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Ebook do Vale das Sombras Vol. II
Índice
Lucasi • Apresentação - 2
Mão Branca • A vingança de Anabela - 5
André Espínola • Nossa embriaguez - 9
• Odisséia de objetos sem vida - 10
Juliana T.P. • Premonição de Sofia - 12
Dos Anjos • Restos de mim - 16
• Nunca mais, nada mais... - 17
Jessiely Soares • Atestado de óbito - 19
• Tempestades - 21
Ana Kaya • A noite eterna - 23
• Amor de vampiro - 25
Claudio Jr. • Abra a janela - 27
• Momento certo de partir - 28
Mali Ueno • A nova Xica da Silva - 29
Flá Perez • Vampiros - 31
• Vôo 3054 - 32
Renata D´ Mattos • Questão de vida ou fé - Primeiro conto - 34
Thiers • Poça vermelha inunda verde mata - 38
Adroaldo Bauer • Cigarro Mata! - 40
Susana Lorena • Caça - 43
Giselle Sato • O sacrifício final - 48
Paulo Eduardo • O nexo dos anjos - 51
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
A vingança de Anabela
- Foi o tio.
Olhei para Lulinha e balancei a cabeça afirmativamente. Ele
estendeu as mãos para que eu soltasse as algemas. Acertei o tiro
entre os sobrolhos.
Sim, menti para o bandido. Disse que o soltaria se confessasse,
coisa e tal. Tratei-o sempre bem educado e calmo. Sou diferente do
que ele tá acostumado: a intolerância, o linguajar xulo, a gritaria. Ele
confiou em mim. É preciso conhecer o homem para ludibriá-lo.
Entrei no caso Anabela a pedido dum sujeito que viu o Lulinha
perambulando no local onde a polícia achou o corpo da menina. Ela
estava desaparecida há 56 dias, haviam achado seu crânio há mais
de uma semana. O corpo foi encontrado só no dia seguinte. Pensaram
que ela havia sido decapitada, mas descobriram que o crânio caiu
num deslocamento do cadáver para escondê-lo. O sujeito me mandou
um email assim que viu na televisão a polícia desconfiando do
bandidinho.
As investigações estavam difíceis, a família parecia não colaborar.
Descobriram, contudo, possibilidades sórdidas, um provável caso de
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
Mão Branca
Nossa embriaguez
Se
Se estão
estão vindo
vindo
Querem
Querem ir,
ir,
E se estando indo
E se estando indo
Querem
Querem vir.
vir.
Os parados estão dormindo,
Tentando recuperar algum sonho
Que se perdeu.
9
André Espínola - Odisséia de objetos sem vida
Em seguida
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
10
André Espínola - Odisséia de objetos sem vida
O sol já ia aumentando,
e vi um único sapato
que apressado
ia boiando,
de repente
me peguei pensando
num Saci Pererê descalço.
andando pelas ruas do Recife.
Mas um canoeiro,
cuja profissão é salvar os bêbados
que desejam morrer assim,
deu-me a mão
e me tirou dali.
André Espínola
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11
Juliana T.P.
Premonição de Sofia
um volante.
A amiga ri novamente e ajuda Sofia a escorar-se em seus ombros.
Vão em direção das vias principais perto de um cruzamento, Sofia
para, os pelos da nuca ouriçados. Pega a amiga pela a mão e a puxa
com força para traz fazendo com que as duas sejam arremessadas
com violência.
Justamente nesse momento um caminhão desgovernado atravessa
o cruzamento deixando algumas vítimas pelo chão ensopadas de
sangue, enquanto o carregamento de rosas que estavam no interior
do imenso veículo cai bizarramente ornando os corpos de forma
macabra.
Juliana T.P.
Meu nome é Juliana Tussi, mas prefiro
Juliana T.P.
Minhas maiores influências são Stephen
King, Edgar Allan Poe, Florbela Espanca,
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Restos de mim
16
Dos Anjos - Nunca Mais, nada mais...
17
Dos Anjos - Biografia
Dos Anjos
18
Jessiely Soares
Atestado de óbito
Me disseram também
perante juízo
que o universo era todo
intrínseco desejo
de amor reunido
e eu louca acreditei
19
Jessiely Soares - Atestado de óbito
Fartem-se os urubus.
20
Jessiely Soares - Tempestades
Tempestades
Cacos de vidros,
companheiros fiéis
de jornada,
Os pés, acostumaram-se,
e já caminham
por ódio, rancor
ou quiçá,
por mera
cisma.
