Vous êtes sur la page 1sur 9

QUEM TEM MEDO DA UTOPIA?

Nildo Viana*

O socialismo já foi muitas vezes taxado de utopia e tal palavra é entendida como
sinônimo de sonho irrealizável. Agora, com a crise dos países “ditos” socialistas,
tornou-se “moda intelectual” dizer que o socialismo e o marxismo morreram e com isso
fica comprovado seu caráter utópico. Essa é a ideologia dominante mas nunca devemos
esquecer que “as idéias dominantes são as idéias da classe dominante” e que é preciso
refutá-las.
Comecemos então pelo significado dado à palavra utopia. Se a entendermos
como “sonho irrealizável”, ela se torna uma arma para se desacreditar os opositores do
atual sistema social. Na Revolução Francesa de 1789, os monarquistas acusaram os
republicanos de “utopistas”, pois tal sonho seria irrealizável. Mas, entretanto, a
república foi instaurada, este sonho realizou-se. Aqueles que defendem a manutenção
do sistema social acusam as idéias subversivas e revolucionárias de serem utópicas.
Augusto Comte critica a utopia contrapondo a ela a realidade. Considerava-a um “sonho
metafísico e irracional”, ao contrário do conhecimento científico. Tal conhecimento, no
entanto, é o positivismo, que toma a realidade como se ela não tivesse contradições e
não se transformasse, ou seja, estamos presos na jaula do “eterno presente”, a-histórico.
O pensamento conservador que ataca a utopia não consegue enxergar um palmo à frente
do nariz, que é, para este pensamento, uma “realidade palpável”; é um pensamento
preso no presente e que não consegue ultrapassar os limites do aqui e agora; é um
pensamento sem perspectiva e por isso sem ação e daí a atitude pré-humana que apenas
reproduz o existente sem procurar ultrapassá-lo.
Mas através de uma análise crítica podemos dizer que o essencial das utopias
pode ser encontrado na estrutura da obra A Utopia, de Thomas Morus1. Na primeira
parte deste livro, ele critica a sociedade de sua época e, na segunda, descreve a ilha de
Utopia, que tem uma organização social “perfeita”. Vê-se, na primeira parte, por
exemplo, uma crítica aos cercamentos (enclosures) na Inglaterra e na segunda parte
descreve uma sociedade sem propriedade privada e sem divisão social do trabalho.
Mesmo se não houvesse a primeira parte da obra, como em muitas outras utopias,

*
Sociólogo, filósofo, Autor de “Manifesto Autogestionário” (Rio de Janeiro, Achiamé, 2008).
1
MORUS, Thomas. A Utopia. Rio de Janeiro, Tecnoprint, s/d.
estaria implícito a crítica a tal sociedade que convivia com a propriedade privada, a
divisão social do trabalho, etc. No caso de Morus, a crítica está explícita, tal como se
nota na comparação que ele fez entre o trabalho na Utopia e o da sociedade inglesa, pois
na Utopia não se trabalha como um “burro de carga” desde “a madrugada até a noite”, o
que seria pior que a “tortura e a escravidão”, embora esta seja em “outra parte” a “triste
sorte do operário”2. Utopia significa, então, uma crítica à sociedade existente e uma
proposta de uma nova sociedade. Toda crítica ao existente traz em si, implicitamente,
uma proposta de uma nova sociedade e toda proposta de uma nova sociedade traz em
sai uma crítica à sociedade existente.
O marxista ocidental Ernst Bloch classifica as utopias em dois tipos
fundamentais: as abstratas e as concretas3. A partir disso podemos dizer que Morus,
Campanella, entre outros, produziram utopias abstratas, pois, apesar de apresentarem
uma crítica e uma “alternativa” à sociedade existente, elas apresentavam críticas muito
limitadas e projetos que muitas vezes atendiam a caprichos de alguns indivíduos ou
pequenos grupos sociais e não os interesses da coletividade. As suas propostas de
sociedade alternativa chocava-se com a sua possibilidade real de implantação na época
em que foram escritas. Mas o grande defeito das utopias abstratas e que lhes
caracterizam, segundo Bloch, é que elas não apresentam como se passa da sociedade
presente para a sociedade futura.
Outro tipo de utopia abstrata é a produzida pelos socialistas utópicos. Estes
faziam uma crítica mais completa do capitalismo e, apesar das deficiências, esse era o
seu aspecto mais revolucionário. Eles também propuseram construir novas sociedades
mas o avanço em relação às utopias anteriores é que a crítica ao capitalismo se tornou
melhor fundamentada e também passou a tratar da passagem de uma sociedade à outra.
Entretanto, os socialistas utópicos compreendiam que a passagem ao “socialismo” se
daria com o apoio do Estado ou das “classes cultas” ou, ainda, através da “educação”,
da “conscientização”, e da “razão”. Aqui se revela a principal limitação do socialismo
utópico.
O outro tipo de utopia, a concreta, se baseia, como dizia Bloch, na percepção do
realmente possível, ao contrário das utopias abstratas. Neste sentido, o marxismo é uma
utopia concreta. Ao operar a crítica da sociedade burguesa, Marx e Engels analisaram as
possibilidades históricas de instauração do socialismo e como isso se daria. A utopia

