leis trabalhistas Por Lauro Monteclaro 27/05/2006 às 20:19
A questão da flexibilização das leis trabalhistas deve ser
vista pela nova ótica da polarização e do desmembramento do mercado de trabalho, causado pelos novos paradigmas tecnológicos e gerenciais. A questão da flexibilização das leis trabalhistas tornou-se o assunto crítico no que se refere às discussões sobre desemprego e crise social. Alguns a defendem como verdadeira panacéia universal para a questão do desemprego. Outros se opõem a qualquer concessão ao que qualificam como destruição de direitos adquiridos pelos trabalhadores.
Notamos que em muitos casos, ambos os lados partem de
premissas no mínimo incompletas para definir suas posições. A realidade é que a flexibilização é desejável em alguns casos, mas esconde uma série de armadilhas que devem ser consideradas.
A primeira coisa que devemos esclarecer é a diferença entre
desemprego “conjuntural” e desemprego “estrutural”. A mistura das duas situações é fonte de incontáveis confusões e conclusões absurdas. Vamos tentar definir algumas coisas.
A taxa de desemprego, seja qual for à metodologia adotada
para calcula-la, tem duas componentes. Uma é dada pelo desemprego “conjuntural”. Esse tipo de desemprego, como o próprio nome indica, depende de fatores conjunturais. Varia conforme os índices de crescimento econômico de um setor, de uma região, de um país e até da economia global.
A componente “estrutural” por outro lado, decorre de mudanças
na própria “estrutura” de produção. É o resultado da aplicação generalizada de novas tecnologias de informação e telecomunicações, combinadas aos novos métodos gerenciais e novos “ambientes” políticos, surgidos com o fim da guerra fria e da abertura dos mercados mundiais. Ele é fruto da “reengenharia” ou “reestruturação” produtiva.
No caso do desemprego “conjuntural”, estamos falando em
postos de trabalho que se tornam momentaneamente inúteis. No caso do desemprego “estrutural”, falamos de empregos que simplesmente desapareceram dos processos de produção.
É ai que está o problema. É óbvio que uma maior flexibilidade
das leis trabalhistas teria reflexos imediatos no desemprego conjuntural. Uma fábrica com poucas encomendas ou uma empresa comercial com poucos clientes, resistiria muito mais a demitir funcionários se seu custo fosse menor.
Pelo mesmo raciocínio, se as contratações implicassem em
menores custos, várias empresas teriam maior segurança em faze-lo, caso houvesse expectativa de maior demanda a curto e médio prazo. Um sistema trabalhista muito rigoroso de fato restringe as contratações ao estritamente necessário
Por outro lado, a flexibilização não tem nenhum efeito sobre o
desemprego “estrutural”. Se uma empresa implantou um novo sistema automatizado de produção ou uma nova maneira de administrar o negócio, que a tornou mais eficiente, não faz nenhum sentido voltar atrás.
Se um ramo de negócios já passou por uma “reengenharia”, os
empregados que ficaram depois do processo são exatamente a mão-de-obra que as empresas precisam e nada mais. Nesse caso, temos dois tipos de situação:
A primeira se refere aos empregos que foram tornados
redundantes. As pessoas demitidas por esse motivo foram “descartadas” do processo de produção. E o foram não porque a empresa estivesse com baixo nível de atividade, mas pelo contrário, para que atingisse a máxima produtividade e respondesse a altos níveis de competição.
Por exemplo: Uma empresa que passou todo o seu processo de
soldagem para um grupo de robôs, não irá jamais voltar a contratar soldadores. Uma empresa comercial que implantou um sistema de cobranças automático jamais irá voltar a contratar faturistas. Mesmo que os antigos empregados quisessem trabalhar de graça, acabariam por atrapalhar os novos processos.
A segunda situação se refere aos empregados que não foram
eliminados. Esses por sua vez se dividem em dois grupos: Os que foram mais valorizados e os que não foram afetados pela reengenharia.
O primeiro grupo, passa a ter sua relação com a empresa
modificada. São pessoas que já trabalhavam na empresa e que passaram por novos cursos e treinamentos -e os eventualmente contratados- de modo a terem as qualificações certas para os novos métodos de produção. Serão tratados como “parceiros” nos negócios e seus salários e benefícios dificilmente se aterão a qualquer tipo de legislação trabalhista.
Nesse grupo estão os “novos trabalhadores” que executam
tarefas de fato muito mais especializadas e criativas. Podem ser trabalhadores sem horário ou local fixo para exercer suas funções. Alguns podem trabalhar em casa. Para eles, as leis trabalhistas rígidas podem de fato ser até um empecilho.
O único problema é que, ao contrário da crença dos otimistas e
dos adeptos da “terceira onda”, da “nova economia”, da “era da informação” e outras utopias do tipo, são sempre em número muito reduzido. Se não fossem, a própria reestruturação tecnológica seria antieconômica.