Nuvens, arrebatadas
numa cúpula,
chovem granizo
Em rajadas
de dor e medo
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
Minha pena,
de morte,
perdida,
rabisca a força
nas rochas
em estilhaços
21
Jessiely Soares - Tempestades
Como se a angústia
fosse tinta...
ou brinquedo
’Inspirem-me,
ó raios,
que gritam ao longe
nos velhos dezembros
dos meus antepassados!’
Eis que
minhas palavras ainda terão asas...
alçarão meus sonhos despedaçados.
Jessiely Soares
A noite eterna
ensurdecendo, me ensandecendo.
Vem a mim, estou pronta para ti. Vem amor e me deixe sentir o
poder de teu beijo.
Teus olhos brilham na escuridão. Vermelhos. Apaixonados.
Teus olhos. Eles me olham fixamente, me hipnotizando, me
subjugando. O brilho da morte.
Caminho devagar para os braços que se abrem para me receber.
Enfim me entrego a este abraço tão ansiado, nossas bocas se
23
Ana Kaya - A noite eterna
24
Ana Kaya - Amor de vampiro
Amor de vampiro
Quem dera fosse digna deste amor tão puro que me dedicas.
Minhas noites têm sido tão frias e solitárias.
Quem dera em meu peito, ainda ardesse sentimento tão belo.
Mas na passagem dos anos, dos séculos, perdi de vez o elo.
25
Ana Kaya - Amor de vampiro
Ana Kaya
Ana Cristina Buonanato... mulher forte e
sensível, guerreira destemida, batalhadora
incansável, amiga leal e sincera, corajosa,
amante da justiça, revolucionária e
inconformista, muitas vezes sou
incompreendida pelo meu jeito de ser, além de
outras qualidades que de uma forma ou de outra não me deixam parecer com
ninguém, sou única...
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
Aninha criança... gosto de estar rodeada pela natureza, é onde me encontro com
Deus e quem sabe com fadas e duendes também... sou sonhadora e meiga, as
vezes carente que só quer deitar no colo de alguem e chorar e sonhar ou apenas
descansar... a menina que brinca com a minha Brisa (minha cachorrinha)... aquela
que gosta de passear nos jardins do Pacaembú, tirar fotos com os amigos... tomar
sorvete no pote, sentar na calçada feito moleca de rua...
Ana Kaya a Vampira, esta é a autora. Coloco todas minhas fantasias, sonhos,
medos e desconfianças dentro de um poema... e encontro rima pra tudo... conto
tudo em contos... Esta sou eu.
Ana Cristina, Kaya, the vampire
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Claudio Jr.
Abra a janela
27
Claudio Jr. - Momento certo de partir
Claudio Jr.
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
Mali Ueno
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
30
Flá Perez
Vampiros
Olhando vitrais
e paredes pintadas
relembramos
nossas histórias
passadas:
Esvaecidos,
nossos despojos
enregelados
dormem aqui
abraçados sob a lápide.
Granito inexorável.
31
Flá Perez - Vôo 3054
Vôo 3054
Na escuridão
bracinhos estendidos:
- Cadê mamãe, papai
irmão?
Dentro,
destroçados gritos
e o fogo
consome o choro
de quem não mais será
- Vamos daqui,
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fecha os olhos
despedaçados,
vamos daqui
meu bebê
pai, mãe
irmão
abraçados!
32
Flá Perez - Vôo 3054
Lá fora choram
os que não foram.
Restam
as mães
os pais, irmãos
dos restos de outros
que um dia foram
bebês
Longe
tento esquecer
e agradeço
o terem ido juntos:
a mãe, o pai
o irmão, a irmã
e o bebê.
Flá Perez
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
33
Renata D´ Mattos
um teste!
- Tes... teste?
- Sim! Um teste padre, um teste para ver se um raio cai duas vezes
sobre o mesmo lugar!
- Como? Ah!
O padre subitamente foi puxado pela cabeça, o vampiro havia
trepado na máquina e puxado o pobre!
- Sim padre, e, antes de fazer o teste tenho de confessar uma coisa:
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Renata D´ Mattos - Questão de vida ou fé - Primeiro conto
Renata D´ Mattos
Thiers
Como me descrever se ainda não concluí a partitura
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Cigarro Mata!
Manhã cinzenta.
O sol ainda não apareceu e já vai a meio.
