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A INDÚSTRIA CULTURAL EM TEMPOS DE POPULARIZAÇÃO DA

INTERNET
UM OLHAR SOBRE A CENA MUSICAL BRASILEIRA

RESUMO: este trabalho tem como principal objetivo apresentar algumas formas
contemporâneas de veiculação musical via novas plataformas de mídia, em especial a
veiculação por meio da internet, e refletir sobre as questões que norteiam esse tipo de
produção. Embora nosso foco investigativo seja a música brasileira, tomaremos como
base alguns exemplos vindos de fora do país, como numa análise comparativa, para
depois apontarmos alguns casos que ganharam repercussão no Brasil. Com o intuito de
delimitar nosso estudo, abordaremos o assunto, sempre que possível, dialogando com o
conceito de Indústria Cultural defendido inicialmente por Theodor W. Adorno e Max
Horkheimer. Para enriquecimento da análise, buscaremos apoio em outros autores que
direta ou indiretamente discorrem sobre o tema, além da investigação em algumas
fontes pelo canal direto com quem está promovendo essa revolução: a internet.

PALAVRAS-CHAVES: indústria cultural; música e tecnologia; novos suportes de


mídia.

ABSTRACT: this work has as main objective to present some contemporary forms of
music delivery by new media platforms, particularly the delivery through the Internet,
and reflect on the questions that guide this type of production. Although our research
focus is Brazilian music, we will take some basic examples from outside the country as
a benchmark, to point out later some cases that gained impact in Brazil. In order to
delimit our study, we will discuss the subject, whenever it is possible, talking with the
concept of Cultural Industry defended initially by Theodor W. Adorno and Max
Horkheimer. To enrich the analysis, we will get support in other authors that directly or
indirectly talk on the subject, besides investigation of some sources by direct channel to
who is promoting this revolution: the Internet.

KEYWORDS: cultural industry; music and technology; new supports for media.

AS NOVAS POSSIBILIDADES
A internet e suas possibilidades ampliaram o mundo: o que inicialmente coexistia
apenas no plano virtual, hoje pode ser considerado quase um agente social, uma vez que
esse ente passa a fazer parte das relações sociais e culturais e, consequentemente, passa
a operar também na cidade e no espaço urbano reconfigurando as formas de
sociabilidade. No livro O espaço do cidadão, Milton Santos (1998, p.1) aborda algumas
questões pertinentes a esse tema e faz uma análise sobre “como se organiza a rede de
caminhos e a rede de cidades segundo hierarquias e de como se distribuem
territorialmente os indivíduos, segundo suas classes sociais e seu poder aquisitivo”. O
geógrafo aponta que além da situação econômica, a localização sócio-espacial do
cidadão na cidade o faz ter ou não acesso aos bens oferecidos. E conclui que:

a atividade econômica e a herança social distribuem os homens desigualmente no


espaço, fazendo com que certas noções consagradas, como a rede urbana ou do
sistema de cidades, não tenham validade para a maioria das pessoas, pois seu acesso
efetivo aos bens e serviços distribuídos conforme a hierarquia urbana depende de
seu lugar sócio-econômico e também de seu lugar geográfico.1

Certamente concordamos com ele. Porém, o que talvez Milton Santos não pudesse
antever em seu tempo era que, vinte anos depois, as formas de acesso aos bens e
serviços não ficariam restritos apenas aos espaços geográficos da cidade e à localização
do cidadão na malha urbana. Com o desenvolvimento dos meios de comunicação e a
popularização da internet, muitos meios de produção ultrapassaram o espaço urbano e
chegaram às mais remotas localidades atingindo um incontável número de pessoas,
especialmente se considerarmos o público atendido pelas lan houses, que hoje é uma
realidade presente inclusive nas favelas e comunidades de baixa renda. Ainda que a
maioria das pessoas não domine nem conheça as ferramentas disponibilizadas na rede,
as possibilidades passam a existir até para os que se encontram à margem da cidade e do
espaço urbano: os espaços físicos e geográficos, portanto, podem deixar de ser a
principal barreira impeditiva para a fruição e a criação de bens culturais e simbólicos e
de informação. O cidadão contemporâneo passa a ter condições e recursos ao seu
alcance que seriam inimagináveis há pouco mais de dez anos.

