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História do

cristianismo
Artigos neste material:
1. Heresias
primitivas.......................................................01
2. Os Pais
Apostólicos.......................................................
07
3. Paulo, o fiel discípulo de
Jesus.....................................12

1. Heresias primitivas
“O que foi é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará fazer; nada há, pois, novo debaixo
do sol. Há alguma coisa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Não! Já foi nos séculos antes
de nós” (Ec 1.10)

Você sabia que o batismo pelos mortos foi uma heresia apregoada cerca de 1600 anos antes
da “revelação” atribuída pelos mórmons a Joseph Smith Jr.? Esse é apenas um dos muitos
desvios doutrinários que atravessaram séculos e foram incorporados pelas seitas
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pseudocristãs.
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A “revelação”, baseada na necessidade de restaurar a igreja, e a rejeição ao Antigo


Testamento surgiram na mesma época e fluíram dos ensinamentos de Márcion. Montano
pregou que o fim do mundo ocorreria em sua geração e atribuiu a si o fato de iniciar e findar
o ministério do Espírito Santo. Sabélio, com seu modalismo, foi outra fonte de distorções
bíblicas que até hoje é disseminada entre os evangélicos. Ainda fazem parte desse grupo
Mani, com sua doutrina reencarnacionista; Ário, que deturpou a natureza de Jesus ao
apresentá-lo como um ser criado (gravíssimo engano sustentado pelas testemunhas de
Jeová); Apolinário, que, ao contrário do antecedente, negou a humanidade de Cristo; Nestório,
que ensinava a existência de duas pessoas distintas em Cristo; Pelágio, que, como os
islâmicos e outros grupos religiosos, negava a doutrina do pecado original; e Eutíquio, que
afirmava que a natureza humana de Cristo havia sido absorvida pela divina.

Como podemos inferir, as heresias combatidas pela igreja contemporânea foram enfrentadas
pela igreja primitiva que, com muito esforço e com a ajuda de concílios e credos, conseguiu
defender a fé que “de uma vez por todas foi entregue aos santos”. Continuemos a defendê-la!

Márcion (95 - 165)


Informações indicam que Márcion nasceu em Sinope, no Ponto, Ásia Menor. Foi proprietário
de navios, portanto, muito próspero. Aplicou sua vida à fé religiosa, primeiramente como
cristão e, finalmente, ao desenvolvimento de congregações marcionitas.

Influente líder cristão, suas idéias o conduziram à exclusão, em 144 d.C. Então, formou uma
escola gnóstica. Tendo uma mente prolífera, desenvolveu muitas idéias, as quais foram
lançadas em uma obra apologética alvo de combate de apologistas, especialmente Tertuliano
e Epifânio.

Procurou ter uma perspectiva paulina, contudo, incluiu muitas idéias próprias e conjecturas
sem respaldo bíblico. Era convicto de uma missão pessoal: restaurar o puro evangelho. Antes,
rejeitou o Antigo Testamento por achá-lo inútil e ultrapassado, além de afirmar que foi
produzido por um deus inferior ao Deus do evangelho. Para Márcion, o cristianismo era
totalmente independente do judaísmo; era uma nova revelação. Segundo ele, Cristo pegou o
deus do Antigo Testamento de surpresa e este teve de entregar as chaves do inferno Àquele.
Além disso, Cristo não era Deus, apenas uma emanação do filho de Deus. O único apóstolo
fiel ao evangelho, segundo Márcion, fora Paulo, em detrimento dos demais apóstolos e
evangelistas. Conseqüentemente, a Igreja primitiva havia desviado e, por isso, necessitava de
uma restauração. Ainda segundo ele, o homem devia levar uma vida asceta, o casamento,
embora legal, era aviltador.

Entre seus muitos ensinos, encontramos o batismo pelos mortos.

O cânon de Márcion restringia-se as dez epístolas de Paulo e a uma versão modificada do


Evangelho de Lucas.

Gnosticismo

Nome derivado do termo grego gnosis, que significa “conhecimento”. Os gnósticos se


transformaram em uma seita que defendia a posse de conhecimentos secretos. Segundo eles,
esses conhecimentos tornavam-nos superiores aos cristãos comuns, que não tinham o
mesmo privilégio. O movimento surgiu a partir das filosofias pagãs anteriores ao cristianismo
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que floresciam na Babilônia, Egito, Síria e Grécia (Macedônia). Ao combinar filosofia pagã,
alguns elementos da astrologia e mistérios das religiões gregas com as doutrinas apostólicas
do cristianismo, o gnosticismo tornou-se uma forte influência na igreja.
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A premissa básica do gnosticismo é uma cosmovisão dualista. O supremo Deus Pai emanava
do mundo espiritual “bom”. A partir dele, surgiram sucessivos seres finitos (éons) até que um
deles, Sofia, deu à luz a Demiurgo (Deus criador), que criou o mundo material “mau”,
juntamente com todos os elementos orgânicos e inorgânicos que o constituem.

Cristãos gnósticos, como Márcion e Valentim, ensinavam que a salvação vem por meio desses
éons, Cristo, que se esgueirou através dos poderes das trevas para transmitir o conhecimento
secreto (gnosis) e libertar os espíritos da luz, cativos no mundo material terreno, para
conduzi-los ao mundo material mais elevado. Cristo, embora parecesse ser homem, nunca
assumiu um corpo; portanto, não foi sujeito às fraquezas e às emoções humanas.

Algumas evidências sugerem que uma forma incipiente de gnosticismo surgiu na era
apostólica e foi o tema de várias epístolas do Novo Testamento (1João, uma das epístolas
pastorais). A maior polêmica contra os gnósticos apareceu, entretanto, no período patrístico,
com os escritos apologéticos de Irineu, Tertuliano e Hipólito. O gnosticismo foi considerado
um movimento herético pelos cristãos ortodoxos. Atualmente, é submetido a muitas
pesquisas, devido às descobertas dos textos de Nag Hammadi, em 1945/46, no Egito. Muitas
seitas e grupos ocultistas demonstram alguma influência do antigo gnosticismo (“Dicionário
de religiões, crenças e ocultismo”. George A. Mather & Larry A Nichols. Vida, 2000, pp 175-6).

Montano (120 - 180)


Por volta do ano 150 d.C., surgiu na Frígia um profeta chamado Montano que, junto com
Prisca e Maximilia, se anunciou portador de uma nova revelação. Inicialmente, esse novo
movimento reagiu contra o gnosticismo, contudo, ele mesmo se caracterizou por tendências
inovadoras. As profecias e revelações de Montano giravam em torno da segunda vinda e
incentivavam o ascetismo.

Salientavam fortemente que o fim do mundo estava próximo, e esperavam esse


acontecimento para a sua própria geração. Insistiam sobre estritas exigências morais, como,
por exemplo, o celibato, o jejum e uma rígida disciplina moral. Exaltavam o martírio e
proibiam que seus seguidores fugissem das perseguições. Alguns pecados eram
imperdoáveis, independente do arrependimento demonstrado.

Finalmente Montano afirmou ser o Paracleto, pois nele iniciaria e findaria o ministério do
Espírito Santo. Prisca e Maximilia abandonaram seus respectivos maridos para se dedicarem à
obra profética de Montano. Algumas vezes, Montano procurava esclarecer que ele era um
agente do Espírito Santo, mas sempre retornava à sua primeira posição e afirmava ser o
Consolador prometido. Sua palavra deveria ser observada acima das Escrituras, porque era a
palavra para aquele tempo do fim.

Esse movimento desvaneceu-se no terceiro século no Ocidente e no sexto, no Oriente.

Ascetismo

Autonegação, visão de que a matéria e o espírito estão em oposição um ao outro. O corpo


físico, com suas necessidades e desejos inerentes, é incompatível com o espírito e sua
natureza divina. O ascetismo defende a idéia de que uma pessoa só alcança uma condição
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espiritual mais elevada se renunciar à carne e ao mundo.

O ascetismo foi amplamente aceito nas religiões antigas e ainda hoje é uma filosofia
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proeminente, sobretudo nas seitas e religiões orientais. Platão idealizou-o. As seitas judaicas,
como os essênios, praticavam-no fervorosamente e o cristianismo institucionalizou-o, com o
desenvolvimento de várias ordens monásticas. O gnosticismo foi o maior defensor dessa
filosofia (“Dicionário de religiões, crenças e ocultismo”. George A. Mather & Larry A Nichols.
Vida, 2000, p. 23).

Sabélio (180 – 250)


Nasceu na Líbia, África do Norte, no terceiro século depois de Cristo. Depois, mudou-se para a
Itália, passando a viver em Roma. Ao conhecer o evangelho, logo se tornou um pensador
respeitado em suas considerações teológicas. Recebeu influência do Modalismo que já estava
sendo divulgado na África.

