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Janaína Castilho Marcoantonio – no USP 3096577

Literatura Brasileira VI – Prof. Luiz Roncari

Luta, violência e morte em Guimarães Rosa


Análise da novela “Minha Gente” (Sagarana)

Antonio Candido, em Literatura e Sociedade, coloca que, ao tentarmos


compreender uma obra literária e situá-la em seu contexto social, não se trata de verificar
que elementos externos são incorporados à obra, mas de que forma esses elementos
desempenham um papel na constituição da estrutura da mesma: “Tomando o fator social,
procuraríamos determinar se ele fornece apenas matéria (ambiente, costumes, traços
grupais, idéias), que serve de veículo para conduzir a corrente criadora (...), ou se, além
disso, é elemento que atua na constituição do que há de essencial na obra enquanto obra
de arte”.
Desse modo, ao analisar a novela “Minha gente”, de Guimarães Rosa, não
procurarei apenas identificar nela elementos sociais, mas entender de que forma o autor
se apropriou desses elementos para estruturar sua narrativa.
A novela gira em torno de dois núcleos narrativos: a vida política de tio Emílio e
o amor do Primo por Maria Irma. Ambos os núcleos são marcados pela ausência de
civilidade. A civilidade é um pacto entre indivíduos que aceitam submeter-se a certas
normas de conduta a fim de garantir o bem comum. A ausência de leis para mediar as
disputas entre os homens resulta em sofrimento, violência e morte.

***
Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda se apropria do conceito de
“homem cordial” de Ribeiro Couto, e coloca que essa nossa hospitalidade, generosidade e
facilidade no trato camuflam uma dificuldade do brasileiro em submeter-se a ritos sociais
e em separar o público e o privado. O autor frisa que o Estado não é uma ampliação do
círculo familiar, mas antes uma oposição a ele: o Estado deveria representar um triunfo
do geral sobre o particular.
O que motivou Tio Emílio a ingressar na política não foi o desejo de zelar pelo
bem comum, mas um interesse privado. A política se mostra a ele como um novo
negócio, tal qual a criação de gado. É um jogo de poder. Assim define o Primo o interesse
de Tio Emílio pela política:

“Santana costuma dizer: - Raspe-se um pouco qualquer mineiro: por


baixo, encontrar-se-á o político...
Para mim, não é bem isso. Tanto mais que ninguém raspou Tio Emílio.
Mas, acontece que ele sempre gostou de caçar e de pescar. E, de tanto ver a
paca apontar a espumarada do poço, bigoduda e ensaboada como um chinês em
cadeira de barbeiro...E de se emocionar com a ascensão esplêndida da perdiz,
levantada pelo perdigueiro, indo ar acima, quase numa reta, estridulante e
volumosa, para se encastelar...E de descair o anzol iscado, e ficar caladinho,
esperando o arranco irado da traíra ou os puxões pesados do bagre...Bem,
afinal, pode ser que seja Santana quem tenha razão.”

As relações políticas se estabelecem por meio de trocas de favores. É a chamada


“Política dos Governadores”, sustentada no coronelismo, em que o presidente se
compromete a apoiar e dar subsídios aos governos estaduais, somente dando posse a
membros das oligarquias aliadas, e estas ajudam a eleger, por meio da compra de votos,
trocas de favores e violência, somente deputados e senadores da situação.
Em Tio Emílio essa política se manifesta pela forma utilitária com que ele trata as
pessoas. Quando Bento Porfírio é assassinado, o Primo pede a Tio Emílio que intervenha
e mande prender seu assassino. Ao contrário, Tio Emílio manda um capataz lhe oferecer
cobertura: “Já perdi um voto, e se o desgraçado fugir para longe, são dois que eu
perco...”. O Primo também é utilizado pelo Tio Emílio como um instrumento de sua
política, sendo enviado à fazenda do rival político, Juca Soares, para especular.
A figura do capataz mostra uma apropriação da violência por particulares; a
manutenção da ordem, que deveria estar em poder do Estado, está nas mãos dos coronéis.
Os limites entre o público e o privado são mal definidos.
Esta política também é sustentada no estabelecimento de relações artificiais de
parentesco, como quando Tio Emílio resolve convidar Don’Ana e o marido, da fazenda
vizinha, para serem padrinhos das imagens que ele havia comprado para a capelinha.
Assim, passariam a ser compadres, e “Don’Ana do Janjão é uma mulher-homem, que
manda e desmanda, amansa cavalos, fuma cachimbo, anda armada de garrucha, e chefia
eleitorado bem copioso, no município no 3”.