O que acontece atualmente é um exemplo típico da compressão tempo-espacial


apresentada por David Harvey (1992, p. 27), onde a aceleração causada pelos
sistemas de comunicação altera as relações dos indivíduos com os mercados e com o
consumo, e acaba por reconfigurar toda a esfera social, produzindo assim novos
sistemas de representação cultural, o que nos faz, por sua vez, relembrar e voltar aos
apontamentos de Adorno e Horkheimer em A indústria cultural (1990), no qual os
autores questionam a seguinte idéia: em até que medida a escolha de um produto da
indústria cultural por parte de quem o consome pode ser considerada subjetiva, uma
vez que a própria indústria é quem dita os padrões?

Diante dos apontamentos de Adorno e Horkheimer2, somos levados a acreditar que os


recentes fenômenos surgidos pela internet são frutos, em sua grande maioria, não só da
massificação, mas também de uma nova lógica do sistema propícia a esse tipo de
criação, que até poderá gerar outros modelos de representação e significação, mas que
por trás desse aparente benefício, tem como principal objetivo alimentar a roda-viva da
cadeia produtiva imposta pela própria indústria cultural. E pode ser que isso seja
verdade, porém, o fato é que essa superestrutura gerou lacunas, se assim podemos
chamar, em sua padronização, já que os mecanismos de controle desse processo
enfraqueceram.

Pois bem, é diante desse entendimento que as ferramentas e oportunidades geradas na


cibercultura (LEMOS, 2003) nos permite ousar dizer que vivemos um momento sem
precedentes na História, no qual surge a possibilidade de se questionar o padrão adotado
pela mass media ao longo do século XX: a de único pólo de emissão de informação. Os
recém-chegados suportes midiáticos, muitos dos quais ao alcance das pessoas no seu
cotidiano, estão reconfigurando os modelos até então vigentes e criando diálogos a
partir das novas plataformas: vozes e discursos estão emergindo e gerando outras
concepções, discursos, reflexões. E a arte não ficou de fora dessa revolução. Aliás, ela
está se apropriando muito bem das oportunidades oferecidas pela tecnologia,
especialmente a música, que tem se revolucionada contra as leis impostas pela ditadura
do mercado.

Ora, podemos dizer que com a reconfiguração geral pela qual passa a sociedade com o
advento das novas tecnologias de informação e comunicação, todos, a priori, passam a
ter os mesmos poderes de criação e interação no espaço social de formação de opinião,
deixando a mass media de ser a única fonte formadora e controladora de subjetividades
dentro da sociedade. O que acontece na atualidade é que o pólo de emissão de opiniões
e discussões se estendeu até o cidadão, como sugeriu Mcluhan (1996) em seu livro Os
meios de comunicação como extensões do homem, e a própria escolha da informação,
em princípio, também passa a ser um direito que pode ser exercido individualmente e
criticamente por todos.

EXISTIR É ESTAR NA REDE


Neste novo modelo de mercado, no que se refere à música, é bem possível apontar
como marco inicial deste tipo de discussão o álbum In Rainbows dos ingleses do
Radiohead3, que no ano de 2007 foi disponibilizado com download gratuito no site da
banda, onde fãs e demais interessados poderiam baixar todo o disco e pagar, caso
desejassem, o valor que julgassem necessário. A originalidade e o sucesso da iniciativa
foi tamanha que surpreendeu a todos - inclusive ao próprio Radiohead. É certo que se
trata de uma banda em voga e com grande público desde o seu aparecimento nos anos
90, porém essa iniciativa não deixa de levantar uma série de questões e reflexões sobre
o tema da veiculação e consumo da música na contemporaneidade. “Por causa desse
trabalho, o Radiohead foi apontado como o grupo que melhor entendeu a mudança
radical que a música sofre em tempo de internet”4.