Nada de movimento na loja.
Olho o relógio e penso que ainda falta uma hora para eu poder
fumar um próximo cigarro. Esta droga me deixou dependente há 40
anos. Mas é que também gosto de merda, vê. Tem gente que se
atulha de álcool, haxixe, ópio, coca, hero, ecstasy, estas coisas que
acabam matando rápido e tirando o cara do ar pra passarem a mão
na bunda dele. Eu fumo, até que pouco. Uns oito a dez por dia, se
meu time não estiver jogando e perdendo. Se tá ganhando nem tô
pra esta porcaria. O diabo é que fico um tempo sem fazer nada, quase
esperando a morte chegar, como diria Raulzito, e daí vem aquela
vontadezinha solerte se insinuando pelas beiradas do desafortunado
miolo e desce pela corrente sangüínea, os neurônios em assembléia
geral gritando como multidão em comício:
_ Nicotina! Nicotina! Nicotina!
Então, no lugar de acender um cigarro, que eu até posso, mas
tenho que parar de fazer o que estou fazendo,
que é dar plantão ao telefone, mas não
quero parar, então...
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
_ ...
_ Depende de quem queira. É seu direito. Sua vida está em jogo.
Não somos nós, nem eu em particular que vamos decidir por você.
_ ...
_ Pode ser feito à vista, em vezes quantas você decidir. Mandamos
entregar ou pode ser retirada na loja. Mas é pesada.
_ ...
_ O calibre é grosso. Dá pra matar elefante, se você
encontrar um no asfalto longe dos ambientalistas e quiser
fazê-lo.
_...
_ Sim. Todos os cartões. Depósito bancário também.
Só não recebemos em dinheiro vivo porque tememos
assaltos. Sabe como é. Muita arma na mão de bandido por
aí.
_...
_ Temos pronta entrega. Podemos encomendar lote por dúzia, para
uma semana do pedido. Se você vai fazer uma guerra de gangue,
podemos entregar até dez lotes de dúzia em um mês, com munição à
vontade, que esta sempre tem pra qualquer calibre. Mas avisa os
inimigos pra esperar os trinta dias. Se for golpe de estado não precisa
avisar porque isto não se declara.
_...
_ Sim. Temos nota. Isto aqui é atividade legal. Pagamos imposto
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
_ ...
_ Temos o endereço eletrônico dos fornecedores de veículos
blindados. Eles também têm aviões, se há interesse. Não temos
referências, nem ganhamos comissão dessa gente, só temos o
endereço.
_ ...
_ Paz pra você também. Lembranças à família e beijos na patroa e
nas crianças. Até mais...
Pô! Esse cara quase faz eu perder a hora do cigarrinho. Que merda
esse negócio, uma chatice!
Adroaldo Bauer
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42
Susana Lorena
Caça
Susana Lorena
“I want to make you laugh or cry when you read a story … or do both at the same
time. I want your heart, in other words. If you want to learn something, go to school.”
Stepnhen King.
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Giselle Sato
O sacrifício final
Giselle Sato
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Paulo Eduardo
51
Paulo Eduardo - Biografia
Paulo Eduardo
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ANACRÔNICA CRÔNICA
Raiblue
Anacrônica crônica
No calabouço
Da alma
Se agita
Minha serpente
Góticos desejos Embalsamando
Libertam o espírito Os corpos gelados
Do medo Exaltam o amor
Corpo em delírio Além das sombras
Indolor sacrifício Atravessando umbrais
Oferenda viva Derramando-se na lama
Meu sexo pervertido Pálida e fétida da carne
Faminto por prazeres Enxertam os buracos
Nunca sentidos Carcomidos
No evangelho dos sentidos Ressuscitam paixões
A porta do inferno se abre Das catacumbas do tempo
Rituais obscenos E os desejos diabólicos
Na taça da carne Propagam -se
Sangue e saliva Anacrônica crônica
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Metamorfoses do coração...
Meus olhos desfiavam a noite, catando estrelas nos segundos
intermináveis da ausência, líquido céu a me afogar na escuridão.
Morcegos atravessavam o abismo dos meus mórbidos pensamentos,
em acrobacias assustadoras, meu castelo em ruínas, onde reinava
sozinha, meu exílio.
Fugi do amor, essa serpente que quase me devorou, fazendo-me
provar o vinho e o veneno, em sua língua lânguida e sedutora, anunciando
o paraíso e, depois, ao umbral me arremessou...
