O que o senhor define como ponto cego do Direito? Refiro-me a um preo a pagar por todas as arenas do conhecimento hiperfocadas na captura dos indcios, dos testemunhos, das provas. Em todas essas reas e aqui o caso do direito no difere do da medicina, do da histria, ou do da comunicao social formam-se onas de e!cessiva confiana no potencial con"ugado dos sentidos e da rao para ver, decidir, diagnosticar e "ulgar# uma confiana que, quando $ ostensiva e alucinatria, produ, ela prpria, inevitavelmente, onas de penum%ra e de distrada opacidade, isto $, na minha formulao, pontos cegos. Ponto cego $ aquilo que escapa do nosso campo de viso precisamente naqueles momentos em que tudo aparenta estar so% o nosso controlo. &as, dito isto, devo confessar que no me choca a utiliao mais a%rangente e solta que tem sido feita do termo. ' essencial no est na designao, sa%e( ' essencial mesmo $ perce%er as distintas rea)es dos agentes "urdicos * e!ist+ncia desses ,pontos cegos-, com este ou outro nome. ' meu pressuposto aqui $ o de que quer a atitude de recusa dessa e!ist+ncia, quer a atitude de reconhecimento dessa e!ist+ncia t+m correspond+ncia em posi)es doutrinria e ideologicamente distintas so%re a prpria funo social dos sistemas "urdicos na contemporaneidade. Entre, de um lado, o argumento de que um campo "urdico supostamente destinado a responder a e!pectativas de clarificao e certea no pode, por definio, deter-se com eventuais ,pontos cegos-, e, de outro, o argumento de que todo o campo "urdico produ constitutivamente ,pontos cegos- que portanto interessa sinaliar e incorporar dogmaticamente, vai uma dist.ncia que $ tudo menos t$cnica# $ poltica e $ ideolgica. /, afinal, uma dist.ncia correlativa daquela que e!iste entre o punitivismo de inspirao securitarista proposto por algum infantilismo legalista e o garantismo de inspirao democrtica colhido em sede de adequao constitucional. 'u, para o dier de outro modo, entre o ativismo "usticialista performativamente e!citado e a e!ig+ncia comple!a de patamares de conformidade constitucional.
Porque usou o termo the brazilian lessons? Essa e!presso encerra alguma ironia e tem um duplo significado. 0or um lado, refere-se *s minhas lies 1no sentido mais estrito e acad$mico do termo2 proferidas ao longo de anos sucessivos em diversos locais e institui)es %rasileiras e de algum modo condensadas no livro. Esse ser talve o sentido mais %vio. &as, por outro, a e!presso remete tam%$m para as lies 1agora mais no sentido de ilaes2 que podemos colher, quanto aos aspetos a%ordados, a partir do caso do 3rasil. 4igamos, em sntese, que s reconheo interesse *s minhas lies %rasileiras enquanto elas se reportarem *s ilaes %rasileiras, ou se"a, enquanto nelas eu sou%er acolher as pro%lemticas emergentes no 3rasil# e, naturalmente, enquanto as sou%er depois cruar com as pro%lemticas registadas a outras escalas, no " %rasileiras nem forosamente lusfonas 1a opo pela lngua inglesa pretende sugerir isso mesmo2. / esta operao de ,traduo- e de ,despistagem- de pro%lemticas que me interessa# faer milhas e quilmetros para vender ,sa%er- interessa-me pouco ou nada. 5ostumo dier que aquilo que levo comigo e aprendo depois de assegurar uma lio no 3rasil $ muito mais do que aquilo que a dei!o. Espero agora equili%rar um pouco as coisas com a pu%licao deste e de outros livros.
O senhor conhece grande parte dos grandes juristas brasileiros, como esta experincia? / verdade. 'rgulho-me disso. 6al como me apra registar a disperso de sensi%ilidades e reas de especialidade por entre esse grupo de personalidades que frequento, como leitor ou colega. 7 a companheiros de percurso e amigos do peito, claro que sim, mas devo registar de igual modo onas de franco dissenso ou tendencial incompatilidade, que saudavelmente aqui tenho tam%$m. 8uando o nosso espectro de refer+ncias $ comple!o, apuramos o sentido demarcatrio. 9esse aspeto, sou um privilegiado. :s minhas a%ordagens so ho"e profundamente devedoras do modo desenfreado como se verificam aqui no 3rasil os cruamentos entre est$tica poltica, sistema "urdico e historicidade# e a verdade, para ser inteiramente sincero, $ que, ho"e, a minha realidade e o meu horionte compreensivo so ", eles prprios, dificilmente conce%veis fora do arco de pro%lematicidade e do manancial de significantes do de%ate %rasileiro. 7 pois um interc.m%io intelectual em trnsito que define esta e!peri+ncia. ;empre estranhei, alis, alguma propenso das gera)es que me antecederam para esta%elecer rela)es acad$micas luso-%rasileiras num quadro de retrica partilha formal mas de implcita desigualdade informal em que o %rilho parecia ter a sua sede natural num dos lados, ca%endo ao outro a correspondente admirao e o devido respeito. <osto de achar que participo de um relacionamento de outro tipo, no qual h de%ates que se levantam e que nos interpelam, de%ates que merecem ser disputados e que temos ns prprios de faer por merecer.