Também na Inglaterra, outra banda que chegou ao nosso conhecimento e que ganhou
destaque e popularidade a partir do “boca-a-boca” iniciado pela internet são os jovens
do Arctic Monkeys. Eles começaram gravando CD’s demo e distribuíam esse material
em shows para o público. Porém, como a oferta era pouca, por iniciativa do próprio
público e sem que a banda soubesse, esses CD’s foram parar na rede e
consequentemente foram baixados por outras tantas pessoas que em algum momento se
interessaram pelo trabalho da banda. Em seguida, mais uma vez por iniciativa dos fãs,
foi criado um perfil no MySpace onde se disponibilizou as músicas do Arctic Monkeys
para quem quisesse ouvir5. A partir dessa divulgação massiva na internet, não só os
amigos, mas centenas de pessoas já cantavam as letras nas apresentações do grupo.
Desse momento em diante, a banda começou a fazer sucesso até chamar a atenção das
rádios e da imprensa britânica, para aí sim gravar e veicular suas músicas, digamos, nos
moldes tradicionais do mercado fonográfico.

Esses dois breves exemplos ilustram muito bem as inovações que estão acontecendo no
cenário do mercado da música. Torna-se importante voltarmos nossa atenção para essa
inversão que os novos suportes midiáticos disponibilizados pela internet estão causando
dentro da indústria cultural, especialmente dentro da indústria da música. Suportes
como os blogs, o YouTube, os podcasts ou o MySpace, por exemplo, estão dando
oportunidade a bandas e músicos de disponibilizarem seus trabalhos on line de forma
prática e sem custos e para todo o mundo. Aliás, é importante notar que essa
superposição entre tecnologia e arte tornou possível partilhar de forma autônoma
conteúdos também autônomos, o que leva qualquer pessoa que produza algum tipo de
bem ou reflexão cultural a poder compartilhar sua produção de forma independente com
milhares de pessoas - criando, portanto, um novo sistema de representação cultural,
onde todos podem ter o poder e os meios de criação e divulgação/comercialização de
suas respectivas obras.

Situação semelhante acontece no Brasil. Em julho de 2008, a revista Bravo publicou


uma reportagem intitulada “Chega de saudade”, na qual os jornalistas Flávio Junior e
Marcio Orsolini6 apontam uma nova geração de artistas que despontam como os
grandes talentos da MPB atual. Contrariando muito do que se fala sobre a música
brasileira na atualidade, diz a reportagem: “há muito tempo a MPB não tinha um grupo
tão talentoso de cantores, letristas, instrumentistas e compositores na faixa dos 20 e 30
anos.” E continua: “e há muito tempo, também, não se via uma geração tão original –
não apenas na música, mas também na maneira de criar e veicular sua arte. [...]
Afinados com os novos tempos, divulgam suas obras pelo MySpace.” Ainda sobre as
novas formas de veiculação e mistura de linguagens, nessa mesma reportagem, Nelson
Motta faz um comentário referindo-se a uma nova cantora: “ [...] Vai ser sucesso logo,
logo. Dá uma olhada no YouTube...”

A reportagem da Bravo, uma das principais revistas de arte e cultura do país, nos mostra
que os processos de criação dos bens culturais, especialmente a música, passam por um
momento de grande transformação - assim como aconteceu com a popularização dos
LP`s nos anos 40 do século XX. Porém, agora a mudança é muito maior, pois o próprio
produto cultural e seu modo de fruição passam a dialogar e a se transformar com e na
contemporaneidade, visto que os bens simbólicos estão sendo reconfigurados pelos
próprios suportes de veiculação, transformando-se em produtos resultantes do
hibridismo, conforme apontam as idéias de Canclini (1998).

Nomes como os dos músicos Nina Becker7, Romulo Fróes8, Jonas Sá9, Curumin10 e a
banda Cidadão Instigado11, para fecharmos nosso universo entre Rio de Janeiro e São
Paulo, estão ganhando espaço dentro do cenário musical brasileiro não só pela
qualidade e inovação estética de suas composições, que vem recebendo incontáveis
elogios da crítica especializada, mas também pela forma de veiculação e relação que
possuem com o público. Conhecedores e usuários das novas plataformas de mídia
surgidas nos últimos anos, quase todos possuem um perfil na rede social MySpace –
espaço que se tornou referência entre músicos por abrigar arquivos em formato MP3. E
não só os novos músicos estão usando esses recursos, artistas consagrados também
entraram nessa rede: Caetano Veloso e Marisa Monte12, por exemplo.