2
MORUS, T. ob. cit.
3
Cf. BICCA, Luiz. Marxismo e Liberdade. São Paulo, Edições Loyola, 1987.
concreta é a teoria revolucionária que não só é possível e necessária sua concretização
como é o provável resultado do processo histórico.
A crise do capitalismo estatal da URSS e Leste Europeu faz com que a fração
radicalizada e intelectualizada de nossas classes auxiliares da burguesia retome idéias
pré-marxistas e passa a considerar o marxismo como algo “ultrapassado”. Sem a muleta
que era a URSS e o Leste Europeu, as classes auxiliares da burguesia não têm em que s
e “apoiar” para continuar sua “luta heróica” pelo “socialismo”. É nesse momento que
marxistas e ex-marxistas começam a qualificar Marx como idealista. Como disse
Claude Lefort, entre outros, a idéia de uma sociedade sem classes não passa de um ideal
criado por Marx4. A palavra ideal, para muitos, é sinônimo de utopia. Ambos os
conceitos, nesse caso, são entendidos como uma proposta que não leva em conta as
possibilidades de sua realização. Em uma análise dialética podemos dizer que a
realidade das sociedades atuais é dominada pela exploração, opressão e alienação. Esta
realidade contradiz as aspirações humanas tornando-se indesejável e ela vista desta
forma produz a vontade de criação de uma sociedade humanizada. O “ideal” não surge
arbitrariamente e sim da necessidade real. Contudo, como o real está em movimento e o
ideal que surge a partir dele está também em movimento, que busca sua superação e a
do real, podemos dizer que é o real com os caminhos possíveis que pode percorrer que
cria o ideal e este ou se coloca a favor e reforça um desses caminhos ou se coloca contra
esses caminhos e se torna pura “abstração”. Portanto, esse “ideal” não é uma simples
criação “arbitrária e ilusória”, mas sim a negação do real.
A partir disto podemos dizer que Marx não era idealista no sentido filosófico da
palavra mas era idealista a partir da noção comum que atribui a esta palavra a posição
de uma pessoa que tem um ideal. Entretanto, Marx não era um idealista como Morus ou
Campanella. Neste caso surge à mesma diferenciação entre utopia abstrata e utopia
concreta que apresentamos anteriormente. Marx não tinha um ideal abstrato e sim um
ideal concreto e não fazer tal distinção é o mesmo que colaborar com a propaganda
conservadora, o que muitos “marxistas” andam fazendo depois da crise do capitalismo
de estado (“socialismo real”).
Vejamos se a utopia marxista é concreta ou não. Há no “marxismo” duas
posições sobre a instauração do socialismo: a economicista e a idealista (no sentido
filosófico da palavra). A posição economicista gera duas outras posições: a reformista e