O Modalismo ocorreu, no início, como um movimento asiático, com Noeto de Esmirna. Os


principais expoentes do movimento: Noeto, Epógono, Cleômenes e Calixto. Na África, foi
ensinado por Práxeas e na Líbia, defendido por Sabélio. Hoje, o Modalismo é muito conhecido
pelo nome sabelianismo, devido à influência intelectual fornecida por Sabélio. O objetivo de
Sabélio era preservar o monoteísmo a qualquer custo. Tinha um objetivo em vista que,
pensava, justificava os meios.

Ensinava que havia uma única essência na divindade, contudo, rejeitava o conceito de três
Pessoas em uma só essência. Afirmava que isso designaria um culto triteísta, isto é, de três
deuses. A questão poderia ser resolvida, afirmava, pelo conceito de que Deus se apresentaria
com diversas faces ou manifestações. Primeiramente, Deus se apresentou como Deus Pai,
gerando, criando e administrando. Em seguida, como Deus Filho, mediando, redimindo,
executando a justiça. E finalmente e sucessivamente, como Deus Espírito Santo, fazendo a
manutenção das obras anteriores, sustentando e guardando. Uma só Pessoa e três
manifestações temporárias e sucessivas.

Mani (216 - 277)


Nasceu por volta de 216 d.C. na Babilônia. Foi considerado por alguns como o último dos
gnósticos. Diferente dos demais hereges, desenvolveu-se fora do cristianismo. Todavia, era
um rival do evangelho.

Seus ensinos buscavam respaldo no cristianismo. Afirmava, por exemplo, ser o Paracleto, o
profeta final. Em seus ensinos enfatizava a purificação pelos rituais. Em 243 d.C., o profeta
Mani teve seus ensinamentos reconhecidos por Ardashir, rei sassânida (Índia). Então, a nova
fé teve o seu “pentecostes”, analogia traçada pelos maniqueístas.

Durante 34 anos, Mani e seus discípulos intensificaram seu trabalho missidevo aponário pelo
leste da Ásia, Sul e Oeste da África do Norte e Europa.

A base do maniqueísmo engloba um Deus teísta que se revela ao homem. Deus usou diversos
servos, como Buda, Zoroastro, Jesus e, finalmente, Mani. Deveriam seus discípulos praticar o
ascetismo e evitar a participação em alguma morte, mesmo de animais ou plantas. Deveriam
evitar o casamento, antes, abraçarem o celibato. O universo é dualista, existem duas linhas
morais em existência, distintas, eternas e invictas: a luz e as trevas.

A remissão ocorre pela gnosis, conhecimento especial que os iniciados conquistavam. Entre
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os remidos há duas classes, os eleitos e os ouvintes. Os eleitos não podiam nem mesmo
matar uma planta, por isso eram servidos pelos ouvintes, que podiam matar plantas, mas
nunca animais ou até mesmo comê-los. Os eleitos subiriam, após a morte, para a glória,
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enquanto os ouvintes passariam por um longo processo de purificação. Quanto aos ímpios,
continuariam reencarnando na terra. Recebeu grande influência de Márcion.

Ário (256-336)
Presbítero de Alexandria entre o fim do terceiro século e o início do quarto depois de Cristo.
Foi excluído em 313, quando diácono, por apoiar, com suas atitudes, o cisma da Igreja no
Egito. Após a morte do patriarca da Igreja em Alexandria, foi recebido novamente como
diácono. Depois, nomeado presbítero, quando então começou a ensinar que Jesus Cristo era
um ser criado, sem nenhum dos atributos incomunicáveis de Deus, por exemplo, eternidade,
onisciência, onipotência etc, pelo que foi censurado, em 318, e excluído, em 321. Mas,
infelizmente, sua influência já havia sido propagada e diversos bispos da Igreja no Oriente
aceitaram o novo ensino.

Em 325, ocorreu o concílio de Nicéia e Ário, apesar de excluído, pôde recorrer de sua
exclusão, sendo banido. Ário preparou uma resposta ao Credo Niceno, o que impressionou
muito o imperador Constantino. Atanásio resistiu à ordem de Constantino de receber Ário em
comunhão. Então Ário foi deposto e exilado em Gália, falecendo no dia em que entraria em
comunhão em Constantinopla.

A base de seu ensino era estabelecer a razão natural como meios de entender a relação entre
Deus e Cristo. Haveria uma só Pessoa na divindade. O logos não foi apenas gerado, mas
literalmente criado. Seria tão-somente um intermediário entre Deus e os homens e, devido à
sua elevada posição, receberia adoração e glória.

Apolinário (310-390)
Foi bispo de Laodicéia da Síria no final do quarto século. Cooperou na reprodução das
Escrituras. Fez oposição à afirmação de Ário quanto à criação e à mutabilidade de Cristo.

Por outro lado, se opôs ao conceito da completa união entre as naturezas divina e humana
em Jesus. Afirmava que Jesus não tinha um espírito humano. Segundo ele, o espírito de Cristo
manipulava o corpo humano. Sua posição inicial era contra o arianismo, que negava a
divindade de Cristo. Em sua opinião, seria mais fácil manter a unidade da Pessoa de Cristo,
contanto que o logos fosse conceituado apenas como substituto do mais elevado princípio
racional do homem. Contrapondo-se a Ário, ele advogava a autêntica divindade de Cristo, e
tentava proteger sua impecabilidade substituindo o pneuma (espírito) humano pelo logos,
pois julgava aquele sede do pecado.

Conseqüentemente, Apolinário negava a própria e autêntica humanidade de Jesus Cristo.

Em 381, o sínodo de Constantinopla declarou contundentemente, entre outros sínodos,


herética a cristologia de Apolinário.

Apolinário formou um grupo de discípulos que manteve seus ensinos. Mas não demorou muito
e o movimento se desfez.

Nestório (375-451)
Patriarca da Igreja em Constantinopla na metade do quinto século depois de Cristo. Seu
objetivo de expurgar as heresias na região de seu controle encontrou problemas quando
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expressou sua cristologia. Encontrava-se em seu tempo idéias divergentes sobre a natureza
de Cristo. Alguns, aparentemente, negavam a existência de duas naturezas em Cristo,
postulando uma única natureza. Outros, como Teodoro de Mopsuéstia, afirmavam que o
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entendimento deveria partir da completa humanidade de Cristo. Teodoro negava a residência


essencial do logos em Cristo, concedendo somente a residência moral. Essa posição
realmente substituía a encarnação pela residência moral do logos no homem Jesus. Contudo,
Teodoro declinava das implicações de seu ensino que, inevitavelmente, levaria à dupla
personalidade em Cristo, duas pessoas entre as quais haveria uma união moral. Nestório foi
fortemente influenciado pelo seu mestre, Teodoro de Mopsuéstia.

O nestorianismo é deficiente, não em relação à doutrina das duas naturezas de Cristo, mas,
sim, quanto à Pessoa de cada uma delas. Concorda com a autêntica e própria deidade e a
autêntica e própria humanidade, mas não são elas concebidas de forma a comporem uma
verdadeira unidade, nem a constituírem uma única pessoa. As duas naturezas seriam
igualmente duas pessoas. Ao invés de mesclar as duas naturezas em uma única
autoconsciência, o nestorianismo as situava lado a lado, sem outra ligação além de mera
união moral e simpática entre elas. Jesus seria um hospedeiro de Cristo.

Nestor foi vigorosamente atacado por Cirilo, patriarca de Alexandria, e condenado pelo
Terceiro Concílio de Éfeso, em 431.

O movimento nestoriano sobreviveu até o século quatorze. Adotaram o nome de cristãos


caldeus. A Igreja persa aceitou claramente a cristologia nestoriana. Atingiu expressão
culminante no décimo terceiro século, quando dispunha de vinte e cinco arcebispos e cerca
de duzentos bispos. Nos séculos doze e treze, formou-se a Igreja Nestoriana Unida e,
atualmente, seus membros são conhecidos como Caldeus Uniatos. Na Índia, são conhecidos
como cristãos de São Tomé. Hoje, esse movimento está em declínio.

Pelágio (360-420)
Teólogo britânico. Teve uma vida piedosa e exemplar. Baseado exatamente nessa questão,
desenvolveu conceitos sobre a hamartiologia (doutrina que estuda o pecado). Sofreu
resistência e, finalmente, foi excluído por diversos sínodos (Mileve e Catargo), sendo, ainda,
condenado no Concílio de Éfeso, em 431 d.C.

Seus ensinos afirmavam que o homem poderia viver isento do pecado. Que o homem fora
criado a imagem de Deus e, apesar da queda, essa imagem é real e viva. Do contrário, o
homem não seria aquele homem criado por Deus. No pelagianismo a morte é uma
companheira do homem, querendo dizer que, pecando ou não, Adão finalmente morreria,
ainda que não pecasse. O ideal do homem é viver obedecendo.

O pecado original é uma impossibilidade, pois o pecado depende de uma ação voluntária do
pecador. Afirma ainda que, por uma vida digna, os homens podem atingir o céu, mesmo
desconhecendo o evangelho. Todos serão julgados segundo o que conheciam e o que
praticavam. O livre-arbítrio era enfatizado em todas as suas afirmações, excluindo a eleição.
Um século depois, desenvolveu-se o semipelagianismo, que amortecia alguns ensinos
extravagantes de Pelágio.

