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“O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer; nada há, pois, novo debaixo
do sol”.
Livro do Eclesiastes 1, v.9
“A única coisa constante é a mudança”.
Heráclito de Éfeso.
DEDICATÓRIA:
Esta dissertação de Mestrado é dedicada à Manuela Calvert Costa, minha filha caçula. Este
trabalho foi feito sob teu signo: a expectativa da sua gestação, a alegria do teu nascimento e a
felicidade de teu sorriso. Ninguém mais do que você me deu forças para cumprir esta tarefa.
AGRADECIMENTOS:
The Family Health Program, created in 1994, has become more important in the
health political scene. In 2006, the national politics for primary care
adopted the program's guidelines in order to organize its own structure.
This study aims to analyze the process of production and dissemination of
the opposition between the Family Health Program and the traditional model.
Four professionals who had managed the program in the city of Rio de Janeiro
or had worked at it in other Brazilian cities were interviewed. Interviews
were analyzed according to Bardin's content analysis technique. Results point
to a clear intention of managers to convince the preliminary course's participants so as
to fight against possible resistances they will have to face in their
everyday work.
1- APRESENTAÇÃO ............................................................................. 9
2- INTRODUÇÃO ................................................................................. 17
3- CONSIDERAÇÕES SOBRE O REFERENCIAL TEÓRICO ............ 25
4- CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS ....................................... 44
5- RESULTADOS E INFERÊNCIAS ................................................... 50
6- DISCUSSÃO .................................................................................... 84
7- CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................... 89
8- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................. 94
ANEXOS
9
1-Apresentação.
cidade do Rio de Janeiro, lotado no posto de saúde Aloysio Amâncio da Silva localizado na
longa distância dos bairros de classe média da cidade do Rio de Janeiro sempre foi considerada
um empecilho para a lotação e permanência de profissionais de nível superior nesta região, por
conta disso a disputa por cargos de chefia dos tipos DAI e DAS é bem menos acirrada do que em
No período compreendido entre Março de 1997 e Outubro de 2000 exerci os cargos de chefe
da AP 5.31 que determinaria uma mudança de rumo em minha carreira profissional: a direção da
Em 1996 a secretaria municipal de saúde do Rio de Janeiro iniciou uma série de experiências
na atenção básica com base nas diretrizes do programa de saúde da família. As regiões foram
escolhidas por gerentes das diversas CAP´s2 da cidade em articulação com organizações não-
era compartilhada por técnicos da SMS/RJ e por gestores dessas organizações sob a forma de
convênios assinados entre as duas partes. Os recursos do PAB variável eram complementados por
1
Coordenação administrativa responsável pelas unidades municipais e prestadoras de serviços localizadas nos
bairros de Santa Cruz , Paciência e Sepetiba. A Cidade do Rio de Janeiro possui 10 CAP´s.
2
Ver nota 1.
10
As equipes implantadas entre os anos de 1996 e 2001 tiveram um caráter experimental até este
último ano somaram apenas 23 ESF3 que em nenhum momento representavam a principal linha
Neste momento, fui convidado a assumir a direção do Posto de Saúde Professor Sávio
Antunes. Esta unidade básica localizada na comunidade de Antares em Santa Cruz passava então
por um processo denominado à época de “reconversão”. Isto significava que tal unidade passaria
a funcionar sob a lógica do PSF. Esta mudança radical do perfil de funcionamento de uma
unidade básica só encontraria paralelo na SMS/RJ, no Posto de Saúde Adão Pereira Nunes da Ap
5.24.
Antunes foi construído no ano de 1986 e esteve fechado por alguns meses durante o ano de 1994
devido a problemas envolvendo traficantes locais. Este episódio disseminou a fama de violência
para a comunidade e dificultou ainda mais a lotação de recursos humanos na UBS. Por estes
motivos e ainda pela presença de diversos movimentos sociais na comunidade5, a CAP 5.3
escolheu Antares como unidade estratégica para sua experimentação no programa de saúde da
família da SMS-RJ.
3
Equipes de saúde da família.
4
Sobre o processo de “reconversão” do P.S Adão Pereira Nunes ver : GOMES, M.C.P.A. Acolhimento, vínculo e
integralidade: o poder do discurso ou o discurso sem poder ? – Um estudo sobre as práticas cotidianas em saúde da
família em grandes centros urbanos. 2005. 156f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) - Instituto de Medicina
Social – UERJ, Rio de Janeiro,2005.
5
Um movimento intitulado “Viva Antares” liderado pela ONG Viva Rio reuniu diversos movimentos com o intuito
de combater a violência na comunidade após o episódio de fechamento do posto. Participaram do movimento: CAP
5.3, ONG Campo, Igreja Católica, Igrejas evangélicas, FIA, CSU (governo do Estado) entre outros.
11
CAMPO e pela CAP 5.3, foram contratados em regime celetista e fizeram um curso introdutório
Antes de assumir a direção do P.S. Sávio Antunes recebi os manuais de PSF do Ministério da
introdutório de saúde da família produzido pela ENSP. Esta atitude da coordenação de saúde
visava me preparar para o confronto inevitável com as ESF com as quais iria trabalhar.
Ao tomar posse da direção do PSF Antares, me deparei com uma situação insólita: os
Ocupavam espaços diferentes na unidade, não almoçavam juntos, nem no mesmo horário. Era
Em meus primeiros contatos com as ESF pude conhecer uma narrativa do PSF que não estava
descrita nos manuais do ministério da saúde. Nesta versão circulante nas ESF o PSF era descrito
como um programa onde o conceito de hierarquia não existia, por vezes ouvi a frase “O PSF não
tem chefe” como forma de desafiar o cargo que eu ocupava. Era comum também a crítica a
presença das ESF no Posto de Saúde, segundo a versão dos mesmos, só um módulo rudimentar
sem características de uma unidade de saúde poderia servir de base para uma equipe de PSF.
“postinho” (conotação pejorativa de uma UBS) tradicional. Segundo o entendimento das ESF do
PSF Antares, estas atividades deveriam dar suporte ao PSF, fazendo desta forma uma clivagem
Estas concepções não faziam parte de nenhuma das publicações as quais tive contato
previamente, inclusive nem o próprio manual com o qual as equipes foram treinadas descrevia tal
visão do programa. Durante todo o período em que atuei gerenciando equipes de PSF, precisei
12
argumentar contra esta visão distorcida do programa e durante todo este tempo me questionei
Aos poucos desconfiei que uma das origens deste discurso fosse a fala dos instrutores dos
cursos introdutórios que prescreviam em seus cursos uma revolução do SUS a partir da atenção
básica e construíram uma história das políticas de saúde no Brasil apontando o paradigma
como os maiores culpados pelas mazelas do sistema. O PSF então era apontado como a solução
No ano de 2001, logo após eu ter assumido a direção do P.S Sávio Antunes, o prefeito César
Maia assumiu um novo mandato substituindo o prefeito Luiz Paulo Conde. Por força da
coligação partidária que o elegeu6 e pelo estado de saúde do ex-secretário Ronaldo Gazzolla, o
novo prefeito nomeou o sanitarista Sérgio Arouca como novo secretário de saúde. Arouca
assumiu o cargo com o compromisso de implantar 600 novas equipes de saúde da família na
cidade, número que simbolizaria o alcance da faixa máxima de cobertura estipulada para o
incentivo do PAB variável. Neste momento o PSF deixa sua posição periférica na estrutura da
SMS-RJ para uma posição central e estratégica na mesma. Entretanto o projeto de Arouca não
obteve êxito e nenhuma nova equipe de PSF foi implantada até sua exoneração em maio deste
mesmo ano. Todavia, mesmo após sua saída, o PSF não mais deixaria sua posição central na
SMS-RJ.
Ronaldo Cezar Coelho foi nomeado para o lugar de Arouca e depois de algum tempo também
elegeu o PSF como uma de suas prioridades na gestão da SMS-RJ7. O PSF de Cezar Coelho
6
César fora eleito pelo PTB numa coligação com o PPS e outros partidos de menor expressão.
7
As outras eram: O Hospital de Acari, As casas de Parto e uma maternidade na Zona Oeste.
13
político. Para acelerar a implantação da meta de 150 novas equipes de PSF César Maia
“estimulou” a criação da ONG que viria e ser denominada CIESZO8 (depois o nome foi
PSF já existente. Em cada CAP, com exceção da CAP 3.2, foi nomeado um supervisor
responsável pelo PSF das respectivas áreas denominado “supervisor operacional” que por vez
trabalha com um grupo sob sua subordinação denominado “grupo de apoio técnico” ou GAT.
Esta equipe multidisciplinar deveria dar suporte técnico às atividades das ESF aumentando sua
capacidade de resolutividade. Por conta da minha experiência no PSF Antares, fui convidado a
análise de currículos e entrevistas. Para provimento das vagas de agente comunitário de saúde foi
realizado um grande processo seletivo nos moldes de um concurso público pela ONG CIEZO. Os
técnicos que organizaram este "concurso” eram em sua maioria oriundos de instituições de pós-
graduação na área de saúde coletiva como a ENSP ou então eram conhecidos destes primeiros e
constituíram uma gama de profissionais das mais diversas formações tais como: enfermeiros,
médicos, dentistas, psicólogos e etc, quase nenhum deles com experiência administrativa.
O processo seletivo dos ACS fracassou em diversos pontos. Na divulgação: o edital foi
publicado na folha dirigida o deu uma idéia falsa de que seria um concurso público. Na inscrição:
não havia comprovação de residência para o local de trabalho dos ACS, não houve entrega de
8
César Maia sugeriu aos reitores de 7 universidades da Zona Oeste do Rio de Janeiro (Faculdades São José,
Universidade Castelo Branco, Faculdades Bezerra de Araújo, Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, Federação
de Escolas Faculdades Integradas Simonsen e Fundação Educacional Unificada Campo Grande) que criassem uma
ong para fazer um convênio com a prefeitura de co-gestão do PSF.
14
comprovação de inscrição com local de prova (os candidatos tiveram que procurar estes dados
em listas distribuídas nas sedes do correio e em algumas associações de moradores horas antes do
concurso).
Após esta seleção dos recursos humanos, o processo de implantação entrou numa segunda
etapa: a organização dos locais sedes de trabalho das equipes. Para tanto a SMS-RJ em conjunto
com o CIEZO optou por alugar imóveis nas comunidades a serem atendidas pelo programa e
após a assinatura dos contratos reformá-los e equipá-los. Os preços dos aluguéis e das reformas
atingiram altas cifras e este processo nunca foi concluído em alguns casos. Em 2005, o secretário
de saúde não renovou o contrato de imóveis que ainda não haviam sido reformados desde a
assinatura dos contratos em 2003 e 2004. Os imóveis que foram reformados possuíam estrutura e
equipamentos de qualidade que excedia em muitas vezes a qualidade dos equipamentos das
Onde foi possível terminar as obras e equipar os imóveis as equipes foram implantadas,
Desde minha entrada no programa de saúde da família em 2000 no PSF Antares até a minha
dispensa do cargo de supervisor operacional do PSF da AP 5.3 e maio de 2005, pude perceber
uma notável mudança de status do programa na estrutura da SMS-RJ. O PSF deixa de ser um
programa marginal com poucos recursos até atingir o status de principal programa da agenda do
ex-secretário de saúde Ronaldo César Coelho. Esta mudança acompanha um processo que infiro
ser também replicado em todo território nacional, pois, desde o documento intitulado “Saúde em
casa” de 1994, até a política nacional de atenção básica de 2006, o PSF vem deixando seu caráter
9
Ano em que fui dispensado do cargo de Supervisor Operacional. Segundo dados da SMS-RJ hoje (novembro de
2007) a cidade possui 122 equipes de PSF e 41 equipes de PACS.