4
Entrevista concedida à Revista Veja.
a catastrofista. A posição reformista concebe que o desenvolvimento econômico do
capitalismo leva à sua própria superação e por isso é possível passar ao socialismo
gradualmente, conquistando espaço no parlamento e no Estado e a partir disto ir
construindo o socialismo. Esta é a proposta do socialismo evolucionista de Kautsky e
seus seguidores. A posição catastrofista concebe que haverá uma “crise final do
capitalismo” e por isso se deve preparar um partido de classe que tomará o poder com o
surgimento da famosa “crise final”. Esta é a proposta de Amadeo Bordiga.
A posição idealista também gera duas outras posições: o revolucionarismo
vanguardista e o reformismo vanguardista. Os adeptos do revolucionarismo
vanguardista concebem que as “condições objetivas” da revolução socialista já estão
maduras, sendo que o que falta são as “condições subjetivas” que serão criadas pelo
“Partido de Vanguarda”, devido à incapacidade da classe operária adquirir
espontaneamente sua consciência de classe. É o partido, através de seus intelectuais, que
elaboram a consciência socialista e a introduzem no proletariado e que por isso tem o
“direito histórico” de dirigi-la rumo à conquista do poder estatal. Nesse caso não é a
classe e sim o partido que é o sujeito revolucionário. Esta é a proposta de Lênin e dos
bolchevistas. Outros, os reformistas vanguardistas, dizem que se a ideologia burguesa
domina toda a sociedade, inclusive as “classes subalternas”, então cabe aos intelectuais
do partido elaborarem uma nova “visão de mundo”, “novos valores”, etc., e através
disso unificar tais classes e promover uma mudança cultural e assim conquistar a
hegemonia, necessária à implantação do socialismo. Esta e a proposta de alguns
“intérpretes” de Gramsci.
Mas estas posições são compatíveis com a de Marx? Segundo Marx, o
comunismo não é um ideal (abstrato) mas sim um movimento real que abole o estado de
coisas atual. Os pressupostos reais são o desenvolvimento universal das forças
produtivas e o surgimento de uma massa da humanidade destituída de propriedade em
contradição com um mundo de riquezas e cultura existentes produzidos pelo próprio
desenvolvimento das forças produtivas. Em outras palavras, os pressupostos são: a
formação do capitalismo e do proletariado e, através do desenvolvimento capitalista, a
criação de um mercado mundial. O capitalismo ao se desenvolver cria e fortalece sua
própria negação: o proletariado. A partir daí o socialismo torna-se uma tendência
histórica.
A partir disto, podemos dizer que o capitalismo é abolido pelo próprio
desenvolvimento capitalista e assim cria o comunismo. Entretanto, a criação do
comunismo é obra da classe operária. A primeira afirmação sem a segunda leva em
conta apenas um metafísico desenvolvimento das forças produtivas em detrimento da
luta de classes e das classes sociais que seriam, nesta análise, passivas. O comunismo
não surge “economicamente” dentro do capitalismo, ou seja, o capitalismo, obviamente,
não cria a propriedade coletiva no seu interior. O capitalismo não cria o comunismo
diretamente mas cria o proletariado que é o agente da constituição do comunismo. O
capitalismo se autodestrói mas isso não quer dizer que o resultado de sua destruição seja
o socialismo. Bukhárin já havia notado que poderia surgir uma sociedade pós-capitalista
e não-socialista e esta seria fruto do desenvolvimento das forças produtivas e Marx
afirmou que poderia haver uma abolição positiva da propriedade privada (burguesa), o
que significa que poderia haver, também, uma abolição negativa5. O método de Marx é,
como observou Bloch, uma “ciência da tendência” e não um determinismo econômico
puro e simples. O socialismo é uma necessidade da humanidade e uma tendência
histórica. Portanto, ele não é “inevitável”, ou seja, não é a única possibilidade histórica,
embora seja a mais provável.
A tese bordiguista afirma que é o partido que realiza a revolução não é
verdadeira. Como já dizia Otto Rühle, “a revolução não é tarefa de partido”6. A
revolução proletária só pode ser feita pela classe e os partidos podem até fazer
“revoluções” ou contra-revoluções, mas não podem fazer a revolução comunista. Além
disso, não se justifica a tese mecanicista de ficar esperando a “crise final do
capitalismo”, pois, como já havia observado Marx, as revoluções podem ser
antecipadas.
Engels, ao criticar os socialistas utópicos, dizia que o seu principal defeito estava
em não se basear no movimento operário. Estes, segundo Marx e Engels, surgiram em
uma época em que o proletariado estava em formação e por isso “à atividade histórica
substituem sua própria imaginação, às condições históricas de emancipação, condições
fantásticas, e à organização espontânea e gradativa do proletariado em classe em
organização social pré-fabricada por eles. Em sua opinião, a história do futuro resume-
se na propaganda e na realização prática de seus planos de organização social”7.