Sentia-me como um inseto, minúsculo e desprezível, não desejava
mais nenhuma possibilidade de encontro, estava enredada numa
metamorfose kafkaniana, precisava continuar existindo, mesmo me
sentindo horrível, um ser estranho a mim mesma ...
Nos olhos arcanjos do amor, penetrei infernos dantescos, falso
espelho a distorcer a imagem, a guardar demônios nos labirintos
circulares de sua mística pupila dilatada, enclausurando-me
no fundo da íris, porões da alma.
Seu olhar era poético, campo magnético a me envolver em versos
molhados de sonhos e pecados, lassos desejos que rasgaram de vez
minha sanidade e me atiraram na loucura mais esplêndida e perversa,
da qual fui rainha e prisioneira, algemada ao império dos sentidos, numa
eterna luta por poder...
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
Raiblue
Raivane Sales, de pseudônimo Raiblue, é
professora, mas desejava ser psicóloga, pois sempre
foi ligada à alma e seus mistérios, sua natureza sempre
foi noturna, talvez por essa angústia milenar que habita
seus vales mais profundos, de sombras e ventos úmidos, molhados pelo sangue que
circula ainda quente, enquanto sobrevive aos seus próprios tormentos. Goteja
diariamente, sobre o papel, seus delírios, homeopatia que, aos poucos, vai lhe curando
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
Clara sorte
Tarde da noite, a mais fria do ano, numa hora que não se espera mais
visitas. Deitado, olhando para o teto escuro, analisava minha própria
sorte. Os acontecimentos desconexos e imprevistos tornaram-se em
minha rotina. Pensava, ali deitado, que os deuses ironizavam com os
meus dias, me entregando um destino escorregadio, e eu nunca
conseguia controlar o que fosse que planejasse. Numa satírica
demonstração de que eu estava no rumo certo em minhas conclusões,
de que não tinha controle sobre nada, eles me enviaram um sinal, uma
prova.
Ela sempre me surpreendia. Clara, Clara, por que? Uma vez que visse
seu rosto pela vigia da porta, não havia como não abrir. Propositalmente,
abaixava a cabeça, mantendo apenas o olhar verde e brilhante na direção
da vigia. Sabia -se irresistível, que eu abriria a qualquer hora, em qualquer
situação. Trouxe vinho, para acompanhar o melhor macarrão instantâneo
que dizia já ter experimentado. Entrava e dava o golpe de misericórdia
num abraço demorado. Sabia tudo sobre si mesma e sobre mim, o
perfume perfeito insinuava-se por entre os tantos agasalhos, numa noite
fria em que ela não deveria ter vindo.
Conversamos, bebemos o vinho. Deixamos as taças no chão, junto
da cama, enquanto ela se despia tremendo pelo frio rigoroso. Deitou-se
bem junto de mim, ficamos em silêncio por alguns minutos, dividindo
calor. Parecia tranqüila por estar ali comigo, diferente das outras vezes
em que se apressava afoita, urgente. Mais uma vez, eu admirado com a
maciez de sua pele, com seu cheiro de flor, por todo o corpo. Um privilégio
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
tê-la comigo, ceder aos caprichos da mulher que me conhecia tão bem e
que me escolhia. Ouvia sua voz, com meu ouvido colado em seu colo,
me dizendo que gostava de mim por minha percepção, por saber
compreendê-la até no dia que desejava mais os meus carinhos do que o
meu corpo. Disse saber que não deveria ter vindo naquela noite, mas
sentia uma tristeza diferente, sentia muito medo e não conseguiu ficar
só em sua casa. Se tranqüilizava com a idéia de contar com a minha
companhia, sempre que desejasse.
Não foi preciso mais para estar convencido a manter-me como estava,
quieto. Eu lhe disse que também pensava que ela não deveria ter vindo,
57
René Ociné - Clara sorte
mas apenas pela preocupação com a hora que ela costumava ir embora,
pelo frio extremo da noite. Normalmente saia antes do amanhecer.
Quando eu acordava, não a encontrava mais, um bilhete carinhoso, um
beijo no espelho. Deixei claro que gostaria que ela ficasse até mais tarde,
acordasse comigo, que os vizinhos cuidassem de suas próprias vidas.