A história de cada um dos novos músicos citados acima é parecida com a dos ingleses
do Arctic Monkeys. O que vale ressaltar aqui é a versatilidade e a inovação no modo de
divulgação e fruição dos respectivos trabalhos no Brasil, pois muitas vezes o que
acontece é uma inversão da antiga cadeia produtiva da música, onde existiam etapas
definidas a serem cumpridas, que resumidamente poderiam ser: primeiro lançar um
disco, depois chegar às rádios e/ou TV e finalmente alcançar a popularidade e a venda.
Em outras palavras, o artista ficava sem meios para produção do seu trabalho e dependia
única e exclusivamente de todo o aparato formado pela indústria da mídia para
conseguir se lançar na carreira. O século XXI, por sua vez, abre a possibilidade de uma
independência do músico, na qual quase todas as etapas podem ser cumpridas de forma
autônoma. Como o caso daquele que talvez seja o primeiro grande fenômeno massivo
da internet no Brasil: a paulistana Mallu Magalhães. A jovem de apenas 16 anos
começou postando suas composições no MySpace e com a ajuda e a divulgação dos
seus amigos, também pela internet, ganhou projeção nacional repentinamente, mais uma
vez confirmando a célebre frase de Andy Warhol: “no futuro todo mundo terá seus
quinze minutos de fama”. A menina já foi capa de dezenas revistas, conseguiu
gravadora e lançou seu primeiro disco, além de estar sempre com a agenda
compromissada de shows pelo Brasil. Seu perfil no MySpace13 conta hoje com quase 4
milhões de visitas. Porém, há quem diga que a moça permanecerá no circuito,
especialmente por atingir um público mais cool. E seguindo a trajetória de Mallu, o
último grande estouro da internet parece ser a cantora popular Sthefany14, piauiense que
aos 17 anos se lançou com um vídeo caseiro postado no YouTube e que hoje contabiliza
quase 2 milhões de exibições. Após a repercussão, a jovem já participou de programas
de auditório na TV aberta e faz uma média de 25 shows por mês, principalmente no
norte e nordeste do país.

Dentro desse contexto, especialmente fora do eixo Rio - São Paulo, existem algumas
peculiaridades à brasileira que merecem ser brevemente comentadas: no norte e
nordeste do país temos exemplos de bandas que vivem (muito bem, diga-se de
passagem) de forma completamente independente: algumas lançam-se pela internet,
ganham popularidade através das redes sociais e dos shows e depois vendem seus
próprios discos também produzidos de forma autônoma e independente. Um exemplo é
a banda popular Calypso, que entre outras coisas chegou a piratear seus próprios discos
para vender em shows – antes de se tornarem de fato independentes, já que hoje eles
possuem inclusive um selo próprio. Em Goiás, a também popular dupla sertaneja Bruno
& Marrone percorreu um caminho parecido: eles afirmam que se tornaram conhecidos a
partir da gravação de um disco independente que foi pirateado pelos fãs e comerciantes
da cidade onde moravam, chegando dessa forma, sem o auxílio de qualquer gravadora,
até o grande público. A dupla acrescenta ainda que foi beneficiada pela pirataria, sem a
qual não atingiria o sucesso. Contradições e interpretações à parte, o que nos interessa
neste ponto é perceber a autonomia destes artistas frente à indústria fonográfica,
independentemente dos meios que tenham usado, e de como essas possibilidades se
estenderam também aos artistas populares.

Essas mudanças e fenômenos estão inclusive levando algumas gravadoras a pressionar


seus artistas no sentido de ter uma participação nos contratos de turnês, passando
também a ganhar em cima da bilheteria dos shows, uma vez que a venda de CD’s caiu
vertiginosamente com o boom do consumo de música pela internet. Dessa forma e
diante da atual realidade da cultura digital (abstrata) dos discos, podemos vislumbrar um
futuro onde talvez o artista viverá cada vez mais de seus shows e a internet servirá cada
vez mais como principal meio de divulgação de seus trabalhos, principalmente se
levarmos em consideração os artistas populares e/ou independentes.