Eutíquio (410-470)
Viveu em um mosteiro fora de Constantinopla durante a primeira metade do quinto século.
Discípulo de Cirilo de Alexandria, teve grande influência e chefiava mosteiros na Igreja
oriental. Oponente do nestorianismo, afirmava que, por ocasião da encarnação, a natureza
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humana de Cristo foi totalmente absorvida pela natureza divina.

Era de opinião de que os atributos humanos em Cristo haviam sido assimilados pelo divino,
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pelo que seu corpo não seria consubstancial como o nosso, que Cristo não seria humano no
sentido restrito da palavra.

Esse extremo doutrinário contou com o apoio temporário do chamado Sínodo dos Ladrões
(em 449 d.C.). Essa decisão foi anulada mais tarde pelo Concílio de Calcedônia, em 451
depois de Cristo.

O Sínodo dos Ladrões recebeu esse nome porque seus participantes roubavam características
da doutrina cristocêntrica. Por esse motivo, Eutíquio foi afastado de suas atividades
eclesiásticas. Mas a Igreja egípcia continuou apoiando a doutrina de Eutíquio e manteve seus
ensinos por algum tempo. Então, o eutiquianismo surge novamente no movimento
monofisista.

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2. Os Pais Apostólicos
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O nome “pais apostólicos” tem sua origem na Igreja do Ocidente do século II. São chamados
de “pais apostólicos” os homens que tiveram contato direto com os apóstolos ou, então,
foram citados por alguns deles. Destacam-se entre os indivíduos que regularmente recebem
esse título, Clemente de Roma, Inácio e Policarpo, principalmente este último, pois existem
evidências precisas de que ele teve contato direto com os apóstolos.

Clemente de Roma (30-100)


Várias hipóteses já foram levantadas sobre Clemente para identificá-lo. Para alguns, ele
pertencia à família real. Para outros, ele era colaborador do apóstolo Paulo. Outros ainda
sugeriram que ele escreveu a carta aos Hebreus. Em verdade, as informações a respeito de
Clemente de Roma vão desde lendárias a testemunhas fidedignas. Alguns pais, como
Orígenes, Eusébio de Cesaréia, Jerônimo, Irineu de Lião, entre outros, aceitaram como
verdadeira a identificação de Clemente de Roma como colaborador do apóstolo Paulo.

A principal obra de Clemente de Roma é uma carta redigida em grego, endereçada aos
crentes da cidade de Corinto, mais ou menos no final do reinado de Domiciano (81-96) ou no
começo do reino de Nerva (96-98). A epístola trata, principalmente, da ordem e da paz na
Igreja. Seu conteúdo traz à tona o fato de os crentes formarem um corpo em Cristo, logo deve
reinar nesse corpo a unidade, e não a desordem, pois Deus deseja a ordem em suas alianças.
Traz, ainda, a analogia da adoração ordeira do Antigo Israel e do princípio apostólico de
apontar uma continuidade de homens de boa reputação.

Inácio de Antioquia (??-117)


Mesmo sendo de Antioquia, seu nome, Ignacius, deriva-se do latim: igne: “fogo”, e natus:
“nascido”.

Conforme seu nome sugere, Inácio era um homem nascido do fogo, ardente, apaixonado por
Cristo. Segundo Eusébio, após a morte de Evódio, que teria sido o primeiro bispo de
Antioquia, Inácio fora nomeado o segundo bispo dessa influente cidade.

Inácio escreveu algumas epístolas às comunidades cristãs asiáticas: à igreja de Éfeso, às


igrejas de Magnésia, situada no Meander, à igreja de Trales, às igrejas de Filadélfia e Esmirna
e, por fim, à igreja de Roma. O objetivo da carta a Roma era solicitar que os irmãos não
impedissem seu martírio, o que aconteceria durante o reinado de Trajano (98-117).

Antioquia

Foi fundada por volta do ano 300 a.C., por Seleuco Nicátor, com o nome de Antiokkeia,
(cidade de Antíoco). Tornou-se capital do império selêucida e grande centro do Oriente
helenístico. Conquistada pelos romanos por volta do ano 64 a.C., conservou seu estatuto de
cidade livre e foi a terceira cidade do Império depois de Roma e Alexandria (no Egito),
chegando a abrigar 500 mil habitantes. Evangelizada pelos apóstolos Pedro, Paulo e Barnabé,
tornou-se metrópole religiosa, sede de um patriarcado e centro de numerosas controvérsias,
entre elas, o arianismo, o monofisismo, o nestorianismo. Era considerada a igreja-mãe do
Oriente.

Policarpo (69-159)
Sobre sua infância, família e formação, não temos informações precisas, contudo há
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documentos históricos sobre ele. Graças a alguns testemunhos fidedignos, podemos


reconstruir sua personalidade. Foi discípulo do apóstolo João, amigo e mestre de Irineu, tendo
ainda conhecido Inácio, sendo consagrado bispo da igreja de Esmirna. Quanto aos seus
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escritos, o único que restou desse antigo pai da igreja foi a sua epístola aos filipenses,
exortando-os a uma vida virtuosa de boas obras e a permanecerem firmes na fé em nosso
Senhor Jesus Cristo. Seu estilo é informal, com muitas citações do Velho e do Novo
Testamentos.

Faz, ainda, 34 citações do apóstolo Paulo, evidenciando que conhecia bem a carta desse
apóstolo aos filipenses, entre outras epístolas de Paulo. Há, também, os depoimentos de
Eusébio e Irineu, relatando a intimidade de Policarpo com testemunhas oculares do
evangelho. Segundo Tertuliano, Policarpo teria sido ordenado bispo pelas mãos do próprio
apóstolo João.

O martírio de Policarpo

O martírio de Policarpo é descrito um ano depois de sua morte, em uma carta enviada pela
Igreja de Esmirna à Igreja de Filomélio. Esse registro é o mais antigo martirológio cristão
existente. Diz a história que o procônsul romano, Antonino Pius, e as autoridades civis
tentaram persuadi-lo a abandonar sua fé, quando já avançado em idade, para que pudesse
ser livre.

Ele, entretanto, respondeu com autoridade: “Eu tenho servido a Cristo por 86 anos e ele
nunca me fez nada de mal. Como posso blasfemar contra meu Rei que me salvou? Eu sou um
crente!”.

Justino, o mártir (100-170)


Flávio Justino Mártir nasceu em Siquém, na Palestina, no início do segundo século e morreu
mártir no ano 170. Depois de peregrinar pelas mais diversas escolas filosóficas (peripatética,
estóica e pitagórica) em busca da verdade para a solução do problema da vida, abandonou o
platonismo, último estágio de sua peregrinação filosófica. O amor à verdade fez que ele
rejeitasse, pouco a pouco, os sistemas filosóficos pagãos e se convertesse ao cristianismo. Em
sua época, foi o mais ilustre defensor das verdades cristãs contra os preconceitos pagãos.

Embora leigo, é considerado o primeiro “pai apologista” da Igreja, logo depois dos primitivos
“pais apostólicos”, pois dedicou sua vida à difusão e ao ensino do cristianismo. Em Roma,
abriu uma escola para o ensino da doutrina cristã e, ainda nessa cidade, dedicou-se ao
apostolado, especialmente nos meios cultos, onde se movimentava com desembaraço.
Escreveu muitas obras, mas somente três chegaram até nós: duas apologias contra os
pagãos e um diálogo com o judeu Trifão.

Foi açoitado e, depois, decapitado.

Irineu (130-200)
Nascido no ano 130, em Esmirna, na Ásia Menor (Turquia), e filho de uma família cristã, Irineu
era grego e foi influenciado pela pregação de Policarpo, bispo daquela cidade. Anos depois,
Irineu mudou-se para Gália (atual sul da França), para a cidade de Lyon, onde foi presbítero
no lugar do bispo que havia sido martirizado em 177.

Além da pregação de Policarpo, Irineu recebeu influência de Justino, cujo ministério foi um elo
entre a teologia grega e a latina, atuando, no início, junto com um de seus contemporâneos,
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Tertuliano.

Enquanto Justino era primariamente um apologista, Irineu contribuiu na refutação contra as


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heresias e na exposição do cristianismo apostólico. Sua maior obra foi desenvolvida no campo
da literatura polêmica contra o gnosticismo.

Tertuliano de Cartago (150-230)


Nasceu por volta de 150 d.C., em Cartago (cidade ao nordeste da África), onde
provavelmente passou toda a sua vida, embora alguns estudiosos afirmem que ele morasse
em Roma. Por profissão, sabe-se que era advogado. Fazia visitas com freqüência a Roma,
sendo que, aos 40 anos, se converteu ao cristianismo, dedicando seus conhecimentos e
habilidades jurídicas ao esclarecimento da fé cristã ortodoxa contra os pagãos e os hereges.

