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O documento discute a relação entre a mística cristã Marie de la Trinité e o psicanalista Jacques Lacan. Marie buscou tratamento com vários profissionais antes de Lacan, que compreendia sua experiência espiritual ao invés de eliminá-la. A análise ajudou Marie a entender seu dever de forma mais modesta. O documento também discute a noção lacaniana de gozo no contexto da experiência mística.
O documento discute a relação entre a mística cristã Marie de la Trinité e o psicanalista Jacques Lacan. Marie buscou tratamento com vários profissionais antes de Lacan, que compreendia sua experiência espiritual ao invés de eliminá-la. A análise ajudou Marie a entender seu dever de forma mais modesta. O documento também discute a noção lacaniana de gozo no contexto da experiência mística.
O documento discute a relação entre a mística cristã Marie de la Trinité e o psicanalista Jacques Lacan. Marie buscou tratamento com vários profissionais antes de Lacan, que compreendia sua experiência espiritual ao invés de eliminá-la. A análise ajudou Marie a entender seu dever de forma mais modesta. O documento também discute a noção lacaniana de gozo no contexto da experiência mística.
Percebi que conceituar o gozo em Lacan (pois no conseguia desvincul-lo do gozo sexual) seria um trabalho de busca de embasamento terico para uma vida, uma vez que o prprio Lacan sonhava que o Campo do Gozo fosse denominado "Campo Lacaniano" (Valas, 2001). Ento, foi s baixar a guarda e deixar que os acasos me levassem a torto e a direito. Eis que me deparo com um texto do Miller (2008), entre os demais sugeridos por Paola Salinas, a Mais-um.
A leitura do texto de Jacques-Alain Miller (2008), Marie de la Trinit, favoreceu minha deciso quanto escolha que faria para este trabalho, produto do meu primeiro cartel. Feito o corte e o recorte.
Conforme alguns dados da biografia de Marie de la Trinit, nome religioso de Paule Mulatier (1903-1980), que veio a se tornar analisante de Lacan, o praticante da Rue de Lille (Miller, 2003, p. 274) por cinco anos, o primeiro encontro ocorreu em 3 de abril de 1950, quando a mstica crist estava com a idade de 47 anos. A vocao contemplativa e solitria de Marie no parecia, aos olhos de seus diretores espirituais, to catlica, e estes sempre procuraram impedi-la. Ela queria entrar no Carmelo, mas eles lhe ordenaram que se tornasse Dominicana nos campos. (Miller, 2008, p. 272).
Marie no abria mo de sua singularidade, de sua verdade, do seu gozo, o que sugere o estado de um sujeito encarnado em seu sinthoma: "O que chamamos sinthoma pode passar como sendo a unidade de uma vida no concentrada nesse elemento equvoco que chamamos de fantasia." (Miller, 2011, p. 217)
"Salvar-se", a expresso religiosa. Mas ela traduz razoavelmente que no se trata somente de sade, de cura, mas do que alm do sintoma, ou sob o sintoma, questo de verdade; de uma revelao de saber que carrega com ela a realizao de uma satisfao e, se posso dizer, o desenvolvimento durvel de uma satisfao superior (Miller, 2011, p. 227). Segundo Miller (2008), a grande questo da vida de Marie no se reportava, conforme Pre Chantraine alude no prefcio sua biografia, a que nenhuma forma cannica de vida religiosa [lhe] conviesse inteiramente. Para Miller. "Quanto mais a histria de Marie de La Trinit for conhecida e meditada e estamos apenas comeando mais o par, religio e espiritualidade, cujos olhos estavam vendados ser exprobrado at se tornar o smbolo da obteno consequente a um estreito entendimento da teologia, no que concerne as manifestaes mais raras e preciosas da vida espiritual (Miller, 2008, grifos da autora).
O autoritarismo que decorre do discurso do mestre, em Lacan, como o avesso da psicanlise, foi o que propiciou a Marie se submeter a uma anlise, uma vez que j havia passado por inmeros psiquiatras e psiclogos renomados, at que um deles encaminhou-a a Lacan, com quem permaneceu por tempo considervel. O que teria ocasionado a permanncia de Marie com Lacan por anos? Contrariamente aos colegas de Lacan, que consideravam o voto de castidade da religiosa o ponto nevrlgico do tratamento, Lacan tinha compreendido rapidamente que o n estava no voto de obedincia (Trinit, 2009, p. 45). Alm disso, o psicanalista jamais tentou abolir ou interpretar a escolha pela vida espiritual da mstica, conforme relata neste fragmento de uma carta: "No h grande coisa a dizer do prprio tratamento; seno que no lugar de me confinar em Freud, como s precedentes doutores, este percorre, continuamente, no curso das sesses, todas as escalas da natureza humana... Eu estou em segurana com ele, pois ele compreende as coisas espirituais e no as elimina como os precedentes, ao contrrio." (Carta de Marie de la Trinit a Madre Saint-Jean, de 29 de novembro de 1950; Trinit, 2009, p. 49 apud Sartori, 2009).
