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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES


DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES PÚBLICAS, PROPAGANDA E TURISMO

Luana Carolina Baio

O STATUS CÉLEBRE:
Dos Heróis às Figuras da Era Midiática

São Paulo
2009
Luana Carolina Baio

O STATUS CÉLEBRE:
Dos Heróis às Figuras da Era Midiática

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de


Comunicações e Artes como requisito parcial para a obtenção
do título de bacharel em Comunicação Social com habilitação
em Publicidade e Propaganda.

Orientador: Prof. Dr. João Luís Anzanello Carrascoza

São Paulo
2009
BANCA EXAMINADORA

Espaço reservado às observações da Banca Examinadora responsável pela avaliação deste


trabalho, apresentado em _____ de dezembro de 2009, na Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo.

Examinador 1 Examinador 2 Examinador 3

Considerações:
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AGRADECIMENTOS

À minha mãe Ana Maria e às minhas irmãs Karen e Debora, que respeitaram minha decisão
em me dedicar integralmente a este trabalho e me deram todo o tipo de suporte para que eu
pudesse finalizá-lo.

Aos meus amigos Adrielly, Diego, Drielle, Franklin, Felipe, Mariana e Pedro: companhias
constantes e figuras importantíssimas durante toda a minha graduação.

Ao Prof. Dr. João Luís Anzanello Carrascoza, orientador deste trabalho. Alguém por quem eu
já nutria grande admiração, que só veio a crescer após estes meses de convivência.
O STATUS CÉLEBRE:
Dos Heróis às Figuras da Era Midiática

Luana Carolina Baio

Resumo: Este trabalho se propõe a estudar as celebridades midiáticas e o impacto que estas
causam na consciência do indivíduo em diferentes momentos históricos. Para entender as
modificações do status célebre no decorrer da história, olharemos com especial interesse para
questões relacionadas ao mito e à religião, para os processos de formação de identidades e
para as modificações decorrentes da inserção de novos meios de comunicação na vida do
indivíduo.

Palavras-chave: Celebridades. Mito. Identidade. Mídia. Mercadoria. Discurso.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................07

CAPÍTULO 1: AS PERSONAGENS CULTURAIS............................................................09

1.1. A celebridade dentro do estudo de comunicação...............................................................09


1.2. Os mitos, o imaginário popular e o inconsciente coletivo.................................................13
1.3. Figuras habitantes do imaginário: o herói..........................................................................16
1.4. A figura pública mitificada.................................................................................................17

CAPÍTULO 2: DO HOMO RELIGIOUS AO HOMEM MIDIÁTICO:


FATORES DE DESENVOLVIMENTO DA INDIVIDUALIDADE HUMANA..............19

2.1. Hegemonia cultural religiosa e a figura do herói-mártir....................................................19


2.2. A figura do herói na passagem para as culturas nacionais.................................................21
2.3. Escrita, imprensa e cultura humanista................................................................................23
2.4. A mudança do herói na cultura humanista.........................................................................27
2.5. Metrópole, industrialização, crise de identidade e alteração do ‘olhar’.............................31

CAPÍTULO 3: CELEBRIDADE MIDIÁTICA E CULTURA DE MASSA.....................35

3.1. Um novo tipo de interação.................................................................................................35


3.2. A indústria do entretenimento............................................................................................37
3.3. A ascensão do rosto público da celebridade......................................................................39
3.4. A celebridade segundo uma visão estruturalista................................................................40
3.5. A celebridade pós-estruturalista.........................................................................................43
3.6. A celebridade como mercadoria........................................................................................46
3.7. Eu público vs. Eu privado..................................................................................................48
3.8. A relação estética dentro da cultura de massa....................................................................50

CAPÍTULO 4: O CINEMA E AS CELEBRIDADES-ESTRELAS...................................54

4.1. A estrela e o star system.....................................................................................................56


4.2. Trocas afetivas entre expectador e celebridade..................................................................59
4.3. Celebridades, discurso e transgressão: Marilyn Monroe e James Dean............................61
4.4. A crise do cinema e do star system....................................................................................70