Foi o pai das doutrinas ortodoxas da Trindade e da pessoa de Jesus Cristo. Suas doutrinas a
respeito da Trindade e da pessoa de Cristo foram forjadas no calor da controvérsia com
Práxeas que, segundo Tertuliano, “sustenta que existe um só Senhor, o Todo-Poderoso
criador do mundo, apenas para poder elaborar uma heresia com a doutrina da unidade. Ele
afirma que o próprio Pai desceu para dentro da virgem, que Ele mesmo nasceu dela, que Ele
mesmo sofreu e que, realmente, era o próprio Jesus Cristo”.

Tertuliano foi o primeiro teólogo cristão a confrontar e a rejeitar com grande vigor e clareza
intelectual essa visão aparentemente singela da Trindade e da unidade de Deus. Ele declarou
que se esse conceito fosse verdade, então o Pai tinha morrido na cruz, e isso, além de ser
impróprio para o Pai, é absurdo.

Orígenes (185-254)
Nasceu de pais cristãos em 185 ou 186 da nossa era, provavelmente em Alexandria. Era
escritor cristão de vasta erudição, de expressão grega e, inicialmente, com ação em sua
cidade natal. Estudou letras e aprendeu de cor textos bíblicos com seu pai, que foi morto por
ocasião da repressão do imperador Sétimo Severo às novas religiões.

O bispo de Alexandria passou a Orígenes a direção da Escola Catequética, sendo então


sucessor de Clemente. Estudou na escola neoplatônica de “Ammonios”. Viajou a Roma, em
212, onde ouviu ao sábio cristão Hipólito. Em 215, organizou em Alexandria uma escola
superior de Exegese Bíblica. Devido ao seu vasto conhecimento, viajava muito e ministrava
ao público nas igrejas.

O fato de se haver castrado por devoção lhe criou dificuldades com alguns bispos, que
contrariavam o sacerdócio dos eunucos. Em 232, transferiu-se para Cesaréia, na Palestina,
onde se dedicou exaustivamente aos seus estudos. Sobreviveu aos tormentos de que foi
vítima sob o domínio do imperador Décio (250-252). Posteriormente a esta data, morreu em
Tiro, não se sabendo exatamente quando.

Era considerado o membro mais eminente da escola de Alexandria e estudioso dos filósofos
gregos. Acreditava que a alma preexiste e está subordinada à metempsicose. Aqui vemos
nele uma tese tipicamente pitagórica e platônica, sendo abandonada depois pelo cristianismo
oficial. Todavia, é relembrada ainda hoje por aqueles que a defendem como doutrina cristã:
os espíritas.

Origem da palavra cânon


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A palavra cânon vem do assírio “Qânu”. É usada 61 vezes no Antigo Testamento, sempre em
seu sentido literal, que significa “cana”, “balança”. O primeiro a usar esse termo foi Orígenes,
para se referir à coleção de livros sagrados, que eram ou serviam de regra e fé para o ensino
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cristão.

Cipriano (200-258)
Tharsius Caecilius Cyprianus. Converteu-se em 246 d.C. e, três anos depois, foi nomeado
bispo de Cartago, no norte da África.

Durante dez anos, conduziu seu rebanho sob a perseguição do imperador Décio, uma das
mais cruéis. Foi também o grande sustentáculo moral e espiritual da cidade de Cartago no
período em que esta foi atacada por uma epidemia. Além disso, escreveu e batalhou pela
unidade da Igreja.

Seu nome está ligado a uma grande controvérsia a respeito do batismo e da ordenação
efetuada por hereges. No entender de Cipriano, essas cerimônias não valiam, pelo fato de os
oficiantes estarem em desacordo com a ortodoxia. Assim, deveriam ser rebatizados e
reordenados todos os que entrassem pela verdadeira Igreja. Estêvão, bispo de Roma,
discordou com ele e isso gerou um cisma, uma vez que Cipriano, além de rejeitar a
autoridade do bispo romano, convocou um concílio no norte da África para resolver a questão.

Seus escritos consistem em tratados de caráter pastoral e de cartas, 82 ao todo, das quais 14
eram dirigidas a ele mesmo e as restantes tratavam de questões de sua época.

Como mártir, morreu decapitado em 14 de setembro de 258 d.C, durante a perseguição do


imperador Valeriano

Eusébio de Cesáreia (265-339)


Incentivado por Constantino, Eusébio fez a narração da primeira história do cristianismo,
coroando-a com a sua imperial adesão a Cristo. “A ortodoxia era apenas uma das várias
formas de cristianismo, durante o século III, e pode só ter se tornado dominante no tempo de
Eusébio” (JOHNSON, 2001: 69).

Cesaréia

Fundada pelo rei Herodes no século I a.C. em um porto comercial fenício e grego denominado
Torre de Straton, Cesaréia foi assim denominada pelo monarca em homenagem ao imperador
romano César Augusto.

A cidade foi detalhadamente descrita pelo historiador judeu Flávio Josefo. Era uma cidade
murada, com o maior porto na costa oriental do Mediterrâneo chamado “Sebastos”, nome
grego do imperador Augusto.

Jerônimo (325-378)
Erudito das Escrituras e tradutor da Bíblia para o latim. Sua tradução, conhecida como a
Vulgata, ou Bíblia do Povo, foi amplamente utilizada nos séculos posteriores como compêndio
para o estudo da língua latina, assim como para o estudo das Escrituras.

Nascido por volta do ano 345 em Aquiléia (Veneza), extremo norte do Mar Adriático, na Itália,
Jerônimo passou a maior parte da sua juventude em Roma, estudando línguas e filosofia.
Apesar de a história não relatar pormenores de sua conversão, sabe-se, porém, que ele foi
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batizado quando tinha entre 19 e 20 anos. Depois disso, ele embarcou em uma peregrinação
pelo Império que levou vinte anos.
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Crisóstomo (344-407)
Criado em Antioquia, seus grandes dotes de graça e eloqüência, como pregador, levaram-no
a ser chamado a Constantinopla, onde se tornou patriarca (ou arcebispo). Como os outros
apologistas, harmonizou o ensinamento cristão com a erudição grega, dando novos
significados cristãos a antigos termos filosóficos, como a caridade.

Em seus sermões, defendia uma moralidade que não fizesse qualquer transigência com a
conveniência e a paixão, e uma caridade que conduzisse todos os cristãos a uma vida
apostólica de devoção e de pobreza comunal. Essa piedosa mensagem, entretanto, tornou-o
impopular na corte imperial, e também entre alguns membros do clero de Constantinopla, por
isso acabou sendo banido e morreu no exílio.

Agostinho (354-430)
Aurélio Agostinho nasceu no ano de 354, na cidade de Tagaste de Numídia, província romana
ao norte da África, atual região da Argélia. Agostinho iniciou seus estudos em sua cidade
natal, seguindo depois para Cartago. Ensinou retórica e gramática, tanto no Norte da África
como na Itália. Ficou conhecido como o filósofo e teólogo de Hipona. Polemista capaz,
pregador de talento, administrador episcopal competente e teólogo notável, criou uma
filosofia cristã da história que continua válida até hoje em sua essência.

Inspirado no tratado filosófico denominado “Hortensius”, de Cícero, converteu-se em ardoroso


pesquisador da verdade, abraçando o maniqueísmo. Com vinte anos, perdeu o pai e tornou-se
o responsável pelo sustento da família. Ao resolver que iria para Roma, sua mãe foi contra,
então teve de enganá-la na hora da viagem. De Roma, foi para Milão, onde novamente
passou a lecionar retórica.

Influenciado pelos estóicos, por Platão e pelo neoplatonismo, também estava entre os
adeptos do ceticismo. Em Milão, porém, conheceu Ambrósio, que o converteu ao cristianismo.
Depois disso, voltou ao norte da África, onde foi ordenado sacerdote e, mais tarde,
consagrado bispo de Hipona. Combateu a heresia maniqueísta que antes defendia e
participou de dois grandes conflitos religiosos: o Donatismo e o Pelagianismo. Sua obra mais
conhecida é a autobiografia “Confissões”, escrita, possivelmente, no ano 400. Em “A cidade
de Deus” (413-426) formulou uma filosofia teológica da história.

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12
3. Paulo, o fiel discípulo de Jesus
Por Silas Tostes

E m sua edição de número 195 (dez/ 2003), a revista SuperInteressante publicou matéria
intitulada “O homem que inventou Cristo”, do jornalista Yuri Vasconcelos. A chamada de capa
foi: “São Paulo traiu Jesus?”. Em sua abordagem, tanto o autor quanto alguns acadêmicos
afirmam que o apóstolo Paulo, além de ter sido um traidor de Jesus, inventou o cristianismo.

Tais alegações, no entanto, não podem passar sem serem respondidas devidamente.

