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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL

Da mudança de modelo ao modelo de mudanças. Um estudo sobre o curso


introdutório do PSF.

Ismael da Silva Costa

Dissertação apresentada como requisito


parcial para obtenção do grau de Mestre em
Saúde Coletiva, Programa de Pós-graduação
em Saúde Coletiva – área de concentração
em Política, Planejamento e administração
em saúde, do Instituto de Medicina Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Orientador: Jane Dutra Sayd


Rio de Janeiro
2008
, C A T A L O G A Ç Ã O N A F O N T E
U E R J / R E D E S I R I U S / C B C
C837 Costa, Ismael da Silva.
Da mudança de modelo ao modelo de mudanças: um estudo sobre o curso introdutório do
PSF / Ismael da Silva Costa. – 2008.
98f.
Orientadora: Jane Dutra Sayd.
Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina
Social.
1. Programa Saúde da Família (Brasil) – Teses. 2. Política de saúde – Brasil – Teses. 3. Educação permanente
– Teses. 4. Política de educação médica – Brasil – Teses. I. Sayd, Jane Dutra. II. Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. Instituto de Medicina Social. III. Título.
CDU 614.39(81)
_______________________________________________________________________________
EPÍGRAFE:

“O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo
do sol”.
Livro do Eclesiastes 1, v.9
“A única coisa constante é a mudança”.
Heráclito de Éfeso.
DEDICATÓRIA:

Esta dissertação de Mestrado é dedicada à Manuela Calvert Costa, minha filha caçula. Este
trabalho foi feito sob teu signo: a expectativa da sua gestação, a alegria do teu nascimento e a
felicidade de teu sorriso. Ninguém mais do que você me deu forças para cumprir esta tarefa.
AGRADECIMENTOS:

A Deus que em sua infinita generosidade teima em desafiar meu agnosticismo.


A Eunice, minha mãe, que me ensinou os caminhos da vida, mostrou suas pedras e me desafiou a
construir castelos.
A José, meu saudoso pai, que estimulou o gosto pela leitura, que me ensinou a importância de
sonhar e do bom humor.
À Márcia, minha esposa, companheira desde muito tempo, casados para sempre.
À Ana Luisa, minha filha, seu nascimento trouxe sentido à minha vida, sua existência é razão da
minha fé no futuro.
A Tide, minha irmã, companheira da velha infância, que me ensinou a ser Pai se fazendo de
minha filha.
À Odette, minha sogra querida, incentivadora e companheira.
À querida Mestra Jane Sayd, se existe destino ele me colocou no seu círculo. Sua inteligência,
paciência e bom humor vão deixar saudades dessa convivência.
Ao professor Ruben Mattos por suas importantes contribuições na qualificação deste trabalho.
A José Antônio e Francimar por abrigar uma parte de mim convosco. Ajuda inestimável.
Ao querido amigo Luiz (professor) que me estimulou a fazer esta dissertação e pelas conversas
intermináveis sobre quase tudo.
A Fábio e Paula que me ajudaram a restaurar minha família.
À Ângela, Gabi, Luiza, Luciana, Cleide, Cleuza, Marcelo, Níria, Seu Daniel e todos que
trabalharam comigo no GAT pelos momentos passados juntos na loucura do PSF.
À Marilda, Cláudia, Wilson, Patrícia e todos os profissionais que passaram pelo PSF Antares no
melhor momento profissional de minha vida.
À Mirian, Sílvia, Orlando e Leila pela força dada neste período de muito trabalho.
À Luciana Borges e Vera Pacheco pela generosidade durante vossa gestão no PSF/RJ.
A todos que diretamente ou indiretamente ajudaram na confecção deste trabalho.
RESUMO:

O Programa de Saúde da Família, criado em 1994, vem aumentando sua


importância no cenário das políticas de saúde desde então. Em 2006, a
política nacional de atenção básica adota suas diretrizes como eixo para sua
própria estruturação. Este trabalho tem por objetivo estudar o processo de
produção e disseminação do antagonismo PSF versus o modelo tradicional. Para
tanto, foram entrevistados quatro profissionais que já atuaram como gestores
do programa no município do Rio de Janeiro ou como integrantes de equipe de
PSF em outras cidades do país. Os resultados das entrevistas foram
analisados à luz da técnica da análise de conteúdo de Bardin. Os resultados
apontam uma clara intenção dos gestores de gerar uma mobilização entre os
participantes do curso introdutório de PSF, no sentido de combater prováveis resistências que
estes últimos deverão enfrentar no seu cotidiano.

Palavras-chave: Programa de saúde da família; Políticas de saúde; Educação permanente.


ABSTRACT:
Title: From changes in the model to a model of changes: a study on the Family
Health Program preliminary course.

The Family Health Program, created in 1994, has become more important in the
health political scene. In 2006, the national politics for primary care
adopted the program's guidelines in order to organize its own structure.
This study aims to analyze the process of production and dissemination of
the opposition between the Family Health Program and the traditional model.
Four professionals who had managed the program in the city of Rio de Janeiro
or had worked at it in other Brazilian cities were interviewed. Interviews
were analyzed according to Bardin's content analysis technique. Results point
to a clear intention of managers to convince the preliminary course's participants so as
to fight against possible resistances they will have to face in their
everyday work.

Key words: Family Health Program; health policies; continuing education.


SIGLAS:

ACS Agente comunitário de saúde


AIS Ações integradas de saúde
APS Atenção primária à saúde
CAMPO Centro de apoio ao movimento popular da Zona Oeste
CAP Coordenação de área programática
CIEZO Consórcio das entidades de ensino superior da Zona Oeste
COSAC Coordenação de saúde da comunidade/ MS
CSC Coordenação de saúde da comunidade/ SMS/ RJ
DAI Direção e assistência intermediária
DAS Direção e assistência superior
ENSP Escola Nacional de Saúde Pública
ESF Equipe de saúde da família
GAT Grupo de apoio técnico
IPEA Instituto de pesquisas econômicas aplicadas
MS Ministério da saúde
NOB Norma operacional básica
ONG Organização não-governamental
PAB Piso de atenção básica
PACS Programa de agentes comunitários de saúde
PIASS Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento
PS Promoção de saúde
PREV-SAÚDE Programa Nacional de Serviços de Saúde do INAMPS
PROESF Projeto de Apoio a Implantação e Consolidação do Programa de Saúde da Família
PROSAUDE Programa de Investimentos em Saúde
PSF Programa de saúde da família
REFORSUS Reforço à Reorganização do Sistema Único de Saúde
SIAB Sistema de informação de atenção básica
SMS/RJ Secretaria Municipal de saúde do Rio de Janeiro
UBS Unidade básica de saúde
WS Welfare State
SUMÁRIO:

1- APRESENTAÇÃO ............................................................................. 9
2- INTRODUÇÃO ................................................................................. 17
3- CONSIDERAÇÕES SOBRE O REFERENCIAL TEÓRICO ............ 25
4- CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ....................................... 44
5- RESULTADOS E INFERÊNCIAS ................................................... 50
6- DISCUSSÃO .................................................................................... 84
7- CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................... 89
8- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................. 94

ANEXOS
9

1-Apresentação.

Em dezembro de 1996 tomei posse como enfermeiro na secretaria municipal de saúde da

cidade do Rio de Janeiro, lotado no posto de saúde Aloysio Amâncio da Silva localizado na

comunidade denominada Jesuítas, no Bairro de Santa Cruz, localizado a aproximadamente 60 km

do centro da cidade e caracterizado como área de baixo desenvolvimento sócio-econômico. A

longa distância dos bairros de classe média da cidade do Rio de Janeiro sempre foi considerada

um empecilho para a lotação e permanência de profissionais de nível superior nesta região, por

conta disso a disputa por cargos de chefia dos tipos DAI e DAS é bem menos acirrada do que em

outras regiões da cidade.

No período compreendido entre Março de 1997 e Outubro de 2000 exerci os cargos de chefe

de enfermagem e coordenador de programas de saúde na unidade supracitada, apesar de minha

pouca experiência na prefeitura. Em Outubro de 2000 recebi um convite da coordenação de saúde

da AP 5.31 que determinaria uma mudança de rumo em minha carreira profissional: a direção da

futura unidade de saúde da família da comunidade de Antares.

Em 1996 a secretaria municipal de saúde do Rio de Janeiro iniciou uma série de experiências

na atenção básica com base nas diretrizes do programa de saúde da família. As regiões foram

escolhidas por gerentes das diversas CAP´s2 da cidade em articulação com organizações não-

governamentais, associação de moradores e conselhos distritais de saúde. A gestão do programa

era compartilhada por técnicos da SMS/RJ e por gestores dessas organizações sob a forma de

convênios assinados entre as duas partes. Os recursos do PAB variável eram complementados por

recursos do tesouro da prefeitura.

1
Coordenação administrativa responsável pelas unidades municipais e prestadoras de serviços localizadas nos
bairros de Santa Cruz , Paciência e Sepetiba. A Cidade do Rio de Janeiro possui 10 CAP´s.
2
Ver nota 1.
10

As equipes implantadas entre os anos de 1996 e 2001 tiveram um caráter experimental até este

último ano somaram apenas 23 ESF3 que em nenhum momento representavam a principal linha

de pensamento da atenção básica do município. O PSF do Rio de Janeiro tinha um caráter

marginal dentro da estrutura da SMS/RJ.

Neste momento, fui convidado a assumir a direção do Posto de Saúde Professor Sávio

Antunes. Esta unidade básica localizada na comunidade de Antares em Santa Cruz passava então

por um processo denominado à época de “reconversão”. Isto significava que tal unidade passaria

a funcionar sob a lógica do PSF. Esta mudança radical do perfil de funcionamento de uma

unidade básica só encontraria paralelo na SMS/RJ, no Posto de Saúde Adão Pereira Nunes da Ap

5.24.

Antares é uma comunidade oriunda de um conjunto habitacional fundado em 1973 e têm

aproximadamente 13.000 habitantes segundo dados do SIAB-RJ. O posto de saúde Sávio

Antunes foi construído no ano de 1986 e esteve fechado por alguns meses durante o ano de 1994

devido a problemas envolvendo traficantes locais. Este episódio disseminou a fama de violência

para a comunidade e dificultou ainda mais a lotação de recursos humanos na UBS. Por estes

motivos e ainda pela presença de diversos movimentos sociais na comunidade5, a CAP 5.3

escolheu Antares como unidade estratégica para sua experimentação no programa de saúde da

família da SMS-RJ.

3
Equipes de saúde da família.
4
Sobre o processo de “reconversão” do P.S Adão Pereira Nunes ver : GOMES, M.C.P.A. Acolhimento, vínculo e
integralidade: o poder do discurso ou o discurso sem poder ? – Um estudo sobre as práticas cotidianas em saúde da
família em grandes centros urbanos. 2005. 156f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Instituto de Medicina
Social – UERJ, Rio de Janeiro,2005.
5
Um movimento intitulado “Viva Antares” liderado pela ONG Viva Rio reuniu diversos movimentos com o intuito
de combater a violência na comunidade após o episódio de fechamento do posto. Participaram do movimento: CAP
5.3, ONG Campo, Igreja Católica, Igrejas evangélicas, FIA, CSU (governo do Estado) entre outros.
11

Os profissionais que compunham as 5 equipes de PSF de Antares selecionados pela ONG

CAMPO e pela CAP 5.3, foram contratados em regime celetista e fizeram um curso introdutório

organizado pela SMS-RJ com instrutores da ENSP/Fiocruz.

Antes de assumir a direção do P.S. Sávio Antunes recebi os manuais de PSF do Ministério da

saúde além de algumas publicações especializadas sobre o mesmo e o manual do curso

introdutório de saúde da família produzido pela ENSP. Esta atitude da coordenação de saúde

visava me preparar para o confronto inevitável com as ESF com as quais iria trabalhar.

Ao tomar posse da direção do PSF Antares, me deparei com uma situação insólita: os

profissionais selecionados para o programa não se misturavam com os profissionais estatutários.

Ocupavam espaços diferentes na unidade, não almoçavam juntos, nem no mesmo horário. Era

evidente a hostilidade existente entre os grupos.

Em meus primeiros contatos com as ESF pude conhecer uma narrativa do PSF que não estava

descrita nos manuais do ministério da saúde. Nesta versão circulante nas ESF o PSF era descrito

como um programa onde o conceito de hierarquia não existia, por vezes ouvi a frase “O PSF não

tem chefe” como forma de desafiar o cargo que eu ocupava. Era comum também a crítica a

presença das ESF no Posto de Saúde, segundo a versão dos mesmos, só um módulo rudimentar

sem características de uma unidade de saúde poderia servir de base para uma equipe de PSF.

Serviços como curativo, imunização, nebulização eram identificados como atividades de

“postinho” (conotação pejorativa de uma UBS) tradicional. Segundo o entendimento das ESF do

PSF Antares, estas atividades deveriam dar suporte ao PSF, fazendo desta forma uma clivagem

na atenção básica entre PSF e Unidades básicas tradicionais: os “postinhos”.

Estas concepções não faziam parte de nenhuma das publicações as quais tive contato

previamente, inclusive nem o próprio manual com o qual as equipes foram treinadas descrevia tal

visão do programa. Durante todo o período em que atuei gerenciando equipes de PSF, precisei
12

argumentar contra esta visão distorcida do programa e durante todo este tempo me questionei

quanto à origem desta subversão.

Aos poucos desconfiei que uma das origens deste discurso fosse a fala dos instrutores dos

cursos introdutórios que prescreviam em seus cursos uma revolução do SUS a partir da atenção

básica e construíram uma história das políticas de saúde no Brasil apontando o paradigma

flexneriano, a medicina, o modelo biomédico, a atenção curativa e a atenção privada à saúde

como os maiores culpados pelas mazelas do sistema. O PSF então era apontado como a solução

da crise, a quebra do paradigma, o movimento contra-hegemônico que se queria ser hegemônico

destruindo as forças que o impedissem de cumprir sua missão histórica.

No ano de 2001, logo após eu ter assumido a direção do P.S Sávio Antunes, o prefeito César

Maia assumiu um novo mandato substituindo o prefeito Luiz Paulo Conde. Por força da

coligação partidária que o elegeu6 e pelo estado de saúde do ex-secretário Ronaldo Gazzolla, o

novo prefeito nomeou o sanitarista Sérgio Arouca como novo secretário de saúde. Arouca

assumiu o cargo com o compromisso de implantar 600 novas equipes de saúde da família na

cidade, número que simbolizaria o alcance da faixa máxima de cobertura estipulada para o

incentivo do PAB variável. Neste momento o PSF deixa sua posição periférica na estrutura da

SMS-RJ para uma posição central e estratégica na mesma. Entretanto o projeto de Arouca não

obteve êxito e nenhuma nova equipe de PSF foi implantada até sua exoneração em maio deste

mesmo ano. Todavia, mesmo após sua saída, o PSF não mais deixaria sua posição central na

SMS-RJ.

Ronaldo Cezar Coelho foi nomeado para o lugar de Arouca e depois de algum tempo também

elegeu o PSF como uma de suas prioridades na gestão da SMS-RJ7. O PSF de Cezar Coelho

6
César fora eleito pelo PTB numa coligação com o PPS e outros partidos de menor expressão.
7
As outras eram: O Hospital de Acari, As casas de Parto e uma maternidade na Zona Oeste.
13

recebeu a denominação de “Saúde em Casa” e contou com um grande programa de marketing

político. Para acelerar a implantação da meta de 150 novas equipes de PSF César Maia

“estimulou” a criação da ONG que viria e ser denominada CIESZO8 (depois o nome foi

modificado para CIEZO) para cuidar da infra-estrutura do programa.

O programa “Saúde em Casa” ,iniciado oficialmente em 2003, introduzia novos elementos ao

PSF já existente. Em cada CAP, com exceção da CAP 3.2, foi nomeado um supervisor

responsável pelo PSF das respectivas áreas denominado “supervisor operacional” que por vez

trabalha com um grupo sob sua subordinação denominado “grupo de apoio técnico” ou GAT.

Esta equipe multidisciplinar deveria dar suporte técnico às atividades das ESF aumentando sua

capacidade de resolutividade. Por conta da minha experiência no PSF Antares, fui convidado a

ser o supervisor operacional da AP 5.3.

As novas equipes implantadas contavam com funcionários estatutários selecionados mediante

análise de currículos e entrevistas. Para provimento das vagas de agente comunitário de saúde foi

realizado um grande processo seletivo nos moldes de um concurso público pela ONG CIEZO. Os

técnicos que organizaram este "concurso” eram em sua maioria oriundos de instituições de pós-

graduação na área de saúde coletiva como a ENSP ou então eram conhecidos destes primeiros e

constituíram uma gama de profissionais das mais diversas formações tais como: enfermeiros,

médicos, dentistas, psicólogos e etc, quase nenhum deles com experiência administrativa.

O processo seletivo dos ACS fracassou em diversos pontos. Na divulgação: o edital foi

publicado na folha dirigida o deu uma idéia falsa de que seria um concurso público. Na inscrição:

não havia comprovação de residência para o local de trabalho dos ACS, não houve entrega de

8
César Maia sugeriu aos reitores de 7 universidades da Zona Oeste do Rio de Janeiro (Faculdades São José,
Universidade Castelo Branco, Faculdades Bezerra de Araújo, Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, Federação
de Escolas Faculdades Integradas Simonsen e Fundação Educacional Unificada Campo Grande) que criassem uma
ong para fazer um convênio com a prefeitura de co-gestão do PSF.
14

comprovação de inscrição com local de prova (os candidatos tiveram que procurar estes dados

em listas distribuídas nas sedes do correio e em algumas associações de moradores horas antes do

concurso).

Após esta seleção dos recursos humanos, o processo de implantação entrou numa segunda

etapa: a organização dos locais sedes de trabalho das equipes. Para tanto a SMS-RJ em conjunto

com o CIEZO optou por alugar imóveis nas comunidades a serem atendidas pelo programa e

após a assinatura dos contratos reformá-los e equipá-los. Os preços dos aluguéis e das reformas

atingiram altas cifras e este processo nunca foi concluído em alguns casos. Em 2005, o secretário

de saúde não renovou o contrato de imóveis que ainda não haviam sido reformados desde a

assinatura dos contratos em 2003 e 2004. Os imóveis que foram reformados possuíam estrutura e

equipamentos de qualidade que excedia em muitas vezes a qualidade dos equipamentos das

unidades básicas já existentes.

Onde foi possível terminar as obras e equipar os imóveis as equipes foram implantadas,

totalizando mais de 60 equipes até o ano 20059.

Desde minha entrada no programa de saúde da família em 2000 no PSF Antares até a minha

dispensa do cargo de supervisor operacional do PSF da AP 5.3 e maio de 2005, pude perceber

uma notável mudança de status do programa na estrutura da SMS-RJ. O PSF deixa de ser um

programa marginal com poucos recursos até atingir o status de principal programa da agenda do

ex-secretário de saúde Ronaldo César Coelho. Esta mudança acompanha um processo que infiro

ser também replicado em todo território nacional, pois, desde o documento intitulado “Saúde em

casa” de 1994, até a política nacional de atenção básica de 2006, o PSF vem deixando seu caráter

focalizador em busca de um caráter mais universalista.

9
Ano em que fui dispensado do cargo de Supervisor Operacional. Segundo dados da SMS-RJ hoje (novembro de
2007) a cidade possui 122 equipes de PSF e 41 equipes de PACS.
15

Esta mudança de grau vem acompanhada do incremento de incentivos à expansão do

programa em grandes centros urbanos (PROESF), da inserção dos conteúdos ideológicos do

programa nos cursos de graduação na área de saúde, do incentivo da abertura de campos de

estágio para PSF (PROSAUDE), do incentivo para a realização de cursos introdutórios de PSF

(REFORSUS).

O PSF na cidade do Rio de Janeiro teve sua expansão marcada pelo alto grau de

combatividade expresso no discurso de seus gestores e em seus cursos introdutórios que

pregavam a mudança radical da atenção básica como forma de mudança das condições de

iniqüidade existentes no SUS. Houve alto investimento na disseminação das idéias e no

marketing do programa.

No ano de 2003, em que se opera a maior expansão do programa na cidade, o curso

introdutório era precedido de uma atividade de psicodrama como forma de preparar os novos

integrantes das ESF para o esforço necessário para a “mudança de paradigma” a ser realizada na

atenção básica da cidade.

O processo seletivo dos ACS distribuiu uma camisa com o slogan do programa para cada

candidato10. Foi realizado um concurso de paródias musicais sobre saúde para a confecção de CD

com recursos da Fundação João Goulart.Em 2004, foi realizada a I Mostra de atenção básica no

Riocentro capitaneada pela gerência do programa com a participação de milhares de participantes

(integrantes das equipes). Um documentário de curta – metragem em vídeo foi realizado para a

divulgação do programa.

Estas atividades talvez demonstrem a intenção dos gestores do PSF em alcançar a hegemonia

do pensamento na atenção básica e uma fatia maior na estrutura na estrutura da SMS/RJ.

10
Foram estimados 5000 candidatos pelo CIEZO.
16

A minhas percepções durante os anos em que participei do programa me levam a inferir que

esta busca por hegemonia começa na disseminação das diretrizes do PSF nos cursos introdutórios

com a intenção de gerar nos profissionais inseridos na estratégia uma massa crítica combativa ao

chamado “modelo tradicional”.

O discurso do PSF como redentor da atenção básica, como única forma digna de organização

da porta de entrada do sistema gera um conflito inevitável com atores já existentes no sistema.

Este conflito torna extremante difícil à integração das diversas modalidades de atenção num

mesmo território.
17

2 - Introdução:

A reforma sanitária no Brasil culminou com a instituição dos princípios e diretrizes do SUS

primeiramente na constituição de 1988 e depois nas Leis orgânicas da saúde: 8080 e 8142 de

1990.

Durante o período que antecedeu o SUS, novas experiências de atenção à saúde foram testadas

no país acompanhando o resultado de discussões internacionais.

No que se refere à atenção primária à saúde (APS) podemos exemplificar as experiências do

PIASS e do PREV-SAÚDE11 nos anos 1970 e das AIS e do SUDS nos anos 1980 (SERRA,

2003).