CAPÍTULO 5: MULTIPLICAÇÃO E BANALIZAÇÃO DAS CELEBRIDADES.........72

5.1. Os primeiros anos do mercado fonográfico.......................................................................73


5.2. O rock’n roll, Elvis, os Beatles e a “rebelião” adolescente...............................................75
5.3. A celebridade musical e o discurso contracultural.............................................................81
5.4. Celebridade e identidade moderna.....................................................................................82
5.5. Televisão, celebridade e modernidade tardia.....................................................................85
5.6. A banalização do célebre...................................................................................................87
5.7. Madonna: administração de visibilidade e identidade metamórfica..................................91
5.8. Michael Jackson: O rei do pop e a destruição do mito......................................................97
5.9. Celeatores: A crítica da TV pela TV................................................................................100

CAPÍTULO 6: A QUESTÃO DA CELEBRIDADE NA ERA DIGITAL.......................104

6.1. O modelo de rede e a formação de identidades na era digital..........................................105


6.2. O conceito de long tail e as implicações na celebridade-mercadoria..............................107
6.2.1. A democratização das ferramentas de produção e os novos produtores..........111
6.3. A democratização da experiência da fama.......................................................................114
6.4. Renome e celebridade na internet....................................................................................117
6.4.1. Susan Boyle e a jornada do herói na era da internet........................................119
6.5. Celebridades da mídia de massa e administração do rosto público.................................122
6.5.1. O caso Daniela Cicarelli...................................................................................123
6.5.2. Redes sociais, celebridade e discurso responsável...........................................124
6.5.3. Divisão entre público e privado e a aura célebre.............................................128

CONCLUSÃO.......................................................................................................................130

BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................133
INTRODUÇÃO

As celebridades midiáticas vêm fazendo parte do dia-a-dia do indivíduo há


aproximadamente um século, e em sua curta, porém intensa história, foram responsáveis por
tirar suspiros de platéias do mundo inteiro, gerar mimetismos de detalhes e instituir na vida
cotidiana novos gestos, como o beijo de olhos fechados, a atitude blasé, reforçando uma visão
romântica do mundo. Por causa das celebridades, estádios são lotados por centenas de
milhares de fãs, jovens aparentemente inofensivas fazem o que for preciso para ficarem mais
próximas de seus ídolos, pessoas totalmente diferentes se unem sob o denominador comum da
estrela. Segundo Chris Rojek (2008, p.12), celebridades são pessoas que, invariavelmente,
causam algum impacto na consciência pública.
Mas as origens do encanto que estas causam nas multidões datam de muito antes da
mídia de massa, remetendo às sociedades primitivas, onde dominava o mito, as figuras
heróicas. Procuramos, através deste trabalho, voltar aos primórdios da cultura ocidental e
contar de que forma a evolução do imaginário humano, o processo de individualização do
homem e a ascensão de diferentes tecnologias comunicativas contribuíram para o
aparecimento, na esfera pública, de figuras admiradas, capazes de causar impacto na formação
de identidades.
No primeiro capítulo, vamos apresentar alguns conceitos básicos, a partir dos quais
desenvolveremos a linha de raciocínio deste trabalho. São eles: identidade e identificação em
diferentes culturas, inconsciente coletivo, mito e arquétipos na formação do imaginário dos
povos primitivos. Trataremos também da mitificação de figuras públicas e da formação de um
primeiro tipo de celebridade.
No segundo capítulo, vamos narrar o caminho percorrido pelo homem religioso da
Idade Média até a formação do homem urbano e midiático. Atentaremos para pontos
relacionados ao desenvolvimento das tecnologias comunicativas, do individualismo e à
modificação na imagem do herói conforme o avanço da história.
Já no terceiro capítulo, interromperemos a linha do tempo iniciada anteriormente para
nos atentarmos às questões relacionadas à mídia de massa e ao surgimento da celebridade
midiática. Neste capítulo, diversas visões de celebridade, oriundas de diferentes estudiosos,
serão apresentadas: alguns a posicionam como uma ferramenta utilizada pelo capitalismo para
dominar as massas. Já outros, a vêem como a personalização de vontades humanas relativas
tanto a desejos materiais quando a necessidades antropológicas relacionadas ao mito e à
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religião. Há também quem as caracterize como um projeto intertextual, construído tanto pela
mídia de massa quanto pelo público.
No quarto capítulo, retomaremos a narrativa histórica falando do surgimento do
cinema e da celebridade cinematográfica. Nessa estrutura se desenvolve o star system, a
fábrica de estrelas do cinema. O star system se valerá, por um lado, de simbolismos sagrados
já conhecidos para dar às celebridades uma aura de deuses e deusas na tela. Por outro lado, é
no cinema que se inicia um processo de humanização das estrelas e o aumento dos processos
de identificação do público com a personagem. Ilustraremos o capítulo, ainda, com a história
de vida de James Dean e Marilyn Monroe, buscando compreender por que eles se
transformaram em celebridades imortalizadas na mídia de massa.
No quinto capítulo, trataremos da multiplicação das celebridades através do
desenvolvimento do mercado fonográfico e analisaremos mais dois fenômenos célebres, os
primeiros a movimentar milhões neste mercado: Elvis Presley e os Beatles. Com a história
destes dois ícones, discutiremos também a importância das celebridades para o público jovem
e feminino. Com a chegada da televisão, temos a multiplicação de celebridades, o que nos
leva a uma análise da banalização das imagens e do status célebre.
Por fim, no sexto capítulo nos encarregamos em levantar algumas questões a respeito
da celebridade inserida no contexto das tecnologias digitais. Com a internet, nasce uma nova
estrutura comunicativa que nos faz repensar algumas oposições conceituais como “produtor
versus receptor” e “público versus privado”. Tais conceitos sempre estiveram muito ligados
à caracterização de celebridade, e por isso se faz importante analisar as alterações decorrentes
dessas mudanças.
As abordagens do tema “celebridades” são inúmeras, e não seria possível tratar de
todos os seus aspectos em um só trabalho. O objetivo desta monografia é oferecer uma visão
inicial sobre o assunto, mostrando que a celebridade envolve mais aspectos da vida do
indivíduo do que inicialmente se imagina.

