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[1] O autor descreve Panaïti Istrati como um pioneiro na denúncia do stalinismo na década de 1920, antes mesmo de outros intelectuais como Gide e Koestler, e como uma vítima de perseguição por parte dos comunistas. [2] Istrati publicou Vers l'autre flamme em 1929, a primeira denúncia do stalinismo no Ocidente, porém o livro foi banido por décadas. [3] Apesar de sua decepção com o comunismo, Istrati anunciou a esperança em "um home
[1] O autor descreve Panaïti Istrati como um pioneiro na denúncia do stalinismo na década de 1920, antes mesmo de outros intelectuais como Gide e Koestler, e como uma vítima de perseguição por parte dos comunistas. [2] Istrati publicou Vers l'autre flamme em 1929, a primeira denúncia do stalinismo no Ocidente, porém o livro foi banido por décadas. [3] Apesar de sua decepção com o comunismo, Istrati anunciou a esperança em "um home
[1] O autor descreve Panaïti Istrati como um pioneiro na denúncia do stalinismo na década de 1920, antes mesmo de outros intelectuais como Gide e Koestler, e como uma vítima de perseguição por parte dos comunistas. [2] Istrati publicou Vers l'autre flamme em 1929, a primeira denúncia do stalinismo no Ocidente, porém o livro foi banido por décadas. [3] Apesar de sua decepção com o comunismo, Istrati anunciou a esperança em "um home
Dominado de ponta a ponta por uma religio laica e assassina, o sculo passado pode ser denominado como o sculo marxista. A Revoluo de 17 constitua um marco de definio obrigatria para todo intelectual e os melhores crebros do Ocidente aderiram com entusiasmo nova crena. Moscou, para os crentes rfos do deus hebraico-cristo, torna-se a Terra Prometida, a Nova Jerusalm. Intelectuais do mundo todo, peregrinos, em procisso, vo adorar o novo Messias. Entre os criadores do Ocidente, coube principalmente aos escritores definidos por Zdanov como engenheiros de almas fornecer a maior fatia de apstolos da nova religio. A lista demandaria pginas e pginas. Alguns nomes, entre milhares: Nikos Kazantzakis, Andr Gide, Bertold Brecht, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Annie Kriegel, Louis Aragon, Henry Barbusse, Romain Rolland, Heinrich Mann, Paul Eluard, Vaillant-Couturier, Roger Garaudy, Henri Lfebvre, Rafael Alberti.elNa Amrica Latina, sem querer esticar muito a relao: Pablo Neruda, Otvio Paz, Jorge Amado e Graciliano Ramos. Verdade que desta lista alguns nomes iro cair, o caso de Gide e Otvio Paz. Mas os demais permaneceram cegos ante a evidncia dos fatos e morreram stalinistas ferrenhos, ou ainda vivem, confusos crentes incapazes de mudar de crena. No foram muitos os escritores a intuir que no se estava precisamente ante uma revoluo, mas ante uma nova religio. Entre estes, poucos foram to precisos na denncia do novo dogma como Nikos Kazantzakis. No relato de sua peregrinao Rssia Voyages Russie , diz o cretense que pouco a pouco a luz se fazia em seu esprito. Para ele, todos os apstolos do materialismo davam s questes respostas grosseiras, de uma evidncia simplista. Como em todas as religies, eles buscavam divulgar essas respostas, tentando torn-las compreensveis para o povo. Kazantzakis reconhece ento, na Rssia, a existncia de um exrcito fantico, implacvel, onipotente, constitudo de milhes de seres, que tinha em mos e educava como bem entendia milhes de crianas. Este exrcito, diz o cretense, possui seu Evangelho, O Capital. Seu profeta, Lnin. E seus apstolos fanatizados que pregam as Boas Novas a todas as gentes. Possui tambm seus mrtires e heris, seus dogmas, seus padres apologistas, escolsticos e pregadores, seus snodos, sua hierarquia, sua liturgia e mesmo a excomunho. E sobretudo a f, que lhe assegurava deter a verdade e trazia a resposta definitiva aos problemas da vida. No h apenas um Livro acrescentaramos , como tambm os livros apcrifos. Assim como a Igreja Romana censura os testemunhos gnsticos que no servem sua ambio de poder, assim censurou-se at mesmo a obra de Marx na finada Unio Sovitica. Ns somos contemporneos diz Kazantzakis deste grande momento em que nasce uma nova religio. A nova religio nascera e os intelectuais do Ocidente, os lcidos entre os lcidos, caram como patinhos no engodo. Este o grande enigma que cerca o fenmeno Stalin: como foi possvel que espritos abertos e generosos da poca se tornassem cmplices e devotos deste formidvel assassino? Ou talvez no fossem to lcidos, nem to abertos nem to generosos, e sim pobres crianas em busca de um novo pai? No ser por acaso que a ladainha mais freqente entoada a Stalin a de Paisinho dos Povos. Poucos homens representativos das letras da primeira metade do sculo passado tiveram suficiente lucidez para escapar ao fascnio do novo Deus. Entre estes, Pierre Pascal, Panati Istrati, David Rousset, Arthur Koestler, George Orwell, Victor