O senhor acredita que esta sua reflex!o completamente "oltada ao Processo Penal ou se estende a outras categorias do pensamento jur#dico? 4iria que $ uma refle!o so%re determinados pro%lemas e conceitos ho"e muito requisitados pelos sistemas "urdicos contempor.neos 1prova, evid+ncia, convico, crena, adeso, e!pectativa, deciso, verdade, processo, reforma2 e cu"o desempenho se surpreende particularmente %em no am%iente processual penal. 4ito isto, importa reconhecer que os prprios desafios traidos por aquelas no)es * rea processual e as respostas ensaiadas nesse .m%ito o%rigam a convocar, por arrasto, as outras reas "urdicas, nomeadamente a constitucional, %em como reas no "urdicas, o que de resto se tradu, na estrutura da minha refle!o, pela convocatria de outras tantas categorias e pro%lemas 1mudana, democracia, constituio, dirigismo, periferia, conte!to e limite2.
$omo o senhor se posiciona acerca do dirigismo constitucional? 8uanto a esse assunto, limito-me, no livro em questo, a traer para o de%ate so%re o dirigismo uma leitura que incorpore a dimenso de historicidade dos fenmenos na contemporaneidade. Est a em causa o que chamo o presente modo da mudana, isto $, a perceo de uma est$tica de mudana menos marcada pela superao ou mesmo pela morte do e!istente do que pela simultaneidade entre o que cessa e o que chega. = lu desta perspetiva, o diagnstico de ,morte- aplicado a modalidades como o dirigismo constitucional, marcadas pelo seu apego a dada con"untura histrica e a dada con"untura constitucional muito precisas, omitiria o fato, %em mais sutil, da sua persist+ncia a variados nveis> se"a por deslocao para escalas "urisdicionais transnacionais 1$, desde cedo, o caso europeu2, se"a pela sua persist+ncia, mesmo * escala nacional, em redutos dos te!tos constitucionais que mant+m o seu :49 dirigista, se"a pela sua efetiva manuteno em conte!tos normativos onde o momento histrico no parece favorvel a uma colocao do dirigismo no %anco dos r$us do tempo histrico.
%ale&nos mais sobre sua opini!o acerca do conflito entre a hierarquia e heterarquia da normas' Em %om rigor, essa terminologia $ introduida no livro pelo meu prefaciador, o 0rofessor <omes 5anotilho. ;e as minhas coloca)es se podem inscrever nessa ona refle!iva, $ a ele que fico a dever a respetiva inscrio. / "usto dar-lhe aqui a palavra. 8ue sugere ele( 4esde logo, que os temas por mim analisados e em particular as pro%lemticas da so%reposio de compet+ncias ganham em ser entendidas no quadro de cenrios heterotpicos 1heteronomia das ordens de poder, heterarquia das ordens do dinheiro, heterogeneidade das ordens de conhecimento2# e que %oa parte dos pro%lemas e das resist+ncias compreensivas por mim identificados, designadamente em mat$ria constitucional, resultam, em fim de contas, de o direito continuar a ser pensado como um sistema de hierarquia de normas e de fontes, aparentando resistir aos mecanismos - mais heterr!uicos - de coe!ist+ncia e cooperao.