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1. AS PERSONAGENS CULTURAIS

Celebridades midiáticas são figuras presentes na vida de qualquer indivíduo que tenha
nascido e crescido mergulhado no mundo da informação mediada, sejam eles os baby
boomers do pós-guerra, ou os integrantes da geração Y. Em uma primeira análise, podemos
afirmar que essas figuras são geradoras de impacto sobre a consciência individual. Não fosse
isso, elas não seriam tão exploradas na mídia atual, recebendo atenção de revistas
especializadas e programas de TV, sendo utilizadas para endossar marcas e produtos, dando
suas opiniões em assuntos os mais variados. O indivíduo busca por essas informações e por
vezes confia nestes endossos, e é por isso que elas estão presentes tão abundantemente. Mas
não basta dizer que as celebridades existem apenas para alimentar a curiosidade do homem
comum: elas são resultado de processos muito mais complexos, que envolvem a maneira
como o indivíduo vive, sente e se relaciona.
Um breve olhar sobre a evolução no estudo da comunicação e das ciências humanas
nos mostra como ao poucos a celebridade foi se tornando um objeto passível de análise e
importante para o entendimento da sociedade.

1.1. A Celebridade dentro do estudo de comunicação

As primeiras teorias de comunicação têm sua origem com a difusão dos meios de
comunicação em larga escala, período coincidente com as duas grandes guerras. Segundo
Mauro Wolf (2005, p.5), a novidade do fenômeno das comunicações de massa, junto com a
conexão desse fenômeno com as trágicas experiências totalitárias do período, foram
elementos que caracterizaram a mais conhecida das primeiras teorias de comunicação: a teoria
hipodérmica. Esta enxergava a massa como um agregado homogêneo de indivíduos
substancialmente iguais e não distinguíveis (WOLF, 2005, p.7), e seu processo de
comunicação era dominado pela idéia de causa e conseqüência, atribuindo ao produtor da
mensagem midiática um poder sem precedentes e ao receptor da mesma uma impotência no
que diz respeito à seletividade na incorporação dos conteúdos. Segundo este modelo, “todo
membro do público de massa é pessoal e diretamente ‘atacado’ pela mensagem” (WRIGHT,
1975, p.79).