No entanto, o que chama nossa atenção é perceber a importância da tessitura da rede


social da internet para o aparecimento e o surgimento dos novos músicos, e os números
podem nos confirmar isso15. A febre que surgiu na Europa e Estados Unidos já chegou
até aqui e se espalha de forma endêmica entre os músicos – e também entre os
aspirantes a celebridades. O importante é sabermos filtrar a massa de informação
disponibilizada a todos gratuitamente, lembrando sempre da máxima popular que diz
que “nem tudo que cai na rede é peixe”! Afinal, como já nos apontou Adorno e
Horkheimer16, muito do que surge e julgamos ser inovador pode ser o resultado de um
grande e forçoso direcionamento da indústria cultural. Contudo, também vale lembrar o
que nos diz André Lemos17: “as diversas manifestações socioculturais contemporâneas
mostram que o que está em jogo como o excesso de informação nada mais é do que a
emergência de vozes e discursos anteriormente reprimidos pela edição da informação
pela mass media.”

De todo modo, o que vale aqui é atentar para a quebra do monopólio das indústrias
fonográficas e para as importantes mudanças culturais e comportamentais que a internet
está promovendo, o que provém, em primeira instância, do desenvolvimento dos meios
comunicacionais e das possibilidades cada vez maiores de criação independente num
mercado cada vez mais interligado.

ALGUNS REFLEXOS DA NOVA CONFIGURAÇÃO


Somente na transição do século XX para o XXI, é que começamos a perceber mais
claramente a transformação por que passaria a indústria fonográfica. Mais precisamente
em 1999, quando apareceu na internet um programa pioneiro chamado Napster - o
primeiro programa massivo para compartilhamento de música no formato MP3. Seu
funcionamento era ponto-a-ponto: cada usuário baixava as músicas diretamente do
computador de outro usuário, ao mesmo tempo em que disponibilizava suas músicas
para quem estivesse on line. Dessa forma surgiu uma grande rede global com milhares
de músicas disponíveis que poderiam ser trocadas a custo zero. Estima-se que 8 milhões
de usuários em todo o mundo trocavam um volume de 20 milhões de canções por dia.
Em 2001, porém, o Napster, que havia se tornado uma empresa no ano anterior, acabou
fechando, pois não resistiu às ações judiciais das corporações fonográficas e também de
músicos que não admitiam a troca de arquivos de áudio que eram protegidos por lei,
ambos alegando a promoção da pirataria.

No entanto, com o passar dos últimos oito anos, as discussões avançaram e hoje já se
fala em direito à livre circulação da informação e da cultura: o compartilhamento de
arquivos pela internet para uso pessoal, sem a finalidade do lucro, passou a ser
defendido como um direito do cidadão, já que o acesso à informação não pode ficar
restrita a uma minoria. E como numa tendência que vem crescendo, surgem múltiplas
propostas e reflexões em meios alternativos acerca desse assunto: softwares livres,
criação artística compartilhada através da internet, blogs de dicas e de comportamentos
que inicialmente se tornam referências para os internautas e depois se expandem para o
cotidiano. Mas talvez uma das principais correntes seja o conceito de copyleft - um
trocadilho com o copyright e que vai justamente contra as restrições dos direitos
autorais e de propriedade. Os defensores da idéia do copyleft alegam que um trabalho
(seja artístico ou técnico) não pode ficar emoldurado como inicialmente desejou seu
criador ou os detentores do direito: todo usuário pode ter a liberdade de contribuir para
melhorar ou apenas modificar a obra de acordo com suas necessidades, num processo
continuado. Dessa forma, o usuário passa também a contribuir na construção da obra e
deixa de ser passivo no que diz respeito à organicidade do produto. Na música já
existem artistas que se utilizam desse processo onde o resultado final pode ser uma
incógnita, inclusive para os próprios músicos que iniciam o processo, já que deixam de
ter controle sobre a forma final da obra. A cantora islandesa Björk é umas das pessoas
que tem experimentado essa forma de composição.

É certo que essas mudanças de posicionamento e novas formas de abordagem estão


reconfigurando a indústria fonográfica e as possibilidades de se consumir música, além
de estar alterando a própria indústria e também o mercado como um todo, a partir de
uma revolução iniciada na internet. Uma prova disso é que se atentarmos para os
recentes aparelhos de som que estão sendo fabricados, sejam domésticos ou de
automóveis, percebemos que muitos já saem equipados com entradas para conexão
USB e MP3, suportando diversos formatos de mídias. O mesmo acontece com as TV’s
e com os aparelhos de DVD, o que pode ser entendido como um efeito cascata, ainda
que legalmente a veiculação de música pela internet seja proibida. De qualquer modo, a
própria indústria já está indicando aceitação e adaptação a essas mudanças iniciadas de
forma independente. Seguindo essa mesma postura, algumas gravadoras já vendem
músicas avulsas (e discos na íntegra) pela internet a um preço acessível, acenando talvez
a um novo tempo de comércio da música, onde o usuário poderá comprar apenas as
músicas que desejar - assim como acontecia até os anos 1940, onde a música era
comercializada uma a uma em compactos ou singles.

