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2009
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1. Introdução
O sistema financeiro internacional sofreu mudanças profundas ao longo das últimas décadas, alterando
o modo de integração das economias nacionais. Mudanças tecnológicas intensificaram a rapidez e a
variedade dos fluxos de capital, que suplantaram em larga escala, no final do século XX, o volume das
transações comerciais. O crescimento da interdependência econômica, verificado desde o pós-guerra,
foi intensificado na área financeira após o colapso do sistema de Bretton Woods, no início dos anos 70.
A desregulamentação no centro do sistema (Estados Unidos, Japão e União Européia) difundiu-se em
escala global. Neste processo ganharam importância os mercados latino-americanos, economias de
renda média com um nível de industrialização relativamente adiantado, que atraem o interesse dos
mercados de capitais nos anos 90. Este movimento coincidiu com o estabelecimento de regimes
democráticos e introdução de reformas de mercado nos países do continente.
Após uma sucessão de crises financeiras nestas economias, no final dos anos 90 e início do século
atual, ocorre certo desencanto com a perspectiva de alcançar significativo progresso econômico através
da participação no sistema financeiro internacional, que responde ao aparente fracasso das reformas de
mercado com uma guinada à esquerda. Retrocessos começam a aparecer, e uma renovada atração por
políticas heterodoxas ganha importância em economias importantes da região, como Argentina e
Venezuela.
A crise financeira de 2008, que se inicia no centro da economia mundial, os Estados Unidos, magnifica
a tendência de redução do suporte ao livre mercado na América Latina. As classes políticas da região se
distanciam do discurso da liberalização econômica, retirando do debate público o tema das reformas
institucionais, que permanecem inacabadas. Nos países desenvolvidos, a crise financeira impulsiona a
contenção dos excessos da desregulamentação econômica, que permitiram o crescimento de bolhas
especulativas.
Líderes latino-americanos encontram, desse modo, uma justificativa para oposição às reformas de
mercado: o retorno de um papel ativista do Estado na economia seria necessário para superar a crise.
Apontam que os países ricos sempre pregaram a abertura das economias dos emergentes,
frequentemente associando o acesso a recursos externos (do FMI, Banco Mundial ou bilateralmente) ao
avanço de reformas na economia, que se traduziam invariavelmente na proposta de redução do papel do
Estado. Apesar da retórica, quando sofrem uma crise econômica, as economias desenvolvidas
reforçam, elas mesmas, o intervencionismo estatal.
Deve-se ressaltar que as mudanças em curso nos países do centro são correções de rumo, não se
tratando de alterações na estrutura da economia de mercado. Os excessos do sistema financeiro não
comprometeram o apoio à manutenção das instituições do capitalismo, que permitiram a estes países
alcançar um nível inédito de bem-estar social (comparado às condições vigentes no período anterior à
ascensão das economias de mercado modernas, a partir do século XVIII).
XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
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O processo em curso nos países industrializados pode ser chamado de re-regulação, e está sendo
construído sobre uma estrutura social e política madura, que se associa de forma simbiótica ao sistema
de mercado – restringindo a liberdade dos agentes econômicos conforme o interesse público e
propiciando o ambiente institucional necessário para seu desenvolvimento. Claramente, o ambiente
institucional latino-americano não se assemelha ao dos países desenvolvidos.
A resposta à crise econômica internacional não pode ser uma apropriação tendenciosa de movimentos
no centro. Esta conjuntura está servindo como pretexto para a continuação, sob novos e velhos
referenciais ideológicos, de práticas entranhadas na experiência latino-americana: estatizações,
restrições aos direitos de propriedade, aumento da regulação econômica e fechamento ao comércio
internacional.
Este artigo tratará do processo de liberalização financeira na América Latina, tomando como
referencial o corpo teórico da economia e da economia política que analisa a dinâmica das crises
financeiras auto-realizáveis em contextos de equilíbrios múltiplos. A partir deste enfoque serão
delineadas políticas para a redução da vulnerabilidade econômica em países latino-americanos, que
apontam para a necessidade de avançar no caminho das reformas institucionais para superar as
dificuldades da conjuntura de crise atual, rejeitando os caminhos “alternativos” que oferecem soluções
simples, óbvias e erradas para os problemas da região.
2. Contextualização
A crise da dívida alcança tanto a América Latina quanto os países do Leste asiático, ambos
recentemente industrializados e que fizeram amplo uso de empréstimos externos para alavancar seu
crescimento na década anterior. Apesar das semelhanças, os dois grupos de países sofreram os efeitos
da crise em grau diferente. Os latino-americanos, adeptos do modelo de industrialização por
substituição de importações (ISI), tiveram seu crescimento comprimido por um longo período, marcado
por altos níveis de inflação e deterioração geral do bem-estar econômico e social. Os asiáticos, por
outro lado, após dificuldades iniciais decorrentes da moratória mexicana e da retração dos fluxos
financeiros, retomaram sua trajetória de crescimento.
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XIV Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Salvador de Bahia, Brasil, 27 - 30 oct. 2009
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Esta diferença decorreu principalmente do modo de integração à economia mundial adotado pelos dois
grupos de países. Os asiáticos buscavam, desde o período anterior à crise, expandir suas exportações e
abrir sua economia, intensificando a corrente de comércio com o restante do mundo (a Coréia do Sul,
por exemplo, adota esta iniciativa já nos anos 60). Este modelo foi mais bem sucedido em se adaptar
aos choques internacionais dos anos 80, em comparação com as economias latino-americanas, que
haviam se fechado ao comércio internacional e adotado estratégias de isolamento econômico.