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Essa proposição da teoria hipodérmica, sua visão de público como massa,
impossibilitou um exame mais atento sobre os materiais simbólicos que formam a mensagem
midiática, uma vez que, se qualquer mensagem era integralmente captada pelo indivíduo, as
diferentes maneiras pelas quais os meios de comunicação o faziam eram ignoradas.
Gradualmente, o foco dos estudos da mídia evoluiu da idéia de manipulação para a de
persuasão, passando depois pela influência e chegando às funções da mídia de massa, de
modo que fatores relativos à audiência, à mensagem, à credibilidade do comunicador, ao
contexto social, entre outros, passaram aos poucos a serem considerados, ainda que dentro de
situações específicas, como a de campanha política (WOLF, 2005, p.32-33).
O estudo da celebridade ganha força não entre os estudiosos da comunicação, mas sim
entre estudiosos dos processos sociais. Foi apenas através de um estudo que levasse em conta
não apenas o processo de transmissão e recepção da mensagem, mas as relações sociais como
um todo, ressaltando todas as complexidades do ser humano e de sua relação com o mundo,
sendo a mídia de massa apenas um dos componentes para a construção de identidades, que a
figura da celebridade se tornaria passível de estudo, não apenas como simples produto da
mídia de massa, indiferenciado dos demais, mas como personagem de uma nova cultura que
emerge no século XX: a cultura de massas.
Quem inaugurou essa visão culturológica da mídia foi o filósofo Edgar Morin, o qual
procurou discutir não apenas causas, efeitos e influências da mídia de massa, mas sim definir
essa nova forma de cultura na sociedade do século XX. Antes de qualquer aprofundamento no
assunto, se faz importante entender o que Morin definiu como sendo cultura de um modo
geral:

“Uma cultura constitui um corpo complexo de normas, símbolos, mitos e


imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade, estruturam os
instintos, orientam as emoções. Esta penetração se efetua segundo trocas
mentais de projeção e de identificação polarizados nos símbolos, mitos e
imagens da cultura como nas personalidades míticas ou reais que encarnam
os valores (os ancestrais, os heróis, os deuses)”. (1969, p.17)

O primeiro ponto a ressaltarmos nesta definição é o de que, ao afirmar que os


conteúdos da cultura penetram o indivíduo através de projeções e identificações, o autor está
estabelecendo um vínculo entre cultura e formação de identidades.
O próprio conceito de identidade, do qual falaremos durante todo o trabalho, é
extremamente complexo e discutido na comunidade acadêmica. Segundo Stuart Hall (2005,
10
p.10), o conceito de identidade muda à medida que muda a visão do sujeito dentro da
sociedade. Dessa maneira, do Renascimento no século XVI até o Iluminismo do século
XVIII, o homem era visto como um projeto único, com um centro essencial que o
acompanhava e durante toda a sua vida permanecia o mesmo. Esse centro essencial do
indivíduo era a sua identidade imutável.
O aumento da complexidade nas sociedades, resultado das evoluções tecnológicas,
comerciais e do crescimento das cidades, fez com que elas se tornassem também mais
coletivas. A engenharia de fluxos na qual o homem foi inserido, tanto em seu ambiente de
trabalho quanto no dia-a-dia, aumentou a percepção do homem como sendo parte de um todo,
uma das peças para movimentar a máquina social. Nasce, assim, uma concepção mais
“interativa” da identidade, que afirma que o sujeito continua tendo uma essência interior, mas
que esta é frequentemente modificada através da relação do indivíduo com a sociedade.
(HALL, 2005, p.11)
Com o tempo, esta imagem de sujeito unificado será cada vez mais negada, através de
teóricos das mais diversas áreas. Ao afirmar que os homens fazem a história, mas apenas sob
as condições que lhe são dadas, Marx colocou no centro de seu sistema teórico não o homem,
mas suas relações sociais. Já Freud, ao afirmar que nossas identidades, nossa sexualidade e a
estrutura de nossos desejos são formadas com base em processos psíquicos e simbólicos do
inconsciente, nega a idéia do sujeito racional do Iluminismo (Hall, 2005, p.36). O surgimento
de movimentos sociais, como o feminista, o movimento contra o racismo, a contracultura,
entre tantos outros, também foram sinais de que o homem não mais podia alinhar todas as
suas identidades dentro de uma “identidade-mestra” como a de classes, por exemplo. E com a
globalização - entendida como um conjunto de processos atuantes em escala global, que
atravessam fronteiras nacionais, integrando comunidades e organizações em novas
combinações de espaço-tempo, tornando o mundo mais interconectado (Hall, 2005, p.67) –
cada dia mais esse ideal de identidade unificada é deixado para trás.
Por isso, segundo Hall (2005, p.12-13), nos dias atuais é muito mais válido falar em
identificação, e vê-la como um processo em andamento, do que falar em identidade como
uma coisa acabada: “A identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada
continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos
sistemas culturais que nos rodeiam”.