A matéria sugere que Paulo foi, na verdade, um homem desonesto, pois palavras e
expressões como “traiu”, “deturpou” e “autor de fraudes” são usadas em referência ao
apóstolo. O cerne da matéria segue a linha de pensamento de Mahatma Ghandi e outros
pensadores, os quais coadunam com a idéia de que “as cartas de São Paulo são uma fraude
nos ensinamentos de Cristo”.1

Mas qual é o fundamento dessa acusação? Somos categóricos em afirmar que o ensino de
Paulo não está em discordância com os ensinos de Jesus, e dos demais apóstolos. Portanto,
Paulo não foi fraudulento.

Não ignoramos o fato de, inúmeras vezes, constar do artigo alusões de que Paulo foi e é
muito influente na formação do cristianismo, tal como o conhecemos hoje. Mas não é possível
concordar que Paulo estava em discordância com Jesus e com os demais apóstolos.
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A influência de Paulo está na relação direta do fato de que ele avançou por diferentes partes
do Império Romano, bem como por ter sido o que mais expôs os ensinos aceitos pelos
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apóstolos e oferecidos por Jesus. Mas isto não quer dizer que os tenha inventado. Não foi este
o caso, conforme demonstraremos.

Primeiro, responderemos à alegação quanto a veracidade dos escritos de Lucas. Depois,


duvidaremos do fato de que os demais apóstolos não saíram da Palestina. E, finalmente,
responderemos às alegações contra Paulo, colocando o apóstolo em desarmonia com Jesus e
os doze apóstolos.
Respondendo à alegação contra a veracidade dos escritos de Lucas

Em uma contradição explícita, a matéria baseia-se nas informações providas por Lucas,
porém, ao mesmo tempo em que faz isso, sugere que o texto que ele mesmo empregou não é
confiável.2 Todos têm liberdade de ter suas opiniões, mas é evidente que o articulista
desconsiderou o fato de Lucas ter sido criterioso em tudo que se propôs a relatar. Nas suas
próprias palavras, o evangelista afirmou sobre seu evangelho: “Tendo, pois, muitos
empreendido pôr em ordem a narração dos fatos que entre nós se cumpriram, segundo nos
transmitiram os mesmos que os presenciaram desde o princípio, e foram ministros da
palavra, pareceu-me também a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelente Teófilo, por
sua ordem, havendo-me já informado minuciosamente de tudo desde o princípio; para que
conheças a certeza das coisas de que já estás informado” (Lc 1.1-4).

Veja que, na perspectiva de Lucas, seus relatos foram feitos depois de ter empenhado
acurada investigação com as testemunhas oculares. Além disso, é louvável que suas
informações, ao longo do seu evangelho, envolvem tanto o contexto histórico quanto o
geográfico. Podemos constatar isso no seguinte versículo:3 “Existiu, no tempo de Herodes, rei
da Judéia, um sacerdote chamado Zacarias, da ordem de Abias, e cuja mulher era das filhas
de Arão; e o seu nome era Isabel” (Lc 1.5; grifo do autor). Da mesma forma, podemos
entender que, ao escrever seu livro de Atos, tenha se precavido dos mesmos cuidados.
Não é certo que os outros apóstolos não saíram da Palestina

O artigo foi taxativo em afirmar que os demais apóstolos não saíram da Palestina.4 O fato é
que não possuímos provas conclusivas sobre isso, portanto, não podemos dizer que não
saíram, nem que o fizeram. Mas segundo as tradições das igrejas, que há séculos se
encontram na Pérsia, Etiópia, Egito, Armênia e Índia, Tomé teria ido à Índia e Pérsia; Mateus
para a Etiópia e Bartolomeu para a Armênia. Além disso, é sabido que Pedro foi à Antioquia,
na Síria (Gl 2.11) e, segundo a tradição, de lá para Roma. João foi para Éfeso e, depois, levado
preso para a ilha de Patmos. Probabilidades omitidas pela reportagem.

Inicialmente, os apóstolos ficaram em Jerusalém, mas depois, provavelmente, saíram, como


sugerem as tradições. Ficaram porque uma igreja e líderes estavam sendo formados. Atos 15
faz quatro referências aos presbíteros (2,6, 22,23 – ARA), e todos eles foram formados pelos
apóstolos que precisavam supervisionar os primeiros passos de expansão do cristianismo,
como em Samaria e em Antioquia, na Síria (At 8.14, 11.22), e também como resolver a
questão da inclusão de gentios à Igreja (At 15), o que veremos, mais à frente, com detalhes.

Não sabemos ao certo, mas não é correto afirmar que os apóstolos não saíram da Palestina.
Pelo menos em relação a Pedro e João esta assertiva não é sustentável.
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Respondendo às colocações contra o apóstolo Paulo

As alegações contra Paulo na matéria são múltiplas. É sugerido que Paulo foi o responsável
14

pelas guerras e pelo sofrimento do mundo, sua conversão teria sido uma farsa, seu ensino
sobre a salvação teria sido distinto do ensino de Jesus e dos demais apóstolos, teria defendido
a escravidão, teria legitimado a submissão da mulher e teria ensinado a obediência ao
opressivo Império Romano.

Veremos, seguindo a disposição das acusações acima, estas alegações no contexto do ensino
de Paulo e, quando necessário, no ensino de Jesus e dos demais apóstolos.
Paulo teria sido o causador das guerras e do sofrimento no mundo

Não podemos deixar de mencionar a alegação simplista de Fernando Travi, fundador e líder
da Igreja Essênia Brasileira, que declara acerca de Paulo: “Sua conversão foi uma farsa. Ele
criou uma religião híbrida. A prova disto é o mundo que nos cerca. Um mundo cheio de
guerra, de sofrimento e de desespero”.5

Realmente, verificamos muita comodidade e reducionismo na afirmação de que Paulo tenha


sido o responsável pelas guerras e pelos sofrimentos do mundo. Isso pressupõe que não
somos responsáveis pelos nossos atos. Recentemente, a história nos mostrou que governos
opressivos — sejam eles comunistas, islâmicos, budistas ou militares — são capazes de
terríveis atrocidades, mas nenhuma delas é cometida sob a influência dos ensinos de Paulo.
Gostaria de ver Fernando Travi convencendo, com seus argumentos, historiadores e
sociólogos que Paulo tenha sido responsável pelos problemas atuais do mundo. Não há base
para sua afirmação e não deveria ter sido mencionada no artigo por Yuri Vasconcelos. A
história ao nosso redor nos mostra que a geração atual é capaz de atrocidades, sem que
estas estejam diretamente ligadas a Paulo.

A conversão de Paulo teria sido uma farsa

É verdade que alguém pode duvidar dos relatos de Paulo quanto à sua conversão, da mesma
forma que alguém pode duvidar de meu testemunho de como me tornei cristão. Em verdade,
podemos duvidar de todos e de tudo o tempo todo, mas é importante procurar avaliar tais
dúvidas por meio de critérios lógicos. A matéria da revista SuperInteressante mencionou
acertadamente que Paulo era de família influente, poliglota, bicultural e bem-estudado aos
pés de Gamaliel.6 Era amigo e respeitado pelos membros do Sinédrio.7 Em outras palavras,
Paulo era homem de status e respeito. Por que, em tal situação, ele deixaria tudo para se
juntar à minoria cristã desrespeitada, perseguida e considerada herética? O que Paulo teria a
ganhar com sua conversão, caso esta fosse uma farsa? Será que sofreria tanto por uma farsa?
8 Geralmente, as pessoas sofrem pela verdade e por ideais, mas esse definitivamente não é o
caso. Cabe aos críticos da conversão de Paulo provarem por que razão ele sofreria tanto por
uma farsa; e por que razão ele teria empreendido tanto tempo implantando igrejas e
escrevendo, já que ele, supostamente, não tinha ampla convicção naquilo que acreditava e
ensinava. Normalmente, poucos sofrem pela verdade, mas quem quer sofrer pela mentira? A
alegação de que a conversão de Paulo na estrada de Damasco foi uma farsa não faz jus ao
preço que o apóstolo pagou para divulgar o evangelho. Tal suposição não se respalda na
lógica. Gostaria de ter as provas para a alegação que diz que Paulo fingiu ter-se convertido,
pois é justamente isso que o conceito de “farsa” sugere. Onde estão estas provas? Tudo isso
não passa de conjetura!
Página

A salvação ensinada por Paulo teria sido distinta do ensino de Jesus e dos demais
apóstolos
15

O artigo em referência sugere que Paulo era contra a circuncisão dos gentios, uma vez que o
sacramento do batismo era suficiente para a conversão. A circuncisão seria, na verdade, a
porta de entrada do judaísmo e não do cristianismo.9 Esta afirmação não representa toda a
questão como ocorrida.

O artigo também sugere que Pedro e Tiago Menor, assim como os outros integrantes do
grupo de judeus cristãos, possuíam posição contrária à de Paulo. Os demais apóstolos faziam
parte do grupo que exigia a circuncisão para cristãos.10 Isso, porém, não faz jus ao que foi
crido e ensinado por Jesus e os demais apóstolos. Havia sim uma tensão entre Paulo e alguns
judeus cristãos, mas não necessariamente entre Paulo, Pedro e os demais apóstolos. Nem
mesmo entre Paulo e Jesus.