A Argentina, com a eleição do peronista Carlos Menem, em 1989, exemplifica este processo. Quando
candidato, Menem adotou o tradicional discurso populista defendido por seu partido desde o início da
derrocada econômica argentina, no pós-guerra. Uma vez eleito, confrontado com uma economia
estagnada e inflação crescente, abraça as propostas liberais (abrindo a economia, privatizando estatais,
eliminando controles de preços) e busca modificar a própria percepção da Argentina como país em
desenvolvimento. (CAMPOS,1996:237-241). A presença de reformas incompletas, especialmente no
que tange ao controle dos gastos públicos, e a adoção de um sistema de currency board fora de
sincronia com a economia argentina eventualmente levam ao colapso desta tentativa de modernização,
demonstrando a dificuldade encontrada pelos países em desenvolvimento em empreender reformas
estruturais consistentes e sustentáveis a longo prazo.
A agenda de reformas que os países da América Latina começam a adotar no final dos anos 80 ganha
maior visibilidade com uma conferência realizada em Washington, em que se elabora uma lista de dez
reformas que, em 1989, contavam com amplo apoio nos centros de decisão dos países avançados, e
para as quais os latino-americanos, após décadas de experiências heterodoxas, estavam convergindo.
Esta proposta é chamada Consenso de Washington, e imediatamente se torna alvo de ataques
constantes por parte da “economia crítica” e dos “alternativos”, não somente pelo nome infeliz (que
atiça o anti-americanismo latente no continente), mas também por sua conexão às políticas advogadas
pelo FMI e Banco Mundial. (FRANCO, 2006:54-56) Os pontos do Consenso são:
1. Redução de déficits públicos a níveis que não requeiram o uso do imposto inflacionário.
2. Redirecionamento dos gastos públicos de setores politicamente privilegiados para áreas com maior
retorno econômico e potencial para melhorar a distribuição de renda (saúde, educação, infra-estrutura).
3. Reforma tributária que alargue a base fiscal e reduza as tarifas marginalmente.
4. Liberalização financeira, alcançando taxas de juros determinadas pelo mercado.
5. Taxa de câmbio unificada e competitiva.
6. Abertura para o comércio externo.
7. Abolição de restrições ao investimento externo direto (IED).
8. Privatização de empresas públicas.
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O Brasil, mesmo assolado pela hiperinflação, é reticente quanto às reformas, que se iniciam de fato a
partir do Plano Real, com a estabilização monetária, e com o governo de Fernando Henrique Cardoso.
A abertura comercial começa, de forma incerta no governo Collor, assim como as privatizações.
As críticas ao FMI partem, em sua maioria, de posições dogmáticas (anti-mercado) que não consideram
o ambiente em que o Fundo é acionado - situações de crise no balanço de pagamentos, ataques ao
câmbio (por especulação ou fuga de capitais) e desconfiança quanto ao comportamento da autoridade
monetária. Não se deve culpar o bombeiro pelo fogo. As alternativas possíveis para a superação de
crises são muito limitadas, e a responsabilidade decisória permanece em grande parte com as
autoridades nacionais, que escolhem se um programa de ajuda será requisitado junto ao FMI,
consideram as condições para a concessão de empréstimos e aplicam as políticas para o controle da
crise.
A credibilidade do FMI foi abalada, nos anos 90 e início do século XXI, por sua inabilidade em
prevenir crises e auxiliar países já atingidos a superá-las. A elaboração de programas de salvamento
não foi capaz de evitar o colapso econômico em mercados emergentes atingidos por crises, na América
Latina (1994-95, 1998-2002) e Ásia (1997-98). O prolongado processo de esfacelamento econômico da
Argentina, entre 1999 e 2002, foi acompanhado pelo Fundo, que não foi capaz de aconselhar a
mudança das políticas no momento apropriado (mantendo um modesto apoio a um currency board
estruturalmente impraticável).
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Quando a crise finalmente forçou a desvalorização da moeda argentina, a ausência de apoio para a
recuperação do país incentivou uma reestruturação unilateral da dívida, um resultado danoso à
estabilidade do sistema financeiro internacional e à confiança nos mercados emergentes em geral.
Para muitos analistas, uma reforma no FMI será necessária para que o organismo assumisse com maior
eficiência o papel de provedor da estabilidade do sistema financeiro internacional. As propostas mais
abrangentes sugerem a transformação do Fundo em um verdadeiro provedor de liquidez internacional,
um emprestador internacional de última instância. A expansão das atribuições do Fundo é severamente
limitada pelas dificuldades em estabelecer um grau significativo de cooperação internacional nas
questões monetárias e de política macroeconômica.