15
estágio para PSF (PROSAUDE), do incentivo para a realização de cursos introdutórios de PSF
(REFORSUS).
O PSF na cidade do Rio de Janeiro teve sua expansão marcada pelo alto grau de
pregavam a mudança radical da atenção básica como forma de mudança das condições de
marketing do programa.
introdutório era precedido de uma atividade de psicodrama como forma de preparar os novos
integrantes das ESF para o esforço necessário para a “mudança de paradigma” a ser realizada na
O processo seletivo dos ACS distribuiu uma camisa com o slogan do programa para cada
candidato10. Foi realizado um concurso de paródias musicais sobre saúde para a confecção de CD
com recursos da Fundação João Goulart.Em 2004, foi realizada a I Mostra de atenção básica no
(integrantes das equipes). Um documentário de curta – metragem em vídeo foi realizado para a
divulgação do programa.
Estas atividades talvez demonstrem a intenção dos gestores do PSF em alcançar a hegemonia
10
Foram estimados 5000 candidatos pelo CIEZO.
16
A minhas percepções durante os anos em que participei do programa me levam a inferir que
esta busca por hegemonia começa na disseminação das diretrizes do PSF nos cursos introdutórios
com a intenção de gerar nos profissionais inseridos na estratégia uma massa crítica combativa ao
O discurso do PSF como redentor da atenção básica, como única forma digna de organização
da porta de entrada do sistema gera um conflito inevitável com atores já existentes no sistema.
Este conflito torna extremante difícil à integração das diversas modalidades de atenção num
mesmo território.
17
2 - Introdução:
A reforma sanitária no Brasil culminou com a instituição dos princípios e diretrizes do SUS
primeiramente na constituição de 1988 e depois nas Leis orgânicas da saúde: 8080 e 8142 de
1990.
Durante o período que antecedeu o SUS, novas experiências de atenção à saúde foram testadas
PIASS e do PREV-SAÚDE11 nos anos 1970 e das AIS e do SUDS nos anos 1980 (SERRA,
2003).
“O PSF tem como marco uma reunião entre técnicos do ministério da saúde e os
secretários municipais, em dezembro de 1993, congregando atores das várias
regiões do país, de forma a romper o confinamento das experiências de agentes
comunitários de saúde às regiões norte e nordeste”. (2002.p. 209)
IPEA12 (ROCHA, 2000;SOUZA, 2000; VIANA & DAL POZ, 2005; ÀVILA, 2006;).
Em sua primeira fase o PSF tem como principal característica, a expansão de serviços de
ÁVILA, 2006).
Fundação nacional de saúde foi transferido em 1995 para a Secretaria de Assistência à saúde.
11
Para mais informações sobre estas estratégias ver PAIM,1999 e NORONHA & LEVCOVITZ,1994.
12
Instituto de pesquisas econômicas aplicadas.
18
Esta mudança é apontada por alguns autores como signo do aumento de importância do PSF na
estimulado pelo incentivo maior dependendo da faixa de cobertura alcançada pelos municípios
A implantação do PSF pode ser dividida em dois momentos evolutivos segundo MATTOS:
“A história do PSF pode ser dividida em dois períodos: um primeiro que vai
desde sua criação até 1996, no qual ele era visto predominantemente como uma
estratégia de expansão de cobertura de acesso aos serviços de saúde; e um
segundo, a partir de 1996, no qual é considerado uma estratégia de
transformação do modelo assistencial, com a pretensão de substituir as práticas
tradicionais de atenção básica. Importa destacar que as decisões do Governo
federal sobre o incentivo ao PSF correspondem ao segundo período”. (Op. Cit.
pp. 82-83).
Em 1998, um novo documento editado pelo Ministério da saúde apontava a inflexão do PSF
cobertura do PSF em direção a modificar toda a atenção básica sob seus princípios. O PSF era
então alçado ao topo da agenda13 das políticas de saúde no Brasil como solução para os males da
crise da saúde14.
13
Sobre o conceito de agenda: “o estabelecimento de agenda, assim compreendida, seria um momento crucial do
processo de formulação de políticas públicas. Dele participaria uma série de atores sociais que se engajam na defesa
da introdução de temas e problemas na agenda governamental, quer por argumentar acerca da relevância do
problema em questão, (...) por defender certas alternativas de solução, (...) por sustentar que a introdução do tema
naquele momento é oportuna. (...) a expressão agenda também tem sido usada para designar um conjunto de temas
(problemas e preferências de solução) que um determinado ator (partido político, comunidade de especialistas,
agência internacional, etc...) defende em certo momento, independentemente dos laços de proximidade com o
governo”. (MATTOS, 2000. pp.60-61)
14
Este conceito é mais bem desenvolvido no capítulo 3.
15
Sobre o uso da retórica nas políticas de saúde ver MATTOS,2000.
16
O plano qüinqüenal do ministério da saúde de 1991 já falava em mudança de modelo antes do PSF: “O ministério
da saúde implantará um novo modelo de atenção à saúde, capaz de alterar positivamente os níveis de saúde da
população, orientado para a solução de problemas, que garanta o acesso, a cobertura e a integralidade da atenção à
saúde e a participação social. Essa diretriz se fundamenta no reconhecimento da ineficácia e ineficiência dos modelos
vigentes de assistência à saúde e da fragmentação e compartimentalização da atual prática da assistência á saúde...”
(BRASIL/MS, 1991. p.20)
20
PSF17:
O resultado alcançado pela implantação do PSF em sua fase inicial com predominância das
cidades de menor porte apresentou resultados satisfatórios. Um estudo realizado pelo ministério
Entretanto o PSF tem encontrado dificuldades na expansão nas grandes cidades (MATTOS,
2002). Algumas características típicas destes conglomerados urbanos são apontadas como as
principais causas: as transformações demográficas e urbanas sofridas pelos grandes centros, altos
17
Exemplo da utilização do discurso mudancista (grifos do autor): “De acordo com Dagnino (2000,p.67), isto
implicaria uma nova concepção de mundo, segundo o qual o papel das idéias e da cultura assume caráter positivo,
tendo sua base construída a partir de suas formulações principais: a noção de poder e a construção histórica da
transformação social. Nesse sentido, implantar o PSF em uma comunidade, com esses propósitos, significa rever
também as relações de poder existentes não instituições de saúde, entre profissionais, usuários e gestores”.
(GOMES,2005. p.32)
21
mesma cidade, irregular distribuição dos serviços de saúde, existência prévia de uma grande rede
de serviços de saúde, entre outras (FAVORETO, 2002; CAETANO & DAIN, 2002).
CAMPOS et al, 2002 apontam algumas conseqüências da implantação do PSF nos grandes
centros urbanos: impacto na força de trabalho ativa devida à hegemônica formação especializada
dos profissionais de saúde, impacto nos serviços públicos causado pela necessária reorganização
das práticas de trabalho já consolidadas e do aumento de demanda e dos custos diretos e indiretos
causado pela defesa de interesses de especialistas e pela precarização dos vínculos trabalhistas,
Neste mesmo artigo impactos positivos são também descritos: impacto sobre a força de
novo mercado de trabalho emergente, impacto sobre os meios acadêmico pelo oferecimento de
PSF, impacto sobre a comunidade pelo estímulo à participação popular e pela perspectiva gerada
A falta de recursos humanos adequados para o programa de saúde da família tem sido
freqüentemente apontada como um dos fatores que dificultam sua expansão (SOUZA, 2001;
CAETANO & DAIN, 2002; CAMPOS, 2002). Como resposta a este impasse o MS tem
estudos no campo da saúde coletiva. Apesar dos avanços na mudança de indicadores de saúde e
Algumas são mais específicas como as seguintes relacionadas ao processo de trabalho das
equipes:
Pela possibilidade das práticas das equipes induzirem a moralização sanitária dos
comportamentos da comunidade:
“Outro aspecto a ser ressaltado é que, com processo vem se desenvolvendo, ele
pode apresentar um alto risco de uniformização enquadramento moral dos
comportamentos individuais e coletivos exibidos pelas comunidades, visto que
ideologia as técnicas que permeiam as ações de prevenção e de educação-agora
introduzida diretamente nos domicílios e famílias - pode contribuir para uma
maior medicalização e controle social das comunidades assistidas pelo
programa” (FAVORETO, 2002. p.74).
Apesar das críticas o programa de saúde da família tem recebido cada vez mais incentivos
para sua ampliação. O programa de expansão da estratégia de saúde da família (PROESF) foi
criado para aumentar a inserção do PSF nos grandes centros. A política nacional de atenção
básica de 2006 declara oficialmente o caráter estratégico do PSF e torna suas diretrizes como eixo
estruturante de toda a atenção básica. Este mesmo documento cria um novo papel para o
implantação do PSF em áreas de desigualdade social tais como: Amazônia legal, cidades com
Todavia, a expansão do programa acompanha um forte discurso de ruptura que vem criando
tensões com as redes de atenção básica pré-existentes, notadamente nos grandes centros. Foi a
partir da vivência destas tensões que se deu a motivação para a realização deste estudo.
2.1-Hipótese de trabalho:
vigentes nos serviços de saúde. Este discurso ignora ou parece ignorar que algumas práticas
prescritas pelo PSF que já são adotadas nas redes de saúde já existentes. As redes de serviços já
24
tradicional existentes nos manuais dos cursos introdutórios e nos discursos dos profissionais do
PSF servem de instrumento de retórica para o reforço do antagonismo entre os dois modelos. A
crença num modelo redentor da atenção básica leva as equipes de PSF a uma prática mais voltada
para a programação da oferta, intuída pela rigidez da implantação do programa, do que para o
demanda causado pelo trabalho proativo de suas equipes pode levar a uma tensão crescente entre
2.2-Objetivo geral:
Verificar até que ponto se confirma a hipótese de um discurso de antagonismo vigente entre
os profissionais de saúde ligados ao PSF para com o chamado modelo tradicional.
Descrever a concepção corrente acerca do que seria uma unidade tradicional de saúde.
2.3. Justificativa:
A atual política nacional de atenção básica considera o programa de saúde da família com eixo
de reorientação de toda a atenção básica no país (BRASIL, 2006). Este estudo torna-se relevante
para apontar possíveis descaminhos que levem a um antagonismo desnecessário entre as unidades
ação¨. O vídeo produzido pela ENSP/Fiocruz é dirigido por Cao Hamburger, famoso pela série
infantil castelo Rá-Tim-Bim é parte integrante do material didático produzido pelo MS para
Na maquete apresentada sob o título ¨Cidade da Saúde¨ podemos ver esgoto a céu aberto,
muito lixo e rios poluídos. Pausadamente, a Enfermeira Dona Meca afirma que a cidade do vídeo
ainda não merece o nome que possui, mas que o trabalho a ser realizado pelos ACS acabará com
esta ignomínia.
A série “Agentes em Ação” é dividida em vários capítulos, onde todas as etapas do trabalho
dos ACS são explicadas detalhadamente pelas 03 enfermeiras e pelo apresentador Vândi que
Programa de Saúde da Família (PSF) foi implantado. O ator entrevista moradores, ACS,
possíveis mudanças que dela ocorrerão. Cabe ressaltar que o vídeo não apresenta entrevistas em
Conheci o vídeo no ano de 2000 quando assumi o cargo de Diretor da Unidade de Saúde da
Família da Comunidade de Antares na cidade do Rio de Janeiro. Este vídeo foi um dos primeiros
veículos de divulgação dos princípios do programa de saúde da família ao qual tive contato.