O que acabamos de afirmar passamos a evidenciar. Jesus havia ordenado aos apóstolos que
fizessem discípulos de todas as nações: “Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações,
batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28.19). A obediência a esta
ordem envolveria transpor barreiras culturais e religiosas. Os judeus possuíam uma dieta
alimentar diferente da dos gentios (não judeus). Possuíam também suas cerimônias
religiosas, não praticadas e não entendidas por outros povos. Nesse contexto, o gentio era
considerado impuro, pois, na perspectiva judaica, não obedecia à lei de Moisés que, entre
outras coisas, proíbe comer carne de porco, assim como outros animais, dos quais os gentios
se alimentavam. Como, então, um judeu cristão levaria a salvação de Cristo para os gentios,
uma vez que os gentios eram considerados impuros, por quebrarem a lei de Moisés? Nas
palavras de Pedro: “Vós bem sabeis que não é lícito a um homem judeu ajuntar-se ou chegar-
se a estrangeiros; mas Deus mostrou-me que a nenhum homem chame comum ou imundo”
(At 10.28).

Ora, se os discípulos de Jesus não se aproximassem dos gentios para evangelizá-los, não
poderiam fazer discípulos, como ordenado em Mateus 28.19. A questão toda estava no
entendimento de que o gentio era impuro. Não entraremos em todos os detalhes, mas, em
Atos 10, o Espírito Santo convence Pedro de que deveria ir até a casa do gentio Cornélio, pois
se um gentio fosse lavado e purificado no sangue de Jesus, tornar-se-ia puro diante de Deus.
Esta pureza não dependia de dieta alimentar, nem de cerimônias ou festas judaicas, ou do
guardar dias santos. É a pureza conseguida pelo perdão dos pecados, por Cristo ter morrido
em nosso favor. Nas palavras de Jesus: “O que contamina o homem não é o que entra na
boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem. Mas, o que sai da boca,
procede do coração, e isso contamina o homem. Porque do coração procedem os maus
pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias. São
estas coisas que contaminam o homem; mas comer sem lavar as mãos, isso não contamina o
homem” (Mt 15.11,18-20).

Pedro, então, com um novo entendimento, pregou o evangelho de Cristo para Cornélio e logo
percebeu que este e seus familiares foram aceitos por Deus quando creram. Esta aceitação
foi independente de qualquer dieta alimentar ou de outras leis, pois o Espírito Santo fora
recebido por eles, quando creram, assim como havia sido recebido pelos judeus que já
haviam crido em Jesus anteriormente: “E, dizendo Pedro ainda estas palavras, caiu o Espírito
Santo sobre todos os que ouviam a palavra. E os fiéis que eram da circuncisão, todos quantos
tinham vindo com Pedro, maravilharam-se de que o dom do Espírito Santo se derramasse
também sobre os gentios. Porque os ouviam falar línguas, e magnificar a Deus. Respondeu,
Página

então, Pedro: Pode alguém porventura recusar a água, para que não sejam batizados estes,
que também receberam como nós o Espírito Santo? E mandou que fossem batizados em
nome do SENHOR. Então rogaram-lhe que ficasse com eles por alguns dias” (At 10.44-48).
16

É óbvio que a conversão dos primeiros gentios gerou a discussão de como estes seriam
incluídos na igreja, o que era até natural. Pedro precisou se explicar aos que criam que a
circuncisão era necessária para a salvação: “E ouviram os apóstolos, e os irmãos que
estavam na Judéia, que também os gentios tinham recebido a palavra de Deus. E, subindo
Pedro a Jerusalém, disputavam com ele os que eram da circuncisão, dizendo: Entraste em
casa de homens incircuncisos, e comeste com eles. Mas Pedro começou a fazer-lhes uma
exposição por ordem...” (At 11.1-4).
Mas Pedro entendeu que o homem, mesmo o gentio, era salvo pela fé em Jesus: “E lembrei-
me do dito do Senhor, quando disse: João certamente batizou com água; mas vós sereis
batizados com o Espírito Santo. Portanto, se Deus lhes deu o mesmo dom que a nós, quando
havemos crido no Senhor Jesus Cristo, quem era então eu, para que pudesse resistir a Deus?”
(At 11.16; grifo do autor).

Depois da explicação de Pedro, todos louvaram a Deus, que amava e salvava os gentios pela
fé, conforme se arrependiam de seus pecados: “E, ouvindo estas coisas, apaziguaram-se, e
glorificaram a Deus, dizendo: Na verdade até aos gentios deu Deus o arrependimento para a
vida” (At 11.16-18).

Percebemos que Pedro entendia em que base se dava a salvação dos gentios. Inicialmente,
ele teve dificuldades de fazer discípulos entre esse povo. Mas conseguiu fazer isso ao
evangelizar Cornélio, quando, então, pôde entender que o homem é salvo pela fé em Cristo,
desde que se arrependa de seus pecados e aceite a obra de Cristo na cruz. Neste ponto,
Pedro não está em desacordo com Jesus e muito menos com Paulo. Jesus disse inúmeras
vezes que aquele que nele crê tem a vida eterna: “Na verdade, na verdade, vos digo que
quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, e não entrará
em condenação, mas passou da morte para a vida” (Jo 5.24. V. tb. Jo 6.35, 47; 11.25,26;
12.46).

As declarações de Jesus comprovam que a salvação é pela fé nele. E isso fica ainda mais
evidente no texto original, no qual podemos perceber que o substantivo fé — possuem a
mesma ω υ ε τ σ ι π — e o verbo crer — ς ι τ σ ι π — raiz. Quando Jesus, portanto, diz
que quem crê nele tem a vida eterna, subentende-se no original que a pessoa colocará sua fé
em Jesus, ou seja, a salvação é por meio da fé em Jesus, e isso não só para os judeus, mas
também para os gentios, como foi o caso de Cornélio e seus familiares.

Jesus também ensinou que sua morte na cruz seria para perdão de pecados, como o fez na
última ceia, referindo-se ao pão como seu corpo e ao vinho como seu sangue (Lc 22.19,20).
Disse o mesmo em outra passagem: “Então abriu-lhes o entendimento para compreenderem
as Escrituras. E disse-lhes: Assim está escrito, e assim convinha que o Cristo padecesse, e ao
terceiro dia ressuscitasse dentre os mortos, e em seu nome se pregasse o arrependimento e
a remissão dos pecados, em todas as nações, começando por Jerusalém” (Lc 24.45-47; grifo
do autor).

É evidente que o que foi ensinado por Jesus foi crido e ensinado por Pedro. Vemos isso
também em outras passagens, além das já citadas de Atos: “Respondeu-lhe, pois, Simão
Pedro: Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna. E nós temos crido
Página

e conhecido que tu és o Cristo, o Filho do Deus vivente” (Jo 6.68,69; grifo do autor).

Vemos que aquilo que foi ensinado por Jesus e crido por Pedro foi igualmente ensinado por
17

Paulo. Citaremos somente duas passagens, para não sermos exaustivos:

“Mas agora se manifestou sem a lei a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e dos
profetas; isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que
crêem; porque não há diferença. Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus;
sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus. Ao
qual Deus propôs para propiciação pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justiça pela
remissão dos pecados dantes cometidos, sob a paciência de Deus; para demonstração da sua
justiça neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em
Jesus. Onde está logo a jactância? É excluída. Por qual lei? Das obras? Não; mas pela lei da fé”
(Rm 3.21-27; grifo do autor).

“Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus” (Ef
2.8).

Veja que pelas passagens acima é evidente que Paulo ensinou o mesmo que Jesus e Pedro
sobre a salvação. O homem é salvo pela fé em Jesus. Assim, como claramente mostra minha
explicação, o Concílio de Jerusalém, citado na Super Interessante, colocando Paulo em
desarmonia com Jesus, Pedro e demais apóstolos, é improcedente.11

Nesse Concílio, discutiu-se a base por meio da qual se dá a salvação do homem. Para alguns
judeus cristãos, o homem era salvo por Jesus e pela circuncisão. “Então alguns que tinham
descido da Judéia ensinavam assim os irmãos: Se não vos circuncidardes conforme o uso de
Moisés, não podeis salvar-vos” (At 15.1). Mas, como já vimos, tanto para Pedro como para
Jesus e Paulo, o homem é salvo pela graça mediante a fé em Jesus. O mesmo é reafirmado e
ensinado em Atos 15 por todos eles juntos.

As palavras de Pedro, a seguir, resumem bem a posição de todos os apóstolos, que


aprenderam com Jesus, presentes em Jerusalém: “Congregaram-se, pois, os apóstolos e os
anciãos para considerar este assunto. E, havendo grande contenda, levantou-se Pedro e
disse-lhes: Homens irmãos, bem sabeis que já há muito tempo Deus me elegeu dentre nós,
para que os gentios ouvissem da minha boca a palavra do evangelho, e cressem. E Deus, que
conhece os corações, lhes deu testemunho, dando-lhes o Espírito Santo, assim como também
a nós; e não fez diferença alguma entre eles e nós, purificando os seus corações pela fé.
Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem
nossos pais nem nós pudemos suportar? Mas cremos que seremos salvos pela graça do
Senhor Jesus Cristo, como eles também” (At 15.6-11).

