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Solução polêmica
minha casa no morro para não perdê- Eliana deixou a atividade de diarista, cada família um fogareiro de duas O Zero visitou duas moradias pro- Letícia Arcoverde Cesblu. Há um mês, nasceu Nicolas, que
la novamente por causa da água, mas diminuindo o orçamento pela metade. ainda tem dificuldades de dormir com o
nunca imaginamos que fosse cair. Eu O dinheiro que deixou de gastar com as barulho das 115 famílias que dividem
era mais nova e tinha mais força para contas de luz, água e gás está quitando a moradia. Para mãe de Paola, Sandra
reerguer a vida. Agora, sou doente e não dívidas antigas e servirá para financiar Regina, o novo integrante da família é
posso mais trabalhar”, compara. Aos 59 as habitações que a prefeitura está cons- Num terreno do bairro Ribeirão O terreno, ocupado em fevereiro por o mais sortudo. Hoje, aos 60 anos, ela
anos, Dona Zélia sofre de pressão alta, truindo. “Sei que vou passar no mínimo Fresco, com uma cerca onde as iniciais 14 famílias, era um camping público prefere dividir o espaço com outras fa-
diabetes, coração dilatado e precisa fazer três anos aqui. É o tempo que teremos MAD estão pintadas, 23 famílias cons- e um espaço de lazer para as crianças mílias, das quais muitas já conhecia, a
uma cirurgia na vesícula. O barulho, o para juntar dinheiro e poder ter uma truíram casas simples. O Movimento dos do bairro. Segundo um dos líderes do ter que voltar para o morro e enfrentar
calor e a falta de limpeza da moradia são casa de novo”. Ao contrário da filha, Dona Atingidos pelo Desastre foi criado ainda movimento, Nicácio Antônio Mariano, a os problemas gerados pelo tráfico. “De
fatores que agravam seu quadro de saú- Zélia já perdeu as esperanças: “Acho que nos abrigos, onde milhares de pessoas organização já existia nos abrigos desde maneira nenhuma eu quero dizer que a
de. “Vivemos de improviso e no desespero, vou morrer aqui. Tem coisa que a gente ficaram logo após a tragédia. Não é o dezembro, com a orientação de sindica- tragédia foi uma coisa boa, mas para a
qualquer barulhinho acordamos no sus- quer esquecer, mas todo dia somos obri- mesmo que as moradias provisórias, tos como o Sinsepes, dos servidores do minha família foi um recomeço. Antes,
to”, revela, ao lembrar do pequeno incên- gados a lembrar. A nossa vida parou”. para onde foram as pessoas que ainda ensino superior e o Sindetranscol, do não queria sair de onde morávamos,
estavam desabrigadas em março desse transporte coletivo. Quando perceberam saímos a Deus-dará, quando já tava
ano. Dona Lourdes, seu marido e seus que as reivindicações do MAD à prefeitu- desmoronando. Hoje, não quero voltar”,
três filhos eram uma dessas famílias. Fi- ra não seriam cumpridas – como casas comenta. Em seguida, pergunta a uma
caram na moradia do Cesblu até agos- gratuitas para quem não tivesse como das educadoras qual será o horário da
to, quando ela decidiu que não poderia pagar -, resolveram ocupar o terreno. A próxima atividade recreativa para as
mais morar com o barulho, as brigas e prefeitura pediu reintegração de posse, crianças. “Quero entrar e dormir um
a dificuldade para dormir. De um, pas- mas o desembargador Domingos Pa- pouco, aqui tenho certeza que vai ter
sou para três tipos de antidepressivo. O ludo decidiu a favor dos desabrigados. alguém olhando as crianças”. Ao todo,
marido já havia se mudado para a ocu- Hoje, há luz elétrica e linha telefônica a prefeitura contratou 120 profissionais
Ganha-pão perdido
pação do MAD, e dona Lourdes viu que nas casas, e o correio chega no endereço que receberam treinamento para reali-
não ia aguentar sozinha com os três da Associação dos Moradores do Vale do zar atividades diárias, como oficinas de
Preocupação constante
filhos. “Mas eu sinto vergonha. A gente Ribeirão Fresco, onde as famílias fica- pintura, crochê e artesanato, jogos de
sabe que não é da gente”, desabafa. ram inicialmente. tabuleiro e brincadeiras educativas. Os
profissionais especializados em psicolo-
gia e assistência social ficam no prédio
O problema é o calor, a falta de uma Após trabalhar a vida inteira como em- da Secretaria Municipal da Assistência
janela e o filho dos outros. Para Esal- pregada doméstica, hoje ela recebe R$ Social, da Criança e do Adolescente (Se-
A cada princípio de chuva, Irene Ma- lias para retirar de outras áreas de risco.