Ao longo dos anos em que estive envolvido com o PSF do Rio de Janeiro pude detectar que
Este referencial teórico tem o objetivo de fazer uma revisão bibliográfica destes temas e
contextualizá-los.
Entretanto o marco conceitual do conceito de APS vigente nos dias atuais, sem desmerecer
realizada no ano de 1978. O documento intitulado “Saúde para todos no ano 2000” considera a
APS estratégia prioritária para a expansão de serviços de países subdesenvolvidos18 por constar
No entanto poderíamos dizer que o conceito de APS é polissêmico por conter em si diversos
18
Na terminologia da época, depois modificada para países em desenvolvimento e hoje para países emergentes.
27
documento sobre o tema onde a APS aparece com novos adjetivos e , por conseguinte novos
significados:
“Da atenção primária à saúde proposta pela Alma-Ata até hoje, surgiram
derivações que apontam o que se considerava avanço ou especificidade em
relação à proposta original. Nesse sentido tem-se: Atenção primária à saúde,
atenção primária seletiva atenção primária orientada para a comunidade e, mais
recentemente, atenção primária renovada”. (2007 p.17).
Entretanto esta prática da APS pode ser considerada uma etapa de transição para uma desejada
Não custa lembrar que a assistência à saúde no país era fragmentada até a criação do SUS:
do outro lado a atenção individual ficava a cargo do sistema INAMPS, da medicina de grupo ou
da medicina liberal (MATTOS, 2006). Fica evidente, portanto que os ideais da APS só atingiram
movimento sanitário que fazia críticas ao sistema nacional de saúde vigente, críticas que ainda
“Essa estrutura dicotomizada do sistema saúde foi criticado em pelo menos duas
perspectivas. A primeira resultava da impressão de que a prioridade da política
de saúde vigente era a assistência médica da Previdência, em detrimento da
saúde pública. Impressão, aliás, superficial. (...) Mas o arranjo institucional
dicotomizado tinha conseqüências sobre a organização e as práticas dos serviços
de saúde, que deu origem à segunda perspectiva de crítica. Tornou-se senso
comum indicar que o arranjo dos serviços de saúde estava centrado nos
29
Após a Alma-Ata as primeiras ações baseadas nos princípios da APS ocorreram após o
saúde) e do SUDS (sistema único descentralizado de saúde), até o advento do SUS em 1988
(ALEIXO,2002).
A posição das “atividades preventivas” em relação aos “serviços assistenciais” confirma que o
SUS em sua gênese era em muito devedor da APS e a do conceito da “promoção da saúde”
Durante os anos 80 foram realizadas diversas experiências no país com o trabalho do agente
comunitário de saúde em estados como: Rio de janeiro, São Paulo, Mato Grosso, Goiás,
criação do Programa de agentes comunitários de saúde (PACS) no ano de 1991 pela Fundação
Sobre o trabalho dos agentes comunitários de saúde (ACS), MATTOS nos diz o seguinte:
19
Grifo nosso
30
As atribuições dos ACS eram , entre outras: acompanhamento a gestantes e nutrizes, incentivo
do cumprimento do calendário de vacina, controle das doenças diarréicas, controle das infecções
respiratórias agudas (BRASIL,1994). Desta forma concordamos com o que diz FAVORETO:
Em linhas gerais podemos dizer que o PACS foi importante ator no processo de
materno-infantis nas cidades do interior do nordeste, com destaque para as cidades do estado do
Ceará, são considerados a justificativa principal para a criação do programa de saúde da família
no ano de 1994 (MATTOS, 2002; SOUZA, 2000; ÁVILA,2006). O PSF, portanto, traz em sua
“Por sua vez, a articulação do PACS ao PSF parece ter tido a finalidade
promover um novo significado e uma nova forma de inserção política e
ideológica das práticas dos agentes, ao mesmo tempo e que influenciou o rumo a
31
ser tomado na estrutura da saúde da família. Este rumo fez com que o PSF se
identificasse com as propostas de atenção primária à saúde, privilegiando as
intervenções preventivas sobre grupamentos humanos particularmente expostos
a maiores desigualdades sociais” (2002. p.23).
Não é de se estranhar, portanto, que o primeiro documento do PSF de 1994, busque enfocar
regiões de baixo desenvolvimento sócio-econômico segundo nos dizem VIANA & DAL POZ:
A maquete da cidade da saúde do vídeo “Agentes em Ação” (Op.Cit.) não mostra pessoas
doentes. A ação dos agentes de saúde na “cidade da saúde” visa eliminar os riscos, orientar os
moradores quanto aos hábitos saudáveis, observar e registrar seus modos de vida,suas
O trabalho dos ACS, tão minuciosamente descrito no vídeo é somado ao trabalho das equipes
A concepção de “promoção da saúde” adotada pelo PSF é devedora do relatório escrito pelo
humana, meio ambiente, estilo de vida e organização da atenção à saúde (LALONDE, 1974).
32
Em sua avaliação Lalonde conclui que os recursos destinados a melhorar a saúde da população
deveriam ser alocados prioritariamente em ações que visam modificar o estilo de vida e o meio
ambiente.
Uma das vantagens da aplicação deste conceito segundo o autor seria, reduzir os custos com a
atenção à saúde por evitar que enfermidades ocorram pela mudança das características do meio
Em meados dos anos 80, o conceito de promoção da saúde ganha vigor com a 1º conferência
Buscava-se com o novo conceito uma visão positiva da saúde. Desta forma o conceito de
saúde é ampliado para além do estritamente biológico e da simples ausência de doenças e passa
incluir pré-requisitos políticos para sua aquisição. A chamada Carta de Ottawa ressaltava dentre
outras coisas : “... justiça social e equidade como pré-requisitos para a saúde”. Diz ainda:
O núcleo retórico do conceito de promoção à saúde pode ser assim dividido: conceito positivo
de saúde, prevenir doenças mais do que tratá-las, uso da média para estimular comportamentos
saúde e conceber “uma visão positiva da saúde” não alcança uma definição objetiva ficando
passível de críticas (CAMARGO JR., 2004). Sobre os diversos sentidos da promoção da saúde
O conceito de promoção da saúde foi eixo fundamental para as políticas públicas de saúde no
O PSF e o PACS tiveram papel decisivo na divulgação destes conceitos entre os profissionais
e nos cursos de graduação na área de saúde. Cabe ainda, destacar a atuação dos meios de
físicos), tabagismo (combate ao fumo), sexo seguro e etc... Caracterizado por CASTIEL (1999)
comportamento exagerado de fuga de situações que possam causar danos à saúde em busca do
passa a ser sinônimo de bom comportamento e desta forma passam a serem marginalizados: os
medicamentos conforme as prescrições, diabéticos que não fazem dieta, aqueles que fazem sexo
sem o uso do preservativo e etc... Assim sendo, cabe aos profissionais de saúde, sobretudo
àqueles comprometidos com a promoção da saúde, a identificação de hábitos não saudáveis numa
dada população e sua posterior correção. Sobre isto nos diz CASTIEL:
20
Castiel se refere ao haicai de Millor Fernandes: “Probleminhas terrenos: quem vive mais, morre menos?” (1997).
35
saúde e bens de consumo, pode-se inferir que os pobres terão menos oportunidades de serem
“conscientizados” quanto aos hábitos saudáveis. Estando, portanto, num grupo considerado de
alto risco, os pobres tornam-se então grupo preferencial das ações de promoção de saúde
momento em que seus estudos de risco são utilizados para determinação dos estilos devida que
identificou que para além da visão ampliada da saúde, os mesmos importavam fortemente os
que o conceito de promoção de saúde de Ottawa é fortemente influenciado pela ótica dos países
responsabilização única do indivíduo pelo seu estado de saúde, ao considerar que suas ações
individuais em prol de seu autocuidado são um exercício de cidadania (COOPER & SAYD,
2006).
A noção do autocuidado acaba por tentar romper com a tradição de que alguém que sofre deve
primeiros movimentos neste sentido surgiram em Toronto no Canadá em 1978 “onde forram
como resposta aos problemas mais prevalentes de saúde pública naquele momento” (ADRIANO,
2000. p.54).
cidade saudável ganha ares de movimento político e repercussão internacional e passa a fazer
divulgadores. O assunto aparece como sub-tema do texto “Um novo paradigma sanitário: a
produção social da saúde” de 1996. Sobre a atuação dos governantes no novo paradigma sanitário
diz o autor:
“Nesse sentido, a cidade saudável será, sempre, uma utopia estruturante dos
projetos presentes. É um devir constante que articula as ações cotidianas do hoje,
um processo em permanente construção que nunca estará acabado. É um
movimento que procura instituir uma nova ordem governativa na cidade, a
gestão social, informada pela vigilância da saúde. A saúde, como qualidade de
vida, é colocada como objeto de todas as políticas públicas21, entre elas as das
políticas de serviços de saúde” (Op. Cit. p.259).
Cabe ressaltar que as idéias de MENDES têm profundo eco nas políticas públicas do País que
fazem coro com a promoção da saúde, com destaque para a estratégia de saúde da família
defendida pelo próprio autor como lócus privilegiado para a produção social da saúde:
38
O conceito de vigilância à saúde é constantemente citado nos documentos que tratam de ações
voltadas para a promoção da saúde. Segundo o CONASS a vigilância à saúde pode assim ser
conceituada:
No programa de saúde da família esta tarefa recai principalmente sobre o trabalho dos agentes
comunitários de saúde que necessitam fazer uma espécie de “censo”22 mensal sobre o
O consolidado destas informações servirá de base para as intervenções das equipes de saúde
da família sobre a comunidade: nisso incluem-se ações curativas e ações de promoção da saúde
21
Grifo nosso.
22
Entre as diversas tarefas dos ACS está o preenchimento do impresso denominado SSA2, no qual registra a situação
de saúde das famílias de sua microárea. O ACS deve ainda atualizar constantemente o cadastro da inicial das famílias
na Ficha A. Todos estes dados são consolidados no SIAB (Sistema de informação de atenção básica). No Rio de
Janeiro o sistema original do Ministério da saúde foi modificado de forma a comportar mais informações e exercer
um maior monitoramento da vida das famílias.
39
O conceito de vigilância à saúde que norteia as práticas das equipes de saúde da família é,
portanto mais amplo que o encontrado no documento do CONASS, neste ponto, encontra
“Assim a vigilância da saúde é uma nova forma de reposta social organizada aos
problemas de saúde, referenciada pelo conceito positivo de saúde e pelo
paradigma da produção social da saúde. Por conseguinte, essa prática tem de, a
um tempo, recompor o fracionamento do espaço coletivo de expressão da
doença na sociedade, articular as estratégias de intervenção individual e coletiva
e atuar sobre todos os nós críticos de um problema de saúde, com base em um
saber interdisciplinar e em um fazer intersetorial” (1996. pp.243-244).
saúde em direção a populações mais pobres sob o signo da equidade. Todavia os altos custos dos
cobertura da estratégia PSF e, por conseguinte, das ações de promoção da saúde, para além das
regiões de pobreza predominante sob a justificativa da redução dos gastos com a saúde:
“(a) tão propalada crise fiscal do Estado acabou por impor a lógica de gastos que
busca justamente uma maior efetividade e eficácia das ações públicas no campo
da saúde, e para este fim as diversas fórmulas de autonomia do cuidado (...) são
apontadas como soluções adequadas” (NOGUEIRA apud CASTIEL, 1999.
p.23)
Desta forma podemos afirmar que o PSF , ao imbuir-se da missão de reformar a saúde tendo
como objeto de trabalho a mudança do estilo de vida, opera em prol da medicalização da saúde.