Comprometer a autonomia das políticas nacionais ainda é um anátema, especialmente para as maiores
economias – que dificilmente aceitariam algo próximo à influência exercida pelo FMI sobre os países
dentro de programas de financiamento emergencial, em suas políticas monetária, cambial, tributária e
fiscal. A experiência mostra que a cooperação neste nível é excepcional, e usualmente exige a presença
de um forte estímulo externo, que torne os custos da “não-cooperação” suficientemente altos. (EL-
ERIAN, 2006:509) A gravidade da crise econômica iniciada em 2008 pode servir como um fator
propiciador para uma reforma do FMI e do sistema financeiro internacional, apesar dos obstáculos à
formação de consensos intergovernamentais. (TRUMAN, 2009).
O FMI é capaz de auxiliar um país em processo de crise através da provisão de um volume limitado de
recursos, através de empréstimos. A dimensão dos empréstimos que o FMI é capaz de realizar, no
entanto, é reduzida em comparação com o volume de recursos em circulação no mercado de capitais.
Os recursos do FMI, isoladamente, não seriam capazes de cobrir as obrigações de uma economia
emergente média com dificuldades de rolar sua dívida, enfrentando uma perda de confiança dos
agentes do mercado. O compromisso do país com as políticas recomendadas pelo FMI para a concessão
do empréstimo (condicionalidades) é a chave para que os investidores recuperem sua confiança na
estabilidade.
A confiança do mercado obtida através de um acordo com o FMI é, portanto, temporária, e não é capaz
de modificar a percepção quanto à credibilidade estrutural de um país, o risco de realizar investimentos
e o compromisso de honrar as obrigações externas, mantendo os pagamentos ao exterior. Para que a
credibilidade de um país se consolide, e ele possa reduzir sua vulnerabilidade, é preciso realizar
mudanças que fortaleçam seus fundamentos macroeconômicos e a confiança do mercado no
compromisso com as regras de mercado.
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A abertura ao mercado financeiro internacional também foi utilizada como parte da estratégia de
estabilização nos mercados latino-americanos. Vários destes países apresentavam profundos
desequilíbrios internos e externos, que restringiam as possibilidades de crescimento econômico e
industrialização. A entrada de investimentos do exterior era uma saída para a correção destes
desequilíbrios, seja como uma política isolada ou em conjunção com um ajuste estrutural, que reduzisse
a vulnerabilidade externa, com a expansão das exportações e redução do endividamento externo,
especialmente aquele derivado de déficits governamentais.
A abertura ao capital internacional também aumenta a pressão por reformas, maximizando os custos de
políticas distorcidas.
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A pressão sobre os governos para que adotem políticas sólidas e estáveis provém das altas penalidades
que o mercado impõe aos países incapazes de modernizar-se, isto é, a fuga de capitais e desvalorização
da moeda local. (EICHENGREEN,2004:289). Além disso, o processo de abertura financeira foi
igualmente utilizado no contexto de estratégias de estabilização monetária. Ao adotar uma âncora
cambial, o país limita a expansão da base monetária à sua capacidade de adquirir a moeda forte. Como
a existência de uma base monetária compatível com o crescimento das transações econômicas é
essencial para a economia (pois um desequilíbrio na oferta de moeda pode ocasionar deflação, e
possível redução na atividade econômica), torna-se vital promover a entrada de divisas. A abertura ao
investimento externo permite intensificar esta entrada.
A abertura aos fluxos internacionais de capital pode também promover a modernização do sistema
financeiro, dando acesso aos capitalistas locais a instrumentos financeiros de maior complexidade,
presentes nos mercados avançados, permitindo a realização de investimentos que não seriam possíveis
dentro da estrutura do sistema financeiro nacional, ainda subdesenvolvido. Deste modo, a
intensificação da competição reduz as distorções derivadas de monopólios (oligopólios) e rent-seeking
presentes nos mercados financeiros domésticos. (EICHENGREEN,2004:291).
Prevenir a ocorrência de crises financeiras originadas da conta capital torna-se um desafio para os
formuladores de políticas econômicas, e também para a comunidade internacional, dado o potencial de
alastramento da instabilidade pelo sistema financeiro internacional, que pode se dar pelo contágio. Na
eventualidade de uma crise se aprofundar, existe o perigo de default da dívida, com conseqüências
nefastas para a atividade econômica local – perda do acesso aos fluxos de investimento internacional e
quebra na confiança dos investidores externos e internos (que pode se estender por longo período,
mesmo após a restauração dos pagamentos da dívida). (AGÉNOR y AIZENMAN, 1998).
Compreender a dinâmica das crises financeiras, quais fatores tornam as economias mais propensas a
sofrerem crises e como estas se desencadeiam é essencial para a sua prevenção e administração. Nas
crises financeiras contemporâneas o desequilíbrio no balanço de pagamentos deriva de colapsos na
conta capital – em um processo que é espelhado no mercado de câmbio, ou seja, crises na conta capital
e crises cambiais se dão como processos complementares. Uma depreciação da moeda nacional
provoca uma redução correspondente no valor dos investimentos locais em moeda estrangeira,
associando uma crise cambial a uma crise financeira (queda abrupta no valor dos ativos financeiros
nacionais).
Economias em desenvolvimento atingidas por crises cambiais apresentam, tipicamente, uma entrada
líquida de capitais substancial no período anterior, acompanhado de um déficit em conta corrente.