tina Pereira, a Dona Esaltina, a maior 450 de aposentadoria por invalidez. Le- mascri) e atendem moradores que são
ria Garcia e o marido deixam o quar- “Não podemos exigir que abandonem a
parte das brigas na moradia provisória vou 14 anos para construir a casa que encaminhados pelo coordenador de
to onde dormem e passam a noite em casa que conquistaram com o trabalho
Itoupava Norte II acontece por causa ainda estava sendo reformada. “Tudo cada lugar.
um cômodo no lado oposto da casa. de uma vida inteira. Temos que alertá-
das 55 crianças que, quando não estão que eu ganhei eu coloquei lá”. O que
Em novembro do ano passado, a pare- los e monitorá-los, respeitando o tempo
na escola, estão brincando nos corredo- não foi destruído pelo desabamento, foi
de do dormitório do casal foi atingida de cada um”, pondera Neusa Felizetti,
res. São 38 famílias que dividem o mes- saqueado depois, como as louças que
pelo desmoronamento da casa vizinha. consultora da Central.
mo espaço separado apenas por paredes ganhou dos patrões quando trabalhou
“Hoje dormimos assim, com um olho Mesmo ciente da possibilidade de
finas de madeira, incapazes de vedar o “em casa de gente rica”. Cozinheira
aberto e outro fechado”, relata. Quan- novos deslizamentos, Irene considera
barulho de choro de criança, discussão de mão cheia, Dona Esaltina chegou a
do a chuva se intensifica, o casal pede que ficar na casa ainda é a melhor so-
de casal ou da televisão. Debaixo do teto cozinhar quatro refeições por dia para
abrigo aos parentes, como à irmã, que lução. “Não posso viver de favor a vida
de amianto é muito quente e, às vezes, as 127 pessoas que moravam no abri-
os abrigou durante os primeiros meses inteira, o aluguel em Blumenau é ab-
as coisas deixadas na área comum nos go onde ficou até o dia 8 de março,
que sucederam o desastre. Um morro no surdo, e as moradias provisórias nem
fundos da moradia somem. É ali que antes de ir para a moradia provisória.
bairro Progresso cedeu e atingiu quatro pensar. A gente vê cada coisa horrível na
Dona Esaltina passa a tarde, já que não Ela agradece a Deus por ter um lugar
casas próximas à encosta. A residência televisão. Gente que perdeu tudo e rou-
pode mais trabalhar por causa de um para morar, mas admite: “A gente não
vizinha à do casal ficou completamente ba de outros nas mesmas condições. Isso
problema na coluna. tem vida própria”. Antes, sonhava em
coberta por terra, junto com o carro e os não é vida”.
Ela divide o cômodo de quarto e sala montar um pequeno negócio para ven-
animais de estimação. A de Irene perdeu Enquanto um trator retirava parte do
com o filho Raí, de 13 anos. Antes, os der pastelzinho e bolinho de carne frito.
apenas o muro, mas se tornou extrema- carro debaixo da terra, Irene relatava:
dois viviam numa casa de três andares, Hoje, quer ao menos sair dali para os
mente vulnerável. A Defesa Civil alertou “Minha antiga vizinha veio hoje ver o
com três inquilinos que garantiam à apartamentos que serão construídos
o casal: qualquer movimento de terra resto da casa dela ser demolida, mas não
família uma renda mensal de R$ 1500. para os desabrigados.
pode atingi-los. aguentou o choque e passou mal. A sen-
Além dos Garcia, a Central de Re- sação de impotência é desesperadora e
construção tem cerca de duas mil famí- sei que poderia ser comigo. Ainda pode”.