdeu sua vida por... Por... Por querer salvar o mundo!
–Você está sozinho, seu covarde?
–COVARDE? Você está me chamando de covarde?! Pois saiba que avisei meus
cidadãos que viria sozinho, que não precisaria da ajuda deles. Você é que não
passa de um...
–Amanttis, cale-se, por favor. Covardia é seu segundo nome. Invadir um planeta
sem ultimatos, sem avisos. Isso é desonroso, fraco, infame. Você é um tirano!
Amanttis riu.
–Você acha mesmo que isso vai me... Comover?! Que isso vai me fazer te dizer:
“É verdade, Christian, vou desfazer tudo o que realizei, meus atos errados e
infames”... Ainda não percebeu que não me importo com vocês?! Pelo pouco que
os conheci, vocês nem mesmo merecem o corpo que tem!!
–Só por que não merecemos você julga ser direito seu tirá-los de nós? Se você
acha ou não acha, o problema é todo seu, Amanttis, mas você não passa de um
mero coadjuvante neste universo para querer fazer o que faz! Você não é nenhum
deus!!
–Cale a boca!
Nenhum dos dois descontinuou seus passos, muito menos Christian.
Sua seiva o induziu até que ficassem face a face, olho no olho.
O rapaz o encarou, pensando rápido em algo que pudesse fazer. O som que ele
emitia, de dentes roçando, rangendo, era nervoso, como o som de ondas ferindo a
areia.
–E Amanttinis? Você o matou, não foi?
–Foi, foi sim. Por quê?
–Porque vocês são gêmeos. Gêmeos sentem falta um do outro.
Amanttis riu novamente.
–Você é muito sarcástico, garoto. Chega a ser pungente... Mas eu não vim aqui
para brincadeiras.
Veloz e execrável como o bote de uma cobra, Amanttis ergueu Christian pelo
pescoço.
O deixando completamente sem revide.
–A pirâmide! Me dê!!!
–Cale a boca! Nunca irei te dar!...
Amanttis a viu. Sorriu novamente. Ela brilhava no bolso de Christian.
Jogou o rapaz ao chão como um brinquedo descartado, mas ele não desmaiou.
Tentou se arrepanhar, mas Amanttis cravou-o, prendendo-o com seu sapato de
couro duro sobre a garganta.
–Não imaginei que seria tão fácil... – zombou Amanttis, curvando-se e
recolhendo a pirâmide de seu irmão – Amanttinis não lhe ensinou nada? Diga?!
Ah, sim, não pode falar...
Amanttis retirou seu pé do pescoço do rapaz.
Christian passou delicadamente a mão pela goela tentando suavizar a dor, e
mirou Amanttis, lamentando o desacerto.
–Acabou. Fim. E os Ericlashivas foram felizes para sempre... Também, eu
aguardava um adversário à minha altura, mas esperar o que de humanos? Além
de burros não passam de uns fracotes... Meu irmão me falou antes de morrer:
“Ele será a intervenção, a intervenção...” Confesso que até temi por alguns
momentos, mas até agora, o pobrezinho não interveio em nada!...
Christian Salém falhou. Derribado e desistido em frente à ineficácia de seus
esforços.
O mundo estava perdido...
Amanttis soltou uma gargalhada fantasmagoricamente diabólica. Retirou sua
pirâmide do bolso, mas antes de juntá-las, um rapaz exonerado de opções, gritou:
–Você matou seu irmão Amanttis, seu próprio irmão! Por causas errôneas!!
Amanttis mirou-o com arrogância e menoscabo. Estava descomposto por dentro,
não queria transmitir isso. Acabou desordenando-se, ajoelhado e diminuído...
Sem explicação aparente, Amanttis caiu. Os dois pedaços de pirâmide rolaram à
seu lado. Ele estava enfraquecido, não conseguia pegá-las. Suas mãos
restringidas e frouxas...
–O quê... O que está acontecendo???
Christian Salém ainda no chão, também sentia dores que com certeza advieram
póstumas a briga no esconderijo. Uma bola de chamas parecia se espalhar por
dentro de sua cabeça. Mas seu furor superava tudo.
Ele se alçou erguendo, e apanhou os dois pedaços de pirâmide.
–Garoto? Garoto, o quê... O que fez?!!