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Uma crise cambial provoca uma retirada de capital do país em larga escala, resultando em um
pronunciado déficit na conta capital, forçando o país a alcançar um superávit em conta corrente
(excesso de exportações sobre importações) para manter o equilíbrio do balanço de pagamentos. Este
processo acarreta um profundo ajuste na economia, com redução na renda e no consumo, devido à
desvalorização da moeda, que reduz os salários, encarece os importados e direciona uma maior parte da
produção local para o exterior, em oposição ao consumo e investimento interno.
(BRAKMAN,2006:222).
Crises cambiais acompanhadas de crises financeiras são possíveis tanto em regimes de câmbio fixo
quanto em regimes de câmbio flutuante. Nos casos em que existe um câmbio administrado, em que o
governo se compromete a defender um valor estabelecido para a moeda, os efeitos das crises cambiais
são geralmente mais pronunciados, e sua ocorrência tende a ser mais frequente. Ao se afastar do
compromisso com o valor da moeda, o governo compromete sua credibilidade junto aos investidores,
que podem percebem uma ruptura nas regras do jogo e uma indicação de falta de compromisso com os
contratos (aumentando o risco de default). A moeda nacional é, afinal, um acordo fundamental entre as
autoridades e os agentes econômicos, e a confiança na estabilidade do valor da moeda é o instrumento
que transforma esta convenção legal (o dinheiro) em uma realidade social e econômica, capaz de
representar riqueza e ser utilizada como meio de troca. (FRANCO,1999:263-264).
Outro fator que torna as crises cambiais ainda mais danosas para os países que adotam o câmbio fixo é
o emprego das reservas internacionais para defender a moeda. A reação inicial à desconfiança do
mercado quanto ao valor da moeda é a venda de moeda estrangeira, pelo governo, que busca arrefecer
os ânimos dos investidores, reafirmando seu compromisso com a paridade corrente. Com o
aprofundamento da crise, a continuidade desta política significa a redução, até a exaustão, das reservas,
sem conseguir preservar a estabilidade cambial. Em uma análise a posteriori, verifica-se que recursos
públicos (as reservas) foram utilizados para alimentar a fuga de capitais e resgatar investidores
estrangeiros, que foram capazes de repatriar seus investimentos sem sofrer os custos da desvalorização.
A presença de um regime de câmbio flexível não torna o país imune a crises cambiais, e tampouco
impede que uma desvalorização abrupta gere efeitos deletérios sobre a economia. O Brasil pôde
experimentar em 1999 uma crise cambial que inviabilizou a continuidade do regime de câmbio
administrado, e em 2002, com o câmbio flutuante, sofreu novamente uma reversão abrupta nos fluxos
de capitais que, na visão de muitos analistas, poderia ter levado ao default. (WILLIAMSON, 2002:10).
Uma primeira geração de modelos de crises era centrada nos fundamentos da economia, e esta análise
foi aprofundada nos chamados modelos de segunda geração, que consideravam a possibilidade de
equilíbrios múltiplos.
O modelo clássico de análise das crises cambiais foi elaborado por Paul Krugman (1979:311-325), e
considerava a existência de um único equilíbrio, um preço da moeda –taxa de câmbio- em que a oferta
e a demanda por moeda estrangeira se igualam. Nesta concepção, um país estabelece uma taxa de
câmbio fixa, que se torna insustentável devido à presença de um déficit orçamentário, financiado pela
expansão monetária. Para sustentar o câmbio, o país utiliza seu estoque de reservas estrangeiras
(vendendo e comprando a moeda estrangeira ao preço estabelecido previamente). De acordo com o
modelo, a crise cambial eclodirá no momento em que as reservas alcancem um nível crítico, em que
uma fuga de capitais se torna capaz de exaurir as reservas de moeda estrangeira do país. Um ataque
especulativo abrupto rapidamente consumiria as reservas, forçando o abandono da taxa de câmbio
estabelecida.
Além disso, o modelo explica a ocorrência de fugas abruptas de uma moeda, que podem ser explicadas
de acordo com critérios econômicos, sem recorrer a explicações baseadas na irracionalidade dos
investidores ou a esquemas de manipulação do mercado (os agentes procuram preservar seus recursos
retirando seus investimentos de uma moeda em vias de desvalorização, percepção compatível com a
dinâmica do mercado).
Este modelo de primeira geração, entretanto, devido a sua simplicidade, não considera as alternativas
disponíveis para os governos, quando estes se confrontam com ameaças à estabilidade cambial, como
ajustar a política monetária doméstica, elevando os juros para atrair capitais do exterior e evitar a fuga
dos investidores da moeda local. Mais sofisticados, os modelos de segunda geração analisam a
dinâmica das crises de forma menos mecânica, considerando as possíveis ações dos governos que
podem levar ao abandono da paridade ou à defesa da taxa de câmbio corrente, o que torna a
consumação da crise cambial uma possibilidade (e não o resultado inevitável das políticas equivocadas
do governo, incompatíveis com a estabilidade cambial). (OBSTFELD, 1994:189-213).
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Em certos casos, no entanto, é possível que se apresentem dois ou mais equilíbrios possíveis,
indefinidamente sustentáveis. Para que exista um equilíbrio, é necessária a presença de condições que
levem os agentes a não querer agir de forma diferente, dadas as suas expectativas quanto às reações dos
demais agentes do sistema. Na hipótese de equilíbrios múltiplos, estas condições podem ser satisfeitas
por mais de um conjunto de valores das variáveis relevantes. (BLACK,1997:311).