A afirmação da Super Interessante de que Paulo saíra vitorioso em Atos 15, sugerindo, com
isso, que ele teria discordado de Jesus e dos demais apóstolos é um absurdo exegético.12

A matéria cita que, após o episódio do Concílio em Jerusalém, Pedro tornou-se repreensível
por ter cedido à pressão do partido da circuncisão. Contudo, o episódio não pode ser usado
para diferenciar a posição de Paulo da dos demais, pois já demonstramos não ser o caso.
Pedro, em Antioquia, titubeou por causa da pressão que sofreu, mas seu comportamento ali
não refletiu o que ele realmente pensava, como já vimos em Atos 11 e 15. “E, chegando
Pedro à Antioquia, lhe resisti na cara, porque era repreensível. Porque, antes que alguns
tivessem chegado da parte de Tiago, comia com os gentios; mas, depois que chegaram, se foi
Página

retirando, e se apartou deles, temendo os que eram da circuncisão. E os outros judeus


também dissimulavam com ele, de maneira que até Barnabé se deixou levar pela sua
dissimulação. Mas, quando vi que não andavam bem e direitamente conforme a verdade do
18

evangelho, disse a Pedro na presença de todos: Se tu, sendo judeu, vives como os gentios, e
não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus? Nós somos judeus por
natureza, e não pecadores dentre os gentios” (Gl 2.11-15).

Por tudo isso, fica evidente que Paulo ensinava o mesmo que Jesus e os demais apóstolos
sobre a salvação. Não procede a afirmação de Fernando Travi de que as cartas de Paulo
estavam em desarmonia com o ensino de Jesus e dos demais apóstolos.
Paulo teria também defendido a escravidão

Buscando amparo no texto de Efésios 6.5, a matéria da Super Interessante condena Paulo por
ter ensinado que os cristãos, quando na condição de escravos, fossem obedientes a seus
senhores: “Vós, servos, obedecei a vossos senhores segundo a carne, com temor e tremor, na
sinceridade de vosso coração, como a Cristo” (Ef 6.5).

O texto a seguir, não citado no artigo da revista, instrui os escravos a servirem a seus
senhores como se estivessem servindo a Cristo, pois Deus saberá recompensá-los: “Não
servindo à vista, como para agradar aos homens, mas como servos de Cristo, fazendo de
coração a vontade de Deus; servindo de boa vontade como ao Senhor, e não como aos
homens. Sabendo que cada um receberá do Senhor todo o bem que fizer, seja servo, seja
livre” (Ef 6.6-8).

É verdade que Paulo não está aqui sugerindo uma ordem revolucionária com violência, mas
instruindo os escravos como deveriam se comportar diante desse tipo de realidade social: a
escravidão.

Não podemos, porém, a partir da passagem de Efésios 6.5, afirmar que Paulo, se pudesse,
não teria eliminado a escravidão. Um conselho, ou ensino, diante da realidade da escravidão,
não é necessariamente endossá-la. Ele ensina que, mesmo na escravidão, as relações
humanas podem ser de respeito, sem opressão. Veja que, a seguir, Paulo instrui os senhores
para que tratem os escravos como irmãos em Cristo, pois não há acepção de pessoas. “E vós,
senhores, fazei o mesmo para com eles, deixando as ameaças, sabendo também que o
SENHOR deles e vosso está no céu, e que para com ele não há acepção de pessoas” (Ef 6.9;
grifo do autor).

Se diante da realidade da escravidão (não criada por Paulo) os senhores seguissem as


instruções dele, o escravo seria tratado com dignidade e respeito. Ele não seria oprimido, pois
como Paulo disse: “não há acepção de pessoas”.

A idéia de que no evangelho os escravos não são inferiores a ninguém consta do ensino de
Paulo também em Gálatas 3.28: “Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não
há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (grifo do autor).

Se levarmos em consideração o que Paulo ensinou em Efésios 6.9 e Gálatas 3.28, não
podemos afirmar que ele endossou os abusos da escravidão. Mas é verdade que não propôs a
Página

eliminação desta. Contudo, diante da realidade da escravidão, esperava que ela fosse sem
opressão e discriminação de pessoas. Neste caso, o escravo teria seus direitos humanos
preservados. Tornar-se-ia uma espécie de empregado moderno.
19

Paulo teria legitimado a submissão da mulher

A matéria da revista em referência menciona a carta aos Colossenses, provavelmente


pensando em Colossenses 3.18, que reza: “Vós, mulheres, estai sujeitas a vossos próprios
maridos, como convém no Senhor”. Mas acaba citando 1Timóteo 2.9-12: “Que do mesmo
modo as mulheres se ataviem em traje honesto, com pudor e modéstia, não com tranças, ou
com ouro, ou pérolas, ou vestidos preciosos, mas (como convém a mulheres que fazem
profissão de servir a Deus) com boas obras. A mulher aprenda em silêncio, com toda a
sujeição. Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido,
mas que esteja em silêncio” (1Tm 2.9-12).

É verdade que Paulo ensinou que a mulher seja submissa ao marido, contudo, tal afirmação
não deve ser retirada da complexidade do ensino do apóstolo. Paulo não apoiou a opressão
da mulher, antes, a colocou em igualdade com o homem.

Paulo tinha a convicção de que a mulher está submissa ao marido, como conseqüência da
queda, separação de Deus pelo pecado (Gn 3.16). Naquela ocasião, a mulher ouviu a
serpente, que a ajudou a convencer o homem a desobedecer a Deus. A mulher foi colocada,
como resultado da queda, em submissão ao marido. Veja a passagem a seguir: “E à mulher
disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua conceição; com dor darás à luz filhos; e o
teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará” (Gn 3.16).

É o texto de Gênesis 3.16 que Paulo tem em mente ao ensinar sobre a submissão da mulher.
Veja o que ele diz em 1Timóteo 2.13,14 (em seguida, 1Tm 2.9-12, citado na matéria da SI).
“Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher,
sendo enganada, caiu em transgressão”.

Logo, assim como não podemos dizer que a submissão da mulher foi inventada por Paulo,
também não podemos afirmar que esta submissão não era crida pelos demais apóstolos. Veja
que Pedro ensinou o mesmo: “Semelhantemente, vós, mulheres, sede sujeitas aos vossos
próprios maridos; para que também, se alguns não obedecem à palavra, pelo porte de suas
mulheres sejam ganhos sem palavra” (1Pe 3.1).

Além disso, Paulo ensinou que as esposas devem ser amadas pelos maridos, como Cristo
amou a igreja, e por esta se entregou. Nesse contexto, os maridos devem cuidar muito bem
de suas mulheres, como cuidam de seus próprios corpos: “Vós, maridos, amai vossas
mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela [...] Assim
devem os maridos amar as suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos. Quem ama
a sua mulher, ama-se a si mesmo. Porque nunca ninguém odiou a sua própria carne; antes a
alimenta e sustenta, como também o Senhor à igreja” (Ef 5.25, 28, 29; grifo do autor).

Concluímos, então, que, no entendimento de Paulo, a mulher é submissa ao marido como


conseqüência da queda, separação de Deus pelo pecado original (Gn 3.16). Isso, contudo, não
o impediu de perceber que a mulher em Cristo tem o mesmo status que o homem diante de
Deus (Gl 3.28). Assim, não pode haver discriminação contra a mulher, nem desigualdade de
direitos. A mulher deve ser amada pelo marido como Cristo amou a igreja. Deve também ser
bem cuidada (Ef 5.25,28,29). O ensino de Paulo exclui a opressão da mulher.
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Paulo teria defendido a obediência ao opressivo Império Romano


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A matéria da Super Interessante propõe que Paulo apoiava a obediência ao opressivo Império
Romano. Para tanto, cita Romanos 13.1,7: “Toda a alma esteja sujeita às potestades
superiores; porque não há potestade que não venha de Deus; e as potestades que há foram
ordenadas por Deus [...] Portanto, dai a cada um o que deveis: a quem tributo, tributo; a
quem imposto, imposto; a quem temor, temor; a quem honra, honra”.

Podemos dizer sim que Paulo apoiou a obediência às autoridades do Império, mas isto não é o
mesmo que endossar suas atrocidades e injustiças. Como bons cidadãos, devemos pagar
nossos impostos, percebendo que a ordem social estabelecida é melhor que o caos.

Não há, no texto de Romanos 13.1,7, nenhuma aprovação, por parte de Paulo, das injustiças
do Império. Há somente o reconhecimento de que os governos humanos são estabelecidos
pela soberania de Deus, por meio dos quais Deus traz certo nível de julgamento e ordem.
Veja o que dizem os versos intermediários: “Porque os magistrados não são terror para as
boas obras, mas para as más. Queres tu, pois, não temer a potestade? Faze o bem, e terás
louvor dela. Porque ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois
não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o
mal” (Rm 13.3,4).