A voz de Amanttis estava de uma rouquidão tremenda, e seu corpo, amolecido
como uma polpa gelatinosa.
Christian parecia pela primeira vez sobreposto à forte frieza e autoconfiança do
alienígena. Com a maior das pachorras e presenças, principiou:
–Uma parte de você está fraca. Não está, Amanttis?
–Cale a boca! Eu não...
–Você matou seu irmão por motivos impuros. E seu ato pecaminoso foi
desprezível...
–Isso não é verdade, seu maldito! Eu não sei, você fez alguma...
–Claro que é verdade! – a voz mais acentuada e repreendedora que Christian
revelou em toda sua vida. – Você sabe que é verdade.
A ponte começava a ficar mais habitada. Haviam outros indivíduos, aliens, nela.
Numa célere perspicácia, eles vinham.
–Não pode fazer isso! Eles estão chegando! Vêm me ajudar!!!
–Não posso fazer isso?... Eu posso!
Os alienígenas vieram com tanta presteza que um deles até conseguiu tocar em
Christian, tentar agarrar seus braços, tentar impedir que...
–DEMINSTIFUS MALÉFIQUIS PODERES!
–Não!!!
Uma centelha de fogo verteu da pirâmide dourada. Fez a noite em luz, de modo
literal.
Arfando pelo poder tremendo erguido em suas mãos, Christian se esquivava dos
diversos aliens que começavam a cair por terra, derrotados...
–AHH!!! Eu estou... EU ESTOU!...
Amanttis estava morrendo. Perdendo o corpo roubado. Ele e os alienígenas
começaram a arrazoar dialetos estranhos, que o rapaz não podia entender.
O espectro deles sobrenadou acima dos corpos, e, lenta e horrivelmente,
começava a desfazer-se em fuligem.
Christian no meio da tola de fogo arreganhada na ponte viu a pirâmide
primeiramente fender-se em uma lasca, e depois estilhaçar. Acabrunhar no ar,
junto aos aliens.
A luz fusca momentânea começou a desaparecer rapidamente, da mesma forma
que apareceu. E Christian Salém estava feliz. Estava feio, sujo, mas feliz por ter
acabado com uma pútrida armação detrás de um videogame...
Este era o fim. O desfecho. O planeta havia sido salvo por um homem jovem,
um humano comum, como qualquer outro, com uma baita dor de cabeça...
...
Íris não aceitara ir ao hospital quando ambulância e maqueiros chegaram de
prontidão. A moça iria permanecer ali, esperando ele. Ela pensava seriamente em
jamais sair daquele local enquanto Christian não regressasse.
Estava confiante de que o rapaz tivesse findado seu trabalho. O trabalho que fora
destinado a fazer. Desbaratar um plano tão bem organizado como este era tarefa
difícil, para apenas uma pessoa. Mas ela sabia que Christian Salém, apesar de
normal, era inteligente, forte, bondoso. Ela também o amava...
Estava redondamente entristecida por não ter podido ajudá-lo até o fim, por sua
incapacidade de saúde, mas tinha adquirido uma confiança absoluta em Christian
desde que o conheceu, desde a primeira vez que o olhou em seus olhos...
Ela queria que ele voltasse, não só pelo mundo, mas por ela. Queria dizer a ele
tudo o que sentia.
–Chrristian!!!
–Ei mocinha! Não pode ficar correndo assim, desse jeito!
Nada podia pará-la. Ela correu para um Fiat Broma preto, deformado por
determinado incidente, e pulou nos braços de seu eleito. Um homem com as
vestes imundas e rasgadas, sorrindo e abraçando aquela verdadeira fortaleza de
mulher, a mulher que conheceu em circunstâncias curiosas, a mulher perfeita
para ele...
–Eu te amo, Chrristian, eu te amo...
–É você, Íris... É a mulher da minha vida...
Apaixonadamente, aqueles dois jobilíssimos adultos não sabiam o que fazer além
de abraçarem-se ou beijarem-se desesperadamente, era o mesmo...
12. Enquanto houver bem... O mal não pode
dominar
Um dia de glória. Aquele, um dia para ser lembrado para o resto da vida de
Christian, de Íris, e de todo o público ansioso para assistir o pronunciamento do
homem que salvou a vida da humanidade...
O prefeito de São Paulo aprontou o comunicado de Christian Salém, um homem
que vencera um ardiloso plano contra os humanos.