Caso os agentes econômicos percebam que a tendência é a mudança para um novo equilíbrio B, este
será alcançado devido a esta expectativa, pois a determinação de qual será o equilíbrio “futuro” (dados
os equilíbrios possíveis) não depende dos fundamentos da economia, pois ambos são compatíveis. A
definição do equilíbrio neste mercado se torna um produto das percepções e expectativas, abrindo
espaço para que, espíritos animais, profecias auto-realizáveis e sunspots (manchas solares) possam
afetar os resultados agregados. (ROMER, 1996:296).
Para que uma crise de liquidez se torne possível, deve haver alguma fraqueza em seus fundamentos que
incentive uma porção substancial dos investidores a apostar contra esta economia. E, mais preocupante,
a própria deterioração dos fundamentos até o ponto de insolvência pode decorrer da fuga de capitais,
que inicialmente se mostrava apenas uma crise de liquidez, mas termina inviabilizando a manutenção
dos pagamentos por parte do país.
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Entre os tipos ideais extremos em que um país pode se encontrar (totalmente solvente ou totalmente
insolvente), há uma ampla gama de situações possíveis. A análise das crises cambiais nesta faixa
intermediária é o foco dos modelos de segunda geração.
As expectativas dos investidores e dos formuladores de políticas determinam se uma crise cambial
ocorrerá ou não, nesta faixa intermediária, e não apenas os fundamentos, que são compatíveis com uma
situação de estabilidade ou de crise (ambos equilíbrios são possíveis, e indefinidamente sustentáveis).
As expectativas dos investidores possuem um caráter de auto-realização, pois, caso estes se comportem
prevendo uma desvalorização iminente, esta acontecerá - pois os agentes econômicos, esperando uma
deterioração do valor da moeda, tentarão se proteger, vendendo seus ativos na moeda local e
adquirindo divisas, o que representa uma fuga de capitais. Uma fuga de capitais, com uma reversão
abrupta nos fluxos financeiros (sudden stop), força uma desvalorização (a oferta de moeda estrangeira
se reduz repentinamente, e a demanda se eleva). Em um regime de câmbio fixo, o governo
eventualmente deixará de despender reservas para defender a paridade (seja porque estas foram
exauridas, ou mesmo antes, quando perceber que tentar preservar o câmbio corrente não é mais
factível), e terá que permitir a depreciação do câmbio.
No caso do regime flutuante, a cotação da moeda se deteriorará com a reversão nos fluxos de capitais,
realizando a expectativas de desvalorização. Por outro lado, se não houver expectativa de
desvalorização, o comportamento dos investidores refletirá esta percepção, que se provará verdadeira,
pois na ausência de um ataque especulativo a manutenção da estabilidade cambial é um equilíbrio que
pode ser alcançado, e é compatível com os fundamentos. A possibilidade de equilíbrios múltiplos no
mercado de câmbio, ao apontar as expectativas e ações dos investidores como determinantes para a
ocorrência de crises, não retira a responsabilidade das autoridades nacionais.
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Assim, não é válido concentrar toda a responsabilidade sobre os investidores internacionais, ou sobre
especuladores manipulando o mercado financeiro, pois a incoerência das políticas econômicas adotadas
pelos governos é um ingrediente necessário para que tais crises se tornem possíveis (câmbio
sobrevalorizado, déficit público, endividamento excessivo em moeda estrangeira, etc.). Cabe aos
formuladores de políticas evitar esta zona de crise e reduzir a possibilidade de sucesso de um ataque
especulativo.
Há diversos temas controversos na análise de crises cambiais, que tratam da lógica que move a ação
dos investidores. Em um contexto de equilíbrios múltiplos, é possível que um país se mantenha estável,
mas permanece a possibilidade de que uma crise se desencadeie devido à fragilidade nos fundamentos
macroeconômicos. Conhecendo este risco, torna-se proveitoso entender os fatores que dão início a uma
crise.
3.2.4 Contágio
As crises financeiras dos anos 90 foram caracterizadas pelo rápido alastramento de uma economia para
outra de ataques especulativos ao câmbio e súbita reversão nos fluxos de capitais. Este contágio se deu
principalmente em nível regional- na Europa, na crise do ERM (exchange rate mechanism), América
Latina, após a crise do México de 1994 (o efeito tequila) e na Ásia, a partir da crise da Tailândia. Este
contágio poderia ser explicado por conexões “reais” entre as economias dos países em questão: os
países são importantes parceiros comerciais, e uma recessão em um deles, reduzindo as importações de
seu parceiro, piora os fundamentos deste; ou os países competem nos mesmos mercados de exportação,
e uma desvalorização no país em crise, por baratear seus produtos, reduz as exportações do outro. No
entanto, esta hipótese não foi capaz de explicar a extensão do contágio nas crises dos anos 90,
especialmente entre países com reduzidos contatos comerciais.
Outra explicação seria de caráter financeiro. Enfrentando uma crise em um mercado, investidores
globais retirariam recursos de outros países para conseguir liquidez, alastrando a crise
internacionalmente. Fundos de hedge, que geralmente operam de forma alavancada, se vêem forçados a
reduzir seu portfolio de investimentos, para compensar as perdas sofridas em um mercado, retirando
capitais de outros países. Além disso, e principalmente, a crise em um mercado emergente eleva a
percepção de risco dos emergentes em geral, pois os investidores, após admitirem perdas em uma
destas economias, tendem a buscar ativos com maior segurança (em moeda forte e em economias
desenvolvidas).