Enquanto acariciava meus cabelos, justificava que, qualquer moça que
tivesse tido por noivo de um homem apelidado Estilete, deveria preocupar-
se um pouco com a curiosidade dos vizinhos. Ele não aceitou o término
do relacionamento, sentia que ela ainda lhe pertencia. Comentou que as
suas atitudes, depois do rompimento a fizeram ter mais certeza de que
não desejava dividir sua vida com ele, que ameaçava sua segurança e
era capaz de vigiá-la, segui-la, para forçá-la a reconciliação pelo medo,
seu último trunfo na tentativa de tê-la novamente. A mim pareceu
argumentação suficientemente convincente e não insisti mais no convite
para que ficasse até tarde comigo.
Acordei pela manhã e olhei para o teto, distante, o quarto sempre se
tornava menor ao amanhecer, a luz tímida de um dia nublado não fazia
muito esforço para atravessar as cortinas. Li seu pequeno bilhete, sentia-
me uma mistura de frustração e simpatia. Tomando o café na padaria
próxima, tinha meus pensamentos em sua delicadeza, nos riscos que
corria, na razão que a fazia vir por uns poucos momentos, minha
companhia.
Ao chegar em casa, logo que terminei o último lance da escada, me
assustei com uma marca de vandalismo desenhada na minha porta.
Uma grande letra C, de Clara, imaginei. Tomavam quase toda a porta,
riscada fundo na madeira, me pareceu, num primeiro momento, uma
brincadeira de mau gosto. Analisando mais detalhadamente conclui ter
sido feita com uma lâmina suja de sangue, resquícios vermelhos no vão
do corte e ao final, um fino fio escorrido sobre o verniz.
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
recebeu, Cleo ligou, disse que o homem havia passado por lá, possesso,
perguntando por ela e fazendo juras de vingança, deixando claro que
não estava brincando, demonstrando andar armado e sedento do nosso
sangue. Cleo avisou de que fizéssemos qualquer coisa, menos voltar ao
bairro por um bom tempo.
Meu amigo ouvia nossas conversas, meio alheio. Havia comentado
comigo que ela justificava qualquer encrenca, era a morena mais linda
que já vira, ela é. Ele às vezes fazia perguntas, sobre detalhes do bairro
onde morávamos, pediu que ela mostrasse fotos, viu uma do noivo,
inclusive. Tentava nos acalmar no seu modo tosco, dizendo que o moço
59
René Ociné - Clara sorte
não articulava direito, ou não estaríamos mais ali, disse que a nossa paz
não custava muito e a teríamos de volta em breve.
Os dias se arrastavam tensos. A única compensação era saber da
segurança de Clara, ao meu lado. Estavamos na sala do meu amigo,
lendo os classificados do jornal. Comparávamos os anúncios quando a
porta se abriu, meu amigo chegou. Largou uma bolsa preta no chão,
perto da pia da cozinha, serviu-se de uma dose de whisky e tomou num
só gole, nós o olhávamos, esperando que ele relaxasse um pouco para
conversarmos. Ele serviu-se de uma segunda dose, muito maior, pegou
sua sacola no chão e caminhou em direção ao seu quarto. Ao passar por
mim, parou por dez segundos, me olhando profundamente nos olhos,
sem dizer uma palavra, eu soube, depois se recolheu ao seu quarto com
seu whisky.
No sábado seguinte, pela manhã, nos preparávamos para sair,
veriamos os apartamentos que marcamos nos anúncios. O telefone tocou,
meu amigo ainda dormia, atendi, era o Cleo. Fiquei sem palavras quando
ele contou que tinham encontrado o corpo do homem dentro de um
córrego, cravejado de balas. Sem suspeitos. Contou que a polícia atribuía
a algum tipo de desavença entre quadrilhas. Clara, ao saber, sentou-se
no sofá com a cabeça baixa, tremia, mas não chorou, não disse nada.
Nós sabíamos, mas não ousamos comentar nem entre nós mesmo, por
um bom tempo.
Hoje vivemos num apartamento no centro. Minha sorte mudou, minha
sorte é Clara, meu talismã, eu, sou o que ela desejar. O destino não me
foge tanto das mãos, deve ser o que chamam fé, que ela tenta
pacientemente me ensinar. Sempre visitamos nossos amigos daquele
tempo, inclusive o que nos acolheu e comprou a nossa paz, mas nunca
perguntamos, e ele, nunca sugeriu nada parecido. Clara não precisou
mais chegar sorrateira tarde da noite, também não precisou mais sair às
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
escondidas. Nas noites frias nos deitamos e olhamos para o teto, depois
nos abraçamos forte, não há como esquecer. Mantemos cobertores e
lençóis a mais, para uma noite fria qualquer. Caso um
amigo precise de abrigo, terá.