***
Já o segundo núcleo, o amor do Primo por Maria Irma, sua prima, mais uma vez
se configura como uma negação à civilidade e à submissão a certas leis sociais, ao
evidenciar um iminente incesto. Diante da dificuldade em lidar com esse sentimento, o
Primo desce ao mundo selvagem, ao mundo animal, em que prevalecem os instintos. Essa
metáfora sustenta a estrutura narrativa da novela, e é dotada de grande beleza e coerência
interna. No entanto, não é dada prontamente ao leitor. Essa leitura é sugerida, por
exemplo, quando o Primo apressa Santana a seguir viagem: “Vamos! Partamos! Já
Circe, a venerável, me advertiu”, exclama. Circe é, para os gregos, filha do Sol e da Lua,
a deusa do amor aviltado. Tinha o dom da feitiçaria e transformava os homens em
animais. Vivia num castelo encantado rodeado de lobos e leões (seres humanos
enfeitiçados). Foi Circe quem transformou os companheiros de Ulisses em porcos.
“Minha gente” anuncia-se já em seu primeiro parágrafo como uma história de
formação. O Primo, durante a viagem à fazenda de seu Tio Emílio, irá traçar um caminho
de aprendizado. Ele conta que já havia aprendido muitas coisas, “mas muitas outras mais
eu ainda tinha que aprender”.
Ao descer da estação de trem, encontra Santana, que irá acompanhá-lo durante
parte do percurso. O autor caracteriza o Primo por meio da oposição a Santana: este,
inspetor escolar, culto, amante de xadrez e cujo traço físico mais marcante é a presença
de “duas bossas frontais”. É um sujeito intelectual, voltado ao mundo das idéias e
fechado ao mundo sensível, exterior. Tais características lhe conferem segurança para
freqüentar diferentes círculos sociais, pois não se deixa afetar por hostilidades.
O Primo é o seu oposto: contemplativo, voltado ao mundo dos sentidos, atento às
cores, formas, cheiros, movimentos. Detém-se na realidade superficial das coisas, o que
não lhe permite um entendimento mais profundo do mundo.
O caminho de aprendizado a ser traçado pelo primo é simbolizado como uma
trajetória das trevas à luz, sendo entretanto necessário descer à mais profunda treva para
somente então iniciar seu caminho de iluminação:

“Em vôo torto, abrindo o sol e jogando sol para os lados, passou um
gavião-pinhé. Em dois minutos, com poucos golpes de asas, sobrecruzou a
crista da cordilheira, mudando de bacia: viera de rapinar no campo das águas
que buscam o ocidente, e agora se afundava nas matas marginais dos arroios
que rojam para leste. Estava tosando ar alto, mas nós olhávamos o vôo como
quem se inclina para espiar um peixe num aquário.
Depois, o urubu. Pairou, orbitando giros amplos. Muito tempo. Mesmo
para os seus olhos de alcance, era difícil localizar o alimento. Fechou, pouco a
pouco, os círculos. Descaiu, de repente, para um saco em meia-lua, entre duas
vértebras da serra. Adernou. E soçobrou no socavão”.

O Primo se vê desnorteado diante do jogo de Maria Irma. Por instantes se sente


correspondido em seu amor, e no momento seguinte já não sabe o que pensar. Age como
um bicho, ao desejar desesperadamente o amor da prima, insistindo e implorando por um
beijo. Já não dorme, não come.
Maria Irma é diferente do Primo, é racional, calculista, paciente, e traça um plano
bem definido para poder se casar com Ramiro, seu verdadeiro amor e noivo de sua
melhor amiga: sua idéia é casar Armanda e o Primo.
Duas passagens pelo mundo selvagem simbolizam a condição do Primo: na
primeira delas, o Primo, acompanhado da Prima, presencia uma briga de galos:

“Um gordo galo pedrês, parecendo pintado de fresco com desenhos de


labirinto de almanaque, sultaneava, dirigindo preferências a uma galinha ainda
mais carijó e mais gorda, vestida de fichas de impressão digital. E veio de lá,
ciumento e briguento, outro galo, esse branco, com chanfraduras e pontas na
crista caída de lado. Barulho. E então a galinha choca, com cloqueios e passos
graves, chamou os pintinhos para longe dali (...).”