O segundo grupo, é constituído pelos empregados de baixa
qualificação profissional, mas que dificilmente podem ser substituídos por equipamentos automatizados de maneira econômica. Não se trata de trabalhadores braçais, esses já foram substituídos ha décadas por máquinas, e sim pessoas que lidam com processos simples mas de difícil mecanização.
Para esse grupo, as leis trabalhistas são absolutamente
essenciais. O motivo é simples: Seu trabalho não pode ser mecanizado, mas devido à baixa especialização, qualquer um pode realiza-lo com um mínimo de treinamento.
Esse grupo compreende os vários tipos de “atendentes”,
“auxiliares” e pessoas ligadas a serviços de manutenção e limpeza. As empresas tendem a vê-los como meros apêndices de seus sistemas automatizados. São, de preferência, terceirizados e não recebem qualquer tipo de atenção da parte da alta administração.
São vistos apenas como “custo de mão-de-obra”, e as empresas
tendem a lidar com eles se atendo estritamente as leis que regem seus contratos. Daí a necessidade de manter uma legislação como proteção para esses empregados. Do contrário, as empresas os explorarão da forma mais brutal possível.
Podemos concluir, portanto, que a tendência é termos uma clara
polarização entre “novos empregados” -mais identificados com a empresa e seus interesses- de um lado, e a “mão-de-obra” indiferenciada e pouco especializada do outro. As posições centrais estão se esvaziando.
Em resumo, a flexibilização das leis trabalhistas teria efeitos
diferentes sobre cada segmento e situação. Não teria nenhum efeito sobre o desemprego “estrutural”. Por exemplo: O fato de poder admitir e demitir a baixo custo um cobrador de ônibus, não faria as empresas que usam catracas eletrônicas contrata- los.
Também não teria nenhum efeito sobre o número reduzido dos
“novos trabalhadores” envolvidos com alta tecnologia. Esse grupo de trabalhadores costuma ser contratado com salários e benefícios “nominais” relativamente baixos. Suas altas remunerações costumam ser proporcionais aos resultados por eles obtidos sobre o faturamento da empresa.
Em outras palavras, os custos trabalhistas representam uma
parcela muito pequena na remuneração real desses profissionais.A redução desses custos não faria uma empresa contratar mais executivos, engenheiros pós-graduados ou analistas financeiros seniores.
Aqui chegamos as verdadeiras armadilhas contidas nas
propostas de flexibilização. As empresas alegam que o “desemprego” seria causado por dois motivos: A baixa qualificação da mão-de-obra e os encargos trabalhistas.
Mas o que os empresários querem na verdade é passar a
seguinte mensagem: Forneçam muito estudo e qualificação para todos e eliminem direitos trabalhistas “arcaicos”. Nós escolheremos apenas os melhores para nosso “primeiro time” do século 21, e exploraremos nos níveis do século 19 todos os demais. Seremos mais competitivos e nossos lucros serão maiores.
Como poderíamos provar nossa tese? É só observar o que vem
ocorrendo em países como a Alemanha ou a França de um lado e os Estados Unidos e a Grã-bretanha de outro. Os primeiros têm leis trabalhistas rígidas e os segundos, relativamente flexíveis.
No primeiro caso, o nível de desemprego total é muito alto (em
torno de 10%) e no segundo mais baixo (em torno de 5%). No primeiro caso os empregos parecem sumir e no segundo, existe a reclamação generalizada de que o trabalho se tornou “precário”.
Nos quatro países citados existe um enorme fluxo de imigrantes
que chega a causar os mais variados conflitos sociais. Sabemos que imigrantes vão onde existem empregos. Como se explica isso? Por que os imigrantes vão atrás de empregos inexistentes na Alemanha e na França ou precários nos Estados Unidos e Grã-bretanha?
A resposta é simples. Os imigrantes estão em busca dos
empregos que não foram afetados pela “reengenharia” ou “reestruturação” produtiva. O “desemprego” nesses países é apenas “estrutural” enquanto em seus países de origem é também e principalmente “conjuntural”.
A própria condição do imigrante o coloca em posição “flexível”
perante os seus contratantes. É por isso que não faltam empregos para eles. Mas para os cidadãos “nativos” essas condições são inaceitáveis. É por isso que preferem o salário desemprego, indo figurar nas estatísticas como desempregados.
Nos paises de legislação trabalhista mais flexível (EUA e Grã-
bretanha), os “nativos” são mais “empurrados” para o mercado de trabalho de baixa especialização. É isso que é visto por eles como “trabalho precário”. Mas as estatísticas de desemprego acabam por parecer mais baixas.
Só que isso faz com que os “nativos” acabem por disputar
empregos com os imigrantes, o que explica que a rejeição a eles nos EUA tenha se transformado em conflito aberto, enquanto na França, eles são vistos com muito mais benevolência, o “inimigo” é o governo com suas propostas de flexibilização “neoliberais”.
A conclusão mais importante é que temos de passar a
considerar o mercado de trabalho como dividido em pelo menos dois extratos bem distintos. E pensar qualquer política de flexibilização das leis trabalhistas dentro desse novo paradigma.