40
crise:
A crise sanitária evoca para uma série de autores uma mudança paradigmática, no sentido que
1996;MENDES, 1996; TRAD & BASTOS, 1998). A designação da Reforma de Flexner como
A análise da crise da saúde faz-se então necessária no sentido melhor entender o discurso em
O Welfare State (WS) foi fonte inspiradora para a reforma (e criação) da seguridade social e,
por conseqüência, das reformas do setor saúde de diversos países do mundo, entre eles o Brasil.
econômico das economias nacionais. Todavia a crise econômica mundial causada, entre outros
motivos, pelo aumento do preço do petróleo, colocou em crise o W.S. Sobre isto nos diz
KORNIS:
de uma seguridade social. Os sistemas de saúde se reorganizaram de modo muito menos pródigo,
como no Inglaterra e no Chile, enquanto as mudanças econômicas não foram favoráveis a uma
melhores condições de saúde para todos. SIMÕES sintetiza as implicações da dimensão sócio-
A conseqüência mais importante talvez, não apontada por Simões é que à falência do WS
As propostas que diminuem a presença do estado na sociedade propugnam pela competição como
estado nacional forte do séc. XIX. Segundo Simões, as mudanças na estrutura familiar, com a
inclusive com surgimento de guetos geracionais que pouco se comunicam, (jovens e idosos,
p.ex.) originaram uma quebra na transmissão de valores e tradições, o que aumenta a freqüência
multiculturalismo (ibid).
relacionar os seguintes fenômenos como fatores influentes crise sanitária: as mudanças dos
processo de urbanização e de mudança do estilo de vida (SIMÕES, 2000). Estes fatores agindo
sinergicamente provocaram aumentos dos custos da atenção à saúde. VIANA & DAL POZ fazem
23
Grifos dos autores.
44
4 - Considerações metodológicas:
Ao ser selecionado para trabalhar numa equipe de PSF o profissional de saúde é geralmente
submetido a um curso introdutório. Esta capacitação está prevista como uma das etapas da
2527/2006 do Ministério da saúde define os conteúdos mínimos do curso introdutório bem como
introdutórios. Para tanto se faz uso de artigos e textos produzidos em meios acadêmicos e
políticos. No entanto a ênfase do curso é uma decisão política dos órgãos responsáveis pelo PSF
nas prefeituras.
coordenação do programa.
segundo as quais eles vêm sendo organizados utilizaremos a técnica da história de vida
modelos de cursos introdutórios e alguns profissionais que deles participaram. Segundo SAYD
(1998, p.9) “A história oral não é uma teoria, é uma técnica que vem sendo utilizada nos mais
variados campos, levantando o passado tanto quanto o presente, e permitindo uma análise mais
As entrevistas não chegam a se caracterizar como história oral, pois não atingiram a extensão
costumeira, de mais de um encontro, várias horas de fita gravada. Não houve a pretensão de
esgotar o depoimento dos entrevistados para, a partir dos mesmos, fazer história, e sim, conhecer
as concepções e motivações dos gestores com o intuito de encontrar pistas para compreender o
45
implantação do PSF. A coleta dos depoimentos suscitou nos entrevistados, no entanto, reações
típicas e conhecidas de quem pratica história oral: manifestações de nostalgia da trajetória vivida
profissionais que tivessem profunda relação com o programa, tanto no trabalho direto nas equipes
experiência na implantação do PSF no Rio de Janeiro (de onde surgiu à motivação para a
Sobral/CE).
implantação do programa e de que forma e que importância atribuem ao curso introdutório nesta
jornada. Inferindo que há um forte discurso de mudança por trás desta estratégia, a história de
vida dos entrevistados apontou a disposição dos mesmos em participar e talvez liderar processos
como esse. O confronto de discursos de sujeitos que passaram pelo mesmo processo histórico
“Esta perspectiva difere daquela de alguns outros cientistas sociais por atribuir
uma importância maior às interpretações que as pessoas fazem de sua própria
experiência como explicação para o comportamento. Para entender porque as
pessoas têm o comportamento que têm, é preciso compreender como lhe parecia
tal comportamento, com o que pensava que tinha que confrontar, que
alternativas via se abrirem para si; é possível entender os efeitos das estruturas
46
Sabemos, no entanto, que o conteúdo das entrevistas não pode ser considerado em si como
uma verdade absoluta. Foi necessário contextualizar a narrativa dos entrevistados, conforme nos
necessário explicitar o meu grau de envolvimento com os mesmos e assim me despir da falsa
condição de neutralidade perante o objeto pesquisado conforme dizem BRIOSCHI & TRIGO e
SPINK:
gestão do PSF do Rio de Janeiro entre os anos de 1996 e 2005. Foi o principal gestor do
programa no período em que o autor deste trabalho esteve trabalhando na estratégia. Atualmente
não trabalha mais na SMS/RJ e exerce cargo de gestão em atenção básica, além de outras funções
no município de Teresópolis/RJ.
cargo de gestão no programa de saúde da família, voltada principalmente para a coordenação dos
trabalhou em cargo de supervisão em equipes de PSF entre os anos de 2001 e 2003, trabalhos
como médico de saúde da família em Sobral/CE no ano de 2003 e em 2004 retornou ao Rio de
Janeiro para exercer cargo de gestão local de equipes de PSF onde está até o momento e ainda
equipes de PSF na cidade do Rio de Janeiro desde 1996. Atualmente coordena o eixo que é
O conteúdo das entrevistas foi categorizado de forma a descrever como os sujeitos entendem
geral. Igualmente, apontamos também categorias que surgiram nos discursos e que nos
auxiliaram a alcançar os objetivos da pesquisa. Cabe ressaltar que o método por nós escolhido
está centrado no discurso e no ponto de vista dos entrevistados e deles emergirão as categorias de
BARDIN:
Optamos por classificar os conteúdos das entrevistas de acordo com a freqüência, presença ou
ausência (BARDIN,1977 p.21) dos temas que já eram objetos iniciais da pesquisa ou que
surgiram durante os relatos de história oral ou de outras questões que formulamos durantes as
entrevistas.
2-Como você descreve sua trajetória durante o tempo em que trabalhou no programa?
5-Você já organizou ou trabalhou em algum outro introdutório? Quais eram seus objetivos?
6-Como você gostaria que estivesse hoje o PSF do Rio de Janeiro hoje?
Depois de seguidas leituras dos conteúdos das entrevistas pudemos definir cinco grandes
temas de análise:
do programa de saúde da família. Este tema foi dividido em três categorias: Prática tecnicista
3-Visão do PSF: onde os entrevistados referem-se ao PSF enquanto política de saúde e suas
secretarias de saúde em prol do programa. Este tema foi divido em duas categorias:
seus ideais e anseios. Este tema tem como categorias de análise: Ideal de serviço e formação
acadêmica;
5 – Resultados e inferências
dos temas recorrentes da entrevista foi uma avaliação dos quatro entrevistados de suas
O relato acima demonstra um pouco as características das primeiras experiências que surgiam
de iniciativas oriundas das Coordenações de áreas programáticas com apoio do nível central.
tivesse a cara da Secretaria de Saúde. E aí foi isso, foi um início muito arrastado
o Doutor Gazolla é... nos dois/ três primeiros anos tinha uma resistência inicial
muito grande, no final do mandado que ele começou a respeitar o processo de
trabalho da Saúde da Família e tudo mais. Mas aí não houve a renovação do
Conde na época, foi o César Maia” Entrevistado (1).
O entrevistado relata as primeiras experiências que deram origem ao PSF-Rio, que evoluíram
de propostas marginais sem destaque no âmbito da SMS/RJ até chegar ao topo da agenda na
posse do ex-secretário Sérgio Arouca no ano de 2001. Neste ano foi estabelecido um objetivo de
implantação de 600 equipes na cidade. Cabe ressaltar que O entrevistado ocupou importante
O fracasso da experiência de Sérgio Arouca à frente da SMS/RJ teve como legado chamar a
saúde:
“Ele (César Maia) foi à Inglaterra e ficou encantando com o PSF... PSF não! É o
serviço de General Practician da Inglaterra. Então, ele me chamou e disse”:
- ‘ Olha , eu vou investir em você e no seu projeto’ Entrevistado (1).
A mobilização efetuada por Arouca para implantação das 600 equipes deixou profundas
“Aí o César Maia entrou com aquele furacão que você conheceu,que foi a
demissão em massa de todas as coordenações e com a entrada do Doutor Sérgio
Arouca (saudoso Sérgio Arouca) e eu acho que foi muito interessante. (...) Aí a
gente continuou enquanto coordenador e foi um momento muito difícil, porque
na verdade existiam nichos políticos que deviriam ser preenchidos e a
coordenação do PSF era um nicho político muito visado por eles, até porque eles
tinham uma proposta mega pra Saúde da Família. O Sergio Arouca e a equipe de
base dele apoiavam profundamente esse projeto, essa proposta, perdão. E... só
que ele não definia. Então, teve um momento que eu fui apresentada a quem
seria o coordenador do PSF e eu estávamos com o titulo de coordenadora do
PSF. Eu e essa pessoa tínhamos “assim” posicionamentos ideológicos
absolutamente distintos” Entrevistado (1)
Como forma de evitar o imobilismo o qual ficou caracterizada a gestão Arouca. O prefeito da
cidade buscou estabelecer uma parceria estratégica com uma ONG ,criada sob sua orientação,
52
com a finalidade única de gerenciar a infra-estrutura da nova expansão do PSF, o CIEZO. Esta
parceria marcaria o PSF-Rio no período compreendido entre 2002 até o presente momento:
“E... por outro lado a Secretaria não se apropria por saídas das pessoas
comprometidas com o Arouca, pessoas mais comprometidas com as inovações e
modelos como Entrevistado (1), Lúcia Souto, o nosso atual Ministro Temporão,
e essas pessoas saíram e deixaram a Secretaria com um bando... quem tinha o
poder realmente. Eram pessoas que não tinham compreensão do modelo de
atenção das mais atrasadas e tradicionais possíveis, e que viram aquele bonde já
em movimento (aquele trem) e ficaram com medo de ficar estancando no mato e
procuraram tirar proveito de alguns movimentos que já estavam iniciados. E um
deles é o próprio convênio que o Prefeito capitaneou pra organizar uma
instituição na Zona Oeste que pudesse contar com todas as instituições de
ensino da Zona Oeste e onde ele pudesse estabelecer como um parceiro
interlocutor pelo Poder Público pelo Governo da área de Saúde da Zona
Oeste. Que foi difícil. E a partir daí... (Risos) (...). Algumas coisas foram
interessantes pelo processo de que nunca é numa única direção” Entrevistado
(2).
O entrevistado acima foi a principal responsável pela gestão dos treinamentos e capacitações
“Então podia acompanhar isso de perto e isso foi muito rico pra mim. Esse
grupinho já estava selecionado, eram todos externos da Secretaria sendo pessoas
contratadas através de Ong´s e Associação de moradores e coisa tal. A
experiência que Secretaria estava a fim de tocar e essas pessoas estavam com
data marcada pra começar o treinamento. Havia um processo de discussão
capitaneado por Entrevistado (1) e Cristina Boaretto a respeito desse
treinamento. E esse treinamento estava pensado (...) meu foco desde que entrei,
até porque eu cheguei nesse momento, foi o treinamento” Entrevistado (2).
A gestão do PSF até o ano de 2005 tenta estabelecer o que chamavam de “jeito carioca” de
fazer o PSF. Essa tentativa de criar uma identidade para o PSF na cidade, distinta do PSF do
restante do país, ficou evidenciada nas constantes rupturas e mudanças de modelo de treinamento
Inglaterra dá dinheiro suficiente pra aquele cara ficar muito bem” Entrevistado
(1).