René Ociné
René Ociné, nascido de um experimento, uma bricadeira com as letras do
teclado do computador. Escreve o consegue enxergar, que nelas permanece
adormecido, esperando para ser contado.
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Pedro Faria
Na noite carioca
Ele a avistou próxima do Copacabana Palace, na Avenida Atlântica.
Ela era ruiva, usava uma mini-saia de vinil roxo e um top branco. Seus
seios eram pequenos e seu cabelo era curto.
Ela era perfeita.
Sem dizer nada, ele parou seu carro próximo à ela e abriu a porta do
passageiro. Ela fez sinal para sua amiga, que assentiu e voltou a se
oferecer aos carros que passavam. A ruivinha entrou no carro e fechou a
porta.
_ Qual é o seu nome, querido? -, perguntou ela, tímida. Ou era muito
nova na profissão, ou fingia muito bem.
_ Papai. Apenas me chame de “papai”.
_ Aonde vamos, papai?
_ Fique quieta, querida.
_ Sim senhor. Ela não disse mais nada. Eles dirigiram por vários
minutos. Durante o caminho, “papai” colocava a mão nas pernas da
pequena ao seu lado, e ia subindo até a entrada de sua vagina, e pensava
no que faria com ela. Ele já tinha tido várias putas como essa, magrinhas
e branquinhas, de peitos pequenos. Lembravam a ele sua filha. Para
falar a verdade, ele ainda preferia sua pequena Irina, porém ela se
certificou que ele nunca mais a tocaria, cortando seus pulsos na banheira.
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
Ele sentia que seu pau ia explodir, de tão bom que estava. Visões de
morte permeavam seu pensamento. Era um psicopata, e adorava isso.
Mal sabia aquela pobre putinha, que iria morrer depois de ser fodida.
Sentindo um êxtase até então nunca sentido, ele abriu os olhos e
olhou para baixo. Era no mínimo engraçado. Os olhos da menina haviam
mudado. Tinham se tornado negros, completamente. Sua testa adquiriu
rugas estranhíssimas, quase que inumanas. Quase não, inumanas
mesmo. E o mais estranho não era isso. A boca dela tornara-se um
buraco negro. Ele se viu quase meio corpo para dentro dela, porém não
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sentiu isso. Sentiu o maior dos prazeres que já havia experimentado até
então. Ele se viu afundando cada vez mais, e pensou na ironia que era a
vida. “Não parece uma maneira tão ruim assim de morrer”, pensou ele.
“Ah, mais é”. Ele ouviu isso em sua mente, uma voz tão horrível, que
mesmo essas poucas palavras lhe causaram um terror que nunca sentira
antes. Após ouvir isso, a dor começou. Ele começou a gritar. Parecia
que estava entrando em um triturador de lixo. Seus pés foram primeiros,
estilhaçados. Suas canelas, joelhos, coxas. Quando chegou a vez de
seu pau, a dor já se misturava em um turbilhão em seu cérebro, e ele
não distinguia mais nada. Ela, por seu lado, gemia e soltava sons de
prazer. Enterrado até o pescoço, triturado da cintura para baixo, ele olhou
nos olhos dela. Negros como a noite. “Eu como por fome. Mas você, eu
comerei com mais prazer ainda”. E ele afundou completamente naquele
poço da morte, já morto quando sua cabeça entrou por fim na boca
daquele demônio.
Ela se levantou, boca de tamanho normal, olhos verdes e testa lisinha.
Olhou para o carro do homem a quem acabara de ingerir.
E sorriu, saciada e contente, antes de voltar para seu ponto, curiosa
para saber se sua amiga também se dera tão bem naquela noite.
Pedro Faria
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
63
Emerson Sarmento
64
Emersnon Sarmento - Antes e depois (Previsto na infância)
Como previ...
Na minha vida a solidão adormeceu
de tal maneira que meus pulsos sangraram
mesmo com a distância, entre você e eu.
Oh,anjo meu...
lembro-me da quimera que me esfolou bruscamente
e da tua lápida fúria pra salvar-me
Hoje, a mesma jamais me sangrará
Por que sei que tenho a ti
Para todo o sempre.