A predominância do contágio entre economias da mesma região (mesmo com ligações econômicas
tênues) aponta também para a percepção, entre os investidores, de que tais países possuiriam
características semelhantes, mesmo que intangíveis. Sofrendo pressões semelhantes, espera-se que um
país parecido (latino ou asiático, por exemplo) se comporte de forma análoga: como o México
abandonou o câmbio fixo de seu peso, provavelmente a Argentina fará o mesmo com o seu. Uma crise
em outro país pode trazer para os investidores um alerta (wake up call) sobre as vulnerabilidades de
uma economia emergente, que apresente características similares.
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A crise da Ásia ressaltou as falhas do capitalismo asiático, com ligações promíscuas entre grupos
empresariais, bancos e o governo (crony capitalism), que podem ter ocasionado as fugas de capital da
Tailândia, primeiro, e depois da Indonésia, Coréia do Sul e vizinhos.
No entanto, alguns anos após a eclosão da crise, os investidores estrangeiros voltaram à região, que
mantinha basicamente os mesmos problemas estruturais que teriam explicado a crise anterior.
Aparentemente, a atenção dada aos problemas nos fundamentos teve importância somente quando uma
expectativa de crise se avolumou entre os agentes do mercado, reafirmando a importância da auto-
realização das perspectivas macroeconômicas presente nos modelos de crise de segunda geração.
(MASSON,1999:9).
Este contexto esclarece como se espalham as ondas de fuga de capital, em que uma onda de venda da
moeda nacional (não importando a sua causa inicial) é magnificada através da imitação. Em meio a
essa tendência, a única explicação que um agente do mercado financeiro possui para se desfazer da
moeda é que o preço desta está caindo, e sua ação, aliada ao comportamento dos demais investidores
que fogem da moeda, intensifica esta queda (formando uma verdadeira “horda eletrônica”).
A ação de grandes agentes do mercado financeiro tem grande capacidade de definir uma mudança nas
tendências do mercado, pois estes são geralmente considerados detentores de informação privilegiada e
uma reputação em perceber os movimentos do mercado. Este seria o mecanismo de coordenação entre
os investidores individuais que determina qual equilíbrio será alcançado (um “bom equilíbrio” ou um
“mau equilíbrio”, a normalidade ou a crise).
Outro mecanismo que propicia o comportamento de horda provém do fato de que a maior parte dos
recursos investidos no mercado financeiro são operados por agentes, e não por seus proprietários
(problema do agente-principal). Os operadores do mercado financeiro são avaliados em comparação
com seus pares, e pouco têm a ganhar ao atuar na contramão do mercado. Mesmo que um agente não
possua informações indicando alto potencial de crise em um mercado, se a tendência predominante é
apostar contra a moeda e vender os ativos neste país, é mais interessante imitar os demais, pois o dano
individual de errar seguindo a maioria é inferior que o risco percebido de perder agindo de forma
isolada. (KRUGMAN, 1997).
As informações podem ser baseadas nos fundamentos e no compromisso das autoridades nacionais em
defender a taxa de câmbio, o que sinaliza aos agentes do mercado a situação da economia, apontando
se a taxa de câmbio é sustentável e qual o risco de investir neste país. Outra possibilidade de
coordenação refere-se ao uso de informação que não é relacionada diretamente à economia real.
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Qualquer espécie de informação que dê início a uma onda de venda da moeda local, independente da
sua natureza, pode dar início a uma crise, através da dinâmica de horda, por simples imitação. Neste
caso, as expectativas de desvalorização inicial se materializam exatamente porque os investidores se
comportam de acordo com esta perspectiva.
As crises cambiais teriam sua origem em sunspots (manchas solares), uma variável que não possui, ela
mesma, efeito qualquer na economia, mas passa a ser um determinante na definição do equilíbrio do
mercado porque os agentes acreditam que ela possui este papel. Os agentes validam, por meio de seu
comportamento, sua crença na importância desta variável na definição dos resultados.
(ROMER,1996:296) Uma declaração pública de uma autoridade ou de um grande investidor pode se
transformar em uma sunspot, coordenando as expectativas dos participantes do mercado em uma
direção pela própria dinâmica dos agentes ao assumir a realidade desta informação, materializando um
“sentimento” do mercado.
A percepção dos agentes do mercado financeiro ganha destaque, assinalando que não basta a um
governo agir de forma consistente com um “bom equilíbrio” – controlando o endividamento externo,
mantendo um nível satisfatório de reservas e uma política macroeconômica sólida. A concretização de
uma crise cambial e financeira depende da percepção do mercado sobre o que as autoridades pretendem
fazer, qual a disposição de um governo em defender a estabilidade da moeda, e quais as verdadeiras
preferências assumidas pelo país.
O compromisso pontual com a estabilidade cambial e monetária não é capaz de certificar o respeito aos
contratos em um momento de crise, quando a manutenção de um clima propício ao investimento
externo é testada frente a outros interesses, como a adoção de políticas expansionistas e a imposição de
restrições à liberdade de movimentação de capital. A definição das preferências nacionais no manejo da
política macroeconômica define o trade-off entre desvalorização e defesa da moeda, e a percepção de
compromisso do país com a estabilidade cambial, o que será refletido no risco percebido pelos
investidores.