“E foi o que a gente tentou fazer durante muito tempo. Botando as equipes
completas, capacitadas e aquela coisa toda. Mas na verdade o Estado reclamava,
o Governo Federal reclamava e eu defendia a lógica da coisa correta. Da coisa...
não é assim que vocês querem? Então, é assim que a gente vai colocar. Senão
não tem sentido regra. Mas eu acho que a gente tinha que inventar um modelo
carioca, eu acho que não basta só a gente enquanto município. Tem que ter a
inferência do Estado nessa história e a defesa disso no Ministério no
Departamento de atenção básica, pensando exatamente que as prioridades de um
Médico ou de um Enfermeiro num município do interior do Nordeste, são
diferentes das prioridades de nós Médicos e Enfermeiros de uma grande
metrópole” Entrevistado (1)
“É o jeito carioca de fazer PSF. Deveria ser. Só que eu acho... só que tem que
haver, primeiro eu não sei como está o Estado. Mas o Estado não participava de
nada que a gente fazia, eu acho que o Estado do Rio de Janeiro, ele tinha que
estar atuando fortemente nessa intermediação, entendeu? Não só do Rio de
Janeiro, mas do Estado de São Paulo. Porque São Paulo também (...), a cidade de
Belo Horizonte também, as grandes metrópoles. Até porque você não consegue
dar salários tão altos que sejam o suficiente pro cara só ficar ali. Então eu acho
que deveria haver esse momento como o Sérgio Arouca fez a Oficina das
Grandes Metrópoles” Entrevistado (1).
Com o trabalho interrompido em 2005, O entrevistado relata projetos que ficaram inconclusos,
projetos visando o dito jeito carioca. Faz também uma avaliação da atenção básica do município.
“Qual era o meu próximo desafio na época em que eu decidi que eu não ia
continuar mais? Era a otimização do trabalho através do perfil do Enfermeiro.
Pra ter os PACS com Enfermeiros que seriam muito mais do que orientadores
de agentes comunitários. Era o Enfermeiro fazendo acompanhamento de
crescimento e desenvolvimento, Enfermeiro fazendo o pré-natal de baixo risco...
Entendeu? Enfermeiro fazendo uma série de intervenções que o COREN
permitia e o COFEN permitia, entendeu? E que eu estava sendo chamada todo
dia no CREMERJ, porque isso ai estava na constituição do ato Médico. (...) Era
o nosso grande desafio, de você ampliar. Eu brincava sempre... eu acho que o
município do Rio de Janeiro anda na contra mão da historia. Porque todo
mundo quer implantar PSF e a gente acredita que o PACS bem trabalhado,
com seu potencial todo trabalhado, dá conta de muita coisa. A gente tem
uma rede municipal muito grande, não tem necessidade de a gente ter tanto
PSF´s e deixar essa rede obsoleta. A não ser que você se transforme em
policlínica, mesmo. Em uma unidade referencia secundaria, mas aí você tem que
reorganizar toda a rede e não fazer do jeito que na época estavam querendo fazer
na moda do vamos se embora” Entrevistado (1).
54
O relato de quem permaneceu até hoje na gestão do programa aponta algumas possíveis falhas
na sua implantação.
“Eu acho que aqui no Rio teve um grande erro. Quando o PSF foi na verdade
criado no Rio de Janeiro. Criado eu digo “assim” quando começou a expansão
das equipes, eu acho que faltou um pouco de dialogo da Secretaria internamente.
Faltou fazer um convencimento e mostrar as pessoas o quanto era importante em
algumas áreas do Rio o PSF. Então, eu acho “assim”, hoje no Rio de Janeiro não
se tem dois modelos e sim um único modelo, que é o modelo programático. Na
verdade Saúde da Família ele não trabalha e está longe de trabalhar na
lógica de ciclo de vida, ele trabalha com os programas” Entrevistado (4).
“Pra você ter uma idéia, a gente tem que cadastrar as famílias com o remédio em
casa, quer dizer a gente paga uma empresa pra levar o remédio e o agente
comunitário é que carrega até a casa, entendeu? No meu ver isso é um absurdo,
porque no meu ver o remédio poderia ir pro almoxarifado do modulo e lá...
porque eu acho que pegaram a lógica do processo remédio em casa e implantar
dentro de Saúde da Família é maravilhoso, mas não precisa do Correio fazer
isso. Nós podemos fazer o saquinho e a caixinha e distribuir” Entrevistado (4).
Ao observar o relato das entrevistas pudemos perceber a descrição de uma dicotomia entre
uma prática humanista que deveria ser a característica do PSF e uma prática tecnicista que
“É muito diferente. Uma pessoa entrar com catapora dentro do consultório, todo
mundo sabe o que vai fazer com catapora. Agora, entrar alguém dentro do seu
consultório e dizer: ‘Doutor, eu vim aqui porque eu quero que o senhor me
ensine como é que eu vou viver melhor” – Entrevistado (4).
O relato acima descreve para além da dicotomia biológico versus humano o conceito de
qualidade de vida. O entrevistado ressalta o desafio hipotético de um usuário do SUS que procura
um serviço para aprender a melhorar sua forma de viver e que encontra um médico despreparado
para responder às suas angústias. Uma situação que acreditamos ser ainda pouco provável. Este
“(...) eu tinha quinze anos e encaminhei essa carta pro Ministro que nessa época
eu acho até que era o Arco Verde e falando sobre a importância da interiorização
do Médico, da importância da atenção básica, da importância da atenção
primária. A utilização de outras formas... imagina? Quinze anos...A utilização de
outras formas de conhecimento como: construção de fossa, aproveitamento da
cultura do povo e tudo mais” Entrevistado (1).
O entrevistado, ao relatar sua história de vida, justifica sua opção por uma prática mais
humanista e dá como exemplo um profissional que apesar de ser especialista apresentava uma
visão de integralidade:
O entrevistado explica sua opção pela especialidade pediatria encontrando em sua história de
vida uma inclinação para práticas que vão além da estritamente biológica em busca de visão
“A minha opção foi Pediatria, porque foi à forma que eu encontrava de estar
dentro da família e das pessoas” Entrevistado (1).
Os quatro entrevistados apresentaram uma visão das práticas de saúde que rejeitam o saber
especializado. Em suas histórias de vida ressaltam o momento em que se inclinaram pela área da
“Aí eu trabalhei como Médica de Família durante quatro anos, até que em
96 eu optei por fazer... ah, não! Perdão, em 95 eu quis conhecer outras formar
de trabalhar Medicina de Família e fui na cara de pau no conselho Britânico
(ali na Urca) e pedi pra que eles bancarem pra eu estudar na Inglaterra. (Risos)”
Entrevistado (1).
“Até porque os professores lá, além disso, faziam práticas alternativas, você
imagina? Além das atividades básicas, faziam acupuntura, homeopatia, então aí
que achavam que eles eram (...) não tinham o pé no chão, mas, (...) eu fui mesmo
assim e gostei dessa experiência, foi bem válida, por isso que eu hoje percebo,
que eu sempre gostei da atenção primária, sempre gostei disso...” Entrevistado
(3).
Este último relato ressalta a experiência com práticas ditas “alternativas” durante sua
graduação. Associam estas práticas a atenção primária assim como o programa de saúde da
saúde da família presentes num curso introdutório negam que alguém oriundo da atenção
E as pessoas disseram:
- Não!
Entendeu? E aquilo me marcou. E eu disse:
- Gente por que não? Por que a gente acha que nos viemos e somos os salvadores
da pátria e só nós temos essa visão de saúde? Não, gente” Entrevistado (3).
encontradas neste estudo como nesta fala de uma médica do PSF de Felipe Camarão do Estado
Além da aversão a prática especializada foi possível observar em outros relatos, a inclinação
“E eu fui e fiquei nove anos fazendo terapia intensiva, trabalhava com operação
pós- cardíaca, doente queimado, ate que uma grande amiga minha, Fátima
Sousa, (...) ela foi trabalhar, como o programa de agente comunitário da saúde,
depois ela foi (...) trabalhar em Brasília, ela começou na Paraíba depois foi pra
Brasília e me convidou pra ajudá-la a montar um evento que foi o Primeiro
Seminário Internacional de Atenção Básica, que se realizou aqui no Brasil. Eu
fui ajudar, comecei a gostar um pouco daquela história dos agentes comunitários
de saúde...” Entrevistado (4).
O entrevistado acima relata o momento em que sua carreira fez uma inflexão ao abandonar a
assistência hospitalar em virtude da sua identificação com o trabalho dos agentes comunitários de
O entrevistado abaixo demonstra como foi marcante o estágio fora do ambiente hospitalar
durante sua graduação em Medicina. O entrevistado não faz menção sobre as condições clínicas
“Eu não me lembro o nome do morro e era enorme e muito lixo, e muita criança
em cima do lixo, assim pegando os restos de alimento e tal... e eu me lembro que
isso me marcou muito como acadêmica, ...e até algumas abordagens que os
próprios médicos tinham em relação aos atendimentos que eles faziam, já ali
percebi que era completamente diferente do hospital” Entrevistado (3).
O entrevistado faz uma crítica à forma como as equipes lidam com o agente comunitário de
saúde. Segundo o mesmo o ACS deveria ser a “voz da comunidade” no entanto, o saber
Alguns relatos estiveram fortemente calcados em conceitos teóricos que poderíamos apontar
como “imagem–objetivo”.
O entrevistado defende que o profissional que trabalhará no PSF deverá ter uma formação
voltada para o conceito de qualidade de vida que segundo o mesmo é completamente diferente da
59
forma com que são formados atualmente, ou seja, voltados para a “lógica da doença”.Este relato
O entrevistado defende que o curso introdutório deverá preparar o profissional para trabalhar
“Eu acho que o Introdutório de hoje principalmente, ele tem que trazer essa
discussão: como que vocês vão trabalhar. Além de uma discussão de como é
trabalhar em equipe, com saberes diferentes. Como é que é essa história de inter
e multidisciplinariedade” Entrevistado (4).
No entanto apesar do debate proposto nos introdutórios a demanda da população vai de encontro
a estes preceitos conforme o que nos diz a pesquisa de FRIEDRICH & PIERANTONI sobre Juiz
de Fora/MG:
doença. Faz uma crítica ao excesso de discussão política dos cursos em detrimento de uma
O pensamento de que o “PSF é prevenção”, apontado pelo relato pode ser reflexo da retórica
anti-flexneriana por demais repetida durante os cursos introdutórios de PSF somada a ênfase dada
“Eles aqui (Teresópolis-RJ) ainda pensam que PSF é prevenção. Que o PSF é
acompanhar o crescimento e desenvolvimento, acompanhar o pré-natal,
acompanhar o hipertenso com palestras e com grupinhos, imunizar e não
trabalha a lógica de que atenção básica, ela trabalha desde a promoção até a
reabilitação sem exceção”. Entrevistado (1).
Alguns trabalhos já apontavam para estes caminhos adotados pelo discurso do PSF:
24
Grifos nossos.
25
Grifos nossos
61
“Então, eu fazia, fazia sozinha. Não tinha nenhuma orientação, quer dizer...até
esses médicos me orientavam, mas não tinha assim, alguém que me ensinasse a
fazer educação em saúde, que abordasse esse tema, eu fazia por intuição”
Entrevistado (3).
O profissional do PSF aparece nas entrevistas como um sujeito que precisa passar por uma
profunda modificação de suas práticas e pensamentos. Alguns relatos criticam essa transformação
“Eu fico achando que esse profissional não existe, eu acho que a formação da
equipe que tem que ter esses quesitos talvez. Talvez seja por aí. Um é líder,
outro é melhor na promoção, outro tem uma assistência ótima e aí a gente vai
compondo da melhor forma. Eu acho que esse profissional é meio... Não existe.