A história da criação do PSF relata a reunião de secretários de saúde em dezembro de 1993

como evento primordial, sobre este fato nos diz SENNA:

“O PSF tem como marco uma reunião entre técnicos do ministério da saúde e os
secretários municipais, em dezembro de 1993, congregando atores das várias
regiões do país, de forma a romper o confinamento das experiências de agentes
comunitários de saúde às regiões norte e nordeste”. (2002.p. 209)

O primeiro documento do PSF de 1994 é fortemente caracterizado por sua ênfase na

focalização. A implantação do programa deveria acompanhar o chamado mapa da fome do

IPEA12 (ROCHA, 2000;SOUZA, 2000; VIANA & DAL POZ, 2005; ÀVILA, 2006;).

Em sua primeira fase o PSF tem como principal característica, a expansão de serviços de

saúde e, por conseguinte o auxílio no processo de municipalização do SUS (FAVORETO, 2002;

ÁVILA, 2006).

O programa concebido no âmbito da Coordenação de saúde da comunidade (COSAC) da

Fundação nacional de saúde foi transferido em 1995 para a Secretaria de Assistência à saúde.

11
Para mais informações sobre estas estratégias ver PAIM,1999 e NORONHA & LEVCOVITZ,1994.
12
Instituto de pesquisas econômicas aplicadas.
18

Esta mudança é apontada por alguns autores como signo do aumento de importância do PSF na

estrutura do Ministério da Saúde (ÁVILA, 2006).

O advento da NOB/96 propiciou um aumento da velocidade da expansão do programa

estimulado pelo incentivo maior dependendo da faixa de cobertura alcançada pelos municípios

(MATTOS, 2002). Cabe destacar outras contribuições da NOB/96:

“A implementação da nob/96 apontou para mudanças técnicas e operacionais do


sistema de saúde através: (...) do envolvimento dos aparelhos formadores de
recursos humanos na adequação a formação de profissionais aptos a interagir e
executar práticas de saúde sob esta nova proposta de modelo
assistencial".(FAVORETO, 2002. p.18).

A implantação do PSF pode ser dividida em dois momentos evolutivos segundo MATTOS:

“A história do PSF pode ser dividida em dois períodos: um primeiro que vai
desde sua criação até 1996, no qual ele era visto predominantemente como uma
estratégia de expansão de cobertura de acesso aos serviços de saúde; e um
segundo, a partir de 1996, no qual é considerado uma estratégia de
transformação do modelo assistencial, com a pretensão de substituir as práticas
tradicionais de atenção básica. Importa destacar que as decisões do Governo
federal sobre o incentivo ao PSF correspondem ao segundo período”. (Op. Cit.
pp. 82-83).

Em 1998, um novo documento editado pelo Ministério da saúde apontava a inflexão do PSF

(SOUZA, 2001): de um programa focalizado em populações desfavorecidas para uma estratégia

de reorganização do sistema de saúde a partir da atenção básica. Também descrevia as seguintes

diretrizes: adscrição de clientela, cadastramento, territorialização, caráter substitutivo,

intersetorialidade, interdisciplinaridade e planejamento local (BRASIL, 1997).

Cabe destacar os comentários de MATTOS:

“Nessa perspectiva, o PSF supera sua formulação, limitada ao âmbito da


expansão da cobertura dos serviços, para ser pensado como um modo de
19

organizar a rede básica. Mais do que a criação de um novo tipo de unidade


tratava-se de uma proposta de reorganização das unidades básicas. (Op. Cit.
p.83)”.

O caráter substitutivo previsto no documento “saúde da família: uma estratégia de

reorientação do modelo assistencial (BRASIL/MS, 1997)” descrevia a intenção da ampliação da

cobertura do PSF em direção a modificar toda a atenção básica sob seus princípios. O PSF era

então alçado ao topo da agenda13 das políticas de saúde no Brasil como solução para os males da

crise da saúde14.

Durante toda a década de 90 podemos observar a retórica15 da mudança de modelo16 que

depois impregnaria o Programa de saúde da família:

“(...) qualquer projeto mudancista que aspire ao sucesso deveria tentar, ao


mesmo tempo, tanto a mudança das pessoas, dos seus valores, da sua cultura ou
ideologia, quanto providenciar alterações no funcionamento das instituições
sociais. (...) Temos valorizado ora reformas estruturais, como no socialismo real;
e ora, idealisticamente, apenas a renovação dos comportamentos e sentimentos
humanos, como no caso da maioria dos movimentos de inspiração religiosa”.
(CAMPOS, 1994. p.30).

13
Sobre o conceito de agenda: “o estabelecimento de agenda, assim compreendida, seria um momento crucial do
processo de formulação de políticas públicas. Dele participaria uma série de atores sociais que se engajam na defesa
da introdução de temas e problemas na agenda governamental, quer por argumentar acerca da relevância do
problema em questão, (...) por defender certas alternativas de solução, (...) por sustentar que a introdução do tema
naquele momento é oportuna. (...) a expressão agenda também tem sido usada para designar um conjunto de temas
(problemas e preferências de solução) que um determinado ator (partido político, comunidade de especialistas,
agência internacional, etc...) defende em certo momento, independentemente dos laços de proximidade com o
governo”. (MATTOS, 2000. pp.60-61)
14
Este conceito é mais bem desenvolvido no capítulo 3.
15
Sobre o uso da retórica nas políticas de saúde ver MATTOS,2000.
16
O plano qüinqüenal do ministério da saúde de 1991 já falava em mudança de modelo antes do PSF: “O ministério
da saúde implantará um novo modelo de atenção à saúde, capaz de alterar positivamente os níveis de saúde da
população, orientado para a solução de problemas, que garanta o acesso, a cobertura e a integralidade da atenção à
saúde e a participação social. Essa diretriz se fundamenta no reconhecimento da ineficácia e ineficiência dos modelos
vigentes de assistência à saúde e da fragmentação e compartimentalização da atual prática da assistência á saúde...”
(BRASIL/MS, 1991. p.20)
20

A partir de MENDES a retórica da mudança de paradigma passa a fazer parte do discurso do

PSF17:

“A mudança será política porque envolvem distintos atores sociais em situação,


portadores de diferentes projetos devendo para hegemonizar-se, acumular capital
político. Tem também uma dimensão ideológica, uma vez que ao se estruturar na
lógica da atenção às necessidades de saúde da população, implicitamente opta
por nova concepção do processo saúde-doença e por novo paradigma sanitário,
cuja implantação tem nítido caráter de mudança cultural”. (Op.Cit., 1996.
p.234).

Cabe então destacar um dos conceitos correntes de modelo assistencial:

“Modelo assistencial deveria ser conceituado como o modo como são


produzidas ações de saúde e a maneira como os serviços de saúde e o Estado se
organizam para produzi-las e distribuí-las”. (CAMPOS et al, 1999. p.53).

O resultado alcançado pela implantação do PSF em sua fase inicial com predominância das

cidades de menor porte apresentou resultados satisfatórios. Um estudo realizado pelo ministério

da saúde no ano de 1999 apresentou os seguintes dados: aumento da cobertura de pré-natal,

elevação do uso da caderneta da criança para acompanhamento do crescimento e

desenvolvimento e maior captação de hipertensos (FAVORETO & CAMARGO JR., 2002).

Entretanto o PSF tem encontrado dificuldades na expansão nas grandes cidades (MATTOS,

2002). Algumas características típicas destes conglomerados urbanos são apontadas como as

principais causas: as transformações demográficas e urbanas sofridas pelos grandes centros, altos

17
Exemplo da utilização do discurso mudancista (grifos do autor): “De acordo com Dagnino (2000,p.67), isto
implicaria uma nova concepção de mundo, segundo o qual o papel das idéias e da cultura assume caráter positivo,
tendo sua base construída a partir de suas formulações principais: a noção de poder e a construção histórica da
transformação social. Nesse sentido, implantar o PSF em uma comunidade, com esses propósitos, significa rever
também as relações de poder existentes não instituições de saúde, entre profissionais, usuários e gestores”.
(GOMES,2005. p.32)
21

índices de violência urbana, desigualdades sócio-econômicas entre diferentes regiões de uma

mesma cidade, irregular distribuição dos serviços de saúde, existência prévia de uma grande rede

de serviços de saúde, entre outras (FAVORETO, 2002; CAETANO & DAIN, 2002).

CAMPOS et al, 2002 apontam algumas conseqüências da implantação do PSF nos grandes

centros urbanos: impacto na força de trabalho ativa devida à hegemônica formação especializada

dos profissionais de saúde, impacto nos serviços públicos causado pela necessária reorganização

das práticas de trabalho já consolidadas e do aumento de demanda e dos custos diretos e indiretos

decorrentes da implantação do programa, impacto nas corporações e conselhos profissionais

causado pela defesa de interesses de especialistas e pela precarização dos vínculos trabalhistas,

impacto na comunidade pela presença de um representante do Estado (a equipe de saúde) em

áreas dominadas por facções de tráfico de drogas.

Neste mesmo artigo impactos positivos são também descritos: impacto sobre a força de

trabalho em formação pelo aumento da pressão pela formação de um profissional adequado ao

novo mercado de trabalho emergente, impacto sobre os meios acadêmico pelo oferecimento de

novos cursos de aperfeiçoamento e especialização necessários à capacitação de profissionais do

PSF, impacto sobre a comunidade pelo estímulo à participação popular e pela perspectiva gerada

pela implantação do programa em áreas adjacentes a desertos sanitários. (ibid).

A falta de recursos humanos adequados para o programa de saúde da família tem sido

freqüentemente apontada como um dos fatores que dificultam sua expansão (SOUZA, 2001;

CAETANO & DAIN, 2002; CAMPOS, 2002). Como resposta a este impasse o MS tem

destinado recursos financeiros para capacitação e treinamento:

“Outra iniciativa adotada também com recursos do REFORSUS foi a de


incentivo à constituição dos ‘pólos de capacitação, formação e educação
22

permanente de pessoal do saúde da família’, com a finalidade de contribuir para


uma política de formação e preparação dos recursos humanos em
saúde".(ROCHA, 2000. p.28).

A experiência acumulada do programa de saúde da família tem sido um amplo objeto de

estudos no campo da saúde coletiva. Apesar dos avanços na mudança de indicadores de saúde e

da expansão dos serviços de saúde, o PSF tem recebido diversas críticas:

“Em relação ao PACS e PSF, entendem os participantes da 11ºCNS que esses


programas correm o risco de se tornarem sobreposições de exercício do serviço
de atenção básica. (...) O PACS e o PSF, em si, não são suficientes para garantir
a própria atenção básica e podem se tornar um engodo, no sentido de manter um
modelo de saúde pobre para os pobres, tornando-se bandeira de governos que
simplificam o modelo assistencial, apresentando-se como panacéia que
solucionará todos os problemas de saúde” (11º CNS,2001. pp.32-33).

Algumas são mais específicas como as seguintes relacionadas ao processo de trabalho das

equipes:

“Pela observação direta do trabalho das equipes de saúde da família pode-se


perceber que os trabalhadores são absorvidos pela grande demanda espontânea
dos usuários e suas ações são basicamente produtivistas e pré-estabelecidas pela
estratégia, gerando desmotivação, alienação e desinteresse pelo trabalho
realizado”.(FRIEDRICH, 2005. P.127.).

Aos sentidos da atuação médica:

“Uma questão a ser discutida é a não identificação dos formuladores do


programa quanto aos sentidos da atuação médica. Esta pouca reflexão acabam
por permitir que os médicos reeditem o programa à sua maneira. Os
formuladores precisam atentar para o singelo detalhe de que o homem, quando
se sente doente, seja por que não têm saneamento básico ou pela queda de suas
ações na bolsa de valores, deseja nesse momento um profissional que o atenda
de forma individual, que o escute e o cura, e até lhe diga que não há doença
alguma” (SOUZA, 2001. p.116).
23

Pela possibilidade das práticas das equipes induzirem a moralização sanitária dos

comportamentos da comunidade:

“Outro aspecto a ser ressaltado é que, com processo vem se desenvolvendo, ele
pode apresentar um alto risco de uniformização enquadramento moral dos
comportamentos individuais e coletivos exibidos pelas comunidades, visto que
ideologia as técnicas que permeiam as ações de prevenção e de educação-agora
introduzida diretamente nos domicílios e famílias - pode contribuir para uma
maior medicalização e controle social das comunidades assistidas pelo
programa” (FAVORETO, 2002. p.74).

Apesar das críticas o programa de saúde da família tem recebido cada vez mais incentivos

para sua ampliação. O programa de expansão da estratégia de saúde da família (PROESF) foi

criado para aumentar a inserção do PSF nos grandes centros. A política nacional de atenção

básica de 2006 declara oficialmente o caráter estratégico do PSF e torna suas diretrizes como eixo

estruturante de toda a atenção básica. Este mesmo documento cria um novo papel para o

programa, o de corretor de desigualdades ao criar o incentivo do PAB-variável para a

implantação do PSF em áreas de desigualdade social tais como: Amazônia legal, cidades com

menos de 30.000 hab, áreas de população indígena e de remanescentes de quilombolas.

Todavia, a expansão do programa acompanha um forte discurso de ruptura que vem criando

tensões com as redes de atenção básica pré-existentes, notadamente nos grandes centros. Foi a

partir da vivência destas tensões que se deu a motivação para a realização deste estudo.

2.1-Hipótese de trabalho:

O processo de implantação do PSF contém um discurso de antagonismo com as práticas

vigentes nos serviços de saúde. Este discurso ignora ou parece ignorar que algumas práticas

prescritas pelo PSF que já são adotadas nas redes de saúde já existentes. As redes de serviços já
24

existentes recebem a alcunha de “modelo tradicional”. As descrições teóricas do modelo

tradicional existentes nos manuais dos cursos introdutórios e nos discursos dos profissionais do

PSF servem de instrumento de retórica para o reforço do antagonismo entre os dois modelos. A

crença num modelo redentor da atenção básica leva as equipes de PSF a uma prática mais voltada

para a programação da oferta, intuída pela rigidez da implantação do programa, do que para o

atendimento das necessidades de saúde da população. A auto-intitulação do PSF como “modelo

reorganizador da atenção básica” com “caráter substitutivo” além do possível aumento de

demanda causado pelo trabalho proativo de suas equipes pode levar a uma tensão crescente entre

as unidades PSF e as outras unidades do sistema que lhe servirão de referência.

2.2-Objetivo geral:

Verificar até que ponto se confirma a hipótese de um discurso de antagonismo vigente entre
os profissionais de saúde ligados ao PSF para com o chamado modelo tradicional.

2.2.1. Objetivos Específicos:

Avaliar a dimensão de importância do curso introdutório de PSF como instrumento do


processo de produção e disseminação do antagonismo PSF versus modelo assistencial centrado
na implantação e ampliação da estratégia PSF na cidade do Rio de Janeiro.

Descrever a concepção corrente acerca do que seria uma unidade tradicional de saúde.
2.3. Justificativa:
A atual política nacional de atenção básica considera o programa de saúde da família com eixo

de reorientação de toda a atenção básica no país (BRASIL, 2006). Este estudo torna-se relevante

para apontar possíveis descaminhos que levem a um antagonismo desnecessário entre as unidades

de PSF e as outras unidades da rede.


25

3 - Considerações sobre o referencial teórico

Três enfermeiras estilizadas são protagonistas de um vídeo educacional intitulado ¨agentes em

ação¨. O vídeo produzido pela ENSP/Fiocruz é dirigido por Cao Hamburger, famoso pela série

infantil castelo Rá-Tim-Bim é parte integrante do material didático produzido pelo MS para

capacitação de novos agentes comunitários de saúde.

Na maquete apresentada sob o título ¨Cidade da Saúde¨ podemos ver esgoto a céu aberto,

muito lixo e rios poluídos. Pausadamente, a Enfermeira Dona Meca afirma que a cidade do vídeo

ainda não merece o nome que possui, mas que o trabalho a ser realizado pelos ACS acabará com

esta ignomínia.

A série “Agentes em Ação” é dividida em vários capítulos, onde todas as etapas do trabalho

dos ACS são explicadas detalhadamente pelas 03 enfermeiras e pelo apresentador Vândi que

visita cidades do nordeste em que o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) ou

Programa de Saúde da Família (PSF) foi implantado. O ator entrevista moradores, ACS,

Enfermeiros, Médicos e Gestores das respectivas SMS’s.

O vídeo institucional apresenta as vantagens da implantação dos respectivos programas e as

possíveis mudanças que dela ocorrerão. Cabe ressaltar que o vídeo não apresenta entrevistas em

nenhuma metrópole e em nenhuma cidade do sudeste do país.

Conheci o vídeo no ano de 2000 quando assumi o cargo de Diretor da Unidade de Saúde da

Família da Comunidade de Antares na cidade do Rio de Janeiro. Este vídeo foi um dos primeiros

veículos de divulgação dos princípios do programa de saúde da família ao qual tive contato.

Ao longo dos anos em que estive envolvido com o PSF do Rio de Janeiro pude detectar que

certos temas são recorrentes no pensamento que sustentam o Programa.


26

Este referencial teórico tem o objetivo de fazer uma revisão bibliográfica destes temas e

contextualizá-los.

3.1- A Atenção primária à saúde:

As idéias da APS são muito antigas conforme nos diz ALEIXO:

“A Atenção ou os cuidados primários de saúde , como entendemos hoje,


constituem um conjunto integrado de ações básicas, articulado a um sistema de
promoção e assistência integral à saúde. Embrionariamente, esse conceito pode
ser identificado desde o fim do séc XIX, quando o professor Pierre Budin,
estabelece, na Paris de 1892, um sistema de centros de atendimento infantil onde
eram realizadas, descentralizadamente e concentradas sob um mesmo teto,
algumas das hoje chamadas ações básicas de saúde” (2002, p.3).

Entretanto o marco conceitual do conceito de APS vigente nos dias atuais, sem desmerecer

seus diversos sentidos, é o texto do relatório final da Conferência internacional de Alma-Ata

realizada no ano de 1978. O documento intitulado “Saúde para todos no ano 2000” considera a

APS estratégia prioritária para a expansão de serviços de países subdesenvolvidos18 por constar

de “práticas simples, de baixo custo e de grande eficácia” (MATTOS, 2002 p.79).

No entanto poderíamos dizer que o conceito de APS é polissêmico por conter em si diversos

significados conforme nos diz GIL:

“Essas interpretações variam de : (1) Atenção primária como estratégia de


reordenamanto do setor saúde;(2) (...) como estratégia de organização do
primeiro nível de atenção do sistema de saúde; (3) (...) como programa com
objetivos restritos e voltados especificamente à satisfação de algumas
necessidades mínimas de grupos populacionais em situação de extrema pobreza
e marginalidade” (GIL,2006 p.1177).

18
Na terminologia da época, depois modificada para países em desenvolvimento e hoje para países emergentes.
27

Mais recentemente o Conselho nacional de secretários de saúde (CONASS) divulgou

documento sobre o tema onde a APS aparece com novos adjetivos e , por conseguinte novos

significados:

“Da atenção primária à saúde proposta pela Alma-Ata até hoje, surgiram
derivações que apontam o que se considerava avanço ou especificidade em
relação à proposta original. Nesse sentido tem-se: Atenção primária à saúde,
atenção primária seletiva atenção primária orientada para a comunidade e, mais
recentemente, atenção primária renovada”. (2007 p.17).

A OPAS/OMS adota a seguinte classificação em seu documento intitulado “Renovação da

Atenção Primária em Saúde nas Américas” de 2005:

No Brasil a APS está associada à expansão de serviços de saúde a população de baixo

desenvolvimento sócio-econômico, sobretudo do grupo materno-infantil, a ações como

“acompanhamento do crescimento, na terapia de re-hidratação oral, incentivo à prática do


28

aleitamento materno, o planejamento familiar, o manejo correto de infecções respiratórias agudas

e ao aumento de cobertura vacinal” (ÁVILA, 2006 p.34).

Entretanto esta prática da APS pode ser considerada uma etapa de transição para uma desejada

transformação do sistema de saúde, conforme nos diz MATTOS:

“Nessa acepção transformada de atenção primária, como estratégia de mudança


do sistema de saúde, se aceita a tese de que a expansão da cobertura aos grupos
excluídos possa se fazer, primeiramente, através de cuidados mais simples e de
custo mais baixo, mas apenas como etapa provisória de expansão, que permite
maximizar impactos epidemiológicos na acentuada escassez de recursos. Por sua
vez, a segunda perspectiva preserva a ênfase na expansão de cobertura do
sistema de saúde como um todo, ou seja, a perspectiva de inclusão gradual dos
grupos socialmente mais frágeis (2002, p.81)”.

Não custa lembrar que a assistência à saúde no país era fragmentada até a criação do SUS:

de um lado a saúde pública atendia às doenças mais prevalentes e de interesse epidemiológico e

do outro lado a atenção individual ficava a cargo do sistema INAMPS, da medicina de grupo ou

da medicina liberal (MATTOS, 2006). Fica evidente, portanto que os ideais da APS só atingiram

a um segmento do setor saúde no Brasil: a chamada saúde pública.

A unificação da assistência à saúde passou a ser bandeira de luta do então emergente

movimento sanitário que fazia críticas ao sistema nacional de saúde vigente, críticas que ainda

são repetidas nos dias atuais, segundo nos diz MATTOS:

“Essa estrutura dicotomizada do sistema saúde foi criticado em pelo menos duas
perspectivas. A primeira resultava da impressão de que a prioridade da política
de saúde vigente era a assistência médica da Previdência, em detrimento da
saúde pública. Impressão, aliás, superficial. (...) Mas o arranjo institucional
dicotomizado tinha conseqüências sobre a organização e as práticas dos serviços
de saúde, que deu origem à segunda perspectiva de crítica. Tornou-se senso
comum indicar que o arranjo dos serviços de saúde estava centrado nos
29

hospitais. Aliás, ainda pé corrente o uso do adjetivo ‘hospitalocêntrico’· para


designar um dos traços do modelo assistencial dominante” (2006, pp.55-56.).

Após a Alma-Ata as primeiras ações baseadas nos princípios da APS ocorreram após o

processo de redemocratização do país em iniciativas como as AIS em 1982 (ações integradas de

saúde) e do SUDS (sistema único descentralizado de saúde), até o advento do SUS em 1988

(ALEIXO,2002).

O capítulo da saúde da constituição de 1988 é influenciado pelos princípios da APS quando

descreve a segunda diretriz do sistema em seu artigo nº 198:

“II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas19,


sem prejuízo dos serviços assistenciais.” (BRASIL,1988)

A posição das “atividades preventivas” em relação aos “serviços assistenciais” confirma que o

SUS em sua gênese era em muito devedor da APS e a do conceito da “promoção da saúde”

conforme veremos adiante.