Assim, a prevenção de crises financeiras deve enfocar a melhora nos fundamentos macroeconômicos,
aproximando o país, no espectro dos fundamentos, da condição em que um ataque especulativo não é
capaz de levar à erupção de uma crise – as autoridades não encontram dificuldade em defender a
moeda e a manutenção de um “bom equilíbrio”. (WILLIAMSON, 2002:3) Manter a estabilidade
monetária (inflação baixa), equilíbrio fiscal (controlar o déficit público) e um balanço de pagamentos
equilibrado são condições essenciais para que um país consiga defender um “bom equilíbrio” (sem
crise) frente a um ataque especulativo.
Uma dívida pública que apresente uma dinâmica de intenso crescimento (com a acumulação de déficits
fiscais) obriga o governo a depender de forma crescente do financiamento para a manutenção de seus
pagamentos. Além de exacerbar a dependência de fluxos de capital, esta dinâmica determina um
crescimento nos juros cobrados sobre a dívida, pois cada aumento no montante devido reduz a
confiança do mercado na sustentabilidade da dívida - esta forma de endividamento pode, em casos
extremos, deteriorar-se em um esquema do tipo Ponzi. Os encargos crescentes com o serviço da dívida
também aumentam os custos percebidos pelas autoridades em manter os pagamentos externos.
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A percepção de que as autoridades possuem um incentivo crescente para aceitar a desvalorização (que
permitiria a adoção de políticas expansionistas, reduzindo a dívida interna em termos reais), ou mesmo
a suspensão dos pagamentos, reduz a confiança dos investidores e estimula a fuga de capitais (pois
cada investidor quer preservar o valor de seus ativos, evitando ser o “último da fila” em uma corrida
para se desfazer dos ativos nacionais). (MASSON,1999:5-7).
Uma proporção elevada de dívida em moeda estrangeira é um complicador adicional. Neste caso, uma
desvalorização poderia tornar a continuidade dos pagamentos insustentável. A expectativa de
desvalorização pode partir da consciência de que a desvalorização encaminha a dívida para uma
dinâmica insustentável. Como as percepções podem ser auto-realizáveis em cenários de equilíbrios
múltiplos, a presença de um grande montante de dívida de curto prazo em moeda estrangeira,
combinada a uma crise de confiança, cria um cenário completo para uma crise financeira internacional.
(WILLIAMSON, 2002:9).
A desvalorização pode, assim, impedir a empresa de realizar seus pagamentos, uma situação que, se
difundida na economia, pode propiciar uma onda de falências ou até mesmo o default. (GOLDSTEIN,
2005:381-384) A utilização de mecanismos de swap é uma maneira de prevenir estas conseqüências
deletérias, pois permite estabelecer um seguro contra tais variações cambiais. Contudo, a presença de
um câmbio fixo ou administrado exime os agentes econômicos de assumirem o ônus deste dispositivo
preventivo, pois a autoridade monetária assume o risco cambial ao defender a paridade estabelecida,
dando margem à manifestação de pronunciados currency mismatches.
Os efeitos de uma desvalorização são potencializados na presença de currency mismatches, com efeitos
que se alastram pela economia real (devido à contração no crédito e crescimento abrupto da dívida,
considerada em moeda local). Prevenir o endividamento excessivo em moeda estrangeira é necessário
para prevenir crises financeiras, o que envolve o estabelecimento de supervisão bancária mais estrita
(que limite a concessão de empréstimos denominados em moeda estrangeira a clientes incapazes de
gerar receita suficiente em moeda estrangeira). A expansão do crédito em economias emergentes deve
se basear, preferencialmente, na formação de um sistema financeiro sólido, com a ampliação do
mercado de capitais e a utilização de mecanismos de proteção (hedging e outros derivativos).
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A definição de um câmbio oficial, que o governo se compromete a defender (mas não totalmente)
incentiva apostas de mão única (one-way bets): um investidor, percebendo a possibilidade de
desvalorização, é estimulado a vender seus ativos em moeda local, esperando tirar proveito depreciação
(adquirindo divisas o agente se protege da desvalorização, e pode ter o valor real de seus ativos,
considerados em moeda local, aumentado).
O risco desta operação é pequeno, pois mesmo que a previsão do investidor se mostre equivocada, a
perda sofrida corresponde apenas aos custos de transação do processo, pois o valor do câmbio
permanece igual. (EICHENGREEN,2004:299). A manutenção de um câmbio fixo, atualmente, é
cerceada pela dificuldade de um país comprometer a sua autonomia macroeconômica em nome da
estabilidade cambial.
Um câmbio fixo obriga o país a direcionar suas políticas econômicas exclusivamente para a
manutenção da paridade, um compromisso difícil de ser mantido em um ambiente democrático.
(EICHENGREEN, 2003:6). A adoção de um regime de câmbio flutuante facilita o ajuste a choques no
balanço de pagamentos, evitando que a moeda se aprecie ou deprecie acentuadamente (em um valor
incompatível com a sustentabilidade do balanço de pagamentos).