De qualquer forma isso que é pedido”. –Entrevistado (3)
“Porque você Médico distribui remédio e não quer saber da vida da pessoa,
no modulo não. No Saúde da Família se no outro dia ele estiver com fome, ele
vai lá falar com você que não tem o que comer. Aí você tenta uma cesta na
Igreja, no centro espírita, na associação. E no outro dia ele também não tem o
que comer e começa a se desmotivar. Nós tivemos um óbito agora de um
paciente tuberculoso que a gente não podia cuidar dele porque ele não queria
que os amigos dele do emprego soubessem que ele tinha tuberculose. Porque
senão ele iria perder o emprego. E foi muito difícil e ele foi a óbito, porque ele
abandonava o tratamento. Todo mundo de EPI ia a casa dele pra dar o
comprimidinho dele, no outro dia quando ele estava no trabalho ele nem queria
62
ver. Quando ele via o pessoal passar do Saúde da Família ele se escondia e
acabou que ele foi a óbito” Entrevistado (4).
deverá ser polivalente. No primeiro em tom de defesa, no segundo em tom de crítica, em todos a
conclusão de que este profissional não existe no mercado. Na terceira fala o entrevistado defende
que o profissional médico participe de diversos momentos da vida de seu paciente para além do
atendimento puramente biológico. Estas falas concordam com o que diz SOUZA sobre a atuação
médica:
“A sensação que nos passa é de uma sobrecarga com todas as novas atividades,
quer dizer, cuidar da saúde mental das pessoas, resolver conflitos, resolver
problemas administrativos do posto, além de exercer a sua função de médico no
atendimento individual e de cuidar dos problemas inerentes àquela comunidade”
(2001 p.55).
psicodrama em três sessões com o intuito de preparar os profissionais para a árdua tarefa de
transformação social.
Eu não tinha feito um introdutório antes, o introdutório do Rio que eu fiz era
quase um mês. Porque eram duas semanas de psicodrama, eu acho que eram
três/ quatro dias que de psicodrama. Eu não me lembro direito, eu acho que eram
três semanas ou era quase um mês que você ficava por conta do... e o
psicodrama, até hoje eu não entendi muito bem. Até hoje eu não sei qual era a
intenção daquele psicodrama” Entrevistado (3).
Cabe aqui uma digressão acerca do psicodrama e do uso de dinâmicas de grupo em educação.
A dinâmica de grupo tem sido utilizada principalmente em três áreas: na saúde (com finalidade
profilática e terapêutica), na área pedagógica e na área humana (para tratar de assuntos relativos
27
Grifo nosso
64
Fica evidente, portanto que opção pelo uso desta técnica antes do conteúdo teórico busca uma
coesão dos grupos no sentido de operar um papel transformador nas comunidades onde iriam
trabalhar.
No relato abaixo há uma autocrítica ao fato dos gestores do programa não possuírem
experiência no cotidiano das equipes. De acordo com o entrevistado para exercer estes cargos
“Aí eu fui, foi uma experiência muito boa e todo mundo tem que começar com
essa experiência de ponta faz muita diferença na sua pratica e no seu
entendimento depois que você vai pra gestão, nas dificuldades que os
profissionais passam... Muitas vezes as pessoas que gerenciam que não
estiveram na ponta e isso cria uma lacuna, o profissional que fica na ponta fala e
o cara que está na gerencia não aceita ou não compreende. Pode até aceitar, mas
não tem entendimento ou uma compreensão daquilo, daqueles problemas, as
angustias, as dificuldades que é você estar lá diretamente ligado à assistência”
Entrevistado (3).
atenção à saúde.
O entrevistado relata os conflitos causados pela retórica que antagoniza os modelos existentes.
“Talvez tenha sido essa a estratégia que foi feita, pra conseguir implantar o PSF
no Rio de Janeiro. Mas isso criou dificuldades muito grandes. Porque as
unidades têm que conviver com o sistema de saúde que está acontecendo já. E aí
a gente a toda hora iria pra um embate com os diretores de unidades, com as
próprias coordenações de saúde, quer dizer algumas e não todas. Houve uma
dificuldade muito grande nisso por conta dessa forma de implantação do PSF no
Rio de Janeiro. Mas eu não sei se era necessário nessa época, não sei se teria
uma outra forma de implantação”. Entrevistado (3).
O relato abaixo exemplifica o que seria este modelo de transformação, o entrevistado fala
“(...) e foi... uma pessoa lá da Epidemiologia uma sanitária que era Bióloga de
informação, ela criou um sistema de monitoramento... é dois sistemas de
informação, ela criou o sistema que monitorava os sistemas. Então, ela pegava e
fazia um consolidado de dados municipais e todo mês, e apresentava. Muito
interessante. Aí ela começou a trabalhar com os indicadores de Atenção Básica e
a projeção de mês a mês se as equipes estavam atingindo ou não atingindo esses
indicadores e o que eles precisavam fazer pra atingir no mês que vem”.
Entrevistado (4)
66
O entrevistado relata sua experiência na gestão do PSF na cidade de Pinheiral/RJ. Vista como
experiência ideal pelo mesmo, o entrevistado exemplifica ações de transformação como o fim das
Esta busca por uma mudança comportamental da comunidade vai ao encontro ao que nos
28
Grifo nosso.
67
Os profissionais entrevistados apresentam relatos que podem ser enquadrados naquilo que
“Eu dizia que queria ser Médica, teve um momento que eu quis ser realmente
Enfermeira, mas meu pai não me deixou. Porque a gente morava no interior e ele
dizia que eu não iria conseguir mercado de trabalho. Porque eu acho que na
minha lógica de vida eu tenho muito mais perfil de Enfermeira do que perfil de
Médica, mas foi ótimo ter feito Medicina. Eu não me arrependo, eu adoro
Medicina, adoro atender as pessoas, ter contato e adoro ser Médica mesmo.
Que... lá desde meus nove,dez anos em 1976 com dez anos, eu participava das
campanhas de vacinação no inicio da campanha de Pólio”. – Entrevistado (1)
Cabe ressaltar que aquilo que o entrevistado aponta como vocação para o exercício da
medicina está o gosto por atender pessoas, o que também pode ser relacionado ao relato “eu
tenho muito mais perfil de enfermeira...”, neste caso uma clara crítica à prática médica voltada
O entrevistado demonstra sua inclinação desde a formação para aquilo o que é denominado
“enfermeiro de beira de leito”, o que poderíamos dizer que é o equivalente ao “médico que cuida
de pessoas”. Há uma crítica pesada a enfermeiros que dedicam mais a atividades administrativas
mesmo defende desde os tempos de adolescente em formação universitário quando enviara uma
“E que a minha grande tristeza que o que eu queria ser, não existia não Brasil;
que era o Médico de Família. E “assim” eu te confesso que quando eu pedi
demissão lá da Secretaria, e eu pedi demissão por incompatibilidade de
ideologia. Quando eu li essa carta simples, eu disse:
- Não me corrompi, eu continuo sendo aquela menina de quinze anos”. Entrevistado
(1)
O relato acima confirma a condição a busca pelo entrevistado por um ideal profissional
contido no próprio conceito de profissão definido por FREIDSON e citado por BULCÃO:
Ainda na mesma linha defendida por BULCÃO, o entrevistado relato sua saída do cargo de
gestão do PSF-Rio:
O relato da médica exemplifica o que entendido pela mesma como um mau médico: o livro
ambulante que descreve todas as doenças, mas não põe a mão no doente:
“Então, o cara era um livro ambulante e isso era tido, era muito valorizado pelos
acadêmicos, não que isso não fosse importante, mas eu sentia falta de trazer ele
para perto do paciente, sabe? De ter um contato, de dizer:
- Olha, examina, olha a acara do doente, olha...
Ele não examinava, ele não botava a mão em nenhum. Eu nunca vi aquele cara
botar a mão em nenhum paciente. E eu dizia pros meus colegas:
- Isso não é médico, entendeu?! Decorar livros tem um monte de gente que
decora, sabe?! Eu posso botar um advogado pra ler livro de medicina e ele vai
ler e vai te explicar tudo de parte medicamentosa, mas ele não vai botar a mão
no doente, entendeu ?”– Entrevistado (3)
preocupação com a imagem da profissão, que hoje é representada entre os demais profissionais
A entrevista sugere, portanto, que a visão negativa dos médicos não é decorrente apenas de
sua postura, é algo também “fabricado” institucionalmente. A afirmativa é vaga, mas deixa claro
que o entrevistado identifica uma atividade organizada de algum tipo voltada para a elaboração e
assistencial do PSF que não pode ser só promoção da saúde. É a fala do monopólio da prática
em equipe:
enfatiza as ações que intervém sobre os riscos à saúde e , como deprecia as características das
médico e da clínica.
Relatos que apontam a formação profissional como um dos fatores que concorrem para o
entanto, foram poucos os excertos que puderam ser classificados exclusivamente nesta categoria.
Desta forma para analisar este item torna-se necessário repetir relatos, ou parte delas, que já
O entrevistado apontou falhas durante sua própria graduação que não dava ênfase às práticas de
atenção básica:
“Então, eu fazia, fazia sozinha. Não tinha nenhuma orientação, quer dizer...até
esses médicos me orientavam, mas não tinha assim, alguém que me ensinasse
a fazer educação em saúde, que abordasse esse tema, eu fazia por intuição”.
Entrevistado (3).
“...eu gostei, eu gostei dessa prática, acho que também não...é valorizado na
faculdade. Eu acho que essa questão da atenção primária de uma unidade
básica de saúde a gente não aprende a valorizar, quando eu fui pra lá quando
eu falei pros meus professores dentro do hospital que eu ia pro posto de saúde eu
fui altamente criticada”. – Entrevistado (3).
71
“...eu acho que a faculdade não me deu oportunidade de ter um contato com
maior,uma aproximação maior, um entendimento melhor do que era, porque
não tinha essa abordagem” – Entrevistado (3).
O entrevistado faz menção a uma formação voltada para o modelo biomédico que de acordo
“E lógico, eu tenho que trabalhar em equipe tenho que aprender a ter esse
aprendizado, essa vivencia ,que eu acho que tem que ser dada durante a
graduação, e eu acho que é uma coisa que tem que ser discutida, de trabalhar
em equipe é importante. Mas estão esquecendo esse lado”. – Entrevistado (3)
“Eu acho que os profissionais que vem pra estratégia são profissionais que
estão despreparados e não existe a preocupação de uma qualificação pra
estratégia de Saúde da Família”. Entrevistado (3)
Os entrevistados apontam as oportunidades que tiveram em sua graduação de ter contato com
práticas de atenção básica. Apontam também as opções que tomaram em suas carreiras:
“A minha opção foi Pediatria, porque foi à forma que eu encontrava de estar
dentro da família e das pessoas”. Entrevistado (1)
(política, princípios, diretrizes, textos, etc...) na graduação dos profissionais de saúde da família:
“Eu acho que o introdutório naquele momento, ele tinha uma função de
introduzir, de mostrar às pessoas o que era a política, da estratégia da Saúde da
Família, o quê que era a estratégia da Saúde da Família, os princípios,... bem,
uma lógica mais assim de suporte, não técnico, mas um suporte... talvez
filosófico, ou de vontade do que se pretende com a estratégia. Eu acho que com
o passar do tempo, assim, a coisa do Saúde da Família, ele se enraizou, se
enraizou no meio acadêmico”- Entrevistado (4).
