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A reforma urbana do Rio de Janeiro entre 1903 e 1906, liderada por Pereira Passos, teve como objetivo modernizar a cidade e adequá-la ao status de capital do Brasil. Isso foi feito através da abertura de grandes avenidas no Centro e demolição de cortiços, expulsando os pobres para as periferias. No entanto, a população pobre acabou se instalando nos morros ao redor do Centro, dando início ao processo de favelização e aumentando os contrastes sociais na cidade. A reforma
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A Reforma Urbana de Pereira Passos No Rio de Janeiro
A reforma urbana do Rio de Janeiro entre 1903 e 1906, liderada por Pereira Passos, teve como objetivo modernizar a cidade e adequá-la ao status de capital do Brasil. Isso foi feito através da abertura de grandes avenidas no Centro e demolição de cortiços, expulsando os pobres para as periferias. No entanto, a população pobre acabou se instalando nos morros ao redor do Centro, dando início ao processo de favelização e aumentando os contrastes sociais na cidade. A reforma
A reforma urbana do Rio de Janeiro entre 1903 e 1906, liderada por Pereira Passos, teve como objetivo modernizar a cidade e adequá-la ao status de capital do Brasil. Isso foi feito através da abertura de grandes avenidas no Centro e demolição de cortiços, expulsando os pobres para as periferias. No entanto, a população pobre acabou se instalando nos morros ao redor do Centro, dando início ao processo de favelização e aumentando os contrastes sociais na cidade. A reforma
A REFORMA URBANA DE PEREIRA PASSOS NO RIO DE JANEIRO
A RELAO ENTRE AS REFORMAS OCORRIDAS NO RIO ENTRE 1903 E 1906 E O PROCESSO DE
CRESCIMENTO DESIGUAL DA CIDADE
A geografia das grandes cidades nem sempre segue uma lgica de desenvolvimento lenta e espontnea. H exemplos de grandes reformas que impactaram de forma imensamente significativa o processo de desenvolvimento de imensas reas urbanas. Este post trata de fazer uma breve relao entre a reforma feita no Rio de Janeiro no incio do sculo XX e a configurao atual da cidade. A paisagem do Rio de Janeiro notabiliza-se fundamentalmente por seus contrastes. A relao entre o mar e as montanhas, entre o tumulto dos centros econmicos e a beleza das praias E tambm os contrastes sociais, escancarados como em poucas outras cidades mundo afora. Pode-se dizer que um dos momentos cruciais para a ocupao do Rio foi a abolio da escravatura em 1888. Esse momento histrico agravou a crise da produo cafeeira no Brasil, e com isso causou um grande xodo do campo para as cidades. Alm disso, a Lei urea criou instantaneamente uma imensa massa de desempregados miserveis, analfabetos e sem qualquer capacitao profissional. Foram esses novos desempregados que comearam a se amontoar no Centro do Rio ao longo da segunda metade do sculo XIX. Naturalmente, a demanda por moradia e emprego era muito maior que a oferta, restando a essa massa o improviso. O Rio de Janeiro, ento uma cidade que acumulava as funes administrativa e porturia, foi vendo as ruas estreitas e tortas de seu centro antigo lotarem de cortios. Em 1902 eram em torno de 600, que representavam a nica opo de moradia para a legio de pobres que vivam no Rio. As ridculas condies de higiene daqueles locais fizeram com que a cidade fosse infestada por diversas pestes como a malria, a febre amarela e a varola. A propagao de doenas acabou por ser o pretexto que faltava para uma grande reforma que j era pensada havia tempos: pretendia-se adequar a cidade do Rio de Janeiro ao status de capital do Brasil, cortando-o com largas avenidas e edificaes imponentes ao gosto do modelo de produo que viria a instalar-se a partir desse perodo.
Cortio no Centro do Rio O principal plano de reforma urbana do Rio de Janeiro foi enfim levado a cabo pelo prefeito Francisco Pereira Passos a partir de 1903, sob incentivo do presidente Rodrigues Alves. A inspirao para esse projeto ambicioso no podia ser outra seno a famosa reforma urbana de Paris levada a cabo pelo infame Baro de Haussmann. O poltico francs, ao longo de 17 anos (1853-1870), derrubou casas, eliminou ruas estreitas medievais e rasgou Paris com imensosboulevards, elevando s alturas o custo do solo no centro da capital francesa e expulsando os pobres para as periferias. Em outras palavras, Haussmann deu a Paris a cara que a cidade possui hoje, sendo sua reforma responsvel por vrios dos smbolos que Paris ostenta, como a prpria Avenue des Champs-lyses. No me proponho aqui a avaliar o episdio, mas somente apresent-lo como referncia fundamental quilo a que o Rio de Janeiro assistiu algumas dcadas depois. H que se notar que a imitao da reforma parisiense muito limitada, quase se restringindo criao de grandes avenidas centrais por meio da expulso daqueles pobres que, em seus cortios, estragavam a paisagem do centro administrativo do pas. Sob o argumento da higienizao da cidade do Rio higienizao que de fato houve a gesto Pereira Passos em quatro anos deu seqncia a um plano que j havia sido iniciado anos antes com a derrubada de alguns cortios (como o clebre Cabea-de-Porco). Nesse perodo inmeros moradores do Centro receberam ordens de despejo, e seus cortios foram postos abaixo para a construo de avenidas, praas e novos edifcios.