H um momento no processo de anlise em que a relao analisante/analista se tornou conflituosa, apesar das melhoras sensveis de Marie, que at se dedicava aos novos estudos sobre problemas psquicos da vida religiosa, a partir de uma orientao psicanaltica. Assim, no vero de 1951, procura outra psicanalista e comunica Lacan por carta, que a responde da seguinte forma: "Minha cara Irm, vs me escreveis uma carta bem heterognea. Vs estais livre para todas as vossas iniciativas, ainda que, durante a anlise, essas iniciativas sejam mais ou menos contraindicadas. Eu no me oporei quela que vs falastes, em vossas ltimas linhas. Mas eu gostaria de ter uma entrevista antes: a mesma entrevista que projetei ter convosco na entrada. Que Deus vos guarde." (Carta de Lacan a Marie de la Trinit, de 21 de setembro de 1951; Trinit, 2009, p. 49 apud Sartori, 2009).
Para Miller (2011), o que aconteceu com Marie poderia ser considerado uma sublimao do gozo quando elevado dignidade de coisa; ou seja, quando ele no rebaixado indignidade de dejeto, sublimado, socializado.
Marie (Miller, 2011) decifra sua vida entre o dilema de ter ou no o mesmo ideal de sua me, perfeio: tais sofrimentos na infncia podem mais tarde, criar ninhos de angstia e ambivalncia paralisantes... Sendo impossvel haver as duas juntas.
Em sua leitura, Miller (2011) est apenas no comeo da relao Marie de la Trinit e Jacques Lacan, e est disposto a cooperar de bom grado para a publicao do dossi clnico reunido por Marie. E ainda considera haver uma grande chance de colaborao entre as disciplinas teolgica, espiritual e psicanaltica: "O campo que chamarei clnico espiritual, ainda no tem todo o desenvolvimento que poder ter, o que certamente vir nos anos vindouros (...) (Miller, 2008, p. 277).
Miller nos chama a ateno para o fato de que algumas proposies de O Seminrio 20 - Mais, Ainda, dedicadas aos msticos, foram inspiradas no s pela leitura atenta de uma vasta biblioteca, como tambm pelo conhecimento ntimo, nos discernimentos inauditos, sobre as operaes do Outro presentes em Marie, a saber: o Pai, o Filho, e possibilitados pelas dmarches da experincia analtica, vindo superpor-se, num determinado momento, sem em nada anul-la experincia mstica (grifo da autora). Para a psicanlise, no caso da mstica, no se trata de crer ou no em Deus, mas crer no gozo da mulher, no que ele tem a mais do gozo flico: " claro que o testemunho essencial dos msticos justamente o de dizer que eles o experimentam, mas no sabem nada dele." (Lacan, 1985, p. 103)
Marie sente que o alvio de sua dor moral se devia sua compreenso em relao ao cumprimento de seu dever, apenas na escolha modesta do que possvel. A partir da orientao lacaniana, o percurso de Marie de la Trinit nos evoca ao final de anlise.
Do ponto de vista da investigao cientfica, as pesquisas clnico-espirituais esto na ordem do dia. Vale a pena para aqueles que puderem se libertar dos preconceitos e, se desejarem, abra-la carinhosamente.
Notas
(1) Trabalho realizado para o cartel Corpo e Gozo composto por Paola Salinhas (Mais- um), Armando Toniolo, Betina Matarazzo e Elizabeth U.G. Paschoalino, So Carlos, SP: set. 2013. (2) Fonoaudiloga, Psicomotricista, Mestre em Educao e Analista praticante. Bibliografia LACAN, J. (1972-1973). O Seminrio, livro 20: mais, ainda. Rio de janeiro, Editora: Jorge Zahar, 1982. MILLER, J.A. Marie de la Trinit. In: Latusa, n 13, 2008. _______ Perspectivas dos escritos e outros escritos de Lacan. Entre desejo e Gozo. Rio de Janeiro, Editora: Jorge Zahar, 2011. _______ O osso de uma anlise. Revista da Escola Brasileira de Psicanlise. Bahia, Editora: Biblioteca Agente, 1998. _______ Elementos da Biologia Lacaniana. Escola Brasileira de Psicanlise. Minas Gerais. _______ Biologia Lacaniana e Acontecimento de Corpo: In: Opo Lacaniana, n 41, 2004. _______ Os Seis Paradigmas do Corpo. In: Opo Lacaniana Online, ano 3, n 7, 2012. SALINAS, P. Resenha sobre Marie de la Trinit de Jacques-Alain Miller. Boletim O povo, n 3, 2011. SARTORI, A.P.C. Resenha do livro: Trinit Marie de la. Carnets, Les grandes grces, Tome I, paris, Editions du Cerf, 2009, 536 pp.
VALAS, P. As dimenses do Gozo. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2001.