$omo o senhor " a quest!o da con"ic(!o na aplica(!o do Direito? Essa $ uma mat$ria em que comeo por mo%iliar o muito que aprendi so%re os regimes epist$micos da convico com o falecido filsofo ?ernando <il, para depois me a%alanar ao caso concreto da deciso "udicial. Em termos muito sumrios, acho importante ter em conta tr+s aspetos. ' primeiro $ o de que estar con"icto, se"a em que conte!to for, no corresponde * etapa final de um %em sucedido tra"eto epist$mico de depurao da d@vida, da incertea ou da pr$-comprenso, linear e teleologicamente instrudo# isto porque, ao inv$s e com isto entramos num segundo aspeto , no h, por definio, estdio de convico algum que logre eliminar os elementos de crena que nele persistem e que correspondem * persist+ncia do instintivo e do impensado na estrutura conceptual da convico# o terceiro aspeto $ o de que, a somar a esta contaminao constitutiva e que lhe chega pelo seu prprio interior, por iner+ncia ao seu prprio recorte epist+mico, digamos assim, a convico sofre ainda o que pode considerar-se uma contaminao e!trnseca, precisamente a que lhe adv$m das e!pectativas sociais criadas a seu respeito e que a afeta de fora para dentro da fronteira "urdica. :ssim postas as coisas, isto $, perante semelhante perfil do mecanismo da convico, como no concordar com todas as iniciativas destinadas a cercar ao m!imo a produo de convencimento "udicial(
)ual a problem*tica na pretens!o $eleridade, +ficincia e +conomia Processual neste contexto? ' pro%lema da celeridade $ %em um e!emplo dos ,agentes duplos- em que se tornaram %oa parte dos conceitos com que lidamos. 9ingu$m duvida das vantagens em ter um processo que funcione e que o faa nos termos de eficcia devidos. :lis, o prprio 5arnelutti insistia na impossi%ilidade de se falar em processo "usto nos casos de e!tremada demora "udicial, pela mol$stia indel$vel causada aos implicados. ;ucede que aquilo que se chama, nas ,sociedades do contraditrio-, o de"ido processo legal, implica, constitutivamente, uma demora. 0rocesso $ algo que ocorre no tempo. E se $ verdade que visa consu%stanciar-se numa deciso, ele estrutura- se numa demora. 'uso dier que o processo penal e!iste "ustamente para garantir uma descoincid+ncia temporal> a que deve e!istir entre, de um lado, uma coisa que $ a e"id#ncia, ou se"a, um regime de conhecimento suportado pelo intuitivo, o instant.neo e o imediato, e, de outro lado, essa outra coisa que $ a pro"a, ou se"a, um regime de conhecimento estruturado so%re a refle!ividade, o contraditrio e a comple!idade. 3em sei toda a contra-argumentao prototpica a este respeito, a maior parte dela de recorte pragmatista 1e nem por isso menos ideolgica2, mas sustento que essa discusso, que importa seguramente travar, deve ter o seu ponto ero ali mesmo naquela descoincid+ncia, que tenho por inegocivel em sede de defesa de um processo penal democrtico. ;e outra for a sedeA
O que quer dizer quando aponta a competi(!o entre m#dia e sistema jur#dico? ;implesmente isto> que o atual enfrentamento entre "ulgamentos pelos tri%unais e "ulgamentos pela mdia, enfrentamento esse que pode considerar-se uma das e!press)es maiores da contaminao atrs referida do mecanismo processual das convic)es por aquilo que tenho designado como o mecanismo processual das e!pectativas, remete para um em%ate a outro nvel, o que ho"e se estar a processar entre mecanismos esta%iliadores de e!pectativas sociais e normativas uma funo e!pectavelmente atri%uda, num Estado de direito, ao prprio sistema "urdico, mas que ele parece ho"e o%rigado a repartir, em clima tenso e competitivo, com outros sistemas em presena, em especial com um sistema comunicacional onde a mdia se revela um temvel redutor de comple!idade, agenciador de e!pectativas sociais so%re o prprio desempenho do direito. 6rato disso em $ Ponto Cego do %ireito e volto a tratar, agora a propsito do desnorte terico que, a prete!to da corrupo, redu a poltica a um e!erccio de maniquesmo moral e o direito a um e!erccio de fa!ina social, no tra%alho & 'ora dos Cad"eres &diados( Corrup)o* +,pectati"a e Processo Penal.
O que poderia nos falar sobre a ,erdade e o -istema? Eis uma plataforma de discusso que nos levaria %em longe. 9o por acaso, dedico um captulo do livro a esses temas. ;e me $ permitido, at$ como forma de concluso desta nossa entrevista, enunciar, telegraficamente, aquilo que $ o meu n@cleo duro compreensivo nesta mat$ria, direi o seguinte> se estamos a pensar num horionte de constitucionalidade, ento a ,verdade-, em .m%ito processual, $ sempre e apenas questo de lugar# e o ,sistema-, tam%$m em .m%ito processual, $ sempre e so%retudo questo de democraticidade.
As dimensões paradigmáticas da fundamentação das decisões judiciais: Filosofia, história, direito e de como a (in)compreensível resistência ao dever de fundamentar é uma questão de paradigma
OIT. Manual de Capacitação e Informação Sobre Gênero, Raça, Pobreza e Emprego. Questão Racial, Pobreza e Emprego No Brasil. Tendências, Enfoques e Políticas de Promoção Da Igualdade PDF