Demolies para a construo da Avenida Central (hoje Avenida Rio Branco)
Theatro Municipal, uma das obras mais importantes de Pereira Passos
Avenida Rio Branco hoje, no trecho entre a Rua do Ouvidor e a Sete de Setembro Foram, entre 1903 e 1906, duas grandes reformas: uma modernizao da zona porturia degradada e em seguida uma interveno maior no Centro histrico. Ruas estreitas e insalubres sumiram do mapa, cortios e casas pobres foram postas abaixo, e surgiu no Centro a Avenida Central (atual Avenida Rio Branco), assim como a Francisco Bicalho, a Rodrigues Alves, a Avenida Maracan e a Avenida Beira-Mar, que se propunham a facilitar a ligao entre o Centro e os bairros residenciais mais abastados. Destacam-se tambm nessa poca que revolucionou a malha urbana do Rio os alargamentos de vias como a Marechal Floriano, a Rua do Catete, a Uruguaiana, a Rua da Carioca, entre tantas outras; e a construo de obras importantssimas como o Theatro Municipal, uma das marcas da administrao de Pereira Passos.
Planta do Rio de Janeiro com destaque para as novas avenidas propostas poca Sob muitos aspectos a administrao Pereira Passos obteve sucesso naquilo a que se propunha. Melhorou o ento emergente fluxo de veculos na cidade, diminuiu a distncia entre diversos locais, melhorou as condies de higiene. Mas nem tudo ocorreu conforme o planejado: a idia de elitizar o Centro e afastar dali para conjuntos habitacionais na periferia a populao pobre no conseguiu ser totalmente posta em prtica. A topografia carioca ps-se a favor daqueles que foram removidos de seus lares miserveis, e lhes ofereceu uma alternativa para se manterem no Centro, prximos de seus empregos: os morros. A periferizao da populao pobre no ocorreu exatamente como se supunha, ao passo em que a paisagem da auto-construo (feita em placas e chapas de madeira, em geral resduos da demolio de cortios e da construo de novos edifcios) nas bases dos morros imps seu contraste em meio s elegantes avenidas traadas pelos engenheiros e urbanistas a servio de Pereira Passos. Se por um lado no se pode de jeito nenhum atribuir a uma s administrao em um momento histrico o atual cenrio do Rio de Janeiro (vale lembrar que para muitos historiadores a primeira ocupao de morro para construo de barracos no Rio comeou em 1893), por outro lado fica clara a relao que a reforma excludente praticada no incio do sculo passado teve no processo de criao desse cenrio.
Morro da Provicncia (ento Morro da Favela) no incio de sua ocupao, no fim do sculo XIX
Morro da Providncia nos dias de hoje As reformas urbanas do Rio de Janeiro ocorridas entre 1902 e 1906 marcam um momento crucial por que passava o pas: a passagem do meio de produo mercantil para o capitalismo. um momento em que se nota de forma escancarada a ao do Estado em privilgio do capital, e de certo modo a transferncia de responsabilidades ao setor privado, ou seja, trata-se de um momento em que o Estado delega ao capital privado a funo de estruturar a cidade tendncia observada at hoje. Sem a interveno estatal, a lgica de crescimento da cidade passa a seguir a lgica do mercado, que leva valorizao do solo nas reas centrais e periferizao das classes baixas, sem a criao de uma estrutura que permita sequer o deslocamento do morador da periferia at as reas centrais da cidade, bem como um crescente esvaziamento dos centros histricos. O Rio particularmente se notabiliza pela ocupao dos vazios urbanos por parte dessa populao carente, mas importante ressaltar que a proximidade dessas ocupaes no lhes garante qualquer ateno do Estado. So reas que fisicamente esto prximas dos grandes centros, mas que historicamente sempre estiveram na periferia das prioridades do Estado. Voltando a Paris, a cidade cuja reforma foi mal e mal copiada (melhor dizendo, foram copiados alguns aspectos criteriosamente selecionados). Por que na capital francesa no se observa o mesmo fenmeno ocorrido no Rio? Porque em Paris os erros histricos foram corrigidos sobretudo com a forte interveno estatal ocorrida no perodo ps-guerra, durante os anos da social-democracia. As tendncias de esvaziamento das reas centrais e periferizao, notveis no Rio de Janeiro e em outras grandes cidades brasileiras, tambm deram as caras em Paris, mas naquela cidade o Estado interveio no sentido de regulamentar e organizar o crescimento da cidade. Em 1967 foi aprovado por decreto um plano urbanstico para Paris, com diretrizes que propunham o equilbrio do crescimento da cidade, a manuteno da ocupao do Centro histrico, entre outros. O plano diretor parisiense poderia, a propsito, protagonizar um bom post aqui no Arquitetnico. possvel observar, desde o incio do sculo, o Estado delegando suas funes ao capital privado, mostrando-se na verdade a servio do mesmo. Nesse contexto, o nascimento do fenmeno da favelizao do Rio de Janeiro pode ser entendido como uma maneira de as classes excludas do processo de crescimento da cidade exercerem seu direito cidade, apropriando-se dos vazios deixados pelas reformas urbanas do Rio, e com isso intensificando tenses sociais preexistentes, e que cresceriam ainda mais nos anos posteriores devido manuteno dessa excluso perversa. Esta , naturalmente, apenas uma das vrias abordagens possveis do processo de crescimento excludente do Rio de Janeiro. Mas as reformas urbanas desse perodo denotam definitivamente uma afirmao do papel que o Estado assumia nesse processo, em favor da modernizao e elitizao da cidade por meio da sumria expulso dos desfavorecidos para a periferia.