Outras mudanças de posicionamento também podem ser vistas em alguns blogs de


música, a exemplo do popular “Um que tenha”18, que conta aproximadamente 3.000
links de discos de música brasileira – se tornando uma verdadeira “digitalteca” da MPB
- e quase 2.000 seguidores pelo Google Friend Connect19 e que parece defender a idéia
do acesso livre à (in)formação. O blog traz a seguinte conduta:

Este blog tem caráter estritamente cultural. Nosso propósito nunca foi e nem será o de
comercializar o prazer em ouvir música, mas difundi-lo e compartilhá-lo, sem resultar em
ônus ou benefício financeiro direto ou indireto para ninguém. [...] e, se, por algum motivo,
alguém se sentir ofendido ou prejudicado com o conteúdo de alguma postagem, avise-nos
por e-mail para que ela seja retirada. [...] Aos que baixarem os arquivos, se gostarem do
que ouviram, sugiro que adquiram os álbuns em lojas ou sites especializados. Caso estejam
fora de catálogo, sugiro que recorram aos bons e velhos sebos.

Assim como sugere o “Um que tenha”, o músico Paulinho Moska já disse abertamente
em entrevistas que se utiliza dos arquivos de música disponibilizados pela internet, mas
com o objetivo de conhecer ou entrar em contato com algum novo artista, e quando
gosta do que ouve não hesita em ir até uma loja (ou entrar num outro site!) e comprar o
CD. Posturas desse tipo já não são raras de se ver, pois é incrível como o
desaparecimento físico, primeiro do LP e depois do CD, está gerando nichos
consumidores do produto – algo como adquirir uma raridade. Em Londres e nos Estados
Unidos já existem lojas que estão indo muito mais atrás e se especializando em vendas
de LP’s. No Brasil, os LP’s normalmente podem ser encontrados nos sebos das grandes
capitais. E como não poderia deixar de acontecer, os antigos toca-discos também estão
virando objetos cobiçados, com lojas especializadas e um número considerável de
seguidores. Também é bom lembrarmos que em tempos de download, a qualidade
sonora dos CD’s (e de alguns LP’s) ainda continua muito maior que a música
disponibilizada pela internet - o que faz com que muita gente sinta a necessidade de
possuir o produto.

Mas mesmo diante das mudanças de posicionamento, também é fato que as discussões e
brigas judiciais até agora não pararam, por mais que essa seja uma luta aparentemente
perdida inclusive para as grandes gravadoras. O que aconteceu com o Napster continua
ainda hoje gerando polêmicas e disputas de interesses em todo o mundo que parecem
não ter fim. Embora as formas alternativas de divulgação tenham se alterado e se
tornado habituais, a veiculação da música pela internet ainda continua sendo um tabu
para as gravadoras e para alguns artistas, a ponto de no Brasil, um dos blogs mais
visitados e conhecidos pelos internautas, o “Som Barato”20, que chegou a ter 5 milhões
de acessos contabilizados, ser fechado. As razões apontadas pelos ex-usuários do blog
vão desde uma ação judicial iniciada por uma gravadora brasileira até a autuação pela
lei de direitos autorais dos Estados Unidos – lugar de hospedagem do blog.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme apontado anteriormente, as mudanças provocadas pelo advento do mundo
digital estão reconfigurando a indústria cultural e a própria sociedade. O atual estágio de
remodelamento social, pautado muitas vezes na massificação a partir da popularização
dos diversos meios de comunicação e de produção em sobreposição com a tecnologia,
está gerando a possibilidade de intervenção individual e subjetiva no que diz respeito à
interação social. O cidadão pode ter de fato uma liberdade de escolha. É bem possível
que estejamos passando justamente pelo meio de uma transição, onde a manipulação
massiva típica do século XX pode estar dando espaço para a independência que o século
XXI está tendo a chance de oferecer, sobretudo pautado nas potencialidades da
tecnologia e do desenvolvimento dos meios de comunicação de massa com acesso
irrestrito.