A declaração seria na praça principal da cidade, e seria televisionada por todo o
mundo.
Christian nunca foi famoso como atores de sucesso, que sempre aparecem
causando alvoroço, mas neste momento haviam bilhares de olhos atentos a ele.
Nunca foi um escolar galanteador como Jonas Anderson, sorridente no meio da
platéia na praça entupida de gente, mas estava com a garota mais bela que já vira
em sua vida; Nunca foi o “queridinho” da família, mas todos ainda vivos –
incluindo Sydney, que só ficou com uma enorme dor de cabeça depois da
tijolada, e seu irmão mais velho que se fora para a Islândia há vários anos –
estavam ali, chorando orgulhosos pelo parente.
–Senhoras e senhores de todo o mundo... Tenho aqui a minhas costas talvez o
homem mais corajoso que este mundo já concebeu. O homem que arriscou sua
vida, para nos defender. Ele lutou por amor! Por amor a mim, a vocês, a todas as
pessoas do mundo. Mais dia menos dia, nosso fim chegará, é verdade. Mas este
garoto e seu amor pela humanidade impediram que as vidas fossem-nas tiradas
pelo mal! Christian Salém, por favor, todos querem ouvi-lo...
O prefeito saiu do púlpito exageradamente ditoso, dando altivos e simpáticos
tapinhas nas costas de Christian, colocando sobre seu peito uma medalha grande
e dourada.
O rapaz abraçava duas mulheres: sua mãe e namorada. Foi com elas para falar
àquela multidão.
Não fez nenhuma preleção planejada. Todas as falas do discurso, ao avesso de
decoradas, sairiam de seu coração.
–Meus amados, não pensem que fiz tudo o que fiz, sozinho. A primeira pessoa a
quem devemos tudo isso, é Deus. Ele move tudo. Nada seria possível sem Seu
auxílio. Outras pessoas que contribuíram comigo, foram estas duas mulheres a
quem estou abraçado. Minha mãe, tão sem querer como eu, se envolveu nessa
história, e ao contrário do que muitas fariam, ela me apoiou! Íris, essa
maravilhosa mulher que eu pretendo me casar, foi quem propiciou tudo isso. Eu
nada teria feito sem ela!
O silêncio respeitável das pessoas era lindo. Todas gratas por um jovem de vinte
e dois anos.
–E eu não posso me esquecer de citar Bóris Brainvich, o pai de Íris. Um humano
sensacionalmente intrépido, que morreu por defender sua filha, e por saber
demais. Eu não o conheci em vida, mas sei que um dia ainda vamos nos
encontrar e eu vou poder dizer-lhe o quão agradecido sou por tudo o que ele fez.
Por fim, mas não menos importante, tenho que contar a vocês sobre alguém que
muitos mal possuem conhecimento de ter existido nesta história. Um ser que nem
ao menos é humano. O nome dele é Amanttinis. Sabem, acho que se alguém
devesse ganhar algum mérito com tudo isso, não sou eu. É ele. O alienígena que
se revoltou contra seu próprio povo, para nos ajudar. O seu auxílio é a parte
principal disso tudo.
A multidão, vidrada, não era capaz de tirar os olhos do rapaz. Ele hesitou por
leves momentos, pensando em coisas que não viria a falar.
“Talvez Amanttis estivesse certo”, ele maquinava. Talvez, os aliens merecessem
mais os nossos corpos, a nossa vida, o nosso mundo, mais do que nós mesmos.
Às vezes os seres-humanos conseguem ser tão egocêntricos com seus próprios
irmãos, com seu próprio ambiente, que nossa vida muitas vezes se torna
imerecida...
Apesar disso, pela enésima vez na história da humanidade, a virtude superara
atos vis, a honra destroçara a indecência, o bem vencera o mal.
Christian olhava entusiasmado para todas aquelas pessoas. Feliz por sua bravura.
Sua valentia fora além de tudo.
Ele cingiu sua mãe e sua namorada num abraço ainda mais apertado e caloroso, e
findou:
–Queridos, só quero dizer que a vocês que se quiserem recordar esta memorável
data, não lembrem-se de mim, lembrem-se por favor, para o resto de suas vidas,
de Amanttinis, o compassivo ente que traiu seu povo, para nos proteger.
Conteúdo adicional:
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