5.5 : Os conflitos
preconizado nos cursos introdutórios de PSF e aquilo que é encontrado na realidade das unidades
de saúde.
73
“Então, esquece que vai ter gente na sua porta com dor, tossindo, doente, com
doença orgânica de verdade que você não conseguir sair da unidade, entendeu?
Essas verdades não são colocadas no introdutório. E isso eu sinto falta, eu acho
que isso tinha que ser dado e falando:
- Olha, é isso que vai acontecer, entendeu? Você vai ter isso.
A gente passa coisa teórica que tem que ser passado, mas eu senti um pouco de
falta disso. Eu me lembro que dessa atividade da semana teve um grupo que
colocava “assim”: de oito ás nove atendimento, de nove as dez grupo, dez as
onze conversa com a comunidade...
Eu olhava “assim” e falava:
- Gente, não tem a menor noção do que seja atendimento de PSF.
Agora eu já tinha... eu era a única que tinha trabalhado em PSF ali. Aí eu falei:
- Gente olha só, sinto muito mais vocês não conseguir fazer isso não. Vão bater
quinze na tua porta de manha com febre, com tosse, com crise hipertensiva e
com não sei mais o que. “E já era a conversinha com a comunidade, não é nesse
momento que você vai conseguir fazer isso”. – Entrevistado (3).
práticas exclusivas de promoção à saúde. Embora o introdutório não afirme este discurso pode
Um dos textos mais discutidos nestes cursos é texto sobre o campo da saúde de Marc Lalonde,
aproximar mais a pessoa do que é o PSF. Mas a gente também não conseguiu”. –
Entrevistado (3)
O relato aponta para a inflexibilidade dos profissionais das equipes de PSF que segundo o
Eu acho que falta um pouquinho de jogo de cintura, a gente vem com esse
discurso tão bonitinho. Tão acadêmico. Às vezes até idealista mesmo, mas
quando você se vê frente a uma situação você tem que ter jogo de cintura.
Porque eu acho que atenção básica é criatividade e técnica. Mas tem que ter
criatividade. Entrevistado (1)
O entrevistado busca explicar uma possível origem, neste caso o guia do PSF do ministério da
saúde, para o discurso dos profissionais do PSF quando os mesmos afirmam que o programa
estrutura preexistente.
“Eu acho quanto...eu sou pessimista enquanto as relações das pessoas que
representam esses espaços num nível central. Existe sim, mas enquanto
expressam praticas as pessoas que executam as atividades de atenção básica.
Você praticamente não vê diferença entre Saúde da Família e o tradicional, está
entendendo?(...) Então, praticamente eles se igualam na pratica. Mas lá enquanto
76
representação do poder nível no central existem essas fantasias de que o PSF vai
tomar conta. Então, a ação programática ,que seria o que está instituído, vai
perder espaço. E quando as pessoas se juntarem pra trocar mais o que cada um
entende por Saúde da Família ,no sentido até de educação permanente, com cada
um se expressando eu acho que ia se perceber de que o Saúde Família não
pode abrir mão dessa forma de organizar ou de comprar medicamento da
forma programática. Porque são lógicas diferentes, ele trabalha com números.
Com quantitativos e isso é importante para você planejar as suas ações. Mas isso
não pode ser o todo, entendeu? Isso tem que ser o complemento”.-Entrevistado
(2).
O entrevistado fala do discurso do PSF que se opõe tanto às práticas na comunidade quanto
nas práticas administrativas no nível central. Neste caso o entrevistado fala das críticas ao
que servirão de base para a compra dos medicamentos anti-hipertensivos, instrumento de gestão
do qual o PSF não usa mas que se vê obrigado a usar por não poder abrir mão do sistema de
compra.
O relato aponta para o conflito que surge num processo de substituição ou reformulação da
“De igual importância, outro grande desafio do programa diz respeito à sua
capacidade de integração com o restante do sistema de saúde, (...) Fica aqui a
perspectiva de que o PSF possa se constituir em um mecanismo de focalização
dentro da universalização de direitos promovida pelo SUS, trazendo grande
desafio de compatibilizar o estabelecimento de prioridades em adotar
mecanismos de restrição de direitos sociais, como seria da definição de uma
cesta básica para o setor”. (2002 p.210).
“Eles tinham uma sensação de que Saúde da Família era com gente de fora
que nada entendiam do Sistema de saúde oficial. Era impenetrável o
mundo. Portanto, era necessário alguma coisa que misturasse, que aproximasse
mesmo e aí a idéia de trabalhar com pessoas da própria Prefeitura que tivessem
interesse em trabalhar com Saúde da Família foi uma idéia positiva e por outro
lado foi uma idéia negativa. Por que o profissional por ser já funcionário
público. Ele tem uma série de prerrogativas, movimentos acumulativos ao
processo do trabalho anterior, vícios anteriores que acabam perdendo a potencia.
Que existem alguns erros específicos organizativos. Então, isso... ampliou, mas
desacelerou na sua possibilidade de tencionar o modelo. Ele foi se acomodando
como, isso é a minha percepção,... foi se expandindo e se acomodando como
míni postos que funcionavam de uma forma diferenciada. Porque eles ganham
mais, eles trabalhavam mais e tencionavam com a rede tradicional e porque eles
ganhavam menos, trabalhavam menos e tinham menos compromisso. E isso
ficou (Risos)...uma gangorra até eu saí, entendeu?”– Entrevistado (2)
Os conflitos que são relatados na cidade do Rio de Janeiro são semelhantes aos relatados em
outros estudos tal como no relato a seguir de um gerente do setor financeiro da SMS de
Natal/RN:
78
Algumas das perguntas da entrevista pré-formatada versavam sobre o principal objeto deste
estudo: o curso introdutório do PSF, suas intenções e suas conseqüências. Desta forma os relatos
Os primeiros introdutórios realizados pela SMS/RJ não foram concebidos pela então chamada
coordenações de área programáticas e não estavam de acordo, segundo o relato acima, com o
pensamento dos gestores do programa. Após este primeiro formato houve uma tentativa de
“Bom, esse treinamento deu pra perceber que começar a fazer uma critica.
Porque nessa época o Pólo capitaneava mesmo uma reflexão em torno dessa
79
“Na verdade a gente rompeu... a primeira capacitação que a gente fez, a gente
fez numa lógica muito próxima daquele dos agentes das endemias (agentes da
dengue). Então, a gente trabalhava a lógica do SUS, a gente trabalhava a rede.
Até porque Entrevistado (2) jamais permitiria que a gente não falasse nisso. A
gente trabalhava a lógica do processo saúde e doença, mas a gente trabalhava
muito a questão dos programas com intersecção da Saúde da Família com os
programas. Tentávamos lutar pra que as pessoas entendessem que o PSF não e
era um programa como o Programa de Saúde da Mulher, mas era na verdade
uma forma de estar atingindo todas as lógicas programáticas. E trabalhávamos
com a questão da prevalência (...). A gente acreditava que isso era importante.
Aí veio a UERJ enquanto Pólo de capacitação, assumindo esses treinamentos.
Os introdutórios, e eu te confesso que nesse momento eu tive uma crise com o
grupo da UERJ do Pólo”. Entrevistado (1).
Em busca de uma forma mais adequada à realidade do Rio de Janeiro, o grupo da coordenação
forte discurso de ruptura com o dito “modelo tradicional” de atenção básica praticado na cidade.
“Então, essas passagens eu acho que ainda temos que ter muitos ensaios até
chegar lá. O introdutório tendo criado ou não polêmicas (desse tipo que você
levantou, que eu acho que são muito procedentes) ele cumpriu a função de
mobilizar. As pessoas não saiam do introdutório, que era a principal função
(...). Com a sensação de que iam pra lá enrolar e continuar as coisas, eles
saiam com vontade de que iam fazer alguma coisa diferente. O problema
nosso foi da sustentação dessa mobilização. Que a gente não previu, não teve
estratégias de sustentação dessa mobilização. Então, acabou que isso no decorrer
do processo foi perdendo a potencia de causar aquela mudança de freqüência”.
Entrevistado (2).
O discurso da ruptura era também percebido por quem participava do treinamento. Cabe aqui
implantação do PSF no Rio de Janeiro. “Mas eu não sei se era necessário nessa
época, não sei se teria uma outra forma de implantação”. Entrevistado (3)
O efeito mobilizador do curso introdutório foi notado em outros estudos como tal como nos
relatos colhidos no PSF de Vilar Carioca, unidade da zona oeste do Rio de Janeiro:
29
Grifos nossos
82
A fala da médica demonstra sua insatisfação quanto à descrição das atividades dos
profissionais do “modelo tradicional, pois ao fim e ao cabo estes já fazem aquilo que está sendo
certo desdém pelo discurso que nega o que já existe e se pretende a inaugurar o já conhecido e
praticado.
O modelo de introdutório foi concebido para servir de suporte a uma mudança radical das
“...O introdutório, ele tinha que ter o poder, ele tinha que gerar uma intensa
mobilização. Porque mudança não se faz com acomodação e ele procurou textos,
reflexões, discussões que apontavam e focalizavam justamente aquilo que não
dá certo num modelo tradicional e o que não justificava o processo de
mudança. É claro que ele não focalizava, as coisas que dão certo no modelo
tradicional gerando uma falsa sensação, que é falsa, mas virou verdade, de
que haveria uma competição entre os modelos que esses substituiriam
inteiramente aquele. Foi muito interessante pra mim, por exemplo, ter vivido a
coordenação daquele grupo que eu treinei”. Entrevistado (2)
Os profissionais que estão concebendo o introdutório atual buscam uma nova forma de fazê-
“O Introdutório hoje é o modelo que a gente tentou desenhar aqui pro Rio de
Janeiro, ele vem trazer uma outra... tem uma outra função, vem trazer uma outra
leitura. Ele, na verdade, ele não introduz, mas ele ambienta o profissional no
novo modelo, e no terreno, no território que ele vai trabalhar...nessa nova forma
de fazer atenção à saúde, que é completamente diferente do que o Introdutório
fazia anteriormente. O Introdutório antigamente discutia princípios do SUS,
política, não sei o que, não sei o que lá, o que é Saúde da Família, da onde
surgiu. Hoje não. Eu acho que hoje isso já está nas pessoas. É claro que a gente
tem que suscitar outra discussão sobre isso, mas a gente tem muito mais que
trabalhar qual é esse modelo e como eles vão poder estar trabalhando na
comunidade e como eles vão enfrentar os problemas que vão existir... e assim,
vai existir problema dentro da comunidade e vai existir problema dentro do
CMS que é fora da comunidade no modelo tradicional”. Entrevistado (4).
“A gente tem “assim” pra tuberculose a gente treina lá, mas a gente acaba
entrando na lógica dos programas e o introdutório não dá conta, ta? De trazer
conceitos próprios da estratégia de Saúde da Família, eu acho que o introdutório
antigo não dava e esse continua não dando”. – Entrevistado (3)
84
6 – Discussão:
Um apanhado geral da análise das entrevistas nos leva a inferir que havia uma intenção dos
formatadores dos cursos de confrontar dois modelos de atenção à saúde. Todavia, houve
as diretrizes do PSF entre os profissionais treinados, promover uma ruptura no seio da atenção
básica pré-existente.