Para manter o equilíbrio, um país submetido a um choque externo (uma redução abrupta na
transferência líquida de recursos do exterior para o país) é forçado a realizar um ajuste nos preços
relativos, que reduza o preço dos produtos não-comercializáveis (tradables) em relação aos não
comercializáveis - isto é, uma depreciação na taxa de câmbio real. Este ajuste pode ser feito através da
depreciação da taxa de câmbio nominal (em um regime de câmbio flexível) ou por uma redução na
atividade econômica (em um sistema de câmbio fixo ou semi-fixo). (ROJAS-SUAREZ, 2003:134).
O sistema de câmbio flutuante também torna transparente aos agentes do mercado financeiro a
existência de riscos cambiais – ao definir um câmbio fixo, o governo assume todo o risco cambial, e a
responsabilidade de cobrir este risco defendendo o valor da moeda. Com a flutuação cambial, o risco
cambial é transferido para os agentes do mercado financeiro, que são impelidos a adotar instrumentos
de precaução (fazendo hedge cambial, utilizando mecanismos como o swap cambial).
Assim, a adoção do câmbio flutuante não é uma panacéia contra as crises cambiais e financeiras.
Outras medidas, que fortaleçam a estabilidade da moeda e a confiança do mercado, são necessárias, em
particular o equilíbrio fiscal, estabilidade monetária e a acumulação de reservas.
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A acumulação de reservas impõe custos aos países emergentes. Um grande volume de divisas é
imobilizado, rendendo juros baixos (títulos do Tesouro americano possuem juros muito reduzidos, em
comparação com os papéis da dívida dos emergentes em geral). Entretanto, não é apropriado depender
de fontes externas (FMI, empréstimos bilaterais) para prover de forma confiável a liquidez necessária
para conter crises. Desse modo, os países latino-americanos são forçados a reduzir esta vulnerabilidade
por conta própria, arcando com os custos de manter um grande volume de reservas.
(REDRADO,2006:272).
A experiência de combinar um regime de câmbio flutuante com um sistema de metas de inflação tem
se mostrado capaz de indicar ao mercado um compromisso crível do Banco Central em manter a
inflação baixa e reduzir a vulnerabilidade da moeda. Diversos países da região adotaram o sistema de
metas de inflação (Brasil, Chile, Colômbia, México, etc.) até o momento. A consolidação da confiança
do mercado na estabilidade exige a definição clara de um compromisso com o equilíbrio monetário,
fiscal e cambial, estabelecendo a credibilidade da política monetária e cambial. A autonomia do Banco
Central, possibilitando que esta instituição enfoque sua ação exclusivamente na preservação da
estabilidade da moeda (utilizando ou não um sistema de metas de inflação), é um passo importante no
aumento da confiança dos investidores, e deste modo na prevenção de crises financeiras internacionais.
(ROJAS-SUAREZ,2003:147).
4.4. Transparência
A percepção de risco-país depende das informações disponíveis aos investidores sobre os fundamentos
macroeconômicos. A ausência de fontes verossímeis de informação impede o mercado de ter uma
noção clara das fraquezas de uma economia, e as expectativas de eclosão de crise se tornam objeto de
dúvida, dando margem a percepções equivocadas entre os agentes do mercado. A incerteza é
prejudicial quando há melhora nos fundamentos, pois este dado pode deixar de ser assimilado pelo
mercado, impedindo que a confiança na economia melhore. Um país em situação relativamente
positiva pode sofrer com a desinformação (misperception), por exemplo, se tornando vítima de
contágio. Investidores incapazes de julgar de forma apropriada o risco de default podem considerar de
forma semelhante mercados com características díspares, dando um tratando de forma excessivamente
dura um país com fundamentos razoáveis.
A preocupação com a efetividade também deve ser destacada, adotando a gestão por resultados como
forma de orientar a administração pública por metas e indicadores. Recomenda-se também a
transformação da lógica segmentada das políticas públicas, tanto horizontalmente (entre ministérios)
quanto verticalmente (entre níveis de governo). Ações intersetoriais e programas transversais são
alternativas para reduzir a fragmentação da ação do Estado – que deriva do aprisionamento em
estruturas organizacionais departamentalizadas e sem coordenação efetiva.
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5. Conclusão
Os países da América Latina apresentam experiências diferenciadas de continuidade e profundidade
das reformas de mercado. Venezuela, Bolívia e Equador retrocederam de forma decisiva no processo
de estabelecimento de democracias de mercado. No Chile e na Colômbia permanece um apoio
estabilizado à abertura econômica, situando o debate político no aperfeiçoamento das instituições e nas
correções nas políticas econômicas que se fazem necessárias no contexto atual de retração do
crescimento econômico mundial. Na Argentina e no Peru acirra-se a polarização entre forças favoráveis
à consolidação de estruturas institucionais condizentes com a economia de mercado moderna e grupos
sociais que pregam o retorno ao estatismo e fechamento ao comércio internacional. Uruguai e Brasil,
mesmo com a subida ao poder de lideranças historicamente críticas ao mercado, não voltaram atrás no
processo de reforma, que perdeu impulso, no entanto.
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Reseña biografica
Marco Aurélio dos Santos Araújo é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental,
trabalhando da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e
Energia. Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, é mestrando em Relações
Internacionais pela mesma instituição, na área de concentração Política Internacional e Comparada.
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