A segunda é a passagem em que o Primo aposta 2 mil réis com o moleque


Nicanor, “um toquinho de gente preta de oito anos”, que ele não é capaz de domar um
cavalo. É uma das passagens mais bonitas da novela. Descreve a lenta aproximação do
moleque Nicanor, sua paciência, sua astúcia: “Meu irmãozinho cavalinho...Híu!
Híu!...Irmãozinho...”... até que finalmente consegue domar o animal. “Ei! Anda, égua
magra! Pinguacha!... Irmãozinho que nada! Já viu cavalo ser irmão de gente?!...”
Nicanor é a figura de uma criança, frágil, capaz de domar o cavalo não por sua
força física, mas por sua esperteza, subvertendo a lei da natureza; estabelece uma
distinção entre gente e bicho, colaborando para o início da ascensão do Primo.
Mudando sua estratégia, o Primo resolve então passar uns dias na fazenda de seu
tio Ludovico, e lá recebe duas cartas: a primeira é a de seu Tio Emílio, contando sobre a
vitória nas eleições; a segunda é de Santana. Na carta, Santana retomava o jogo de xadrez
que eles vinham jogando na viagem. Ao contrário do que supôs o Primo, Santana não
havia perdido o jogo, e apresentava na carta a solução. Duas vitórias, como que a ensinar
o Primo que era preciso dominar a situação, revertê-la a seu favor.

***
A história de Bento Porfírio, apesar de secundária, tem importância fundamental
na construção da narrativa, por dois motivos: em primeiro lugar, o episódio da morte de
Bento Porfírio ilustra, como já foi dito, a forma utilitarista com que o Tio Emílio lida com
as pessoas, apesar de, na visão do primo, e no âmbito familiar, ser tão “justiceiro e
correto”. Em segundo lugar, por expor mais uma vez uma situação de violência motivada
pela não-submissão aos ritos sociais.
Também aqui a atitude humana próxima do mundo animal é realçada por meio de
alusões ao mundo da natureza. Num dia de pescaria, Bento Porfírio, ao confidenciar ao
Primo seu caso com a prima de-Lourdes, é assassinado pelo marido da moça, que
escutara toda a conversa sem ser visto. É morto pelas costas: uma morte traiçoeira, assim
como a natureza traiçoeira do rio em que pescavam:

“Ali, há uma gameleira, digna de druidas e bardos, e, na coisa água,


passante, correm girinos, que comem larvas de mosquitos, piabas taludas, que
devem comer os girinos, timburés ruivos, que comem muitas piabinhas, e
traíras e dourados, que brigam para poder comer tudo quanto é filhote de
timburé.”
***
Ao voltar à fazenda do Tio Emílio, o Primo encontra Maria Irma na companhia de
Armanda. Os dois imediatamente se apaixonam: “De você...sempre gostei. Sempre!
Antes de saber que você existia...”. E Armanda: “É com você que eu vou casar”. Maria
Irma é Ísis, a deusa-pássaro que conduz os dois a um encontro já predestinado.
Numa leitura superficial, a novela poderia parecer mais uma história de
desencontro amoroso, tendo como pano de fundo o coronelismo no sertão mineiro das
décadas de 30 e 40. Longe disso, a história fala de algo muito mais amplo e ultrapassa o
regionalismo para se impor como uma história universal, propondo um olhar sobre a
condição humana.
Toda forma de violência que permeia a novela – seja nas lutas pelo poder, seja no
adultério seguido de assassinato, seja ainda no sofrimento causado por um amor não
correspondido, é apresentada nos mesmos termos que a violência encontrada na natureza,
na briga de galos, no rio traiçoeiro habitado por traíras. É uma violência que ganha
terreno frente à incapacidade humana em estabelecer certos códigos de civilidade, que
permitiriam uma convivência mais harmoniosa. Nesse sentido, a obra não apenas
incorpora elementos externos, mas faz uso deles na criação de uma lógica interna
extremamente trabalhada, que lhe confere o status de obra de arte.

Bibliografia

ROSA, Guimarães. “Minha gente”. In: Sagarana. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2001,
57ª Edição.
Dicionário de Mitologia Greco-Romana. São Paulo, Abril Cultural, 1973.
CANDIDO, Antonio. Literatura e Sociedade. São Paulo, Publifolha, 2000, 8ª Edição.
HOLANDA, Sergio Buarque de. “O homem cordial”. In: Raízes do Brasil. São Paulo,
Companhia das Letras, 1997, 3ª Edição.

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