5
Cf. BUKHÁRIN, N. Tratado de Materialismo Histórico. Rio de Janeiro, Laemmert, 1970; MARX,
Karl. Manuscritos Econômicos e Filosóficos. In: FROMM, Erich. Conceito Marxista do Homem. 3ª
edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1964.
6
Apud. AUTHIER, Denis. A Esquerda Alemã – Doença Infantil ou Revolução? Porto, Afrontamento,
1978.
7
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O Manifesto do Partido Comunista. In: LASKI, H. J. (org.). O
Manifesto Comunista de Marx e Engels. 2ª edição, Rio de Janeiro, Zahar,1978, p. 121.
Esta posição seria retomada por Lênin na Rússia czarista com seu proletariado
em formação. O bolchevismo é uma expressão ideológica do atraso da Rússia czarista.
A organização social pré-fabricada por Lênin, o partido de vanguarda, tem sua
justificativa na “ideologia da vanguarda”, segundo a qual a consciência de classe não
surge espontaneamente no proletariado mas somente através dos intelectuais burgueses
reunidos no partido8. Essa tese foi fundamentada filosoficamente por Georg Lukács que
afirmou que a passagem do proletariado de “classe em-si” a “classe para-si” é mediada
pelo partido, que é onde estão os intelectuais9. Estes, ao descobrirem os interesses de
classe do proletariado, lhe atribui a consciência que deveria ter dos seus interesses, ou
seja, a consciência de classe do proletariado é uma consciência atribuída a ele pelos
intelectuais. Mas, deixando de lado as “fraseologias metafísicas” de Lukács e Lênin,
vejamos o que diz Marx: “as condições econômicas, inicialmente, transformaram a
massa do país em trabalhadores. A dominação do capital criou para esta massa uma
situação comum, interesses comuns. Esta massa, pois, é já, face ao capital, uma classe,
mas ainda não o é para si mesma. Na luta, de que assinalamos algumas fases, esta massa
se reúne, se constitui em classe para si mesma. Os interesses que defendem se tornam
interesses de classe”10. Portanto, o proletariado adquire consciência de classe (ou passa
de classe em-si a classe para-si) através da luta de classes, ou seja, sem mediação de
partido ou intelectuais. Resta-nos escolher: Marx ou Lênin?
Hoje se tornou comum a diversos “marxistas” e ex-“marxistas” privilegiar a
conscientização e a mudança de valores. Alguns mais à direita, que dizem representar
uma “nova esquerda”11, lançam seus apelos “culturais” para a conquista da hegemonia
junto a todas as classes sociais, pois eles superaram o “mito do proletariado”. Esta é
uma bela volta ao socialismo prémarxista com base em um humanismo abstrato que
nem o chamado “jovem Marx” concordava. Mas se tais teses eram normais na época
dos socialistas utópicos, devido ao grau de desenvolvimento do proletariado, hoje são
mais que ultrapassadas e são expressão da crise de consciência das classes auxiliares da
burguesia e que não servem à luta pelo socialismo. De qualquer maneira, privilegiar a
conscientização e a mudança de valores, em uma posição à direita ou à esquerda, é uma
postura epistemologicamente idealista que gera uma prática política elitista, já que são