Serge, Albert Camus, Ernesto Sbato. Todos pagaram seu preo. Na Europa e, conseqentemente, entre ns, extenso da Europa, tiveram decretadas suas mortes civis e uma espcie de excomunho os baniu do mundo do pensamento. Enquanto os intelectuais de Paris entoavam loas Revoluo de 17, um humilde campons dos Balcs dela tomava distncia. Panati Istrati, escritor romeno de expresso francesa, teve o mrito de denunciar em primeira mo, doze anos aps a Revoluo, o embuste do sculo. Panati nasceu em Braila, Romnia, em 11 de agosto de 1884, e morreu em Bucareste, em 1935 diz-nos o Dicionrio Literrio Bompiani -. Filho de um contrabandista grego das Cefalnia, a quem nunca conheceu, e de uma camponesa romena, passou a infncia nos bairros pobres do porto. Aos 20 anos, colaborava no Romnia operria, e iniciou uma intensa atividade social que o levaria ao cargo de secretrio do sindicato de trabalhadores porturios. Seu esprito inquieto e sua vocao de nmade o induziram a uma aventureira srie de viagens, interrompida apenas por alguma estada na ptria. Visitou os pases do Oriente Prximo Grcia, Palestina, Turquia e Egito e, logo, Itlia, Frana, Sua e frica do Sul, nas condies mais duras, faminto e s vezes doente, e em certas ocasies viajou como clandestino em vapores dos quais era desembarcado na primeira escala. Atrs de qualquer espcie de trabalho, desta forma chegou a ser garom, fotgrafo ambulante, etc. Isso lhe permitiu reunir o tesouro de impresses e observaes, com frequncia cruamente realistas, que expressou em um estilo muito pessoal, no qual os elementos franceses livremente adquiridos se fundem com outros autctones, em uma sntese realizada atravs do estro lingustico mais singular e vigoroso. Vivendo na misria, doente e deprimido, ele tenta suicidar-se sem sucesso em 1921. Esta tentativa acaba transformando sua vida. Em janeiro de 1921, Roman Rolland recebeu do hospital de Nice uma carta encontrada em cima de um homem que havia tentado suicidar-se cortando a prpria garganta. Ao l-la, o escritor francs teve a impresso de encontrar-se frente obra de um gnio. Quando o ferido, que era Istrati, se curou, quis conhec-lo, e escreveu o prlogo a Kyra Kyralina, que teve grande xito na poca. Convidado para os festejos do dcimo aniversrio da Revoluo de Outubro, em 1927, Panati encontra-se em Moscou com o cretense Nikos Kazantzakis, mstico apaixonado por Cristo, Buda e Lnin. Esta viagem o afastar definitivamente do comunismo. O romeno no entende, no pas da revoluo, a fome e a misria que v por toda parte. Kazantzakis objeta que no se faz omelete sem quebrar ovos. Panati insiste. S v ovos quebrados e nada de omelete. Em 1929, Istrati publica Vers lautre flamme, primeira denncia do stalinismo no Ocidente, anterior s denncias de Gide, Koestler e Orwell, nos anos 30. A recusa ao novo dogma to traumtica que, tendo seu livro publicado em Paris, em 1929, uma segunda edio s surgiria em 1980. Suas Obras Completas so publicadas pela Gallimard, exceto Vers lautre flamme, cujos originais levaram Romain Rolland, seu padrinho literrio em Paris, a aconselh-lo: Isto ser uma paulada a toda Rssia. Estas pginas so sagradas, elas devem ser consagradas nos arquivos da Revoluo Eterna, em seu Livro de Ouro. Ns lhe estimamos ainda mais e lhe veneramos por t-las escrito. Mas no as publique jamais. Panati publicou. Na libertria Frana, seu livro foi banido do mundo das letras por meio sculo. O argumento de Romain Rolland serviu, durante dcadas, para calar qualquer crtica ao comunismo. No Brasil, nos anos 60, Erico Verissimo aconselhava o escritor gacho Srgio Faraco, pelas mesmas razes, a no publicar o relato de seus dias em Moscou. Faraco, subserviente, calou-se. S ousou falar em 2002, em seu livro Lgrimas na Chuva. Treze anos aps a Queda do Muro, onze anos aps a dissoluo da Unio Sovitica. Aps sua brutal decepo com o novo dogma, Istrati anuncia este homem novo, liberto das religies e dos partidos: Vejo nascer na rua um homem novo, um indigente. Um indigente que no cr em mais nada, mas que tem uma f total nas foras da vida. Eu lhe digo: aps ter tido f em todas as democracias, em todas as ditaduras, em todas as cincias, e aps ter sido por todas decepcionado, minha ltima esperana de justia social fixou-se nas artes e nos artistas. Viva o homem que no adere a nada. Pioneiro na denncia da mais longa ditadura do sculo passado e vtima de uma campanha de denegrimento por parte dos comunistas, Panati se retira na Romnia, onde morre de tuberculose em um sanatrio, em 1935, com 51 anos. Pecou pelo otimismo. O homem que no adere a nada ainda est por nascer. O homenzinho contemporneo continua aderindo a qualquer mentira prestigiosa. Vers lautre Flamme teve uma edio no Brasil, em 1946, com o ttulo Rumo outra Chama, 17 anos aps sua publicao na Frana. A segunda edio esta, 67 anos depois da edio brasileira.