Emerson Sarmento
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
65
Emersnon Sarmento - Biografia
onde dei inicio aos meus estudos na escola: “Yapoatam colégio e curso”. Jaboatão
foi uma escola para mim em todos os sentidos. Foi lá que conquistei as melhores e
mais loucas amizades que cultivo até hoje. Quando paro para lembrar desse
conturbado e inesquecível tempo, me vem logo aos pensamentos nossas conversas,
saídas à noite, e principalmente festas. Festas que comecei a organizar na minha
própria residência aos 13 anos de idade. No começo as farras ocorriam quase toda
tarde com alguns amigos. Eu estudava pela manhã e ficava a tarde inteira livre para
me divertir de verdade. Essa com certeza foi nossa fase de descobrimento de uma
vida vadia e desajustada.
Ao passar do tempo nossas atitudes psicopatas foram ganhando vida...
Os dias de festas na minha casa foram adiados para os sábados quando meus
pais saiam para curti o final de semana. Essa época já era bem mais evoluída
nossas farras, milhares e milhares de bebidas de todo tipo, cigarros de todas as
marcas e em grande quantidade,e muitas menininhas “infantis” desfrutando da vida
e fingindo ser as tais “Rock in Holl”...(Até que elas fingiam muito bem).
Inventamos muitas modas além dessas farras sem fim. Lembro-me do dia em
que eu, meu irmão(Elton) e meu parceiro de sempre(Lucas”ozzy”) pegamos o carro
do meu pai, na semana em que ele viajou à Minas Gerias.Foi uma coisa muito
louca,nós podíamos ter matado alguém ou até mesmo nos matado,sabíamos muito
bem do perigo, mas o que estava valendo mesmo era a diversão.Era umas das mil
formas imbecis que inventávamos para chamar a atenção dos “caretas”,com um
carro na maior velocidade e sem limite na estrada. Tenho certeza que esse momento
vai pendurar por toda nossa vida.Mas tempo se passou e o que era “eterno”virou
apenas lembranças. E alguns começaram a ter o desprazer da responsabilidade
nas costas.
Um começou a namorar de verdade,outros arrumaram emprego,outros se
mandaram para igreja...E eu? Bem, Eu me mudei de lá, hoje resido no centro do
Recife, e mudei totalmente meu jeito de pensar e de agir,não que eu tenha
encaretado,mas enxerguei a maneira certa de viver.Não me vanglorio pela maioria
das minhas atitudes que deixei acontecer,mas sinto saudade desse tempo e não
me arrependo de nada, se eu voltasse faria exatamente como fiz.O importante de
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
66
Me Morte
Culpa
Cheguei cansada.
Colhi as flores
Murchas, coitadas,
Descoloradas, empoeiradas,
Pareciam mortas...
Reguei as flores,
Como sangue em carne viva,
Dilaceradas, de pétalas escorridas
No ralo da pia.
Não ressuscitaram.
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Me Morte - O enterro de Catherine
O enterro de Catherine
Rosas
Rosas negras,
negras,
Manchas
Manchas roxasroxas
E
E sonhos
sonhos desfeitos.
desfeitos.
Foste
Foste louca!
louca!
Agora
Agora fria
fria
Nesse
Nesse leito,
leito,
Vê
Vê se
se acorda,
acorda,
Faz
Faz direito!
direito!
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Me Morte - Coma
Coma
Barulhos desencontrados,
Imagens e sonhos, quebrados,
Meros cacos, na inconsciência.
Os dias seguem vibrantes
E eu vegeto.
Quero acordar,
Te ver!
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Me Morte - Biografia
Me Morte
Mariângela Padilha, de pseudônimo Me Morte,
gaúcha que nasceu durante uma viagem de férias,
já aos cinco anos de idade dizia que seria escritora.
Enveredou pelos caminhos do erotismo/gótico,
criando um estilo próprio e muito questionado na
internet.
Moderadora do Vale das Sombras, cantinho
que com o passar do tempo moldou um novo
e-book - Vale das Sombras - Vol. 2
Cotidiano Alternativo
nada mais é que a busca pela realidade perfeita.
O dia à dia idealizado.
Uma fuga das adversidades corriqueiras
para uma realidade de fantasia.
A busca dos dias melhores através da arte.
Por outro lado, nem sempre fugir da realidade
é o melhor caminho.
Nem sempre a fuga nos leva a algo melhor.
A fuga não deve ser vista como a solução,
mas sim como uma possibilidade ou,
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Comunidade do Vale das sombras no Orkut:
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