8
LÊNIN, W. Que Fazer? São Paulo, Hucitec, 1978.
9
LUKÁCS, G. História e Consciência de Classe. 2ª edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1989.
10
MARX, Karl. A Miséria da Filosofia. 2ª edição, São Paulo, Global, 1985, p. 159.
11
Nova Esquerda era o nome de uma tendência organizada do PT – Partido dos Trabalhadores, que
editava a Revista Teoria & Política e tinha como representantes Adelmo Genro Filho, Tarso Genro,
Ozeas Duarte, José Genuíno, entre outros.
os intelectuais da “nova” esquerda que irão conscientizar o “mundo ignorante” e fazê-
lo, como dizia Marx, abrir a boca e engolir o “pato assado do conhecimento absoluto”.
Todas essas posições têm em comum, além do positivismo, a negação do papel
revolucionário do proletariado. Este é “passivo” e só entra em ação quando é chamado
pelos kautskistas para votarem neles, quando a vanguarda bolchevista lhe dirige e
fornece a consciência socialista ou quando são conscientizados pelos “pretensos
reformadores do mundo” (Marx). Se Marx estivesse vivo e seus “seguidores” fossem
apenas estes, certamente retomaria a metáfora de Heine: “meu mal foi ter semeado
dragões e colhido apenas pulgas!”.
Se a criação do comunismo é obra da classe proletária, então é na experiência
histórica do movimento operário que poderemos descobrir como isso se dará. A teoria
socialista só justifica seu próprio nome se basear-se no movimento real dos
trabalhadores. Marx e Engels, no Manifesto Comunista, propunham a estatização dos
meios de produção sobre controle do proletariado organizado como classe dominante,
mas depois da experiência operária na Comuna de Paris, eles voltaram atrás e
declararam que não basta conquistar o poder estatal e utilizá-lo de acordo com os seus
interesses, pois é necessário destruí- lo e substituí-lo pela “autogestão dos produtores”.
Após Marx, foi Rosa Luxemburgo quem se baseou no movimento real dos
trabalhadores para elaborar sua teoria revolucionária. Rosa Luxemburgo, ao observar a
explosão de greves de massas em vários países e principalmente na Rússia czarista,
definiu-as como a arma política mais poderosa do proletariado. A considerada “tese
anarquista”, foi retomada por Rosa Luxemburgo como força universal da luta operária.
As greves passaram a ser defendidas por Bernstein, mas apenas para servir à luta
parlamentar da social-democracia alemã e por Kautsky e Trotsky que logo abandonaram
tal posição, o primeiro por assumir seu reformismo e o segundo por aderir ao
bolchevismo. Depois de Rosa Luxemburgo, coube aos comunistas conselhistas
fundamentar a teoria revolucionária no movimento operário. A Revolução Russa, a
Revolução Alemã, entre outras tentativas de revolução proletária no início do século 20,
foram palco de greves de massas que geraram os conselhos operários e foram teóricos
como Karl Korsch, Anton Pannekoek, Hermann Gorter, Helmutt Wagner, Paul Mattick,
Otto Rühle, entre outros, que tomaram esta experiência dos trabalhadores – os
conselhos operários – como a forma de organização revolucionária do proletariado.
Pannekoek disse que na época de Marx e Engels não havia a possibilidade de prever
com clareza como o proletariado tomaria o poder e que o antigo poder estatal, no
processo revolucionário, seria destruído e substituído pelos conselhos operários12. Sem
esquecer as contribuições mais recentes e as novas questões surgidas com o
desenvolvimento histórico, podemos dizer que estes são os principais teóricos da
revolução proletária e também que eles se opõem tanto à social-democracia quanto ao
bolchevismo, que, como já dizia o historiador marxista Arthur Rosenberg, nada têm a
ver com o movimento operário13.
Mas hoje nos informam que tudo isto é utopia. Quem diz isso são aqueles que
têm “compromisso com a sociedade existente”. São estes que têm medo da utopia e nós
sabemos muito bem que ninguém teme “sonhos irrealizáveis”. Nada é mais ridículo que
dizer que as mudanças históricas no Leste Europeu demonstram que não haverá mais
mudanças históricas. Os ideólogos da classe dominante são tão competentes em inverter
a realidade que utilizam o próprio movimento histórico para dizer que ele não existe.
Entretanto, o mais curioso disso tudo é que aqueles que até bem pouco tempo se diziam
“defensores dos trabalhadores” agora assumem um discurso conservador em nome do
“realismo político”. O comunismo passou, para estes, de negação do capitalismo para
apenas um “remendo” deste.
A fórmula “socialismo democrático” é um belo exemplo disso. O socialismo,
por natureza, é democrático e a democracia autêntica só pode existir no socialismo, ou
seja, tal expressão é um contra-senso. Nos dizem que o socialismo democrático terá
planejamento estatal convivendo com as leis do mercado e, ainda, com a pequena e
média propriedade. O que é que tem isso de socialismo? Vejamos primeiro a que setores
da sociedade tal projeto de sociedade beneficia: o planejamento estatal serve aos
interesses da burocracia e a pequena e média propriedade serve aos interesses da
pequena e média burguesia. Agora vejamos o que acontece com o seu prolongamento
histórico: qualquer economista sabe que a pequena e média propriedade convivendo
com as “leis do mercado” logo se tornam grandes propriedades, ou seja, há uma volta à
situação anterior. Para os trabalhadores tal proposta acena apenas com a “redistribuição
de renda”, ou seja, a diminuição da taxa de exploração e não sua abolição. Esta proposta
visa construir, na verdade, um capitalismo reformado e não o modo de produção
comunista.