Ainda que a maior parte da população não tenha acesso a essa extensão do mundo
social, a massificação e a popularização dos próprios meios de inserção na rede estão
gerando algumas possibilidades de interação social e cidadania. Mesmo nas
comunidades carentes existem essas perspectivas: a Favela da Rocinha conta hoje
aproximadamente 100 lan-houses, a de Manguinhos 40; esses números não deixam
dúvida quanto ao crescente acesso da população aos multimeios disponibilizados pela
internet. Esse tipo de interação pode garantir a sobrevivência cultural e social de muitos
indivíduos e localidades. Não se trata apenas da inclusão digital dos menos favorecidos,
trata-se antes de uma inclusão do indivíduo no século XXI e no mundo contemporâneo,
visto a abrangência das mudanças ocorridas nos últimos anos.

A presença da indústria cultural, controladora das necessidades e ofertas, tal como


apontou Adorno e Horkheimer21, talvez esteja presente justamente nessa necessidade
que todo cidadão tem hoje em se tornar um “cidadão digital” ao mesmo tempo em que
as ofertas para inserção nesse meio estão chegando ao alcance de todos. Todavia, em
consonância com essa possível manipulação, vem também a extensão de todo o mundo
e, consequentemente, as portas de entrada para este século que se inicia.

O importante nesse contexto é observarmos que como apontou Mcluhan22, as mudanças


que estão ocorrendo com o desenvolvimento da internet e da tecnologia, enquanto
meios de comunicação, estão não só introduzindo novos hábitos, percepções e
dinamizando a vida, como também estão transformando o transmissor, o receptor e a
própria mensagem, gerando uma interdependência entre os homens. Diz McLuhan que a
mudança dos grupos sociais e a formação de novas comunidades acontecem com o
aumento da velocidade da informação, já que historicamente a aceitação de um novo
sistema só se dá quando há aceleração nos processos e dinamização da sociedade, que
nesse momento parece caminhar num sentido de reestruturação e reorganização dos
modelos que predominaram no século XX. No Brasil, a indústria cultural ainda
continua forte e reinando, sem dúvida, no entanto, já podemos ouvir outras vozes e
enxergar outras possibilidades que não as fabricadas somente pela mass media.

Rio de Janeiro, agosto de 2009

Valterlei Borges
Graduado em Produção Cultural pela UFF (2007). Atualmente é mestrando em
Ciência da Arte pelo PPGCA/UFF.
val.borges@gmail.com