Durante os anos 80 foram realizadas diversas experiências no país com o trabalho do agente

comunitário de saúde em estados como: Rio de janeiro, São Paulo, Mato Grosso, Goiás,

Maranhão, Pernambuco e Ceará. O conhecimento acumulado destas experiências resultou na

criação do Programa de agentes comunitários de saúde (PACS) no ano de 1991 pela Fundação

Nacional de saúde. Inicialmente implantado em cidades do norte e nordeste do país o PACS

disseminou-se para outras regiões do país (ÁVILA, 2006).

Sobre o trabalho dos agentes comunitários de saúde (ACS), MATTOS nos diz o seguinte:

“No contexto da atenção primária, os agentes comunitários seriam membros de


uma comunidade treinados para executar muitas intervenções de modo
resolutivo. Duas vantagens básicas são evocadas para justificar o trabalho dos

19
Grifo nosso
30

agentes comunitários. A primeira se refere a sua maior proximidade com a


cultura da população-alvo com a qual interage e à realidade das condições de
vida dessa população.(...) A segunda vantagem (...) é sua baixa remuneração,
quando confrontada com a dos demais profissionais de saúde” (MATTOS,2002.
pp.81-82.).

As atribuições dos ACS eram , entre outras: acompanhamento a gestantes e nutrizes, incentivo

ao aleitamento materno, acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança, garantia

do cumprimento do calendário de vacina, controle das doenças diarréicas, controle das infecções

respiratórias agudas (BRASIL,1994). Desta forma concordamos com o que diz FAVORETO:

“Portanto, os pressupostos teóricos e operacionais presentes no PACS não


representavam idéias originais. Eles traduziam, de certo modo, expectativas e os
desdobramentos de questões relacionadas à atenção primária à saúde,
organizados e sistematizados a partir da conferência de Alma Ata (1978), assim
como o conjunto de ações de saúde incentivadas pela Unicef”
(FAVORETO,2002. p.20).

Em linhas gerais podemos dizer que o PACS foi importante ator no processo de

municipalização e descentralização do SUS, na medida em que o incentivo federal concedido aos

municípios prescindia da criação do Fundo Municipal de saúde e da existência do Conselho

Municipal de saúde (ÁVILA, 2006).

Os resultados obtidos pelo PACS, principalmente o impacto nos indicadores de saúde

materno-infantis nas cidades do interior do nordeste, com destaque para as cidades do estado do

Ceará, são considerados a justificativa principal para a criação do programa de saúde da família

no ano de 1994 (MATTOS, 2002; SOUZA, 2000; ÁVILA,2006). O PSF, portanto, traz em sua

gênese profundas marcas oriundas da APS conforme nos diz FAVORETO:

“Por sua vez, a articulação do PACS ao PSF parece ter tido a finalidade
promover um novo significado e uma nova forma de inserção política e
ideológica das práticas dos agentes, ao mesmo tempo e que influenciou o rumo a
31

ser tomado na estrutura da saúde da família. Este rumo fez com que o PSF se
identificasse com as propostas de atenção primária à saúde, privilegiando as
intervenções preventivas sobre grupamentos humanos particularmente expostos
a maiores desigualdades sociais” (2002. p.23).

Não é de se estranhar, portanto, que o primeiro documento do PSF de 1994, busque enfocar

regiões de baixo desenvolvimento sócio-econômico segundo nos dizem VIANA & DAL POZ:

“O primeiro documento do programa data de 1994 (BRASIL, 1994). Suas


diretrizes foram concebidas a partir da reunião de 1993 e foram citados ainda
todos os participantes da reunião. A concepção do programa, segundo esse
documento, é de fazê-lo um instrumento de reorganização do SUS e da
municipalização, definindo que sua implantação ocorrerá, prioritariamente, nas
áreas de risco. É utilizado o mapa da fome, do Instituto de pesquisas econômicas
aplicadas (IPEA), como critério de seleção para áreas de risco”. (2005. p.233).

3.2 – A promoção da saúde (PS):

A maquete da cidade da saúde do vídeo “Agentes em Ação” (Op.Cit.) não mostra pessoas

doentes. A ação dos agentes de saúde na “cidade da saúde” visa eliminar os riscos, orientar os

moradores quanto aos hábitos saudáveis, observar e registrar seus modos de vida,suas

doenças,verificar peso de crianças,etc...

O trabalho dos ACS, tão minuciosamente descrito no vídeo é somado ao trabalho das equipes

de saúde de família num de seus maiores sustentáculos: A promoção da saúde.

A concepção de “promoção da saúde” adotada pelo PSF é devedora do relatório escrito pelo

ex-ministro canadense Marc Lalonde. No já clássico “O conceito de campo da saúde: uma

perspectiva canadense”, Lalonde decompõe o campo da saúde em quatro componentes: biologia

humana, meio ambiente, estilo de vida e organização da atenção à saúde (LALONDE, 1974).
32

Em sua avaliação Lalonde conclui que os recursos destinados a melhorar a saúde da população

deveriam ser alocados prioritariamente em ações que visam modificar o estilo de vida e o meio

ambiente.

Uma das vantagens da aplicação deste conceito segundo o autor seria, reduzir os custos com a

atenção à saúde por evitar que enfermidades ocorram pela mudança das características do meio

ambiente ou decorrentes de um estilo de vida pouco saudável.

Em meados dos anos 80, o conceito de promoção da saúde ganha vigor com a 1º conferência

Internacional de promoção à saúde realizada na cidade canadense de Ottawa em 1986.

Buscava-se com o novo conceito uma visão positiva da saúde. Desta forma o conceito de

saúde é ampliado para além do estritamente biológico e da simples ausência de doenças e passa

incluir pré-requisitos políticos para sua aquisição. A chamada Carta de Ottawa ressaltava dentre

outras coisas : “... justiça social e equidade como pré-requisitos para a saúde”. Diz ainda:

“(...) a promoção da saúde não é responsabilidade exclusiva do setor saúde e vai


para além de um estilo de vida saudável, na direção de um bem-estar global”.
(OTTAWA,1986. p.1)

Estimula a subordinação das outras políticas públicas à política de saúde:

“A política de promoção de saúde requer a identificação e a remoção de


obstáculos para a adoção de políticas públicas saudáveis nos setores que não
estão diretamente ligados à saúde” (Op.Cit,1986. p.2).

O núcleo retórico do conceito de promoção à saúde pode ser assim dividido: conceito positivo

de saúde, prevenir doenças mais do que tratá-las, uso da média para estimular comportamentos

saudáveis, promoção de ambientes saudáveis com a participação da comunidade, diminuir os

crescentes gastos com a saúde (CASTIEL, 2006).


33

No entanto, o conceito de promoção de saúde ao buscar fugir de uma idéia reducionista da

saúde e conceber “uma visão positiva da saúde” não alcança uma definição objetiva ficando

passível de críticas (CAMARGO JR., 2004). Sobre os diversos sentidos da promoção da saúde

nos diz CASTIEL:

“Em geral, as discussões conceituais sobre PS tendem a inconclusão, pois suas


atividades transitam sobre terrenos teóricos de difícil compatibilização:
paternalismo x ‘participacionismo’; individual x coletivo e com os seguintes
enfoques ao longo destes dois eixos: conservador (técnicas persuasivas em
saúde), reformista (ação legislativa para a saúde), libertária (aconselhamento
pessoal para a saúde) e radical pluralista (educação popular em saúde).
(2006.p.74)

O conceito de promoção da saúde foi eixo fundamental para as políticas públicas de saúde no

Brasil do final dos anos 80 até os dias atuais.

A expressão “mudança de modelo assistencial” expressa na NOB/96 é um grande indício da

inclusão do conceito de PS nas políticas públicas do Brasil:

“A concepção de mudança de modelo de atenção, assumida pela NOB/96, além


de ter se baseado em conceitos e propostas de organização de práticas dos
movimentos de reforma no campo da saúde (...) também incorporou em sua
retórica, elementos teóricos conceituais presentes nas teses que defendiam a
orientação de políticas do setor saúde pela ‘promoção da saúde’, tais como: as
noções de qualidade de vida, a dimensão ecológica, a perspectiva de educação
em saúde e da reorganização de serviços” (FAVORETO, 2002. p.17).

O PSF e o PACS tiveram papel decisivo na divulgação destes conceitos entre os profissionais

e nos cursos de graduação na área de saúde. Cabe ainda, destacar a atuação dos meios de

comunicação na massificação de expressões relacionadas ao discurso da promoção da saúde, tais

como: hábitos saudáveis, nutrição balanceada, sedentarismo (estímulo à prática de exercícios


34

físicos), tabagismo (combate ao fumo), sexo seguro e etc... Caracterizado por CASTIEL (1999)

como “indústria da ansiedade”.

Contudo, a propagação da idéia de que a saúde vive em constante risco induz ao

comportamento exagerado de fuga de situações que possam causar danos à saúde em busca do

aumento da longevidade. Segundo CASTIEL:

“Esta indagação20 ironiza a preocupação exacerbada com a procrastinação da


morte e dos sinais de envelhecimento que o mundo ocidental persegue na
atualidade, paradoxo cruel de uma época em que grupos populacionais atingem
altos índices de longevidade”. (1999.p.21)

Associado à massificação do conceito de qualidade de vida e saúde massifica-se também a

associação dos hábitos saudáveis à moralidade, isto é, a prática de comportamentos sugeridos

passa a ser sinônimo de bom comportamento e desta forma passam a serem marginalizados: os

fumantes, os obesos, os sedentários, hipertensos que abusam do sal e não tomam os

medicamentos conforme as prescrições, diabéticos que não fazem dieta, aqueles que fazem sexo

sem o uso do preservativo e etc... Assim sendo, cabe aos profissionais de saúde, sobretudo

àqueles comprometidos com a promoção da saúde, a identificação de hábitos não saudáveis numa

dada população e sua posterior correção. Sobre isto nos diz CASTIEL:

“Ainda, a idéia de promoção à/ em / de saúde apresenta a potencialidade de


veicular, mesmo implicitamente, posturas moralizantes de busca e manutenção
de retidão e pureza e de evitação de máculas que corrompam o estado perfeito de
saúde”. (1999. p.20).

20
Castiel se refere ao haicai de Millor Fernandes: “Probleminhas terrenos: quem vive mais, morre menos?” (1997).
35

Ainda sobre o mesmo assunto cabe destacar o que diz MATTOS:

“A adoção de comportamentos ditos mais saudáveis pode modificar a história de


muitas doenças e impedir o sofrimento de várias pessoas. Mas se feita de modo
imprudente, pode resultar em enorme sofrimento adicional. Isso é
particularmente importante num contexto cultural de idolatria ao corpo, da
expansão do consumo de bens e serviços voltados para o cuidado com o corpo, e
de exigências e sanções morais para quem não se cuida direito” (2004. p.130).

A partir do entendimento de que a pobreza tende a restringir o acesso a educação, serviços de

saúde e bens de consumo, pode-se inferir que os pobres terão menos oportunidades de serem

“conscientizados” quanto aos hábitos saudáveis. Estando, portanto, num grupo considerado de

alto risco, os pobres tornam-se então grupo preferencial das ações de promoção de saúde

promovidas pelo Estado.

A expansão de políticas públicas pautadas pela PS auxilia o processo denominado de

“medicalização”, conforme nos diz CAMARGO JR.:

“(...) essas propostas incorrem no risco de expansão ilimitada das oportunidades


de intervenção sobre os indivíduos e coletivos por parte das instituições de
saúde”. (2004.p.163).

A epidemiologia acaba por se tornar linha auxiliar preferencial da promoção da saúde, no

momento em que seus estudos de risco são utilizados para determinação dos estilos devida que

devem ser adotados pela população (CASTIEL,2006).

Um estudo realizado sobre as concepções de saúde nos parâmetros curriculares nacionais

identificou que para além da visão ampliada da saúde, os mesmos importavam fortemente os

conceitos de cidade saudável e de promoção da saúde da carta de Ottawa. Os autores ressaltam


36

que o conceito de promoção de saúde de Ottawa é fortemente influenciado pela ótica dos países

desenvolvidos e neste ponto fazem sua crítica:

“Ousamos dizer que a proposta de promoção da saúde, centrada na idéia de


qualidade de vida, pode ser produtiva em formações sociais onde o direito de
atenção à saúde e o acesso ao sistema de saúde já estejam razoavelmente
garantidos como direito de cidadania, mas que tal proposta ainda não é
pertinente em situações de maior precariedade, como a brasileira , tomada em
seu conjunto”. (COOPER & SAYD, 2006. p.187).

A inserção da PS nos currículos escolares tem ainda um segundo efeito deletério, o de

responsabilização única do indivíduo pelo seu estado de saúde, ao considerar que suas ações

individuais em prol de seu autocuidado são um exercício de cidadania (COOPER & SAYD,

2006).

A noção do autocuidado acaba por tentar romper com a tradição de que alguém que sofre deve

ser cuidado por outrem (SAYD, 2006).

Um dos conceitos derivados do ideário da promoção da saúde é o de “cidade saudável”. Os

primeiros movimentos neste sentido surgiram em Toronto no Canadá em 1978 “onde forram

estabelecidas linhas de ação política, social e de desenvolvimento comunitário no nível local,

como resposta aos problemas mais prevalentes de saúde pública naquele momento” (ADRIANO,

2000. p.54).

A partir da carta de Ottawa que estimula a “criação de ambientes saudáveis” o conceito de

cidade saudável ganha ares de movimento político e repercussão internacional e passa a fazer

parte da agenda da OPAS/OMS (WESTPHAL, 2000).

De acordo com um documento da OPAS o município saudável é aquele em que:


37

“(...) as autoridades políticas e civis, as instituições e organizações públicas e


privadas, os proprietários, empresários, trabalhadores e a sociedade dedicam
constantes esforços para melhorar as condições de vida, trabalho e cultura da
população; estabelecem uma relação harmoniosa com o meio ambiente físico e
natural e expandem os recursos comunitários para melhorar a convivência,
desenvolver a solidariedade, a co-gestão e a democracia”. (OPAS,1996 apud
ADRIANO,2000 pp.54-55).

No Brasil, o conceito da cidade saudável tem em Eugênio V. Mendes um de seus maiores

divulgadores. O assunto aparece como sub-tema do texto “Um novo paradigma sanitário: a

produção social da saúde” de 1996. Sobre a atuação dos governantes no novo paradigma sanitário

diz o autor:

“O governo da cidade, para produzir socialmente saúde, não pode mais


especializar uma secretaria porque os determinantes e o estado de saúde não
estão sob o controle dessa burocracia singular. Saúde, como produto social,
resulta de uma ação concertada de governo, sob a liderança de um prefeito
municipal. O prefeito, como gestor social, é o ator político condutor da produção
de saúde na cidade” (MENDES,1996. p.254).

O autor situa o movimento das cidades saudáveis no campo das utopias:

“Nesse sentido, a cidade saudável será, sempre, uma utopia estruturante dos
projetos presentes. É um devir constante que articula as ações cotidianas do hoje,
um processo em permanente construção que nunca estará acabado. É um
movimento que procura instituir uma nova ordem governativa na cidade, a
gestão social, informada pela vigilância da saúde. A saúde, como qualidade de
vida, é colocada como objeto de todas as políticas públicas21, entre elas as das
políticas de serviços de saúde” (Op. Cit. p.259).

Cabe ressaltar que as idéias de MENDES têm profundo eco nas políticas públicas do País que

fazem coro com a promoção da saúde, com destaque para a estratégia de saúde da família

defendida pelo próprio autor como lócus privilegiado para a produção social da saúde:
38

“A saúde da família, como estratégia de organização da atenção primária, deseja


criar, no primeiro nível do sistema, verdadeiros centros de saúde, em que uma
equipe de saúde da família, em território de abrangência definido, desenvolve
ações focalizadas na saúde; dirigidas às famílias e ao seu habitat; de forma
contínua, personalizada e ativa; com ênfase relativa no promocional e no
preventivo, mas sem descuidar do curativo-reabilitador; com alta resolubilidade;
com baixos custos diretos e indiretos, sejam econômicos, sejam sociais e
articulando-se com outros setores que determinam a saúde” (Op.cit. pp.275-
276).

O conceito de vigilância à saúde é constantemente citado nos documentos que tratam de ações

voltadas para a promoção da saúde. Segundo o CONASS a vigilância à saúde pode assim ser

conceituada:

“A vigilância à saúde pode ser definida como sendo a observação contínua da


distribuição e tendências da incidência de doenças mediante coleta sistemática,
consolidação e avaliação de informes de morbidade, assim como de outros dados
relevantes e regular disseminação dessas informações a todos que necessitam
conhecê-la” (CONASSb,2007. p. 19).

No programa de saúde da família esta tarefa recai principalmente sobre o trabalho dos agentes

comunitários de saúde que necessitam fazer uma espécie de “censo”22 mensal sobre o

comportamento das famílias sob suas responsabilidades.

O consolidado destas informações servirá de base para as intervenções das equipes de saúde

da família sobre a comunidade: nisso incluem-se ações curativas e ações de promoção da saúde

(palestras educativas e ações que visem modificar o comportamento das famílias).

21
Grifo nosso.
22
Entre as diversas tarefas dos ACS está o preenchimento do impresso denominado SSA2, no qual registra a situação
de saúde das famílias de sua microárea. O ACS deve ainda atualizar constantemente o cadastro da inicial das famílias
na Ficha A. Todos estes dados são consolidados no SIAB (Sistema de informação de atenção básica). No Rio de
Janeiro o sistema original do Ministério da saúde foi modificado de forma a comportar mais informações e exercer
um maior monitoramento da vida das famílias.
39

O conceito de vigilância à saúde que norteia as práticas das equipes de saúde da família é,

portanto mais amplo que o encontrado no documento do CONASS, neste ponto, encontra

paralelo no conceito defendido por MENDES:

“Assim a vigilância da saúde é uma nova forma de reposta social organizada aos
problemas de saúde, referenciada pelo conceito positivo de saúde e pelo
paradigma da produção social da saúde. Por conseguinte, essa prática tem de, a
um tempo, recompor o fracionamento do espaço coletivo de expressão da
doença na sociedade, articular as estratégias de intervenção individual e coletiva
e atuar sobre todos os nós críticos de um problema de saúde, com base em um
saber interdisciplinar e em um fazer intersetorial” (1996. pp.243-244).

A focalização inicial do PSF e do PACS operava no sentido da ampliação dos serviços de

saúde em direção a populações mais pobres sob o signo da equidade. Todavia os altos custos dos

tratamentos derivados do desenvolvimento sócio econômico passam a justificar a ampliação da

cobertura da estratégia PSF e, por conseguinte, das ações de promoção da saúde, para além das

regiões de pobreza predominante sob a justificativa da redução dos gastos com a saúde:

“(a) tão propalada crise fiscal do Estado acabou por impor a lógica de gastos que
busca justamente uma maior efetividade e eficácia das ações públicas no campo
da saúde, e para este fim as diversas fórmulas de autonomia do cuidado (...) são
apontadas como soluções adequadas” (NOGUEIRA apud CASTIEL, 1999.
p.23)

Desta forma podemos afirmar que o PSF , ao imbuir-se da missão de reformar a saúde tendo

como objeto de trabalho a mudança do estilo de vida, opera em prol da medicalização da saúde.
40

3.3 – A crise da saúde.

A principal justificativa para a criação do programa de saúde da família é a chamada crise da

saúde. Em seu dicionário de política, BOBBIO et al definem da seguinte forma o conceito de

crise:

“Chama-se crise a um momento de ruptura no funcionamento de um sistema, a


uma mudança qualitativa em sentido positivo ou em sentido negativo, a uma
virada de improviso, algumas vezes até violenta e não prevista no modo normal
segundo o qual se desenvolvem as interações do sistema em exame” (2004.
p.303).

A crise sanitária evoca para uma série de autores uma mudança paradigmática, no sentido que

a dão Kuhn e Boaventura de Sousa Santos, na estrutura da atenção á saúde.

O sistema vigente considerado hegemônico é sempre considerado hospitalocêntrico,

curativista, centrado no médico, biologicista, mecanicista e pouco resolutivo (CORDEIRO,

1996;MENDES, 1996; TRAD & BASTOS, 1998). A designação da Reforma de Flexner como

paradigma a ser quebrado é parte freqüente da retórica do PSF.

A análise da crise da saúde faz-se então necessária no sentido melhor entender o discurso em

que baseia a retórica do PSF.

O Welfare State (WS) foi fonte inspiradora para a reforma (e criação) da seguridade social e,

por conseqüência, das reformas do setor saúde de diversos países do mundo, entre eles o Brasil.

No campo da saúde coletiva, o modelo inglês no pós-segunda guerra se tornou a principal

referência mundial de proteção social. Este modelo propunha:

“(...) acesso igualitário e universal a um mínimo básico de seguridade social, e


que este mínimo seria garantido independentemente das contribuições
individuais. Para tanto, fundos públicos garantiriam a sustentação da proteção
social básica para todos”. (SIMÕES,2000. p.33)
41

Entretanto, para o WS fosse sustentável era necessário a manutenção do crescimento

econômico das economias nacionais. Todavia a crise econômica mundial causada, entre outros

motivos, pelo aumento do preço do petróleo, colocou em crise o W.S. Sobre isto nos diz

KORNIS:

“A crise dos nos 70 transformou o Welfare State de solução em problema, na


medida em que este, com seu crescente desbalanço entre beneficiários e
contribuintes agravava o desequilíbrio financeiro do setor público e amplificava
a instabilidade produzida pela emergência dessa crise (...) O Welfare State,
assim, se constituía não só num fator de agravamento da crise como também
num elemento de rigidificação a entravar o processo de ajuste” (1994,p.184).

A crise no WS proporcionou mudanças no sentido da redução da atuação do estado na criação

de uma seguridade social. Os sistemas de saúde se reorganizaram de modo muito menos pródigo,

como no Inglaterra e no Chile, enquanto as mudanças econômicas não foram favoráveis a uma

diminuição da iniqüidade entre os cidadãos, o que repercute negativamente na possibilidade de

melhores condições de saúde para todos. SIMÕES sintetiza as implicações da dimensão sócio-

econômica em dois aspectos:

“O primeiro aspecto relaciona-se a esta degradação das condições sanitárias


advindas da desaceleração econômica, do aumento das desigualdades sociais, do
desemprego e da precarização do trabalho e do aumento da exclusão social. O
segundo aspecto seria a fragilização dos Estados nacionais, até então o ator
social que cumpria a função de organizar o ambiente econômico de modo a
compatibilizar o aumento de produtividade do trabalho (...) com a expansão da
renda indireta, via benefícios sociais”.(Op. Cit. pp.43-44).