Como conseqüências positivas da difusão dos conteúdos dos cursos introdutórios, podemos
afirmar que o mesmo disseminou as diretrizes do PSF entre os profissionais da rede, conseguiu
dar estabilidade ao PSF enquanto política de saúde no topo da agenda da SMS-RJ. Como
conseqüências negativas, podemos apontar que o curso gerou tensão entre os profissionais do
introdutório de 2000 a 2007). Uma das estratégias de radicalização foi à inclusão de psicodrama
A mudança na gestão do programa no ano de 2005 gerou também uma mudança na forma de
Ao acompanhar esta trajetória inferimos que o forte discurso de ruptura presente nos cursos da
gestão antiga pode ter contribuído para sua substituição. A Gestão da SMS/RJ pode ter desejado
um PSF menos beligerante e mais acomodado à estrutura tradicional. Entretanto, podemos inferir
também que a mudança do discurso dos introdutórios tenha sido circunstancial, uma vez que não
estrutura da SMS-RJ.
realizado no primeiro semestre de 2007. Os profissionais inscritos neste curso já possuíam algum
tempo de prática no programa. Foi interessante notar que os mesmos repetiam o discurso da
ruptura dos introdutórios antigos, mesmo sem ter participado de nenhum curso nestes moldes,
sem que os instrutores deste novo curso dessem ênfase a esta dicotomia. Podemos inferir,
portanto, que o discurso da ruptura possui pelo menos mais três canais de difusão: as faculdades
ministério da saúde. Sobre este último seguem como exemplo os seguintes trechos do Guia
O guia ignora as mais diversas experiências em atenção básica que buscam superar o tal
“modelo passivo” de atenção. Não menciona a estratégia de DOTS para tuberculose, as mais
diversas formas de busca ativa, as estratégias de ações intersetoriais dentre outras iniciativas.
Reforça “com todas as letras” que há uma resistência ao programa sem, contudo, dizer sua
origem. Desta forma qualquer oposição ou crítica ao PSF poderá ser considerada como
resistência.
O guia afirma que surgirão conflitos durante a implantação do PSF, considera este conflito
normal e afirma ainda que a convivência entre dois modelos só possa existir em caráter
provisório. Pode-se inferir com esta retórica que o modelo antigo é ruim e ineficiente, e o novo
modelo deverá se sobrepor ao antigo apesar da forte resistência e dos conflitos subjacentes.
O guia prático do PSF, editado pelo ministério da saúde, nos faz crer que o discurso da ruptura
suscitar mudanças, quaisquer mudanças, pois não descreve claramente a forma de organização do
processo de trabalho das equipes. O curso estabelece as diretrizes e a retórica e deixa ao cargo
87
dos profissionais a organização de sua rotina de trabalho pautado no princípio da autonomia das
equipes.
O grande perigo desta formatação é afirmar e reafirmar de forma contundente que toda forma
de assistência oferecida pelo dito modelo tradicional está equivocada. Desta forma, os egressos
dos cursos introdutórios se orientam pelo negativo, ou seja, concluem que devem organizar sua
Esta orientação pelo negativo gera situações curiosas como a negação pelas equipes de
realizarem tarefas tais como: curativos esterilização e imunização por serem consideradas como
“coisa de postinho” conforme foi muito bem descrito por GOMES, em sua análise sobre o PSF de
Vilar Carioca. Isto também produz discursos como: “PSF não tem chefe” ou “PSF é só
promoção de saúde”. Estas afirmações não são ditas nos cursos introdutórios, são conclusões que
BOBBIO et al:
A tentativa de conceber um trabalho que se oriente pelo exemplo contrário faz os profissionais
terapêuticas. Esta busca aproxima o PSF do trabalho com diversos tipos de arte, sobretudo
atuar em quase todos os setores da vida em comunidade, tentam resolver problemas como: falta
No entanto, como já vimos, a mobilização dos profissionais do PSF para a mudança não tem
sido sustentável, pois o choque com suas próprias limitações, com as limitações do sistema, com
as limitações da própria vida, mostra que nem todos os objetivos do PSF são alcançáveis. O
resultado deste choque é uma frustração que se reproduz entre os profissionais de saúde da
família alguns meses após a implantação do programa, meses após uma certa euforia causada
pelo introdutório. Neste momento , as explicações para as falhas de condução do projeto incidem
em qualquer coisa que esteja relacionada ao dito modelo tradicional ou aos geradores da
E assim são culpados: os chefes, as estruturas físicas das unidades de saúde, a estrutura
administrativa da SMS, a população que não entende o programa, a alta demanda da população
Por sua vez os gestores do PSF ao se depararem com estes problemas afirmam que os
experiências consideradas não - exitosas como: “Isto não é PSF” ou “Este é apenas um postinho
melhorado”.
89
7 – Considerações Finais:
suas sucessivas aproximações ao que seria um PSF carioca, ou seja, partícipe do que os mesmos
pedagógica que procura aproximação com o “jeito carioca do PSF” foi justificada como boa para
curso Introdutório.
A questão principal que deu início a este trabalho foi discutida pelos entrevistados, que
confirmaram haver uma estratégia, ao menos esboçada, de fazer um discurso radical pelo novo
A leitura do guia prático de saúde da saúde da família mostra que o discurso tem o MS
como pelo menos uma das fontes que alimentam a dicotomia psf versus "postinho" tradicional.
Pudemos perceber que o discurso da mudança radical de modelo possui origens mais
antigas na saúde coletiva do Brasil (BRASIL, 1991; CAMPOS, 1994; MENDES, 1996). Textos
de alguns destes autores fizeram parte do material didático dos cursos introdutórios do Rio de
saudáveis”. Entretanto sua perspectiva de ampla intervenção na saúde das populações faz eco da
Medicina Social de Virchow e sua ênfase na adstrição na anacrônica Poor´s Law inglesa.
90
Todo esse somatório de idéias faz da estratégia saúde da família a última utopia sanitária
do séc. XX.
O PSF tem contribuído para a mudança dos programas dos cursos de graduação das profissões
da área da saúde, por induzir a inclusão em seus currículos de conteúdos referente à sua própria
política e de assuntos correlatos como: qualidade de vida, atenção primária à saúde, promoção de
saúde, seja pela ampliação de ofertas de trabalho, sobretudo vagas para agentes comunitários de
saúde.
Estimulados por uma visão não-tradicional da saúde equipes de saúde oferecem com
possuem uma rede básica instalada tem contribuído decisivamente para melhoria de alguns
indicadores de saúde e condições de vida como mortalidade infantil e materna, além de aumentar
Desta forma nos resta concluir que o programa de saúde da família consolida-se como política
de Estado capaz de melhorar substancialmente a vida das comunidades por ela atingida.
91
contaminou seus pressupostos de um forte discurso de oposição a qualquer prática que poderia
ser considerada tradicional. A busca pelas mudanças das práticas jogou uma grande parcela de
culpa pelo estado de coisas da saúde pública brasileira ao chamado modelo tradicional: médico-
cursos e entrevistas).
secretarias municipais de saúde por diversas vezes incitaram o conflito entre o modelo PSF e o
Em localidades que não possuíam rede pré-existente o conflito foi mínimo ou não ocorreu. Em
cidades com extensa rede básica já instalada o conflito produziu clivagens, rivalidades e
O curso introdutório do PSF, previsto nos manuais e regulamentado atualmente por uma
portaria ministerial tem servido como importante ferramenta de divulgação dos princípios do PSF
Todavia, o caráter substitutivo do programa pintado como tintas revolucionárias não tem sido
alcançado plenamente nas grandes metrópoles. Ora por escassez de recursos, ora por falta de
interesses dos gestores ou ainda, pela percepção de que a estratégia de saúde da família não é
O debate se o PSF deve ser ou não focalizador não está encerrado no meio acadêmico, no
entanto, a nova política nacional de atenção básica demonstra claramente que seu objetivo
Podemos afirmar então que o discurso do PSF não está preparado e não prepara os
profissionais do programa para a convivência inevitável entre dois modelos de atenção básica (se
92
é que podemos chamar as práticas não-psf de modelo, dada a sua diversidade) por um tempo
impossível de calcular.
A complexidade de nossas metrópoles nos faz afirmar ser necessário rever o conteúdo e
principalmente a forma com que são treinados os profissionais que ingressarão na estratégia PSF,
A retórica da mudança, sem que se saiba exatamente para onde vai, deverá ser abandonada
sob a pena de ainda continuarmos a ver as equipes orientando-se pelo oposto, sem um norte a
a ser atendida, pelas características de cada comunidade onde o programa for implantado.
Desta forma, será necessária uma maior flexibilização nas formas de implantação do programa
definidas pelo MS, visto as únicas duas formas descritas na política nacional de atenção básica
Entendemos que a excessiva ênfase na vigilância à saúde traduzida num grande arsenal de
coleta de dados pelas equipes de PSF, além de não produzir resultados satisfatórios, reduz o
tempo disponível das ESF em atender a população, além de tornar uma atividade meio mais
O cada vez mais orwelliano sistema de informação do PSF torna o cotidiano de um integrante
de um ESF um grande transtorno pelo consumo de tempo para coleta, digitação e transmissão de
dados que ao fim do mês não poderão ser digeridos pela equipe que os produziu, pois o tempo se
Podemos concluir que as idiossincrasias do PSF são fruto da soma entre: o forte discurso da
ruptura, a crença num modelo salvador e tendência ao excesso de intervenção estatal sobre o
93
modo de viver das pessoas. Assim concluímos que o discurso que embasa a mudança de modelo
dá origem a um curso que pode servir de modelo de mudanças, quaisquer mudanças, por gerar
Trata-se, portanto de uma defesa desapaixonada por uma estratégia que já tem mostrado o seu
potencial de impactar positivamente sobre a saúde das populações atingidas pelo programa. No
entanto é uma defesa que se faz sem uma ênfase ufanista sobre seus resultados, mas com uma
8 – Referências bibliográficas.
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Eu, Ismael da Silva Costa, R.G: 08888235-2 declaro, por meio deste termo, que concordei em ser
entrevistado (a) na pesquisa de campo referente ao projeto/pesquisa intitulado O curso introdutório no
PSF: impressões. desenvolvida pelo Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro (UERJ). Fui informado (a), ainda, de que a pesquisa é orientada por Jane Dutra Sayd, a quem
poderei contatar / consultar a qualquer momento que julgar necessário através do telefone nº8868-4500
ou e-mail jane.sayd@terra.com.br.
Afirmo que aceitei participar por minha própria vontade, sem receber qualquer incentivo financeiro
e com a finalidade exclusiva de colaborar para o sucesso da pesquisa. Fui informado (a) dos objetivos
estritamente acadêmicos do estudo, que, em linhas gerais é estudar o curso introdutório como estratégia
de implantação do PSF.
Fui também esclarecido (a) de que os usos das informações por mim oferecidas estão
submetidos às normas éticas destinadas à pesquisa envolvendo seres humanos, da Comissão Nacional
de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde.
Minha colaboração se fará de forma anônima, por meio de entrevista semi-estruturada. O acesso
e a análise dos dados coletados se farão apenas pelo pesquisador.
Estou ciente de que, caso eu tenha dúvida ou me sinta prejudicado (a), poderei contatar o
pesquisador responsável ou seu orientador, ou ainda o Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de
Medicina Social da UERJ (CEP-IMS), situado na Rua São Francisco Xavier, 524 - sala 7.003-D,
Maracanã, Rio de Janeiro (RJ), CEP 20559-900, telefone (x-21) 2587-7303 ramal 248 ou 232 e fax (x-21)
2264-1142.
O pesquisador principal da pesquisa me ofertou uma cópia assinada deste Termo de
Consentimento Livre e Esclarecida, conforme recomendações da Comissão Nacional de Ética em
Pesquisa (CONEP).
Fui ainda informado (a) de que posso me retirar dessa pesquisa a qualquer momento, sem
prejuízo para meu acompanhamento ou sofrer quaisquer sanções ou constrangimentos.