______________
NOTAS:
1
Ibid. p. 1.
2
Ibid.
3
O disco In Rainbows não se encontra mais à disposição para dowload, pelo menos no site da banda. No
entanto, a página onde o disco foi disponibilizado ainda continua ativa: http://www.inrainbows.com/ ,
acesso em 15-07-2009 às 21:50. Para ouvir as canções do disco In Rainbows, existem diversos sites na
internet que disponibilizam, um deles é o próprio MySpace da banda:
http://www.myspace.com/radiohead, acesso em 15-07-2009 às 21:55.
4
FLÁVIO JUNIOR, José. Revoluções por minuto. In: Revista Bravo, Edição 139, de Março de 2009. São
Paulo, Editora Abril. p.34-35. Citação: p. 34.
5
Para ouvir na íntegra o disco de estréia do Arctic Monkeys, veiculado pela internet sem autorização da
banda, “Whatever people say I am, thats whatI am not”, basta ir até o endereço:
http://app.radio.musica.uol.com.br/radiouol/player/frameset.php?opcao=umcd&nomeplaylist=011114-
4<@>Whatever_People_Say_I_Am,_Thats_What_I_Am_Not, acesso em 15-07-2009 às 21:59.
Para acessar o MySpace da banda, ir até o endereço: http://www.myspace.com/arcticmonkeys, acesso em
25-07-2009 às 10:45.
6
FLÁVIO JUNIOR e ORSOLINI, Marcio. In: Revista Bravo, Edição 131, Julho de 2008. São Paulo.
Reportagem e entrevista. p. 88-97. Citação: p. 90.
7
Para visitar o MySpace de Nina Becker, acessar: http://www.myspace.com/ninabecker, acesso em 25-07-
2009 às 10:02.Visitas até 25-07-2009: 99.730 acessos.
8
Para visitar o MySpace de Romulo Fróes, acessar: http://www.myspace.com/romulofroes, acesso em 25-
07-2009 às 10:06. Visitas até 25-07-2009: 84.833 acessos.
9
Para fazer download do CD de Jonas Sá, acessar:
http://umquetenha.blogspot.com/search?q=Jonas+S%C3%A1, acesso em 25-07-2009 às 14:46.
10
Para visitar o MySpace de Curumin, acessar: http://www.myspace.com/curumin, acesso em 25-07-2009
às 10:12. Visitas até 25-07-2009: 341.167 acessos.
Para fazer download dos dois CD’s de Curumin, acessar:
http://umquetenha.blogspot.com/search?q=Curumin, acesso em 25-07-2009 às 14:43.
11
Para visitar o MySpace do Cidadão Instigado, acessar: http://www.myspace.com/cidadaoinstigado,
acesso em 25-07-2009 às 10:13. Visitas até 25-07-2009: 112.706 acessos.
12
Por se tratar de artistas da grande mídia, há vários perfis dos dois músicos criados por seus respectivos
fãs, uma vez que o MySpace permite a existência de diversos perfis da mesma pessoa.
13
Para visitar o MySpace de Mallu Magalhães, acessar: http://www.myspace.com/mallumagalhaes, acesso
em 25-07-2009 às 18:07.
14
Para ver o vídeo de Sthefany no YouTube, acessar: http://www.youtube.com/watch?v=RmPB47Q-
GKY, acesso em 25-07-2009 às 18:09.
15
Ver também as notas de nº: 8, 9, 10 e 11.
16
Op. Cit.
17
Op. Cit. p. 9.
18
Endereço do blog “Um que tenha”: http://umquetenha.blogspot.com/, acesso em 24-07-2009 às 18:38.
19
Rede social desenvolvida pelo Google que tem como principal objetivo informar aos usuários
registrados no blog as novas atualizações diretamente em suas respectivas páginas ou caixas de e-mail.
20
Embora o conteúdo não esteja no ar, o endereço do blog ainda continua ativo:
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Op. Cit.
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Op.Cit.

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SITES DOS MÚSICOS / BANDAS:


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http://app.radio.musica.uol.com.br/radiouol/player/frameset.php?opcao=umcd&nomepl
aylist=011114-4<@>Whatever_People_Say_I_Am,_Thats_What_I_Am_Not, acesso
em 15-07-2009 às 21:59.
http://www.myspace.com/arcticmonkeys, acesso em 25-07-2009 às 10:45.

Cidadão Instigado:
http://www.myspace.com/cidadaoinstigado, acesso em 25-07-2009 às 10:13.

Curumin:
http://www.myspace.com/curumin, acesso em 25-07-2009 às 10:12.
http://umquetenha.blogspot.com/search?q=Curumin, acesso em 25-07-2009 às 14:43.

Jonas Sá:
http://umquetenha.blogspot.com/search?q=Jonas+S%C3%A1, acesso em 25-07-2009 às
14:46.

Mallu Magalhães:
http://www.myspace.com/mallumagalhaes, acesso em 25-07-2009 às 18:07.

Nina Becker:
http://www.myspace.com/ninabecker, acesso em 25-07-2009 às 10:02.

Radiohead:
http://www.inrainbows.com/, acesso em 15-07-2009 às 21:50.
http://www.myspace.com/radiohead, acesso em 15-07-2009 às 21:55.

Romulo Fróes:
http://www.myspace.com/romulofroes, acesso em 25-07-2009 às 10:06.

Som Barato (blog):


http://sombarato.blogspot.com/, acesso em 23-07-2009 às 20:19.

Sthefany:
http://www.youtube.com/watch?v=RmPB47Q-GKY, acesso em 25-07-2009 às 18:09.

Um que Tenha (blog):


http://umquetenha.blogspot.com/, acesso em 24-07-2009 às 18:38.

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