A conseqüência mais importante talvez, não apontada por Simões é que à falência do WS

corresponde uma diminuição da idéia de solidariedade como componente essencial de cidadania.


42

As propostas que diminuem a presença do estado na sociedade propugnam pela competição como

meta social de convívio.

A segunda dimensão é a cultural. Uma das características peculiares do séc. XX é

dissolução de valores consagrados na estrutura da sociedade burguesa montada sob a égide do

estado nacional forte do séc. XIX. Segundo Simões, as mudanças na estrutura familiar, com a

diminuição do convívio entre pais e filhos, consolidação do lugar da mulher no mercado de

trabalho, a diminuição de freqüência do modelo de família nuclear e a fragmentação cultural,

inclusive com surgimento de guetos geracionais que pouco se comunicam, (jovens e idosos,

p.ex.) originaram uma quebra na transmissão de valores e tradições, o que aumenta a freqüência

de conflitos, isolamento interpessoal e comportamentos chamados desviantes. Diminuem,

portanto os laços tradicionais de solidariedade familiar.

A dimensão cultural da crise sanitária engloba: o individualismo, a quebra das redes de

solidariedade, a fragmentação da família nuclear e a fragmentação da sociedade pelo

multiculturalismo (ibid).

E a terceira, uma dimensão demográfico-epidemiológica . Em poucas palavras poderíamos

relacionar os seguintes fenômenos como fatores influentes crise sanitária: as mudanças dos

padrões de morbi-mortalidade, o aumento da expectativa de vida ao nascer, associadas ao

processo de urbanização e de mudança do estilo de vida (SIMÕES, 2000). Estes fatores agindo

sinergicamente provocaram aumentos dos custos da atenção à saúde. VIANA & DAL POZ fazem

a seguinte contextualização para a realidade brasileira:

“Pode-se afirmar que as mudanças demográficas e epidemiológicas se


entrecruzam no Brasil, sendo que a transição demográfica tem nítida relação
com a transição epidemiológica em virtude da rápida transformação da estrutura
etária da população. (...). Esse contexto, formado por múltiplos problemas de
43

diferentes ordens, incidiu de forma bastante aguda na demanda e na oferta de


saúde, e passou a ser denominado, nos anos 90, de crise da saúde23. A crise da
saúde é uma das razões mais fortes para o início, a partir de 1995, da reforma da
reforma da saúde no Brasil, ou do processo de reforma incremental do SUS”
(2005. pp.227-228).

No que tange às mudanças demográficas podemos apontar o impacto do envelhecimento da

população nas contas da previdência social.

Assim sendo concordamos com as conclusões de SIMÕES:

“Este quadro de uma população mais envelhecida, socialmente mais vulnerável


e exposta a riscos de adoecimento por patologias complexas em sua etiologia e
complexas em seu manuseio são as ‘contribuições’ da dimensão
epidemiológico-populacional para a crise sanitária mundial. Não se trata mais de
medidas de baixa concentração tecnológica que serão capazes de dar conta dos
novos agravos à saúde. Ao contrário, se faz necessária uma intervenção
sofisticada, seja do ponto de vista sanitário, para se atuar no conjunto de
condicionante e determinantes deste conjunto de patologias multifatorial” (2000,
p.60).

23
Grifos dos autores.
44

4 - Considerações metodológicas:

Ao ser selecionado para trabalhar numa equipe de PSF o profissional de saúde é geralmente

submetido a um curso introdutório. Esta capacitação está prevista como uma das etapas da

implantação do programa de acordo com os manuais do ministério da saúde. A portaria

2527/2006 do Ministério da saúde define os conteúdos mínimos do curso introdutório bem como

sua carga horária mínima.

A concepção teórica-política do PSF, via de regra, é disseminada durante os cursos

introdutórios. Para tanto se faz uso de artigos e textos produzidos em meios acadêmicos e

políticos. No entanto a ênfase do curso é uma decisão política dos órgãos responsáveis pelo PSF

nas prefeituras.

Os diversos modelos de cursos introdutórios realizados na cidade podem refletir as intenções

dos gestores do programa. As mudanças ocorridas podem apontar as inflexões na política da

coordenação do programa.

Para tentar conhecer melhor estas mudanças no introdutório e conhecer as perspectivas

segundo as quais eles vêm sendo organizados utilizaremos a técnica da história de vida

(THOMPSON, 1992) para entrevistar gestores responsáveis pela elaboração de diferentes

modelos de cursos introdutórios e alguns profissionais que deles participaram. Segundo SAYD

(1998, p.9) “A história oral não é uma teoria, é uma técnica que vem sendo utilizada nos mais

variados campos, levantando o passado tanto quanto o presente, e permitindo uma análise mais

abrangente dos objetos pesquisados”.

As entrevistas não chegam a se caracterizar como história oral, pois não atingiram a extensão

costumeira, de mais de um encontro, várias horas de fita gravada. Não houve a pretensão de

esgotar o depoimento dos entrevistados para, a partir dos mesmos, fazer história, e sim, conhecer

as concepções e motivações dos gestores com o intuito de encontrar pistas para compreender o
45

processo segundo os quais as concepções em estudo se consolidam no processo político de

implantação do PSF. A coleta dos depoimentos suscitou nos entrevistados, no entanto, reações

típicas e conhecidas de quem pratica história oral: manifestações de nostalgia da trajetória vivida

e envolvimento emocional com choro em algumas passagens.

Ao buscar critérios para escolha do entrevistados notamos a necessidade de selecionar

profissionais que tivessem profunda relação com o programa, tanto no trabalho direto nas equipes

quanto em funções relacionadas à gestão do PSF. Procuramos profissionais que possuíssem

experiência na implantação do PSF no Rio de Janeiro (de onde surgiu à motivação para a

dissertação) e em outras cidades do país (neste trabalho: Teresópolis/RJ, Pinheiral/RJ e

Sobral/CE).

Utilizamos a entrevista semi-estruturada como método de coleta de dados, as mesmas foram

gravadas e depois transcritas para posterior análise.

Os relatos colhidos apontaram a forma como os entrevistados se inseriram neste processo de

implantação do programa e de que forma e que importância atribuem ao curso introdutório nesta

jornada. Inferindo que há um forte discurso de mudança por trás desta estratégia, a história de

vida dos entrevistados apontou a disposição dos mesmos em participar e talvez liderar processos

como esse. O confronto de discursos de sujeitos que passaram pelo mesmo processo histórico

demonstrou os conflitos subjacentes ao processo.

Concordamos com BECKER quando este diz que:

“Esta perspectiva difere daquela de alguns outros cientistas sociais por atribuir
uma importância maior às interpretações que as pessoas fazem de sua própria
experiência como explicação para o comportamento. Para entender porque as
pessoas têm o comportamento que têm, é preciso compreender como lhe parecia
tal comportamento, com o que pensava que tinha que confrontar, que
alternativas via se abrirem para si; é possível entender os efeitos das estruturas
46

de oportunidade, das subculturas delinqüentes e das normas sociais, assim como


de outras explicações comumente evocadas pra explicar o comportamento,
apenas encarando-as a partir do ponto de vista dos atores” (1999, p.103).

Sabemos, no entanto, que o conteúdo das entrevistas não pode ser considerado em si como

uma verdade absoluta. Foi necessário contextualizar a narrativa dos entrevistados, conforme nos

ensina BRIOSCHI & TRIGO:

“Muito facilmente, a riqueza dos relatos de vida leva o pesquisador, desprovido


de um quadro conceitual explícito, a reificar a narração, a tratar o discurso como
fato ao invés de uma determinada versão do mesmo” (1987, p.633).

A minha participação no processo de implantação e expansão da estratégia de saúde da família

na SMS/RJ me colocou em posição privilegiada para entrevistar os sujeitos, no entanto fez-se

necessário explicitar o meu grau de envolvimento com os mesmos e assim me despir da falsa

condição de neutralidade perante o objeto pesquisado conforme dizem BRIOSCHI & TRIGO e

SPINK:

“O processo de aproximação entre sujeito e objeto coloca em relação duas


espécies de intencionalidades: a do sujeito que procura conhecer e a do
sujeito/objeto do conhecimento. Assim sendo, o investigador se depara no seu
processo de pesquisa, com um objeto que rege a sua presença, detém um saber
que lhe é próprio decorrente de sua experiência de vida, capaz de atribuir
significado às suas ações e ao seu discurso, expressando e articulando seus
pensamentos à sua maneira. Essa é, justamente, a riqueza que se busca na coleta
de relatos de vida” (1987, p.633).

“... ao abordarmos a entrevista como uma situação relacional por excelência, a


expressão e produção de práticas discursivas aí situadas devem ser
compreendidas também como fruto dessa interação, ou seja, os integrantes,
incluindo o pesquisador, são pessoas ativas no processo de produção de
sentidos”. (SPINK, 2000 p.85).
47

O entrevistado nº1 é médico de formação com especialização em pediatria e trabalhou na

gestão do PSF do Rio de Janeiro entre os anos de 1996 e 2005. Foi o principal gestor do

programa no período em que o autor deste trabalho esteve trabalhando na estratégia. Atualmente

não trabalha mais na SMS/RJ e exerce cargo de gestão em atenção básica, além de outras funções

no município de Teresópolis/RJ.

O entrevistado nº2 é médico de formação com especialização em saúde pública e trabalhou em

cargo de gestão no programa de saúde da família, voltada principalmente para a coordenação dos

processos de educação continuada e demais treinamentos (incluindo o curso introdutório).

Atualmente exerce a mesma função no município de Teresópolis/RJ.

O entrevistado nº3 é médico de formação com especialização e ginecologia e obstetrícia e

trabalhou em cargo de supervisão em equipes de PSF entre os anos de 2001 e 2003, trabalhos

como médico de saúde da família em Sobral/CE no ano de 2003 e em 2004 retornou ao Rio de

Janeiro para exercer cargo de gestão local de equipes de PSF onde está até o momento e ainda

participa do grupo que coordena a confecção do curso introdutório atual.

O entrevistado nº4 é enfermeiro de formação e exerce cargos de gestão e supervisão de

equipes de PSF na cidade do Rio de Janeiro desde 1996. Atualmente coordena o eixo que é

responsável, dentre outros treinamentos, da confecção do curso introdutório.

O conteúdo das entrevistas foi categorizado de forma a descrever como os sujeitos entendem

as concepções contidas nos objetivos específicos do trabalho (unidade tradicional, necessidades

de saúde e referência) e o antagonismo PSF versus Modelo tradicional apontado no objetivo

geral. Igualmente, apontamos também categorias que surgiram nos discursos e que nos

auxiliaram a alcançar os objetivos da pesquisa. Cabe ressaltar que o método por nós escolhido

está centrado no discurso e no ponto de vista dos entrevistados e deles emergirão as categorias de

análise (BRIOSCHI & TRIGO,1987 p.636, SPINK,2000 p.78). As categorias pré-determinadas


48

foram norteadoras daquilo que queríamos pesquisar fundamentados em nossa pesquisa

bibliográfica, todavia não foram limitadores da análise.

As entrevistas foram analisadas segundo a técnica da análise de conteúdo conceituada por

BARDIN:

“Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por


procedimentos, sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas)
destas mensagens”.(1977,p.42)

Optamos por classificar os conteúdos das entrevistas de acordo com a freqüência, presença ou

ausência (BARDIN,1977 p.21) dos temas que já eram objetos iniciais da pesquisa ou que

surgiram durante os relatos de história oral ou de outras questões que formulamos durantes as

entrevistas.

As perguntas pré-formuladas foram:

1-Descreva sua trajetória de vida até chegar ao PSF?

2-Como você descreve sua trajetória durante o tempo em que trabalhou no programa?

3-Como você descreve sua vida profissional hoje?

4- Você participou de algum curso introdutório no início do seu trabalho?

Qual impressão ele deixou?

5-Você já organizou ou trabalhou em algum outro introdutório? Quais eram seus objetivos?

6-Como você gostaria que estivesse hoje o PSF do Rio de Janeiro hoje?

7-Como você espera que esteja o PSF do Rio de Janeiro no futuro?


49

Depois de seguidas leituras dos conteúdos das entrevistas pudemos definir cinco grandes

temas de análise:

1- O PSF no Rio de Janeiro: Relatos da implantação

2-Visão da prática : onde os entrevistados referem-se ao seu ideal ou representação da prática

do programa de saúde da família. Este tema foi dividido em três categorias: Prática tecnicista

versus humanista, Prática ligada à comunidade e Prática vinculada a bases teóricas :

vinculações teóricas invocadas para legitimar e conformar a prática;

3-Visão do PSF: onde os entrevistados referem-se ao PSF enquanto política de saúde e suas

implicações para as transformações desejadas nos profissionais de saúde e na estrutura das

secretarias de saúde em prol do programa. Este tema foi divido em duas categorias:

Transformação profissional (moral e intelectual) e Transformação estrutural;

4-Visão do profissional: onde os entrevistados referem-se a sua própria trajetória profissional

seus ideais e anseios. Este tema tem como categorias de análise: Ideal de serviço e formação

acadêmica;

5- Os conflitos: Onde os entrevistados relatam os choques vividos na implantação do PSF na

relação com a realidade e com estrutura dos serviços pré-existentes;

6- O curso introdutório: Onde os entrevistados descrevem suas avaliações sobre os modelos

de curso introdutórios oferecidos no âmbito da SMS-RJ.


50

5 – Resultados e inferências

5.1 – Tema : O PSF no Rio de Janeiro, Relatos da implantação:

O uso da metodologia da coleta da história de vida em entrevistas semi-estruturadas fez

emergir conteúdos que em muito extrapolaram as perguntas pré-selecionadas. Desta forma um

dos temas recorrentes da entrevista foi uma avaliação dos quatro entrevistados de suas

experiências e atuações no PSF do Rio de Janeiro.

“E... comecei a ir a Brasília a conversar sobre saúde da família e comecei a


gostar, e me interessar e comecei a desenhar o projeto para implantar umas
equipes dentro do hospital que eu trabalhava, que é o Hospital Rafael de Paula
Sousa, que todo mundo conhece como Hospital de Curicica, a gente montou
duas equipes, no módulo (...) todo mundo achava uma maluquice, montar um
módulo de saúde da família, dentro de um hospital, mas a gente tinha um
problema sério lá, que eram as vagas de ambulatório, acabavam sendo
absorvidas todas pela comunidade em torno, que era uma área de invasão e
agente não conseguia fazer uma... assistência ambulatorial diferenciada por
especialidade. E aí como a gente colocou a saúde da família lá, tinha um gestor
lá que acreditou nisso,a gente conseguiu uma parceria com a Iniciativa Privada
que construiu o módulo ...tanto que é um módulo um pouco diferenciado ...têm
umas obras de artes mais modernas lá e a Iniciativa Privada construiu o módulo
pra gente, fez a obra, o município entrou com o equipamento e com as equipes, a
gente já tinha, já tinha tido uma experiência frustrada com o Estado, (...) que
contratou os agentes comunitários pra lá, mas não contratou a equipe técnica,
então ficou uma coisa meia... meio sem pé, sem cabeça, mas, como num circo, a
gente pode entrar...foi em 2000, se eu não me engano, a gente entrou lá com as
equipes, como módulo, tudo direitinho” Entrevistado (4).

O relato acima demonstra um pouco as características das primeiras experiências que surgiam

de iniciativas oriundas das Coordenações de áreas programáticas com apoio do nível central.

“Porque já haviam experiências iniciais em 94 que foram introduzidos as


agentes da Maré pela 3.1 e tinha sido introduzido através do Daniel Becker que
era da Health Foundation uma experiência semelhante à Vila Canoas em
Paquetá como uma proposta piloto. Só que Vila Canoas era eu e uma agente
comunitária, só. Em Paquetá, ele entrou com a lógica Cubana, o Médico e o
Enfermeiro, ta certo? Sem agente comunitário. Então, na verdade era um pot-
pourri de experiências, mas que não tinha cara da Secretaria de Saúde. Eu acho
que na verdade a Cristina queria que a gente tentasse idealizar uma proposta que
51

tivesse a cara da Secretaria de Saúde. E aí foi isso, foi um início muito arrastado
o Doutor Gazolla é... nos dois/ três primeiros anos tinha uma resistência inicial
muito grande, no final do mandado que ele começou a respeitar o processo de
trabalho da Saúde da Família e tudo mais. Mas aí não houve a renovação do
Conde na época, foi o César Maia” Entrevistado (1).

O entrevistado relata as primeiras experiências que deram origem ao PSF-Rio, que evoluíram

de propostas marginais sem destaque no âmbito da SMS/RJ até chegar ao topo da agenda na

posse do ex-secretário Sérgio Arouca no ano de 2001. Neste ano foi estabelecido um objetivo de

implantação de 600 equipes na cidade. Cabe ressaltar que O entrevistado ocupou importante

cargo de gestão no PSF do município do Rio entre os anos de 1997 e 2005.

O fracasso da experiência de Sérgio Arouca à frente da SMS/RJ teve como legado chamar a

atenção do então prefeito para as possibilidades da implantação de um novo modelo de atenção à

saúde:

“Ele (César Maia) foi à Inglaterra e ficou encantando com o PSF... PSF não! É o
serviço de General Practician da Inglaterra. Então, ele me chamou e disse”:
- ‘ Olha , eu vou investir em você e no seu projeto’ Entrevistado (1).

A mobilização efetuada por Arouca para implantação das 600 equipes deixou profundas

marcas na memória da prefeitura do Rio:

“Aí o César Maia entrou com aquele furacão que você conheceu,que foi a
demissão em massa de todas as coordenações e com a entrada do Doutor Sérgio
Arouca (saudoso Sérgio Arouca) e eu acho que foi muito interessante. (...) Aí a
gente continuou enquanto coordenador e foi um momento muito difícil, porque
na verdade existiam nichos políticos que deviriam ser preenchidos e a
coordenação do PSF era um nicho político muito visado por eles, até porque eles
tinham uma proposta mega pra Saúde da Família. O Sergio Arouca e a equipe de
base dele apoiavam profundamente esse projeto, essa proposta, perdão. E... só
que ele não definia. Então, teve um momento que eu fui apresentada a quem
seria o coordenador do PSF e eu estávamos com o titulo de coordenadora do
PSF. Eu e essa pessoa tínhamos “assim” posicionamentos ideológicos
absolutamente distintos” Entrevistado (1)

Como forma de evitar o imobilismo o qual ficou caracterizada a gestão Arouca. O prefeito da

cidade buscou estabelecer uma parceria estratégica com uma ONG ,criada sob sua orientação,
52

com a finalidade única de gerenciar a infra-estrutura da nova expansão do PSF, o CIEZO. Esta

parceria marcaria o PSF-Rio no período compreendido entre 2002 até o presente momento:

“E... por outro lado a Secretaria não se apropria por saídas das pessoas
comprometidas com o Arouca, pessoas mais comprometidas com as inovações e
modelos como Entrevistado (1), Lúcia Souto, o nosso atual Ministro Temporão,
e essas pessoas saíram e deixaram a Secretaria com um bando... quem tinha o
poder realmente. Eram pessoas que não tinham compreensão do modelo de
atenção das mais atrasadas e tradicionais possíveis, e que viram aquele bonde já
em movimento (aquele trem) e ficaram com medo de ficar estancando no mato e
procuraram tirar proveito de alguns movimentos que já estavam iniciados. E um
deles é o próprio convênio que o Prefeito capitaneou pra organizar uma
instituição na Zona Oeste que pudesse contar com todas as instituições de
ensino da Zona Oeste e onde ele pudesse estabelecer como um parceiro
interlocutor pelo Poder Público pelo Governo da área de Saúde da Zona
Oeste. Que foi difícil. E a partir daí... (Risos) (...). Algumas coisas foram
interessantes pelo processo de que nunca é numa única direção” Entrevistado
(2).

O entrevistado acima foi a principal responsável pela gestão dos treinamentos e capacitações

do PSF-Rio até o ano de 2005.

“Então podia acompanhar isso de perto e isso foi muito rico pra mim. Esse
grupinho já estava selecionado, eram todos externos da Secretaria sendo pessoas
contratadas através de Ong´s e Associação de moradores e coisa tal. A
experiência que Secretaria estava a fim de tocar e essas pessoas estavam com
data marcada pra começar o treinamento. Havia um processo de discussão
capitaneado por Entrevistado (1) e Cristina Boaretto a respeito desse
treinamento. E esse treinamento estava pensado (...) meu foco desde que entrei,
até porque eu cheguei nesse momento, foi o treinamento” Entrevistado (2).

A gestão do PSF até o ano de 2005 tenta estabelecer o que chamavam de “jeito carioca” de

fazer o PSF. Essa tentativa de criar uma identidade para o PSF na cidade, distinta do PSF do

restante do país, ficou evidenciada nas constantes rupturas e mudanças de modelo de treinamento

introdutório para que os mesmo refletissem o ideário de seus gestores.

“Mas eu penso enquanto profissional, enquanto pensadora , digamos assim, que


a gente tem que realmente adaptar à nossa realidade. É muito diferente de um
interior onde você não tem uma outra opção mercadológica e o centro urbano.
Até porque você tem outras ambições, você tem vontade ser um professor, você
tem vontade de fazer uma especialização, um strictu sensu ou uma coisa assim.
Só que aí tem que ter realmente a intermediação do Estado e de alguém com alto
poder junto à esfera Federal. Na verdade, as pessoas querem trabalhar uma
lógica extremamente fechada num país que é extremamente democrático. Cuba é
de um jeito, mas Cuba tem uma lógica totalmente diferente da nossa, entendeu?
53

Inglaterra dá dinheiro suficiente pra aquele cara ficar muito bem” Entrevistado
(1).

“E foi o que a gente tentou fazer durante muito tempo. Botando as equipes
completas, capacitadas e aquela coisa toda. Mas na verdade o Estado reclamava,
o Governo Federal reclamava e eu defendia a lógica da coisa correta. Da coisa...
não é assim que vocês querem? Então, é assim que a gente vai colocar. Senão
não tem sentido regra. Mas eu acho que a gente tinha que inventar um modelo
carioca, eu acho que não basta só a gente enquanto município. Tem que ter a
inferência do Estado nessa história e a defesa disso no Ministério no
Departamento de atenção básica, pensando exatamente que as prioridades de um
Médico ou de um Enfermeiro num município do interior do Nordeste, são
diferentes das prioridades de nós Médicos e Enfermeiros de uma grande
metrópole” Entrevistado (1)

“É o jeito carioca de fazer PSF. Deveria ser. Só que eu acho... só que tem que
haver, primeiro eu não sei como está o Estado. Mas o Estado não participava de
nada que a gente fazia, eu acho que o Estado do Rio de Janeiro, ele tinha que
estar atuando fortemente nessa intermediação, entendeu? Não só do Rio de
Janeiro, mas do Estado de São Paulo. Porque São Paulo também (...), a cidade de
Belo Horizonte também, as grandes metrópoles. Até porque você não consegue
dar salários tão altos que sejam o suficiente pro cara só ficar ali. Então eu acho
que deveria haver esse momento como o Sérgio Arouca fez a Oficina das
Grandes Metrópoles” Entrevistado (1).