Podemos reclamar das injustiças que há no Brasil em todos os níveis. Mas a existência do
governo brasileiro, quer seja municipal, estadual ou federal, nos permite ter no meio da
imperfeição a ordem social. O mesmo não é visto na Somália, onde o governo está
desestruturado. Existe uma anarquia onde as regiões são controladas por determinados
guerreiros com suas milícias, que se encontram acima da lei. Paulo, em Romanos 13,
simplesmente reconhece que os governos humanos desenvolvem um papel estabelecido na
soberania divina. E, nesse contexto, precisamos pagar nossos impostos. É o que nos ensina
Jesus em Marcos 12.17: “E Jesus, respondendo, disse-lhes: Dai pois a César o que é de César,
e a Deus o que é de Deus. E maravilharam-se dele”.

O ensino de Paulo não tira dos cristãos o direito de exercerem sua cidadania e de serem
agentes de transformação social. Desde os dias do primeiro século o cristianismo tem
prestado este serviço.

A solução de Paulo, Pedro e Jesus para o mundo era a chegada, desenvolvimento e plenitude,
do reino de Deus (Mt 4.117, At 14.22, Ap 11.15). Era por meio de uma nova ordem que
ocorreria a mudança. Sendo assim, Paulo não endossava o Império com suas injustiças, mas
esperava a realização do reino de Deus.

Não é tão fácil definir o reino de Deus, pois se trata de uma realidade aparentemente
paradoxal, porque tanto não é deste mundo (Jo 18.36) como é verdade que está neste
mundo. O reino de Deus já estava presente antes de Jesus, chegou com sua vinda e terá a
plenitude com sua segunda vinda. Além disso, é verdade que Deus reina sobre tudo e é
verdade que Ele não reina no coração daqueles que não o servem. Mas isso não o impede de
reinar soberanamente sobre todos e tudo, inclusive sobre o mal, mesmo que não seja
responsável pelo mal. Estas aparentes realidades opostas fazem do assunto um desafio. Na
verdade, podemos nos referir ao reino divino como uma realidade múltipla, sem que uma de
suas facetas se oponha às demais.
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Governos e instituições sempre terão sua medida de maldade, devido ao pecado do homem.
Contudo, podem ser melhores ou piores. Tudo irá depender da maneira como os servos de
Deus agirem como “sal e luz da terra”, agentes de transformação.
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Ao dizermos que o reino de Deus não é um tipo de regime, não queremos, com isso, afirmar
que abominamos os regimes, os quais, apesar de suas imperfeições, são instrumentos de
Deus (Rm 13.1,7). Todavia, como servos de Deus, não podemos aceitar tudo o que nos é
imposto por um governo. Claro que suas leis e propostas injustas devem ser modificadas pelo
trabalho daqueles que são, segundo a Bíblia, “sal e luz da terra”. Como cidadãos de um reino
em que não há injustiças, devemos agir como transformadores sociais (Mt 5.13-16),
esforçando-nos pacificamente para que haja leis justas, as quais regerão todos os níveis da
sociedade.

Além disso, podemos nos envolver em projetos de promoção humana, atuando em


instituições beneficentes independentes e/ou em parceria com o governo e a sociedade. A
dimensão social do reino de Deus deve tornar-se a realidade do mundo ao nosso redor, pela
nossa influência. Mesmo que uma sociedade justa não seja em si o reino de Deus, em
situação ideal faria parte dele ou seria fortemente influenciada pelo mesmo. Neste caso, o
reino que não é deste mundo estará no mundo e crescerá até a sua plenitude (Ap 11.15).

Não podemos, segundo o que está registrado em Romanos 13.1,7 e o que é ensinado nas
Escrituras sobre o reino de Deus, afirmar que Paulo apoiou as atrocidades do Império
Romano, pois tanto para ele como para Jesus e os demais apóstolos a chegada do reino é a
solução de Deus para a humanidade. Enquanto isso, entendemos o papel das autoridades
estabelecidas na soberania de Deus, pagamos nossos impostos, exercemos nossa cidadania e
nos tornamos agentes de transformação social, até a chegada da plenitude do reino de Deus.

Recapitulando as falhas da matéria publicada na Super Interessante

• Desprezou o rigoroso critério usado por Lucas para coletar suas informações.
• Presumiu, sem provas, que os demais apóstolos não saíram da Palestina.
• Foi simplista e reducionista em culpar Paulo pelos problemas da humanidade, como guerras
e sofrimento.
• Afirmou que a conversão de Paulo foi uma farsa, porém, o fez por meio de argumentos
ilógicos. Não ficou provado por que razão Paulo sofreria tanto por uma farsa que lhe tirara o
status social.
• Falhou ao afirmar erradamente que Paulo discordara de Jesus e dos demais apóstolos
quanto à salvação. Na verdade, todos ensinaram que a salvação só ocorre pela fé em Cristo,
que morrera por nossos pecados.
• Falhou ao afirmar que Paulo apoiava a escravidão. Não vemos, no ensino de Paulo, o
apóstolo combatendo a escravidão, mas vemos como a escravidão poderia existir sem
opressão. Isso ocorria caso não houvesse acepção de pessoas (Ef 6.9) nem vantagens por
ordem racial, social ou sexual (Gn. 3:28). Neste caso, o escravo teria seus direitos humanos
preservados. Tornar-se-ia uma espécie de empregado moderno.
• Falhou ao afirmar que Paulo legitimava a discriminação da mulher, mesmo que tenha
ensinado sua submissão como conseqüência da queda (Gn 3.16). Ao contrário, Paulo ensinou
que não há distinção no reino de Deus por diferenças sexuais (Gn 3.28). Afirmou que a mulher
deve ser amada pelo marido, assim como Cristo amou a igreja. Isso exclui opressão e
desrespeito à mulher e aos seus direitos (Ef 4.25, 28,29).
• Falhou em perceber que Paulo, ao ensinar a obediência ao opressivo Império Romano, não
estava apoiando suas injustiças, mas apenas reconhecendo o papel dos governos na
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soberania de Deus. Os governos, apesar de suas falhas, trazem certa ordem. Dentro desta
realidade, devemos pagar nossos impostos, até que o reino de Deus chegue à sua plenitude.
O reino de Deus é a solução das Escrituras para o mundo.
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Diante disso, não temos dificuldades em afirmar que a matéria da revista SuperInteressante,
que aponta o apóstolo Paulo como inventor do cristianismo, classificando-o como uma farsa e
traidor de Jesus, foi extremamente infeliz e infiel aos fatos.

Notas:

1 Vasconcelos Y. “O homem que inventou Cristo”. Revista SuperInteressante, ed. no 195,


dez/2003. Editora Abril, p. 58.
2 Ibid.
3 Não é o único exemplo no evangelho de Lucas.
4 Vasconcelos Y. “O homem que inventou Cristo”. Revista SuperInteressante, ed. no 195,
dez/2003. Editora Abril, p. 58.
5 Ibid.
6 Ibid., p. 58, 60.
7 Sinédrio: o grande Concílio de Jerusalém, que consiste de 71 membros, distribuídos entre:
escribas, anciãos, membros proeminentes das famílias dos sumos sacerdotes e o presidente
da assembléia. As mais importantes causas eram trazidas diante deste tribunal, uma vez que
os governadores romanos da Judéia tinham entregue ao Sinédrio o poder de julgar tais causas
e também de pronunciar sentença de morte, com a limitação de que uma sentença capital
anunciada pelo Sinédrio não era válida a menos que fosse confirmada pelo procurador
romano (Definição provida pelo dicionário de Young, como contido na Bíblia Online, Módulo
Avançado. Sociedade Bíblica do Brasil).
8 “São ministros de Cristo? (falo como fora de mim) eu ainda mais: em trabalhos, muito mais;
em açoites, mais do que eles; em prisões, muito mais; em perigo de morte, muitas vezes.
Recebi dos judeus cinco quarentenas de açoites menos um. Três vezes fui açoitado com
varas, uma vez fui apedrejado, três vezes sofri naufrágio, uma noite e um dia passei no
abismo; em viagens muitas vezes, em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos
dos da minha nação, em perigos dos gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto,
em perigos no mar, em perigos entre os falsos irmãos; em trabalhos e fadiga, em vigílias
muitas vezes, em fome e sede, em jejum muitas vezes, em frio e nudez. Além das coisas
exteriores, me oprime cada dia o cuidado de todas as igrejas. Quem enfraquece, que eu
também não enfraqueça? Quem se escandaliza, que eu me não abrase?” (2Co 11.23-29).
9 Vasconcelos Y. “O homem que inventou Cristo”. Revista SuperInteressante, ed. no 195,
dez/2003. Editora Abril, p. 61.
10 Ibid.
11 Ibid.
12 Ibid.

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