12
PANNEKOEK, Anton. Os Conselhos Operários. In: PANNEKOEK, A. e outros. Conselhos
Operários. Coimbra, Centelha, 1975.
13
ROSENBERG, Arthur. Democracia e Socialismo. São Paulo, Global, 1989.
O comunismo não é a redistribuição de renda e sim um modo de produção no
qual os trabalhadores dirigem coletivamente os meios de produção implantando relações
de produção comunistas, pois a redistribuição de renda pode ser refeita novamente e
contra os trabalhadores, se estes não deterem a propriedade e direção dos meios de
produção. É o modo de produção que determina a distribuição e é por isso, entre outras
razões, que o comunismo se fundamenta na produção. A concepção do “socialismo
democrático” ataca apenas as questões superficiais do capitalismo e não as essenciais.
Mantém-se a produção de mercadorias, a lei do valor, a propriedade privada, as classes
sociais, o trabalho assalariado, o mais-valor, o Estado, etc., e, conseqüentemente, a
exploração, a opressão e alienação. O “socialismo democrático” de socialismo só tem o
nome. Sob o pretexto de realismo político, adere-se ao positivismo e ao reformismo.
Mas em contraposição surge a utopia com seu caráter crítico-revolucionário negando o
realismo político e o seu conservadorismo inerente.
O comunismo é a socialização dos meios de produção com base na autogestão
social. Paul Mattick tinha razão quando disse que “nada prova de maneira mais
peremptória o caráter revolucionário das teorias de Marx do que a dificuldade de
assegurar a sua manutenção em períodos não-revolucionários”14. O comunismo de
movimento de superação do capitalismo torna-se apenas um nome que justifica,
inclusive, a permanência da sociedade burguesa, agora reformada. Apesar de dizerem
que o marxismo morreu, a tendência é de ascensão do movimento revolucionário e,
conseqüentemente, do marxismo. A classe operária vai seguir o seu caminho e deixa
que os outros tagarelem.
Artigo publicado originalmente na Revista Brasil Revolucionário, Ano
II, no 07, Dez/1990- Fev./1991.

14
MATTICK, Paul. Kautsky: de Marx a Hitler. In: MATTICK, P. e outros. Karl Kautsky e o Marxismo.
Belo Horizonte, Oficina de Livros, 1988, p. 23.

Vous aimerez peut-être aussi