Com o trabalho interrompido em 2005, O entrevistado relata projetos que ficaram inconclusos,

projetos visando o dito jeito carioca. Faz também uma avaliação da atenção básica do município.

“Qual era o meu próximo desafio na época em que eu decidi que eu não ia
continuar mais? Era a otimização do trabalho através do perfil do Enfermeiro.
Pra ter os PACS com Enfermeiros que seriam muito mais do que orientadores
de agentes comunitários. Era o Enfermeiro fazendo acompanhamento de
crescimento e desenvolvimento, Enfermeiro fazendo o pré-natal de baixo risco...
Entendeu? Enfermeiro fazendo uma série de intervenções que o COREN
permitia e o COFEN permitia, entendeu? E que eu estava sendo chamada todo
dia no CREMERJ, porque isso ai estava na constituição do ato Médico. (...) Era
o nosso grande desafio, de você ampliar. Eu brincava sempre... eu acho que o
município do Rio de Janeiro anda na contra mão da historia. Porque todo
mundo quer implantar PSF e a gente acredita que o PACS bem trabalhado,
com seu potencial todo trabalhado, dá conta de muita coisa. A gente tem
uma rede municipal muito grande, não tem necessidade de a gente ter tanto
PSF´s e deixar essa rede obsoleta. A não ser que você se transforme em
policlínica, mesmo. Em uma unidade referencia secundaria, mas aí você tem que
reorganizar toda a rede e não fazer do jeito que na época estavam querendo fazer
na moda do vamos se embora” Entrevistado (1).
54

O relato de quem permaneceu até hoje na gestão do programa aponta algumas possíveis falhas

na sua implantação.

“Eu acho que aqui no Rio teve um grande erro. Quando o PSF foi na verdade
criado no Rio de Janeiro. Criado eu digo “assim” quando começou a expansão
das equipes, eu acho que faltou um pouco de dialogo da Secretaria internamente.
Faltou fazer um convencimento e mostrar as pessoas o quanto era importante em
algumas áreas do Rio o PSF. Então, eu acho “assim”, hoje no Rio de Janeiro não
se tem dois modelos e sim um único modelo, que é o modelo programático. Na
verdade Saúde da Família ele não trabalha e está longe de trabalhar na
lógica de ciclo de vida, ele trabalha com os programas” Entrevistado (4).

Há críticas também à manutenção da lógica dos programas de saúde.

“Pra você ter uma idéia, a gente tem que cadastrar as famílias com o remédio em
casa, quer dizer a gente paga uma empresa pra levar o remédio e o agente
comunitário é que carrega até a casa, entendeu? No meu ver isso é um absurdo,
porque no meu ver o remédio poderia ir pro almoxarifado do modulo e lá...
porque eu acho que pegaram a lógica do processo remédio em casa e implantar
dentro de Saúde da Família é maravilhoso, mas não precisa do Correio fazer
isso. Nós podemos fazer o saquinho e a caixinha e distribuir” Entrevistado (4).

5.2 - Tema : Visão da prática

5.2.1 : Prática tecnicista versus humanista:

Ao observar o relato das entrevistas pudemos perceber a descrição de uma dicotomia entre

uma prática humanista que deveria ser a característica do PSF e uma prática tecnicista que

deveria ser combatida pelo PSF.

“É muito diferente. Uma pessoa entrar com catapora dentro do consultório, todo
mundo sabe o que vai fazer com catapora. Agora, entrar alguém dentro do seu
consultório e dizer: ‘Doutor, eu vim aqui porque eu quero que o senhor me
ensine como é que eu vou viver melhor” – Entrevistado (4).

O relato acima descreve para além da dicotomia biológico versus humano o conceito de

qualidade de vida. O entrevistado ressalta o desafio hipotético de um usuário do SUS que procura

um serviço para aprender a melhorar sua forma de viver e que encontra um médico despreparado

para responder às suas angústias. Uma situação que acreditamos ser ainda pouco provável. Este

relato concorda com o que diz SOUZA:


55

“O trabalho médico dentro do programa de saúde da família inclui práticas que


habitualmente não fazem parte da formação deste profissional. (...) O primeiro
tipo no decorrer da demanda por fazer ações que não pertencem ao campo da
saúde. O segundo tipo se apresenta entre a realização de práticas aprendidas na
formação e de práticas pouco estruturadas ou não estruturadas durante sua
formação” (2001 p.51).

O entrevistado exemplifica sua inclinação ideológica com um episódio na adolescência onde

já defendia a cultura popular.

“(...) eu tinha quinze anos e encaminhei essa carta pro Ministro que nessa época
eu acho até que era o Arco Verde e falando sobre a importância da interiorização
do Médico, da importância da atenção básica, da importância da atenção
primária. A utilização de outras formas... imagina? Quinze anos...A utilização de
outras formas de conhecimento como: construção de fossa, aproveitamento da
cultura do povo e tudo mais” Entrevistado (1).

O entrevistado, ao relatar sua história de vida, justifica sua opção por uma prática mais

humanista e dá como exemplo um profissional que apesar de ser especialista apresentava uma

visão de integralidade:

“(...) quem me conquistou a fazer Ginecologia Obstetrícia foi uma professora


que era Ginecologista obstetra lógico, mas ela tinha uma visão muito da questão
da saúde pública dessa questão mais da integralidade, ...e ela me conquistou na
forma como ela abordava,as pacientes da forma como ela clinicava, porque ela,
ela...tinha essa visão de integralidade no atendimento, apesar de ser uma
especialista” Entrevistado (3).

O entrevistado explica sua opção pela especialidade pediatria encontrando em sua história de

vida uma inclinação para práticas que vão além da estritamente biológica em busca de visão

focada na família, uma das diretrizes do PSF.

“A minha opção foi Pediatria, porque foi à forma que eu encontrava de estar
dentro da família e das pessoas” Entrevistado (1).

Os quatro entrevistados apresentaram uma visão das práticas de saúde que rejeitam o saber

unicamente biomédico. Em alguns casos demonstram certo desprezo pelo atendimento


56

especializado. Em suas histórias de vida ressaltam o momento em que se inclinaram pela área da

atenção básica e da saúde pública:

“É que na verdade quando entrei na Prefeitura, eu não entrei na área da saúde


entrei na área de Educação porque antes de fazer Medicina eu fiz Biologia, ta?
Então, eu era professora de Ciências. E uma vez tendo feito Medicina, eu
durante a faculdade inteira não me identifiquei com absolutamente nada e
ao finalzinho da faculdade eu tive a oportunidade de trabalhar no projeto de
saúde escolar que era, é vamos dizer assim, coordenadas por pessoas ligadas a
ENSP (...) E eu me identifiquei com esta história e dali, é... a minha entrada na
saúde, ela se deveu a este curso que eu fiz na ENSP . De Saúde Pública,
especialização a Saúde Pública” Entrevistado (2).

“Aí eu trabalhei como Médica de Família durante quatro anos, até que em
96 eu optei por fazer... ah, não! Perdão, em 95 eu quis conhecer outras formar
de trabalhar Medicina de Família e fui na cara de pau no conselho Britânico
(ali na Urca) e pedi pra que eles bancarem pra eu estudar na Inglaterra. (Risos)”
Entrevistado (1).

“Até porque os professores lá, além disso, faziam práticas alternativas, você
imagina? Além das atividades básicas, faziam acupuntura, homeopatia, então aí
que achavam que eles eram (...) não tinham o pé no chão, mas, (...) eu fui mesmo
assim e gostei dessa experiência, foi bem válida, por isso que eu hoje percebo,
que eu sempre gostei da atenção primária, sempre gostei disso...” Entrevistado
(3).

Este último relato ressalta a experiência com práticas ditas “alternativas” durante sua

graduação. Associam estas práticas a atenção primária assim como o programa de saúde da

família as adota como prática mais humana e menos biomédica.

Em dado momento um dos entrevistados descreveu um episódio em que profissionais de

saúde da família presentes num curso introdutório negam que alguém oriundo da atenção

especializada possa trabalhar sob a lógica do conceito ampliado de saúde:

“A gente falando do conceito de saúde, aí eu perguntei assim para as pessoas


,pra você ver como este discurso está embutido na cabeça das pessoas de uma
forma:
- Vocês acham que é possível...
Até porque eu tenho vivência de hospital, entendeu? Então, eu vivi atenção,um
outro nível de atenção. De forma diferente do que as pessoas vivem pensando,
lógico é diferente o momento de atenção. Então, eu perguntei:
- É possível que uma pessoa que trabalhe no hospital como: um Cirurgião, um
Enfermeiro do centro cirúrgico. Qualquer outro profissional de saúde Assistente
social do hospital tenha uma visão de saúde e isso muda a sua prática?
57

E as pessoas disseram:
- Não!
Entendeu? E aquilo me marcou. E eu disse:
- Gente por que não? Por que a gente acha que nos viemos e somos os salvadores
da pátria e só nós temos essa visão de saúde? Não, gente” Entrevistado (3).

Outros estudos encontraram falas de profissionais de saúde da família semelhantes às

encontradas neste estudo como nesta fala de uma médica do PSF de Felipe Camarão do Estado

do Rio Grande do Norte:

“O PSF é uma coisa diferente do modelo que existia anteriormente. A principal


característica do programa é a humanização: tratar as pessoas de maneira
adequada como elas deveriam ser tratadas. É a abertura do serviço de saúde para
a comunidade: enxergar a saúde além do conceito de só doença, ver a saúde de
maneira mais ampla” (ROCHA,2000. p.57).

5.2.2- Prática ligada à comunidade:

Além da aversão a prática especializada foi possível observar em outros relatos, a inclinação

por uma prática mais próxima da comunidade e distante do hospital.

“E eu fui e fiquei nove anos fazendo terapia intensiva, trabalhava com operação
pós- cardíaca, doente queimado, ate que uma grande amiga minha, Fátima
Sousa, (...) ela foi trabalhar, como o programa de agente comunitário da saúde,
depois ela foi (...) trabalhar em Brasília, ela começou na Paraíba depois foi pra
Brasília e me convidou pra ajudá-la a montar um evento que foi o Primeiro
Seminário Internacional de Atenção Básica, que se realizou aqui no Brasil. Eu
fui ajudar, comecei a gostar um pouco daquela história dos agentes comunitários
de saúde...” Entrevistado (4).

O entrevistado acima relata o momento em que sua carreira fez uma inflexão ao abandonar a

assistência hospitalar em virtude da sua identificação com o trabalho dos agentes comunitários de

saúde e dos princípios da atenção básica.

O entrevistado abaixo demonstra como foi marcante o estágio fora do ambiente hospitalar

durante sua graduação em Medicina. O entrevistado não faz menção sobre as condições clínicas

dos habitantes do morro e sim apenas às suas condições de vida:


58

“Eu não me lembro o nome do morro e era enorme e muito lixo, e muita criança
em cima do lixo, assim pegando os restos de alimento e tal... e eu me lembro que
isso me marcou muito como acadêmica, ...e até algumas abordagens que os
próprios médicos tinham em relação aos atendimentos que eles faziam, já ali
percebi que era completamente diferente do hospital” Entrevistado (3).

O entrevistado associa a prática comunitária ao conceito de felicidade. Associa a residência

hospitalar a algo estranho a sua vida profissional:

“Tinha um monte de gente e eu fui a pessoa selecionada. Fui trabalhar em Vila


Canoas em São Conrado como Médica Geral Comunitária. (...) E eu me senti
em casa, na verdade ‘assim’ foi um momento de felicidade porque eu tive
estudado residência de Pediátrica, mas dentro de um hospital SPA que era dentro
do Fundão...(...) que não tinha muito a ver comigo, porque a minha vida inteira
foi atenção básica” Entrevistado (1).

O entrevistado faz uma crítica à forma como as equipes lidam com o agente comunitário de

saúde. Segundo o mesmo o ACS deveria ser a “voz da comunidade” no entanto, o saber

biomédico se impõe e a cala:

“No módulo é mais ou menos assim: o médico receita remédio, o enfermeiro


aplica a vacina, o auxiliar faz curativo. E o agente comunitário? O agente
comunitário fala: é a voz da comunidade. Tá bom, e aí, o que é ser a voz da
comunidade dentro dessa equipe? De repente a voz da comunidade diz que não
quer tomar vacina. Que não é importante pra eles tomar vacina. Mas a gente
acredita no nosso modelo biomédico que a vacina é o mais importante. Não é
verdade?” Entrevistado (3).

5.2.3- Práticas justificadas por bases teóricas:

Alguns relatos estiveram fortemente calcados em conceitos teóricos que poderíamos apontar

como “imagem–objetivo”.

“A academia, com raríssimas exceções, a academia ainda forma um modelo


voltado completamente pra doença, não que isso não seja importante, mas o
Saúde da Família, a estratégia de Saúde da Família te traz um outro modelo, que
é voltado pra qualidade, pra práticas de qualidade de vida, que é
completamente diferente da lógica de doença” Entrevistado (4).

O entrevistado defende que o profissional que trabalhará no PSF deverá ter uma formação

voltada para o conceito de qualidade de vida que segundo o mesmo é completamente diferente da
59

forma com que são formados atualmente, ou seja, voltados para a “lógica da doença”.Este relato

confirma as conclusões de FAVORETO:

“A concepção de mudança de modelo de atenção, assumida pela nob/96, além de


ter se baseado em conceitos e propostas de organização das práticas dos
movimentos de reforma no campo da saúde acima referidos, também incorporou
a sua retórica, elementos teórico-conceituais presente nas teses que defendiam a
orientação das políticas do setor saúde pela ‘ promoção da saúde’, tais como: as
noções de qualidade de vida, a dimensão ecológica, a perspectiva de
educação em saúde e de reorganização dos serviços24” (2002 P.17).

O entrevistado defende que o curso introdutório deverá preparar o profissional para trabalhar

em equipe, para tanto faz uso dos conceitos de inter e multidisciplinaridade:

“Eu acho que o Introdutório de hoje principalmente, ele tem que trazer essa
discussão: como que vocês vão trabalhar. Além de uma discussão de como é
trabalhar em equipe, com saberes diferentes. Como é que é essa história de inter
e multidisciplinariedade” Entrevistado (4).

No entanto apesar do debate proposto nos introdutórios a demanda da população vai de encontro

a estes preceitos conforme o que nos diz a pesquisa de FRIEDRICH & PIERANTONI sobre Juiz

de Fora/MG:

“O processo produtivo é organizado de forma parcelada, fragmentada e isolada.


Os trabalhadores se colocam disponíveis para atuar em conjunto, demonstram
interesse pelo que fazem, mas a demanda da comunidade pela assistência de
saúde tradicional é intensa e forte. Eles se encontram em um espaço de conflito,
onde há contradição entre o que é proposto pelo PSF e a vontade dos usuários”
(2006 p.89).

O entrevistado prescreve um introdutório mais voltado para as concepções do processo saúde-

doença. Faz uma crítica ao excesso de discussão política dos cursos em detrimento de uma

discussão mais técnica.


60

“Um pouquinho do processo saúde e doença, um pouquinho sobre o SUS, um


pouquinho sobre territorialização. Mas também muitas coisas sobre saúde e
doença, porque eu acho um déficit nós nossos treinamento introdutórios
tradicionais. Trabalhavam muito a lógica do programa, a política , mas não
trabalham também a situação prevalente” -Entrevistado (1).

O pensamento de que o “PSF é prevenção”, apontado pelo relato pode ser reflexo da retórica

anti-flexneriana por demais repetida durante os cursos introdutórios de PSF somada a ênfase dada

ao conceito de promoção da saúde:

“Eles aqui (Teresópolis-RJ) ainda pensam que PSF é prevenção. Que o PSF é
acompanhar o crescimento e desenvolvimento, acompanhar o pré-natal,
acompanhar o hipertenso com palestras e com grupinhos, imunizar e não
trabalha a lógica de que atenção básica, ela trabalha desde a promoção até a
reabilitação sem exceção”. Entrevistado (1).

Alguns trabalhos já apontavam para estes caminhos adotados pelo discurso do PSF:

“Portanto,a idéia-força apresentada pelo ministério da saúde é realizar uma


intervenção no ambiente familiar capaz de alterar o perfil populacional por meio
da vigilância à saúde.” (SOUZA,2001. p.17)

“O PSF pretende romper com o modelo hospitalocêntrico orientado para a cura


de doenças em busca de uma reorganização da prática assistencial em novas
bases e critérios" (ESTELLITA,2006. p.12).

“A avaliação crítica sobre modelo experimentado de atenção primária à saúde,


por não conseguir romper o modelo flexneriano, mantendo uma hegemonia de
atenção médica, faz com que a perspectiva de municipalização tenha como
característica a experimentação de um novo modelo, o da distritalização da
saúde consubstanciado no paradigma da promoção à saúde.25” (GUTIERREZ
apud ROCHA,2000 p.31)

Em outro relato um dos entrevistados menciona a deficiência no ensino de práticas de

educação em saúde em sua formação.

24
Grifos nossos.
25
Grifos nossos
61

“Então, eu fazia, fazia sozinha. Não tinha nenhuma orientação, quer dizer...até
esses médicos me orientavam, mas não tinha assim, alguém que me ensinasse a
fazer educação em saúde, que abordasse esse tema, eu fazia por intuição”
Entrevistado (3).

5.3: Visão do PSF.

5.3.1 : Transformação Moral:

O profissional do PSF aparece nas entrevistas como um sujeito que precisa passar por uma

profunda modificação de suas práticas e pensamentos. Alguns relatos criticam essa transformação

forçada, outros a defendem.

“Agora, as formas de enfrentamento é que precisam ser discutidas. Precisa-se


dizer para as equipes, por exemplo, que eles serão os administradores da
unidade. Coisa que no modelo tradicional isso não acontece. Tem um chefe,
um administrador, um chefe de almoxarifado, um chefe de programas. E no
Saúde da Família, na verdade, a equipe toda, ela meio que divide essas
atividades entre eles”. Entrevistado (4)

“Eu fico achando que esse profissional não existe, eu acho que a formação da
equipe que tem que ter esses quesitos talvez. Talvez seja por aí. Um é líder,
outro é melhor na promoção, outro tem uma assistência ótima e aí a gente vai
compondo da melhor forma. Eu acho que esse profissional é meio... Não existe.
De qualquer forma isso que é pedido”. –Entrevistado (3)

“É engraçado na aula do Mestrado essa semana, o professor falou justamente


uma coisa que eu falo:
- Querem que o profissional seja um super/ hiper profissional. Um super-
homem. O cara tem que ser líder, a pessoa tem que ter liderança, a pessoa tem
que saber trabalhar em equipe tem que ser uma boa comunicação tem que ser
bom na assistência, bom na promoção.
Aí eu falei:
Caramba, eu fico achando que esse profissional é meio ilusório” Entrevistado
(3).

“Porque você Médico distribui remédio e não quer saber da vida da pessoa,
no modulo não. No Saúde da Família se no outro dia ele estiver com fome, ele
vai lá falar com você que não tem o que comer. Aí você tenta uma cesta na
Igreja, no centro espírita, na associação. E no outro dia ele também não tem o
que comer e começa a se desmotivar. Nós tivemos um óbito agora de um
paciente tuberculoso que a gente não podia cuidar dele porque ele não queria
que os amigos dele do emprego soubessem que ele tinha tuberculose. Porque
senão ele iria perder o emprego. E foi muito difícil e ele foi a óbito, porque ele
abandonava o tratamento. Todo mundo de EPI ia a casa dele pra dar o
comprimidinho dele, no outro dia quando ele estava no trabalho ele nem queria
62

ver. Quando ele via o pessoal passar do Saúde da Família ele se escondia e
acabou que ele foi a óbito” Entrevistado (4).

Os relatos acima apresentam o profissional de saúde da família como um profissional que

deverá ser polivalente. No primeiro em tom de defesa, no segundo em tom de crítica, em todos a

conclusão de que este profissional não existe no mercado. Na terceira fala o entrevistado defende

que o profissional médico participe de diversos momentos da vida de seu paciente para além do

atendimento puramente biológico. Estas falas concordam com o que diz SOUZA sobre a atuação

médica:

“A sensação que nos passa é de uma sobrecarga com todas as novas atividades,
quer dizer, cuidar da saúde mental das pessoas, resolver conflitos, resolver
problemas administrativos do posto, além de exercer a sua função de médico no
atendimento individual e de cuidar dos problemas inerentes àquela comunidade”
(2001 p.55).

O entrevistado defende que o introdutório deverá induzir a uma mudança de comportamento

dos profissionais que irão trabalhar no PSF.

“Existem os desacordos, existe... como se diz... as ofensas que se dão


verbalmente, mas às vezes até dentro do processo de trabalho, muitas vezes um
ofende o outro. Então isso precisa ser discutido. Eu acho que o Introdutório hoje,
ele tem que trazer no seu corpo essa discussão. Como que vocês vão se
comportar. É uma mudança até de comportamento, pra ser um profissional
de Saúde da Família”. – Entrevistado (4)

Este relato parece concordar com o diz GOMES:

“Assim, a dimensão da cultura na análise das práticas do PSF é fundamental. Ela


requer uma reforma intelectual e moral dos sujeitos26, sejam eles profissionais e
usuários e gestores” (2005 p.34).

O curso introdutório do PSF do Rio de janeiro em dado momento iniciava-se com um

psicodrama em três sessões com o intuito de preparar os profissionais para a árdua tarefa de

transformação social.

“Bem, eu passei pelo curso introdutório do Sobral. Fiquei um ano lá e voltei,


quando voltei pro grupo de apoio técnico do PSF e aí que eu fiz o introdutório.
26
Grifo nosso
63

Eu não tinha feito um introdutório antes, o introdutório do Rio que eu fiz era
quase um mês. Porque eram duas semanas de psicodrama, eu acho que eram
três/ quatro dias que de psicodrama. Eu não me lembro direito, eu acho que eram
três semanas ou era quase um mês que você ficava por conta do... e o
psicodrama, até hoje eu não entendi muito bem. Até hoje eu não sei qual era a
intenção daquele psicodrama” Entrevistado (3).

Esta idéia vai ao encontro ao que nos diz GOMES:

“Parece evidente que o desempenho do processo de trabalho do PSF deve estar


relacionado à existência de profissionais que têm claro em suas mentes seu papel
de agente transformador, assegurando a participação e o controle social,
tornando transparentes as informações, criando vínculos efetivos entre usuários e
equipe e estabelecendo relações de trocas e confiança. (...) O conceito de
transformação social aqui proposto é o de Gramsci, segundo o qual a
transformação (revolução) é concebida como processo de construção de
uma nova hegemonia (processo de articulação de diferentes interesses em
torno de um projeto de transformação) 27” (2005 p.31-32).

Cabe aqui uma digressão acerca do psicodrama e do uso de dinâmicas de grupo em educação.

A dinâmica de grupo tem sido utilizada principalmente em três áreas: na saúde (com finalidade

profilática e terapêutica), na área pedagógica e na área humana (para tratar de assuntos relativos

ao social). As bases e a fundamentação da dinâmica de grupo são bastante diversificadas. Ela

pode fundamentar-se em várias escolas: psicanalítica empirista, gestáltica e psicodramática. O

psicodrama, conforme nos diz FONSECA apud NUNES et al é:

"A busca da verdade de um grupo humano, que discute seus problemas em


relação ao tema proposto. E uma intensa experiência pessoal (...), buscando a
participação integral do indivíduo (...) inclusive corporal e não somente verbal.
Sendo também o ensaio, o treinamento do indivíduo no papel em foco,
caracterizando-se como uma experiência de grupo, vivida para o grupo e pelo
grupo." (1995 p.46)

27
Grifo nosso
64

Conforme nos diz ROMANÃ:

"Teatro é a possibilidade de desempenhar papéis (...) de se transcender a


perspectiva pessoal. A anedota, a circunstância, o detalhe, passam a ser
relacionados dentro de um contexto mais amplo, que os envolve e sustenta, de
forma a torná-los significativos sem que percam sua relatividade”. (1987.
P.43).

Fica evidente, portanto que opção pelo uso desta técnica antes do conteúdo teórico busca uma

coesão dos grupos no sentido de operar um papel transformador nas comunidades onde iriam

trabalhar.

No relato abaixo há uma autocrítica ao fato dos gestores do programa não possuírem

experiência no cotidiano das equipes. De acordo com o entrevistado para exercer estes cargos

seria fundamental ter a experiência da ponta.

“Aí eu fui, foi uma experiência muito boa e todo mundo tem que começar com
essa experiência de ponta faz muita diferença na sua pratica e no seu
entendimento depois que você vai pra gestão, nas dificuldades que os
profissionais passam... Muitas vezes as pessoas que gerenciam que não
estiveram na ponta e isso cria uma lacuna, o profissional que fica na ponta fala e
o cara que está na gerencia não aceita ou não compreende. Pode até aceitar, mas
não tem entendimento ou uma compreensão daquilo, daqueles problemas, as
angustias, as dificuldades que é você estar lá diretamente ligado à assistência”
Entrevistado (3).

5.3.2 - Mudança estrutural.

Algumas falas apresentavam o PSF como protagonista de uma mudança na estrutura da

atenção à saúde.

O entrevistado relata os conflitos causados pela retórica que antagoniza os modelos existentes.

No entanto questiona-se se haveria outra forma de implantação do programa:


65

“Talvez tenha sido essa a estratégia que foi feita, pra conseguir implantar o PSF
no Rio de Janeiro. Mas isso criou dificuldades muito grandes. Porque as
unidades têm que conviver com o sistema de saúde que está acontecendo já. E aí
a gente a toda hora iria pra um embate com os diretores de unidades, com as
próprias coordenações de saúde, quer dizer algumas e não todas. Houve uma
dificuldade muito grande nisso por conta dessa forma de implantação do PSF no
Rio de Janeiro. Mas eu não sei se era necessário nessa época, não sei se teria
uma outra forma de implantação”. Entrevistado (3).

Segundo Gomes este antagonismo não só é inevitável como desejável:

“Tomando essa definição de Antônio Gramsci, para o qual o estado é um


momento provisório da sociedade civil, e atribuindo às e instituições e às
práticas o protagonismo na democratização de ações das políticas sociais. (...)
Parte-se do entendimento de que a atuação das equipes de saúde da família
nesses centros urbanos se apresenta como uma grande arena de luta por
posições, saberes-poderes, cujos dispositivos podem exercer a função
intercessora de relações sociais e de saúde e entre democracia e cidadania.
(GOMES, 2005 p.27)".

O relato abaixo exemplifica o que seria este modelo de transformação, o entrevistado fala

sobre sua experiência na cidade de Pinheiral-RJ:

“Eu fui dando alguns pitacos durante o processo e falei “assim”:


- Mas porque que vocês não acabam com essa atenção básica louca (que é o centro
de saúde) que não capta, trabalha numa lógica toda programática... mantém o
programa de hanseníase tem dois hansênicos na cidade, mantêm o programa de
tuberculose e tem sete tuberculosos na cidade. “E a gente faz uma virada aí, bota
Saúde da Família em tudo e cria um Núcleo de Vigilância e Saúde junto a
Vigilância Epidemiológica e Vigilância Sanitária com o Núcleo de Vigilância da
Saúde, criando a Vigilância da Saúde”. Entrevistado (4)

O entrevistado relata a mudança nas formas de intervenção da SMS de Pinheiral:

“(...) e foi... uma pessoa lá da Epidemiologia uma sanitária que era Bióloga de
informação, ela criou um sistema de monitoramento... é dois sistemas de
informação, ela criou o sistema que monitorava os sistemas. Então, ela pegava e
fazia um consolidado de dados municipais e todo mês, e apresentava. Muito
interessante. Aí ela começou a trabalhar com os indicadores de Atenção Básica e
a projeção de mês a mês se as equipes estavam atingindo ou não atingindo esses
indicadores e o que eles precisavam fazer pra atingir no mês que vem”.
Entrevistado (4)
66

O mesmo ainda demonstra as possibilidades de modificação de estratégias já consagradas na

saúde pública brasileira:

“Com o passar do tempo, a gente discutia muito se lá a lógica da campanha de


vacina funcionava pra Pinheiral. Porque não funcionam mais. Os idosos então
não iam no modulo porque sabiam que a equipe ia na casa. Então, tinha toda
essa relação. As campanhas de vacina lá acabavam sendo uma festa na praça
pública. O Prefeito aproveitava pra fazer uma festa pra criançada, ele colocava
pula-pula e não sei o quê”. Entrevistado (4).

A mudança estrutural da SMS era o passo inicial de uma desejada transformação da

comunidade, conforme é apresentado no relato seguinte:

“Por exemplo, as crianças lá (Pinheiral/RJ) não tinham férias escolares. Eles


paravam de estudar aquela matéria que estava prevista no ano, mas eles tinham
reforço, merenda e lazer na escola o ano inteiro. Que era um diferencial muito
grande. Nós criamos também lá o agente comunitário escolar que era uma
criança de cada sala que trabalhava com a equipe de Saúde da Família que
aquela escola estava vinculada. No sentido de observar o comportamento
daquelas crianças. Aí tinham vários projetos como: a horta escolar. Era
completamente diferente porque era um município muito pequenino, não pode
nem comparar com o Rio de Janeiro”. Entrevistado (4)

O entrevistado relata sua experiência na gestão do PSF na cidade de Pinheiral/RJ. Vista como

experiência ideal pelo mesmo, o entrevistado exemplifica ações de transformação como o fim das

férias escolares e a criação do agente comunitário escolar “no sentido de observar o

comportamento daquelas crianças”.

Esta busca por uma mudança comportamental da comunidade vai ao encontro ao que nos

dizem TRAD & BASTOS:

“Com base nos aspectos citados pensa-se que um processo de avaliação do


impacto do programa de saúde da família (PSF) deve ser estruturado com base
na investigação de mudanças comportamentais e culturais28 em torno do
processo saúde-doença: desde representações e práticas culturais relevantes para
tal processo a estratégias utilizadas pela família para enfrentamento de
problemas de saúde”. (1998 p.433)

28
Grifo nosso.
67

Há ainda a descrição da intervenção do setor saúde (e do PSF) em outros problemas da cidade:

“Nós temos um serio problema lá de abastecimento de água. Então, a Secretaria


de Meio Ambiente qualificou os agentes comunitários, qualificou as equipes
para trabalhar a questão do abastecimento de água. O SIAB quando era
apresentado lá nas reuniões das Prefeituras dos secretários do colegiado lá de
gestão, o que a gente apresentava resultados qualificativos e quantitativos pro
SIAB era o que norteava as ações no trimestre da Prefeitura. Então,Parque Maira
não tinha água encanada, quando nós saímos lá da gestão eles já estavam com
água encanada”. – entrevistado (4)

Estes excertos parecem ir ao encontro do conceito de cidade saudável (MENDES,1996).

5.4 – Visão do profissional

5.4.1- ideal de serviço.

Os profissionais entrevistados apresentam relatos que podem ser enquadrados naquilo que

podemos chamar de ideal de serviço (DONNANGELO apud BULCÃO, 2000).

“Eu dizia que queria ser Médica, teve um momento que eu quis ser realmente
Enfermeira, mas meu pai não me deixou. Porque a gente morava no interior e ele
dizia que eu não iria conseguir mercado de trabalho. Porque eu acho que na
minha lógica de vida eu tenho muito mais perfil de Enfermeira do que perfil de
Médica, mas foi ótimo ter feito Medicina. Eu não me arrependo, eu adoro
Medicina, adoro atender as pessoas, ter contato e adoro ser Médica mesmo.
Que... lá desde meus nove,dez anos em 1976 com dez anos, eu participava das
campanhas de vacinação no inicio da campanha de Pólio”. – Entrevistado (1)

Cabe ressaltar que aquilo que o entrevistado aponta como vocação para o exercício da

medicina está o gosto por atender pessoas, o que também pode ser relacionado ao relato “eu

tenho muito mais perfil de enfermeira...”, neste caso uma clara crítica à prática médica voltada

exclusivamente à cura de doenças. Relata também a participação em atividades de saúde pública.

O entrevistado demonstra sua inclinação desde a formação para aquilo o que é denominado

“enfermeiro de beira de leito”, o que poderíamos dizer que é o equivalente ao “médico que cuida

de pessoas”. Há uma crítica pesada a enfermeiros que dedicam mais a atividades administrativas

e burocráticas chamados pejorativamente de “enfermesas”:


68

“Sou enfermeiro, me formei em 1986, e era do movimento estudantil


,trabalhava na questão das diretas já ...naquele momento, era um movimento
estudantil muito diferente do que tem hoje ...tinha uma rixa desgraçada
partidária ...o PT e o Pc do B e agente era do grupo do PT e eu era do diretório
acadêmico fui presidente do diretório acadêmico, fui da...da Organização
Nacional do Movimento Estudantil de Enfermagem. E naquela época tinha um
movimento de saúde também, porque na verdade as profissões de saúde elas
buscavam uma identidade, uma nova identidade ...uma coisa mais de assistência,
da assistência mesmo ...A enfermagem buscava muito ser o enfermeiro de
beira de leito ...” – Entrevistado (4)

O relato emocionado do entrevistado abaixo demonstra sua fidelidade a princípios que o

mesmo defende desde os tempos de adolescente em formação universitário quando enviara uma

carta ao ministro da saúde defendendo a medicina de família:

“E que a minha grande tristeza que o que eu queria ser, não existia não Brasil;
que era o Médico de Família. E “assim” eu te confesso que quando eu pedi
demissão lá da Secretaria, e eu pedi demissão por incompatibilidade de
ideologia. Quando eu li essa carta simples, eu disse:
- Não me corrompi, eu continuo sendo aquela menina de quinze anos”. Entrevistado
(1)

O relato acima confirma a condição a busca pelo entrevistado por um ideal profissional

contido no próprio conceito de profissão definido por FREIDSON e citado por BULCÃO:

“Em suma, alinharam-se ao pensamento ideológico contido no conceito


tradicional de profissão – ‘expertise especial e probidade moral’ (...)
Tradicionalmente, então, as profissões se definem por estarem a serviço da
necessidade pública, fazer uso de conhecimento esotérico e apresentar
habilidade complexa” (2000 p.21).

Ainda na mesma linha defendida por BULCÃO, o entrevistado relato sua saída do cargo de

gestão do PSF-Rio:

“E na verdade eu cheguei à conclusão de que eu não queria nem autonomia


orçamentária, nem continuar como coordenadora do PSF. Porque na verdade, na
verdade maior eu sou uma Médica de família. (Risos) Entendeu? Eu não sou
uma coordenadora, eu gosto de estar com as pessoas”. Entrevistado (1).
69

O relato da médica exemplifica o que entendido pela mesma como um mau médico: o livro

ambulante que descreve todas as doenças, mas não põe a mão no doente:

“Então, o cara era um livro ambulante e isso era tido, era muito valorizado pelos
acadêmicos, não que isso não fosse importante, mas eu sentia falta de trazer ele
para perto do paciente, sabe? De ter um contato, de dizer:
- Olha, examina, olha a acara do doente, olha...
Ele não examinava, ele não botava a mão em nenhum. Eu nunca vi aquele cara
botar a mão em nenhum paciente. E eu dizia pros meus colegas:
- Isso não é médico, entendeu?! Decorar livros tem um monte de gente que
decora, sabe?! Eu posso botar um advogado pra ler livro de medicina e ele vai
ler e vai te explicar tudo de parte medicamentosa, mas ele não vai botar a mão
no doente, entendeu ?”– Entrevistado (3)

O mesmo entrevistado revela outras facetas da sua concepção de profissão, como a

preocupação com a imagem da profissão, que hoje é representada entre os demais profissionais

como inteiramente desprovida de ideal de serviço:

“Me preocupa a questão da assistência, porque também o Médico de um tempo


pra cá ele é um vilão na área da Saúde e têm motivos do próprio Médico de
responsabilidade dele, eu acho que também tem uma boa parte institucional por
trás disso . Mas de qualquer forma ele virou vilão, você por ser Médico você já
criticado e escorraçado atualmente por ser Médico. Então, eu já vou a varias
reuniões... numa dinâmica quando é pra você falar o modulo do Médico, sempre
colocam o Médico como um cara que não está nem aí, que não olha o paciente.
É esse o perfil de Médico que tem no inconsciente das pessoas. Então, quando
eles vão fazer uma encenação de Médico é assim que eles colocam”.
Entrevistado (3).

A entrevista sugere, portanto, que a visão negativa dos médicos não é decorrente apenas de

sua postura, é algo também “fabricado” institucionalmente. A afirmativa é vaga, mas deixa claro

que o entrevistado identifica uma atividade organizada de algum tipo voltada para a elaboração e

difusão de um “discurso contra-o-médico”

Segundo o mesmo entrevistado, desvalorizar o trabalho do médico prejudica o braço

assistencial do PSF que não pode ser só promoção da saúde. É a fala do monopólio da prática

profissional: a articulação do trabalho específico, insubstituível da assistência, que é o de


70

diagnosticar e medicar, constitui-se em um elemento complicador para a organização do trabalho

em equipe:

E isso me preocupada por que...aí colocam o treinamento do Médico agora pro


outro lado completamente oposto que ele tem que trabalhar em equipe. Pô, legal
trabalhar em equipe. Mas ele tem uma responsabilidade que cabe a ele que é
assistência, eu tenho que medicar, eu tenho que diagnosticar. “Então, essa é uma
competência minha”. Entrevistado (3)

O entrevistado faz menção à desvalorização do trabalho do médico no discurso do PSF. Numa

crítica radical ao modelo atual, também chamado médico-hegemônico, o discurso do PSF

enfatiza as ações que intervém sobre os riscos à saúde e , como deprecia as características das

práticas atuais chamadas pejorativamente de “curativistas”, deprecia por conseqüência a figura do

médico e da clínica.

5.4.2- Formação Acadêmica:

Relatos que apontam a formação profissional como um dos fatores que concorrem para o

sucesso ou insucesso da implantação do PSF, aparecem no decorrer de todas as entrevistas. No

entanto, foram poucos os excertos que puderam ser classificados exclusivamente nesta categoria.

Desta forma para analisar este item torna-se necessário repetir relatos, ou parte delas, que já

foram categorizados em outros itens.

O entrevistado apontou falhas durante sua própria graduação que não dava ênfase às práticas de

atenção básica:

“Então, eu fazia, fazia sozinha. Não tinha nenhuma orientação, quer dizer...até
esses médicos me orientavam, mas não tinha assim, alguém que me ensinasse
a fazer educação em saúde, que abordasse esse tema, eu fazia por intuição”.
Entrevistado (3).

“...eu gostei, eu gostei dessa prática, acho que também não...é valorizado na
faculdade. Eu acho que essa questão da atenção primária de uma unidade
básica de saúde a gente não aprende a valorizar, quando eu fui pra lá quando
eu falei pros meus professores dentro do hospital que eu ia pro posto de saúde eu
fui altamente criticada”. – Entrevistado (3).
71

“...eu acho que a faculdade não me deu oportunidade de ter um contato com
maior,uma aproximação maior, um entendimento melhor do que era, porque
não tinha essa abordagem” – Entrevistado (3).

O entrevistado faz menção a uma formação voltada para o modelo biomédico que de acordo

com seu ponto de vista é prejudicial ao programa de saúde da família:

“A academia, com raríssimas exceções, a academia ainda forma um modelo


voltado completamente pra doença, não que isso não seja importante, mas o
Saúde da Família, a estratégia de Saúde da Família te traz um outro modelo, que
é voltado pra qualidade, pra práticas de qualidade de vida, que é completamente
diferente da lógica de doença”.Entrevistado (4)

Entrevistados apontam o que, em suas considerações, acreditam serem assuntos importantes

para a formação de um profissional apto para o programa de saúde da família:

“E lógico, eu tenho que trabalhar em equipe tenho que aprender a ter esse
aprendizado, essa vivencia ,que eu acho que tem que ser dada durante a
graduação, e eu acho que é uma coisa que tem que ser discutida, de trabalhar
em equipe é importante. Mas estão esquecendo esse lado”. – Entrevistado (3)
“Eu acho que os profissionais que vem pra estratégia são profissionais que
estão despreparados e não existe a preocupação de uma qualificação pra
estratégia de Saúde da Família”. Entrevistado (3)

Os entrevistados apontam as oportunidades que tiveram em sua graduação de ter contato com

práticas de atenção básica. Apontam também as opções que tomaram em suas carreiras:

“...quem me conquistou a fazer Ginecologia Obstetrícia foi uma professora que


era Ginecologista obstetra lógico, mas ela tinha uma visão muito da questão da
saúde pública dessa questão mais da integralidade, ...e ela me conquistou na
forma como ela abordava,as pacientes da forma como ela clinicava, porque
ela, ela...tinha essa visão de integralidade no atendimento, apesar de ser
uma especialista”.– Entrevistado (3)

“A minha opção foi Pediatria, porque foi à forma que eu encontrava de estar
dentro da família e das pessoas”. Entrevistado (1)

“É que na verdade quando entrei na Prefeitura, eu não entrei na área da saúde


entrei na área de Educação porque antes de fazer Medicina eu fiz Biologia, ta?
Então, eu era professora de Ciências. E uma vez tendo feito Medicina, eu
durante a faculdade inteira não me identifiquei com absolutamente nada e ao
finalzinho da faculdade eu tive a oportunidade de trabalhar no projeto de
saúde escolar que era, é vamos dizer assim, coordenadas por pessoas ligadas
72

a ENSP (...) E eu me identifiquei com esta história e dali, é... a minha


entrada na saúde, ela se deveu a este curso que eu fiz na ENSP . De Saúde
Pública, especialização a Saúde Pública”. – Entrevistado (2).

Outros relatos fazem referência às formas possíveis de corrigir as “deficiências” de formação:

“E se a gente tivesse um processo de educação continuada e de educação


permanente realmente de impacto. Eu acho que tudo bem, mas como a gente
às vezes pega pessoas inexperientes e coloca no campo pra atuar sem ter
noção do que é prevalente no Município do Rio de Janeiro, quais são as
lógicas dos programas, eles não têm idéia disso. Principalmente profissional
Médico que é contratado ainda, eu acho”. Entrevistada (1)

“Outro dia eu vi um gestor do Ministério da Saúde falando:


- Olha, até o final do Governo Lula 100% das equipes vão estar qualificadas no
Saúde da Família.
Agora, nesse modelo não está apto. Porque todo mundo faz a prova e está
qualificado, ganha titulação e consegue mesmo. Agora eu não sei se isso atende
as necessidades e as particularidades de cada área do Brasil. Porque a mesma
prova que o Médico do Rio de Janeiro vai fazer pela associação, vai fazer o
Médico do Norte e Nordeste. Eu não sei se isso vai formar, entendeu? Eu não sei
se isso está dando conteúdo para esses Médicos. Ter um diploma, não quer dizer
que tenha conteúdo. (...) Só por ter o diploma não vai significar que eu estou
apto a trabalhar com Saúde da Família. A gente tem essa grande dificuldade,
né? “Tem a dificuldade técnica ,que é muito difícil mesmo você atender da
concepção à terceira idade...” – Entrevistado (4).

O entrevistado destaca a presença atual dos conteúdos do programa de saúde da família

(política, princípios, diretrizes, textos, etc...) na graduação dos profissionais de saúde da família:

“Eu acho que o introdutório naquele momento, ele tinha uma função de
introduzir, de mostrar às pessoas o que era a política, da estratégia da Saúde da
Família, o quê que era a estratégia da Saúde da Família, os princípios,... bem,
uma lógica mais assim de suporte, não técnico, mas um suporte... talvez
filosófico, ou de vontade do que se pretende com a estratégia. Eu acho que com
o passar do tempo, assim, a coisa do Saúde da Família, ele se enraizou, se
enraizou no meio acadêmico”- Entrevistado (4).

5.5 : Os conflitos

5.5.1- PSF versus realidade.

Vários relatos apontavam para o choque ou a possibilidade de choque entre o que é

preconizado nos cursos introdutórios de PSF e aquilo que é encontrado na realidade das unidades

de saúde.
73

“Então, esquece que vai ter gente na sua porta com dor, tossindo, doente, com
doença orgânica de verdade que você não conseguir sair da unidade, entendeu?
Essas verdades não são colocadas no introdutório. E isso eu sinto falta, eu acho
que isso tinha que ser dado e falando:
- Olha, é isso que vai acontecer, entendeu? Você vai ter isso.
A gente passa coisa teórica que tem que ser passado, mas eu senti um pouco de
falta disso. Eu me lembro que dessa atividade da semana teve um grupo que
colocava “assim”: de oito ás nove atendimento, de nove as dez grupo, dez as
onze conversa com a comunidade...
Eu olhava “assim” e falava:
- Gente, não tem a menor noção do que seja atendimento de PSF.
Agora eu já tinha... eu era a única que tinha trabalhado em PSF ali. Aí eu falei:
- Gente olha só, sinto muito mais vocês não conseguir fazer isso não. Vão bater
quinze na tua porta de manha com febre, com tosse, com crise hipertensiva e
com não sei mais o que. “E já era a conversinha com a comunidade, não é nesse
momento que você vai conseguir fazer isso”. – Entrevistado (3).

“Porque o que a gente aprendeu no introdutório, o que a gente aprendeu numa


escola ou o que a gente aprendeu até numa experiência de trabalho no interior,
não vai ser igual ao que a gente vai aprender, o que a gente vai vivenciar. Então,
se a gente é inflexível a se reorganizar diante de uma nova aventura, de uma
nova dimensão eu acho que a gente acaba sofrendo muito e não dando conta do
trabalho da gente”. –Entrevistado (1)

O entrevistado menciona o discurso em prol da “autogestão” das unidades de PSF ,discurso do

qual a mesma discordava por conta de sua vivência profissional.

“Mas o que eu percebi também é que tinha alguns conceitos de que eu


discordava da organização. Porque eu tinha tido uma vivência e que estava
sendo na época preconizado no Rio que era a questão da gerencia, que era a
questão do PSF não ter direção, do PSF não ter administrativo (que até hoje é
assim) e eu achava aquilo errado. Eu achava que isso não tinha nada a ver,
porque a minha vivencia tinha sido outra. Só que isso é uma coisa tão marcante
das pessoas falando que não podia ter chefe. Porque se tivesse chefe o chefe iria
estragar o PSF. Então, você ouvir isso de que o chefe vai... as pessoas vão deixar
de trabalhar porque tem um chefe. Mas isso ficou marcado no meu introdutório e
eu achava também...” – Entrevistado (3).
Conceito que segundo BOBBIO et al significa:

“Por autogestão, em sentido lato, se deve entender um sistema de organização


das atividades sociais, desenvolvida mediante a cooperação de várias pessoas
(atividades produtivas, serviços, atividades administrativas), onde as decisões
relativas à gerência são diretamente tomadas por quantos aí participam, com
base na atribuição do poder decisório às coletividades definidas por cada uma
74

das estruturas específicas da atividade (empresa, escola, bairro, etc...) (BOBBIO


et al,2004, p.74)

O entrevistado se refere ao discurso dos profissionais do PSF que associam o programa a

práticas exclusivas de promoção à saúde. Embora o introdutório não afirme este discurso pode

levar a esta interpretação pela ênfase que dá a estas práticas:

“Cara me dá um ódio ver isso e eu não consigo entender. Porque nem no


treinamento introdutório a gente fala isso ,no treinamento a gente fala que o PSF
é a viabilização do SUS e que o SUS trabalha a lógica da integralidade, da
acessibilidade, do atendimento continuo e tudo mais. Então, pressupõem que
PSF é tudo, vai à promoção, proteção, prevenção, assistência, reabilitação e
reintrodução. Então, quando aqui me dizem que uma criança com febre vai pra
emergência isso mata. (...) Então, eu acho que o PSF pelo menos aqui
(Teresópolis-RJ), não sei te dizer no Rio, mas eu acho que no Rio teve ter
também essas coisas porque eu vejo nas monografias que as pessoas fazem no
curso de especialização. A partir do momento em que eu digo que PSF é
prevenção e agendamento, eu não garanto acessibilidade e nem acesso, ta?”-
Entrevistado (1)

Um dos textos mais discutidos nestes cursos é texto sobre o campo da saúde de Marc Lalonde,

vejamos o que diz FAVORETO sobre o mesmo

“Pragmaticamente, este documento de Lalonde (1974) buscava relativizar, e


mesmo diminuir, o papel do serviço de saúde em relação às ações sobre os
outros elementos do campo da saúde. Esta hierarquia foi justificada ressaltando a
melhor relação custo-efetividade das intervenções sobre os estilos de vida e
sobre meio ambiente quando comparada à atenção curativa pelos serviços de
saúde.” (2002 p.48)

O entrevistado reconhece a dificuldade de aproximar os conteúdos teóricos dos introdutórios à

realidade das unidades de PSF.

“Agora o introdutório atual, (que você perguntou também) introdutório atual, eu


acho que eu participei da elaboração . A gente procurou trazer uma coisa mais
próxima do, da realidade. Mas eu acho que a gente não conseguiu. (...). Porque a
gente achava uma falha no outro introdutório, porque ficava muito naquela coisa
de conceito, unidade básica tradicional é ruim. Ai a gente não colocava a pessoa
muito no dia a dia da unidade de saúde. E a gente tentou fazer isso. (...)
75

aproximar mais a pessoa do que é o PSF. Mas a gente também não conseguiu”. –
Entrevistado (3)

“E que vai pra ponta e encontram as dificuldades do dia a dia. A associação de


moradores, a unidade, falta disso e falta daquilo. E aí o profissional não
consegue lidar com isso. Porque ele vem de um introdutório meio conceitual e
uma coisa meio...muito distante da realidade.” – Entrevistado (3)

O relato aponta para a inflexibilidade dos profissionais das equipes de PSF que segundo o

entrevistado não conseguem adaptar o discurso do introdutório para as situações do cotidiano.

Eu acho que falta um pouquinho de jogo de cintura, a gente vem com esse
discurso tão bonitinho. Tão acadêmico. Às vezes até idealista mesmo, mas
quando você se vê frente a uma situação você tem que ter jogo de cintura.
Porque eu acho que atenção básica é criatividade e técnica. Mas tem que ter
criatividade. Entrevistado (1)

O entrevistado busca explicar uma possível origem, neste caso o guia do PSF do ministério da

saúde, para o discurso dos profissionais do PSF quando os mesmos afirmam que o programa

prescinde de um chefe. Conflitos entre profissionais e gerentes locais de equipes surgem

motivados por este discurso.

“Engraçado, eu acho que... outro dia mesmo eu estava com a Enfermeira de


Araras e ela estava falando isso aí. Que naquele guia pratico do PSF entre as
atribuições de cada categoria, ele dá uma pincelada (pelo menos que não tem
um chefe realmente) das atribuições falando que as equipes são
responsáveis pela gerência do módulo e dessa coisa de não ter um
coordenador”. Entrevistado (2).

5.5.2 - PSF versus estrutura.

Alguns relatos apontaram dificuldades encontradas pela implantação do PSF na própria

estrutura preexistente.

O entrevistado relata conflitos derivados da disputa de espaço político entre os representantes

do dito modelo tradicional e do PSF:

“Eu acho quanto...eu sou pessimista enquanto as relações das pessoas que
representam esses espaços num nível central. Existe sim, mas enquanto
expressam praticas as pessoas que executam as atividades de atenção básica.
Você praticamente não vê diferença entre Saúde da Família e o tradicional, está
entendendo?(...) Então, praticamente eles se igualam na pratica. Mas lá enquanto
76

representação do poder nível no central existem essas fantasias de que o PSF vai
tomar conta. Então, a ação programática ,que seria o que está instituído, vai
perder espaço. E quando as pessoas se juntarem pra trocar mais o que cada um
entende por Saúde da Família ,no sentido até de educação permanente, com cada
um se expressando eu acho que ia se perceber de que o Saúde Família não
pode abrir mão dessa forma de organizar ou de comprar medicamento da
forma programática. Porque são lógicas diferentes, ele trabalha com números.
Com quantitativos e isso é importante para você planejar as suas ações. Mas isso
não pode ser o todo, entendeu? Isso tem que ser o complemento”.-Entrevistado
(2).

O entrevistado fala do discurso do PSF que se opõe tanto às práticas na comunidade quanto

nas práticas administrativas no nível central. Neste caso o entrevistado fala das críticas ao

programa de hipertensão que prescinde da digitação de dados de produção no programa SIGAB

que servirão de base para a compra dos medicamentos anti-hipertensivos, instrumento de gestão

do qual o PSF não usa mas que se vê obrigado a usar por não poder abrir mão do sistema de

compra.

Este relato parece corroborar o que diz ELIAS et al :

“Na sua maioria, estes municípios possuem um histórico de oferta de serviços de


saúde que se traduz na existência de redes com experiências acumuladas da
atenção básica. É exatamente nestes municípios, nos quais o PSF não assume de
pronto sua feição de ampliação de acesso, que esta modalidade vem tendo maior
dificuldade de se apresentar como estruturante da atenção básica”. (ELIAS et al,
206 p. 634).

O relato aponta para o conflito que surge num processo de substituição ou reformulação da

atenção básica preconizado pelo PSF:

“Certamente existia e vai existir (rivalidade entre PSF e atenção básica


tradicional) em qualquer lugar aonde você tenha que reconstruir a atenção
básica, como é o caso do Rio de Janeiro. Quando você monta um município
simultaneamente as três, eu acho que você não vê isso. Mas quando você tem
uma estrutura básica inadequada para a necessidade daquela população e você
tem que investir muito nela é lógico que vai dar ciuminho e vai dar esse conflito.
E existia, era claro que existia (...) A gente nas reuniões tinha esse tipo de coisa,
nós tínhamos unidades sucatadas e as nossas sendo construídas com um luxo
total, não é verdade? (...) E a gente tem aquela coisa da gratificação que tem um
desconforto. Entrevistado (1).
77

Neste quesito assemelha-se ao que diz SENNA:

“De igual importância, outro grande desafio do programa diz respeito à sua
capacidade de integração com o restante do sistema de saúde, (...) Fica aqui a
perspectiva de que o PSF possa se constituir em um mecanismo de focalização
dentro da universalização de direitos promovida pelo SUS, trazendo grande
desafio de compatibilizar o estabelecimento de prioridades em adotar
mecanismos de restrição de direitos sociais, como seria da definição de uma
cesta básica para o setor”. (2002 p.210).

O relato demonstra a dificuldade de relação entre os profissionais antigos da SMS/RJ que

recebiam menos e os profissionais do PSF que recebiam uma gratificação adicional:

“Eles tinham uma sensação de que Saúde da Família era com gente de fora
que nada entendiam do Sistema de saúde oficial. Era impenetrável o
mundo. Portanto, era necessário alguma coisa que misturasse, que aproximasse
mesmo e aí a idéia de trabalhar com pessoas da própria Prefeitura que tivessem
interesse em trabalhar com Saúde da Família foi uma idéia positiva e por outro
lado foi uma idéia negativa. Por que o profissional por ser já funcionário
público. Ele tem uma série de prerrogativas, movimentos acumulativos ao
processo do trabalho anterior, vícios anteriores que acabam perdendo a potencia.
Que existem alguns erros específicos organizativos. Então, isso... ampliou, mas
desacelerou na sua possibilidade de tencionar o modelo. Ele foi se acomodando
como, isso é a minha percepção,... foi se expandindo e se acomodando como
míni postos que funcionavam de uma forma diferenciada. Porque eles ganham
mais, eles trabalhavam mais e tencionavam com a rede tradicional e porque eles
ganhavam menos, trabalhavam menos e tinham menos compromisso. E isso
ficou (Risos)...uma gangorra até eu saí, entendeu?”– Entrevistado (2)

Concordamos com o que dizem CANESQUI & SPINELLI:

“Estudos de implementação das políticas e programas sociais enfocam os meios


institucionais, incluindo os atores, cujos comportamentos de adesão, resistência
ou de aprendizagem facilitam ou impõem obstáculos ao alcance dos resultados
dos programas sociais”. (2006 p.1882).

Os conflitos que são relatados na cidade do Rio de Janeiro são semelhantes aos relatados em

outros estudos tal como no relato a seguir de um gerente do setor financeiro da SMS de

Natal/RN:
78

“Pelo fato de ser um programa imposto pelo ministério acho que o


pessoal não faz parte da secretaria, o PSF é como se fosse uma coisa à
parte da secretaria. Então, o PSF tem o dinheiro, tem o recurso. O PSF
não vive isolado, ele tem que ser uma coisa dentro da secretaria. Ele tem
que fazer parte da secretaria e não o programa para a secretaria. Há uma
função inversa.” (ROCHA,2000 p. 127).

5.6 : O curso introdutório:

Algumas das perguntas da entrevista pré-formatada versavam sobre o principal objeto deste

estudo: o curso introdutório do PSF, suas intenções e suas conseqüências. Desta forma os relatos

que se seguem constituem importante categoria de análise.

“E aí eu fui... eles estavam com um formato de treinamento e uma modelagem


que era assim: eles tinham ações programáticas durante duas semanas nas
coordenações de programas lá nas Secretarias. Fizeram capacitações com esse
grupo, essa equipe. A equipe até então não estava incluindo os agentes
comunitários, eram equipes nível médio (auxiliar, técnico de Enfermagem) e
nível superior. Auxiliar de Enfermagem junto. Mas sem o agente comunitário
seria uma etapa posterior e inclusive fazendo parte do treinamento, a capacitação
dos agentes fazendo uma proposta diferente onde tinham pontos bons e pontos
ruins. Então, foram duas semanas o primeiro treinamento e eu assisti, que foi o
máximo que eu pude e agüentei. Porque foi um porre escutar as coordenações
falar de coisas que não tinham na a ver com saúde da família que eles iriam fazer
e (...) É uma coisa totalmente despropositada. E “assim”, numa lógica de como
se eles fossem unidades de saúde, eles não eram unidades de saúde, ainda.
Então, eu tive um pouco de “assim” cansaço mesmo. Duas semanas depois
fizemos um treinamento que foi feito pela UERJ que era legitimada pelo
Ministério pra ser Pólo. (...) E lá eram mais de duas semanas e esse grupo ficou
em treinamento ao todo umas oito semanas o treinamento”. Entrevistado (2).

Os primeiros introdutórios realizados pela SMS/RJ não foram concebidos pela então chamada

Coordenação de saúde da comunidade. O modelo de curso apresentado foi determinado pelas

coordenações de área programáticas e não estavam de acordo, segundo o relato acima, com o

pensamento dos gestores do programa. Após este primeiro formato houve uma tentativa de

conceber um treinamento em conjunto com o pólo de capacitação de saúde da família da UERJ.

“Bom, esse treinamento deu pra perceber que começar a fazer uma critica.
Porque nessa época o Pólo capitaneava mesmo uma reflexão em torno dessa
79

modelagem desse treinamento introdutório que estava sendo formatado. Então,


algumas coisas pela avaliação que as equipes fizeram do treinamento, nós
chamamos o pessoal lá do Pólo (...) pra escutar quais eram as criticas, quais
eram as questões que tinham dado certo e as que não tinham. Daí saímos com
algumas convicções que afastaram a gente do Pólo de capacitação. Da adesão
integral ao Pólo de capacitação. Porque algumas decisões ali pareciam claras pra
gente. Primeiro que o nível médio podia ser capacitado junto sem problemas e
eles tinham uma convicção de que era necessário fazer dois modelos de
treinamento. Porque o nível auxiliar tinha que ser treinado com os agentes
comunitários. Então, isso nós não conseguimos convencê-los ao contrario e nem
eles nós convencer do contrario. (Risos) Então, ficou uma coisa meio ‘assim’
pouco... que essa coisa de ser formatado, foi formatado em conjunto com o Pólo,
ta? Não foi pela Cristina Boaretto e Entrevistado (1) não, é formatado junto com
o Pólo. Começar com ação programática e depois com saúde da família também
foi muito criticado por eles. Eles achavam que tinha que ser justamente o oposto,
achando que primeiro tinha que ter noção do que seria saúde da família”.
Entrevistado (2).

“Na verdade a gente rompeu... a primeira capacitação que a gente fez, a gente
fez numa lógica muito próxima daquele dos agentes das endemias (agentes da
dengue). Então, a gente trabalhava a lógica do SUS, a gente trabalhava a rede.
Até porque Entrevistado (2) jamais permitiria que a gente não falasse nisso. A
gente trabalhava a lógica do processo saúde e doença, mas a gente trabalhava
muito a questão dos programas com intersecção da Saúde da Família com os
programas. Tentávamos lutar pra que as pessoas entendessem que o PSF não e
era um programa como o Programa de Saúde da Mulher, mas era na verdade
uma forma de estar atingindo todas as lógicas programáticas. E trabalhávamos
com a questão da prevalência (...). A gente acreditava que isso era importante.
Aí veio a UERJ enquanto Pólo de capacitação, assumindo esses treinamentos.
Os introdutórios, e eu te confesso que nesse momento eu tive uma crise com o
grupo da UERJ do Pólo”. Entrevistado (1).

Em busca de uma forma mais adequada à realidade do Rio de Janeiro, o grupo da coordenação

do PSF rompeu com o pólo de capacitação.

“Então, eu cheguei e disse:


- Olha, nós não vamos mais trabalhar na lógica de vocês.
Foi um momento muito difícil com o Pólo, o Pólo se sentiu acuado e tudo mais
“assim”, se sentiu menosprezado. Mas de forma alguma era menosprezar e sim
era entender que a atenção básica ela tem que se adequada à realidade daquele
local, e nós tínhamos muitas realidades. Então, a gente não podia trabalhar na
lógica que o pessoal do Nordeste, que o pessoal do Sul trabalha, que o pessoal
do Centro-oeste trabalha. A gente tinha a lógica carioca. E foi desse jeito, eu
acho que até a última vez aonde a gente até botou psicodrama e aquela coisa
toda, a gente foi melhorando muito a qualidade da nossa capacitação, ta? “Até a
última vez que a gente estava enquanto coordenador”. Entrevistado (1).
80

À procura de uma “lógica carioca” a gestão do PSF-Rio introduziu o uso da técnica do

psicodrama para sensibilizar os profissionais para o trabalho no programa e começou a adotar um

forte discurso de ruptura com o dito “modelo tradicional” de atenção básica praticado na cidade.

“Mas a gente conseguiu fazer um modelo bem híbrido de treinamento (...) a


territorialização passou a ser o momento forte do treinamento a partir do meu
ver, (...) a gente... entremeava dentro do treinamento um período dedicado ao
processo de apropriação pela equipe do território dentro do treinamento
,minimamente tipo um trailerzinho do que seria o trabalho”. Entrevistado (2).

“Então, essas passagens eu acho que ainda temos que ter muitos ensaios até
chegar lá. O introdutório tendo criado ou não polêmicas (desse tipo que você
levantou, que eu acho que são muito procedentes) ele cumpriu a função de
mobilizar. As pessoas não saiam do introdutório, que era a principal função
(...). Com a sensação de que iam pra lá enrolar e continuar as coisas, eles
saiam com vontade de que iam fazer alguma coisa diferente. O problema
nosso foi da sustentação dessa mobilização. Que a gente não previu, não teve
estratégias de sustentação dessa mobilização. Então, acabou que isso no decorrer
do processo foi perdendo a potencia de causar aquela mudança de freqüência”.
Entrevistado (2).

O entrevistado afirma que o discurso do introdutório causava intensa mobilização nos

profissionais e o que choque com o sistema já estabelecido diminuía a capacidade do mesmo em

produzir mudanças significativas.

O discurso da ruptura era também percebido por quem participava do treinamento. Cabe aqui

trazer novamente o seguinte relato:

“Mas ficava subentendido da forma como eram transmitidos os conceitos.


Quando comparava unidade básica. A gente acabava sendo induzido a
gostar do PSF do jeito que era. E que quem trabalha na unidade básica não
faz um bom trabalho. Isso trouxe...na realidade do Rio de Janeiro, eu acho que
valido uma discussão dentro da realidade do Rio de Janeiro. Existia uma outra
forma de fazer a não ser essa? eu me questiono. Porque quando você tem uma
muito montada e muito consolidada, pra você mudar ou você vai por fora e
arrebentando tudo ou não sei.(...) Talvez essa tenha sido a estratégia pra dizer:
- Oh! Eu vim e tô aqui pra ficar.
Talvez tenha sido essa a estratégia que foi feita, pra conseguir implantar o
PSF no Rio de Janeiro. Mas isso criou dificuldades muito grandes. Porque
as unidades têm que conviver com o sistema de saúde que está acontecendo
já. E aí a gente a toda hora iria pra um embate com os diretores de
unidades, com as próprias coordenações de saúde, quer dizer algumas e não
todas. Houve uma dificuldade muito grande nisso por conta dessa forma de
81

implantação do PSF no Rio de Janeiro. “Mas eu não sei se era necessário nessa
época, não sei se teria uma outra forma de implantação”. Entrevistado (3)

Isto confirma o que diz SOUZA:

“Pode-se inferir através da argumentação do ministério que a idéia-chave e de


apresentar esse programa com características antagônicas ao denominado por ele
‘modelo tradicional’. (...) A argumentação persiste durante todos os momentos
do desenvolvimento do projeto, ou seja, desde ‘ser’ programa até se transformar
em estratégia de substituição do modelo tradicional.” (SOUZA,2001.p.11).

Entretanto existem críticas a esta estratégia:

“Contudo, há questionamentos que vêm sendo feitos em relação à concepção e a


condução do ministério da saúde para o PSF. Entre esses se destacam: (...) a
retórica quase fundamentalista em relação ao resgate, pelas ações do programa,
da dívida social existente no país;(...) A ênfase num conceito de saúde que
direciona os serviços de atenção básica para uma intervenção voltada,
primordialmente, a evitar riscos à saúde.(...) A crítica ao modelo médico
hegemônico, focando os aspectos relacionados à estrutura do poder médico sem
um maior questionamento da racionalidade e do saber em que este se apóia e
pelo qual legitima-se socialmente.” (FAVORETO,2002. p.6).

O efeito mobilizador do curso introdutório foi notado em outros estudos como tal como nos

relatos colhidos no PSF de Vilar Carioca, unidade da zona oeste do Rio de Janeiro:

“Com a expansão da estratégia, após muitas discussões em reuniões de equipe e


a realização de um curso introdutório29, os profissionais decidiram mudar a
rotina de acesso, direcionando apenas a consulta médica. Segundo eles, esta
tinha ‘uma lógica excludente’ e se baseava no paradigma flexneriano,
estruturou os sistemas de saúde com o foco na doença, no atendimento
individual, estruturado na livre demanda, e centrado no médico.”
(GOMES,2005. p.62)

29
Grifos nossos
82

Os próprios gestores do programa puderam perceber posteriormente como o próprio discurso

hostil ao modelo tradicional refletia nos profissionais já lotados na SMS-RJ.

“Mas naquele treinamento nosso, teve um momento em que a Guilhermina


sinalizou isso e foi a primeira vez em que eu consegui ouvir essa critica
compreendendo. Porque até então, eu tinha coordenado treinamento de pessoas
que eram de fora da Prefeitura e esse era o primeiro treinamento com pessoas da
Prefeitura. Então, ela sinalizou isso com muita propriedade. Ela disse:
- Sabe o que, que é? Você pensa que eu estou incomodada aqui? “Afinal
de contas é tudo que a gente já faz...” Entrevistado (2).

A fala da médica demonstra sua insatisfação quanto à descrição das atividades dos

profissionais do “modelo tradicional, pois ao fim e ao cabo estes já fazem aquilo que está sendo

preconizado pelo instrutor do curso. Simultaneamente, o "não estou incomodada” sugere um

certo desdém pelo discurso que nega o que já existe e se pretende a inaugurar o já conhecido e

praticado.

O modelo de introdutório foi concebido para servir de suporte a uma mudança radical das

práticas dos profissionais.

“...O introdutório, ele tinha que ter o poder, ele tinha que gerar uma intensa
mobilização. Porque mudança não se faz com acomodação e ele procurou textos,
reflexões, discussões que apontavam e focalizavam justamente aquilo que não
dá certo num modelo tradicional e o que não justificava o processo de
mudança. É claro que ele não focalizava, as coisas que dão certo no modelo
tradicional gerando uma falsa sensação, que é falsa, mas virou verdade, de
que haveria uma competição entre os modelos que esses substituiriam
inteiramente aquele. Foi muito interessante pra mim, por exemplo, ter vivido a
coordenação daquele grupo que eu treinei”. Entrevistado (2)

Este achado vai ao encontro às conclusões feitas por outros estudos:

“O treinamento que realizaram ao iniciarem suas atividades no PSF, foi limitada


a um curso introdutório, cujo objetivo apresentava os aspectos conceituais e
operacionais do programa, enfatizando aspectos que os diferenciam dos modelos
tradicionais de organização da atenção básica.” (FAVORETO,2002 p.68)

Os profissionais que estão concebendo o introdutório atual buscam uma nova forma de fazê-

lo, novos objetivos:


83

“O Introdutório hoje é o modelo que a gente tentou desenhar aqui pro Rio de
Janeiro, ele vem trazer uma outra... tem uma outra função, vem trazer uma outra
leitura. Ele, na verdade, ele não introduz, mas ele ambienta o profissional no
novo modelo, e no terreno, no território que ele vai trabalhar...nessa nova forma
de fazer atenção à saúde, que é completamente diferente do que o Introdutório
fazia anteriormente. O Introdutório antigamente discutia princípios do SUS,
política, não sei o que, não sei o que lá, o que é Saúde da Família, da onde
surgiu. Hoje não. Eu acho que hoje isso já está nas pessoas. É claro que a gente
tem que suscitar outra discussão sobre isso, mas a gente tem muito mais que
trabalhar qual é esse modelo e como eles vão poder estar trabalhando na
comunidade e como eles vão enfrentar os problemas que vão existir... e assim,
vai existir problema dentro da comunidade e vai existir problema dentro do
CMS que é fora da comunidade no modelo tradicional”. Entrevistado (4).

Entretanto, já existem críticas a este novo curso:

“A gente tem “assim” pra tuberculose a gente treina lá, mas a gente acaba
entrando na lógica dos programas e o introdutório não dá conta, ta? De trazer
conceitos próprios da estratégia de Saúde da Família, eu acho que o introdutório
antigo não dava e esse continua não dando”. – Entrevistado (3)
84

6 – Discussão:

Um apanhado geral da análise das entrevistas nos leva a inferir que havia uma intenção dos

formatadores dos cursos de confrontar dois modelos de atenção à saúde. Todavia, houve

discordâncias quantos aos objetivos da apresentação desta dicotomia.

Podemos identificar que a dicotomia tinha como objetivos: promover um sentimento de

mobilização entre os profissionais, disputar espaço político na estrutura da SMS-RJ, sedimentar

as diretrizes do PSF entre os profissionais treinados, promover uma ruptura no seio da atenção

básica pré-existente.

Como conseqüências positivas da difusão dos conteúdos dos cursos introdutórios, podemos

afirmar que o mesmo disseminou as diretrizes do PSF entre os profissionais da rede, conseguiu

dar estabilidade ao PSF enquanto política de saúde no topo da agenda da SMS-RJ. Como

conseqüências negativas, podemos apontar que o curso gerou tensão entre os profissionais do

PSF e os da rede tradicional,dificultou a relação entre as unidades de saúde com modelos

diferentes, provocou sentimento de subestimação entre os profissionais de fora do PSF, o

discurso de mudança se esvaziou no cotidiano de trabalho das equipes, a mobilização para as

mudanças não foi sustentável.

As sucessivas modificações dos modelos de cursos introdutórios acompanharam uma

radicalização do discurso em busca do denominado “modelo carioca” de PSF (neste momento

incluo nestas considerações a minha experiência de ter participado de quatro modelos de

introdutório de 2000 a 2007). Uma das estratégias de radicalização foi à inclusão de psicodrama

prévio ao curso no ano de 2003 como forma de gerar um sentimento/expectativa/mobilização

para uma revolução no modelo de assistência.


85

A mudança na gestão do programa no ano de 2005 gerou também uma mudança na forma de

condução do curso introdutório. O curso recebeu o nome de “ambientação” como forma de

marcar esta nova fase.

Ao acompanhar esta trajetória inferimos que o forte discurso de ruptura presente nos cursos da

gestão antiga pode ter contribuído para sua substituição. A Gestão da SMS/RJ pode ter desejado

um PSF menos beligerante e mais acomodado à estrutura tradicional. Entretanto, podemos inferir

também que a mudança do discurso dos introdutórios tenha sido circunstancial, uma vez que não

é mais necessário fomentar as mudanças já que o PSF agora é um programa consolidado na

estrutura da SMS-RJ.

Tive a oportunidade de acompanhar o primeiro curso introdutório do tipo “ambientação”

realizado no primeiro semestre de 2007. Os profissionais inscritos neste curso já possuíam algum

tempo de prática no programa. Foi interessante notar que os mesmos repetiam o discurso da

ruptura dos introdutórios antigos, mesmo sem ter participado de nenhum curso nestes moldes,

sem que os instrutores deste novo curso dessem ênfase a esta dicotomia. Podemos inferir,

portanto, que o discurso da ruptura possui pelo menos mais três canais de difusão: as faculdades

da área de saúde, os próprios profissionais mais antigos do PSF e os documentos oficiais do

ministério da saúde. Sobre este último seguem como exemplo os seguintes trechos do Guia

prático de saúde da família (todos os grifos são nossos):

“Mas atenção! A diferença vai muito além da mudança de nome. Enquanto os


postos e centros de saúde tradicionais adotam um modelo passivo de
atenção, limitados a encaminhar doentes para centros especializados ou pra o
hospital mais próximo, as equipes de saúde da família (ESF) em atividade na
USF, identificam os problemas e necessidades das famílias e da
comunidade, planejando, priorizando e organizando o atendimento”
(BRASIL, 2001. p.5).
86

O guia ignora as mais diversas experiências em atenção básica que buscam superar o tal

“modelo passivo” de atenção. Não menciona a estratégia de DOTS para tuberculose, as mais

diversas formas de busca ativa, as estratégias de ações intersetoriais dentre outras iniciativas.

“... implantar o programa Saúde da Família exige paciência, determinação,


coragem, dinheiro, tempo, caráter, vontade política e espírito público dos
mais elevados. (...) Este guia está dizendo, com todas as letras, que a
resistência ao PSF é forte.” (Op.Cit., p.6)

O trecho ressalta características, algumas de caráter moral, para a implantação do PSF.

Reforça “com todas as letras” que há uma resistência ao programa sem, contudo, dizer sua

origem. Desta forma qualquer oposição ou crítica ao PSF poderá ser considerada como

resistência.

“As primeiras semanas de implantação do PSF exigem, às vezes, estratégias de


transição de um modelo a outro. Normalmente é um período de conflitos,
quando entra em jogo uma série de interesses. Nesses casos, é possível manter
a convivência das duas lógicas de atuação por um determinado período
dentro do município. Mas essa possibilidade deve existir no município em
caráter provisório”. (Op.Cit. p.70).

O guia afirma que surgirão conflitos durante a implantação do PSF, considera este conflito

normal e afirma ainda que a convivência entre dois modelos só possa existir em caráter

provisório. Pode-se inferir com esta retórica que o modelo antigo é ruim e ineficiente, e o novo

modelo deverá se sobrepor ao antigo apesar da forte resistência e dos conflitos subjacentes.

O guia prático do PSF, editado pelo ministério da saúde, nos faz crer que o discurso da ruptura

não é exclusividade da cidade do Rio de Janeiro.

O curso introdutório em sua forma e conteúdo trata-se de um poderoso instrumento para

suscitar mudanças, quaisquer mudanças, pois não descreve claramente a forma de organização do

processo de trabalho das equipes. O curso estabelece as diretrizes e a retórica e deixa ao cargo
87

dos profissionais a organização de sua rotina de trabalho pautado no princípio da autonomia das

equipes.

O grande perigo desta formatação é afirmar e reafirmar de forma contundente que toda forma

de assistência oferecida pelo dito modelo tradicional está equivocada. Desta forma, os egressos

dos cursos introdutórios se orientam pelo negativo, ou seja, concluem que devem organizar sua

prática pelo oposto do que existia antes.

Esta orientação pelo negativo gera situações curiosas como a negação pelas equipes de

realizarem tarefas tais como: curativos esterilização e imunização por serem consideradas como

“coisa de postinho” conforme foi muito bem descrito por GOMES, em sua análise sobre o PSF de

Vilar Carioca. Isto também produz discursos como: “PSF não tem chefe” ou “PSF é só

promoção de saúde”. Estas afirmações não são ditas nos cursos introdutórios, são conclusões que

os profissionais tiram a partir da orientação pelo exemplo negativo.

Neste ponto o curso introdutório se aproxima do conceito de propaganda definido por

BOBBIO et al:

“Difusão deliberada e sistemática de mensagens destinadas a um determinado


auditório e visando criar uma imagem positiva ou negativa de determinados
fenômenos (pessoas, movimentos, acontecimentos, instituições, etc...) e a
estimular determinados comportamentos” (2004 p.1018).

A tentativa de conceber um trabalho que se oriente pelo exemplo contrário faz os profissionais

do PSF buscarem práticas ditas alternativas ou não-convencionais. Já pudemos observar em

unidades de saúde da família atividades como: fitoterapia, homeopatia, auto-hemoterapia e outras

terapêuticas. Esta busca aproxima o PSF do trabalho com diversos tipos de arte, sobretudo

música e teatro, principalmente pelo engajamento dos agentes comunitários de saúde.


88

A partir de uma radicalização do conceito ampliado de saúde , as equipes de PSF buscam

atuar em quase todos os setores da vida em comunidade, tentam resolver problemas como: falta

de vaga na escola, saneamento, emprego, moradia, participam de aniversários, casamentos e

funerais. O voluntarismo passa ser característica desejável e considerada parte indissociável do

perfil do profissional de saúde da família.

No entanto, como já vimos, a mobilização dos profissionais do PSF para a mudança não tem

sido sustentável, pois o choque com suas próprias limitações, com as limitações do sistema, com

as limitações da própria vida, mostra que nem todos os objetivos do PSF são alcançáveis. O

resultado deste choque é uma frustração que se reproduz entre os profissionais de saúde da

família alguns meses após a implantação do programa, meses após uma certa euforia causada

pelo introdutório. Neste momento , as explicações para as falhas de condução do projeto incidem

em qualquer coisa que esteja relacionada ao dito modelo tradicional ou aos geradores da

“resistência” descritos no Guia do PSF do MS.

E assim são culpados: os chefes, as estruturas físicas das unidades de saúde, a estrutura

administrativa da SMS, a população que não entende o programa, a alta demanda da população

por serviços de saúde a falta de referência, etc...

Por sua vez os gestores do PSF ao se depararem com estes problemas afirmam que os

profissionais não entenderam corretamente a lógica o programa. E, finamente, sentenciam as

experiências consideradas não - exitosas como: “Isto não é PSF” ou “Este é apenas um postinho

melhorado”.
89

7 – Considerações Finais:

As entrevistas mostraram as características e peculiaridades da implantação do PSF no

município do Rio de Janeiro. Apresentaram o quadro da discussão política em torno do programa,

suas sucessivas aproximações ao que seria um PSF carioca, ou seja, partícipe do que os mesmos

profissionais entendem como uma cultura da cidade, um modo de abordar o convívio e de se

comunicar. A proposta do psicodrama no curso introdutório, apontada como uma proposta

pedagógica que procura aproximação com o “jeito carioca do PSF” foi justificada como boa para

marcar com mais clareza a perspectiva transformadora do PSF no modelo assistencial, e em

decorrência deste aspecto, a necessidade de transformar os profissionais durante a realização do

curso Introdutório.

A questão principal que deu início a este trabalho foi discutida pelos entrevistados, que

confirmaram haver uma estratégia, ao menos esboçada, de fazer um discurso radical pelo novo

modelo em virtude da necessidade política de firmar o programa na cidade.

A leitura do guia prático de saúde da saúde da família mostra que o discurso tem o MS

como pelo menos uma das fontes que alimentam a dicotomia psf versus "postinho" tradicional.

Pudemos perceber que o discurso da mudança radical de modelo possui origens mais

antigas na saúde coletiva do Brasil (BRASIL, 1991; CAMPOS, 1994; MENDES, 1996). Textos

de alguns destes autores fizeram parte do material didático dos cursos introdutórios do Rio de

Janeiro de 2003 e 2005.

O discurso do programa de saúde família é devedor do ideário da atenção primária à

saúde, da promoção da saúde, vigilância à saúde e do discurso do movimento “cidades

saudáveis”. Entretanto sua perspectiva de ampla intervenção na saúde das populações faz eco da

Medicina Social de Virchow e sua ênfase na adstrição na anacrônica Poor´s Law inglesa.
90

Todo esse somatório de idéias faz da estratégia saúde da família a última utopia sanitária

do séc. XX.

O programa de saúde da família tem se mostrado importante estratégia de expansão de

serviços de saúde e, por conseguinte, importante estratégia de ampliação de acesso de serviços de

saúde, sobretudo a populações pobres devido às características de sua expansão.

O PSF tem contribuído para a mudança dos programas dos cursos de graduação das profissões

da área da saúde, por induzir a inclusão em seus currículos de conteúdos referente à sua própria

política e de assuntos correlatos como: qualidade de vida, atenção primária à saúde, promoção de

saúde, vigilância à saúde e etc...

Alguns autores apontam que a inserção do programa de saúde da família em um determinado

território estimula a população organizada de territórios adjacentes a reivindicar dos gestores

públicos a implantação do programa em suas comunidades, seja pela ampliação de serviços de

saúde, seja pela ampliação de ofertas de trabalho, sobretudo vagas para agentes comunitários de

saúde.

Estimulados por uma visão não-tradicional da saúde equipes de saúde oferecem com

freqüência práticas ditas alternativas às comunidades adscritas pelo programa.

O PSF quando implantado em localidades de baixo nível sócio-econômico ou que não

possuem uma rede básica instalada tem contribuído decisivamente para melhoria de alguns

indicadores de saúde e condições de vida como mortalidade infantil e materna, além de aumentar

a cobertura de pré-natal, imunização, puericultura e acompanhamento de hipertensos, diabéticos,

portadores de tuberculose e hanseníase.

Desta forma nos resta concluir que o programa de saúde da família consolida-se como política

de Estado capaz de melhorar substancialmente a vida das comunidades por ela atingida.
91

Entretanto, o histórico do surgimento no programa na chamada reforma da reforma da saúde,

contaminou seus pressupostos de um forte discurso de oposição a qualquer prática que poderia

ser considerada tradicional. A busca pelas mudanças das práticas jogou uma grande parcela de

culpa pelo estado de coisas da saúde pública brasileira ao chamado modelo tradicional: médico-

hegemônico, flexneriano, curativista e pouco resolutivo (segundo termos colhidos em manuais,

cursos e entrevistas).

A retórica contra-hegemônica incentivada por documentos do próprio ministério e de

secretarias municipais de saúde por diversas vezes incitaram o conflito entre o modelo PSF e o

modelo tradicional onde o primeiro deveria substituir completamente o segundo.

Em localidades que não possuíam rede pré-existente o conflito foi mínimo ou não ocorreu. Em

cidades com extensa rede básica já instalada o conflito produziu clivagens, rivalidades e

desintegração dos serviços de saúde.

O curso introdutório do PSF, previsto nos manuais e regulamentado atualmente por uma

portaria ministerial tem servido como importante ferramenta de divulgação dos princípios do PSF

e de incitação à rivalidade entre os modelos.

Todavia, o caráter substitutivo do programa pintado como tintas revolucionárias não tem sido

alcançado plenamente nas grandes metrópoles. Ora por escassez de recursos, ora por falta de

interesses dos gestores ou ainda, pela percepção de que a estratégia de saúde da família não é

adequada para toda e qualquer população.

O debate se o PSF deve ser ou não focalizador não está encerrado no meio acadêmico, no

entanto, a nova política nacional de atenção básica demonstra claramente que seu objetivo

principal é reformar toda a atenção básica do país sob seus princípios.

Podemos afirmar então que o discurso do PSF não está preparado e não prepara os

profissionais do programa para a convivência inevitável entre dois modelos de atenção básica (se
92

é que podemos chamar as práticas não-psf de modelo, dada a sua diversidade) por um tempo

impossível de calcular.

A complexidade de nossas metrópoles nos faz afirmar ser necessário rever o conteúdo e

principalmente a forma com que são treinados os profissionais que ingressarão na estratégia PSF,

sobretudo no aspecto político do programa. Percebemos que não há necessidade de se criar um

antagonismo que dificultará a convivência entre os profissionais dos diferentes modelos.

A retórica da mudança, sem que se saiba exatamente para onde vai, deverá ser abandonada

sob a pena de ainda continuarmos a ver as equipes orientando-se pelo oposto, sem um norte a

seguir a não ser fazer o contrário do que está sendo feito.

Os motivos da implantação deverão ser explicados pelas necessidades de saúde da população

a ser atendida, pelas características de cada comunidade onde o programa for implantado.

Desta forma, será necessária uma maior flexibilização nas formas de implantação do programa

definidas pelo MS, visto as únicas duas formas descritas na política nacional de atenção básica

não atendem a diversidade das formas de viver das comunidades do país.

Entendemos que a excessiva ênfase na vigilância à saúde traduzida num grande arsenal de

coleta de dados pelas equipes de PSF, além de não produzir resultados satisfatórios, reduz o

tempo disponível das ESF em atender a população, além de tornar uma atividade meio mais

importante do que a atividade fim.

O cada vez mais orwelliano sistema de informação do PSF torna o cotidiano de um integrante

de um ESF um grande transtorno pelo consumo de tempo para coleta, digitação e transmissão de

dados que ao fim do mês não poderão ser digeridos pela equipe que os produziu, pois o tempo se

esgotou e novos dados deverão ser colhidos para o próximo mês.

Podemos concluir que as idiossincrasias do PSF são fruto da soma entre: o forte discurso da

ruptura, a crença num modelo salvador e tendência ao excesso de intervenção estatal sobre o
93

modo de viver das pessoas. Assim concluímos que o discurso que embasa a mudança de modelo

dá origem a um curso que pode servir de modelo de mudanças, quaisquer mudanças, por gerar

um efeito mobilizador nos profissionais que o fazem.

Trata-se, portanto de uma defesa desapaixonada por uma estratégia que já tem mostrado o seu

potencial de impactar positivamente sobre a saúde das populações atingidas pelo programa. No

entanto é uma defesa que se faz sem uma ênfase ufanista sobre seus resultados, mas com uma

crítica construtiva sobre pontos que devem ser reconsiderados.


94

8 – Referências bibliográficas.

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, Ismael da Silva Costa, R.G: 08888235-2 declaro, por meio deste termo, que concordei em ser
entrevistado (a) na pesquisa de campo referente ao projeto/pesquisa intitulado O curso introdutório no
PSF: impressões. desenvolvida pelo Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ). Fui informado (a), ainda, de que a pesquisa é orientada por Jane Dutra Sayd, a quem
poderei contatar / consultar a qualquer momento que julgar necessário através do telefone nº8868-4500
ou e-mail jane.sayd@terra.com.br.
Afirmo que aceitei participar por minha própria vontade, sem receber qualquer incentivo financeiro
e com a finalidade exclusiva de colaborar para o sucesso da pesquisa. Fui informado (a) dos objetivos
estritamente acadêmicos do estudo, que, em linhas gerais é estudar o curso introdutório como estratégia
de implantação do PSF.
Fui também esclarecido (a) de que os usos das informações por mim oferecidas estão
submetidos às normas éticas destinadas à pesquisa envolvendo seres humanos, da Comissão Nacional
de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde.
Minha colaboração se fará de forma anônima, por meio de entrevista semi-estruturada. O acesso
e a análise dos dados coletados se farão apenas pelo pesquisador.
Estou ciente de que, caso eu tenha dúvida ou me sinta prejudicado (a), poderei contatar o
pesquisador responsável ou seu orientador, ou ainda o Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de
Medicina Social da UERJ (CEP-IMS), situado na Rua São Francisco Xavier, 524 - sala 7.003-D,
Maracanã, Rio de Janeiro (RJ), CEP 20559-900, telefone (x-21) 2587-7303 ramal 248 ou 232 e fax (x-21)
2264-1142.
O pesquisador principal da pesquisa me ofertou uma cópia assinada deste Termo de
Consentimento Livre e Esclarecida, conforme recomendações da Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa (CONEP).
Fui ainda informado (a) de que posso me retirar dessa pesquisa a qualquer momento, sem
prejuízo para meu acompanhamento ou sofrer quaisquer sanções ou constrangimentos.

Rio de Janeiro, ____ de _________________ de _____

Assinatura do (a) participante: ______________________________

Assinatura do pesquisador: ____________________________

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