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Morin, ao falar dos processos de identificação com os símbolos e imagens da cultura,
está falando também desse indivíduo inacabado, em constante transformação. O autor também
não vê a cultura como um corpo único de normas: afirma, sim, a existência de múltiplas
culturas particulares, que mudam de acordo com a época e a sociedade. Entre elas, citou as
culturas religiosas, humanistas e nacionais, e sobre elas afirmou:

“A cultura nacional, desde a escola, nos imerge nas experiências mítico-


vividas no passado, ligando-nos por relações de identificação e projeção aos
heróis da pátria. (...) A cultura religiosa se baseia na identificação com o
deus que salva, e com a grande comunidade maternal-paternal que constitui
a Igreja. (...) A cultura humanista procura um saber e uma sensibilidade, um
sistema de atividades afetivas e intelectuais, por meio do comércio de obras
literárias, em que os heróis do teatro e do romance, as efusões subjetivas
dos poetas e das reflexões dos moralistas desempenham de modo atenuado,
o papel de heróis, das antigas mitologias e de sábios das antigas
sociedades.” (MORIN, 1969, p. 17)

Para somar-se a essas culturas, emerge no século XX o que Morin chamou de cultura
de massas, “produzida segundo as normas maciças da fabricação industrial e propagada pelas
técnicas de difusão maciça (mass-media)”. É importante enfatizar que o termo é adotado pelo
autor sob o ponto de vista da produção de mensagens, ou seja, os conteúdos simbólicos dessa
cultura são produzidos maciçamente.
Como conseqüência da cultura de massas, nasce também a expressão produto cultural,
com a sua face dupla: produto industrial por um lado, material simbólico formador de
imaginários e identidades por outro. Será dentro dessa indústria cultural que nascerão figuras
de identificação que poderão ser comparadas, de certa forma, aos heróis das demais culturas.
Porém, de que forma os heróis míticos ou nacionais podem ser comparados às figuras da
cultura de massa? Em que grau essa comparação pode ser feita? Seria mais correto fazer essa
comparação com a celebridade em si ou com a figura imaginária que essa celebridade por
vezes encena?
Todas essas perguntas serão respondidas no decorrer do trabalho, à medida que
contaremos, brevemente, a história da evolução cultural nas sociedades ocidentais: sobre
como determinadas culturas reinaram quase absolutas em determinadas épocas, e como, ao
passo em que o tempo se desenvolveu, essas culturas passaram a conviver cada dia mais
juntas e estabelecer relações de identificação com o indivíduo em níveis diferentes de acordo
com o contexto. Nesta dinâmica em que diferentes culturas coexistem, trava-se cada dia mais

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um “jogo de identidades”, no qual o indivíduo é levado a lidar com identificações sociais que
muitas vezes acabam por rivalizar.
Os personagens da cultura, como deuses, heróis de mitos, e atualmente, no nosso ver,
as celebridades, ocupam uma posição particular dentro da história das identidades.
Influenciam e são influenciadas por esses processos e estarão sempre presentes como objetos
de estudo. Como ponto de parida, vale a pena analisar os mitos e as figuras do imaginário
humano desde as épocas mais primitivas, base a partir da qual se desenvolverá o pensamento
deste trabalho.

1.2. Os mitos, o imaginário popular e o inconsciente coletivo

Os mitos foram os primeiros conteúdos a habitar o imaginário popular com suas


figuras. Receberam diversas conceituações através dos tempos e dos campos de estudo,
algumas destas analisadas por Joseph Campbell em sua obra “O herói de mil faces”:

“A mitologia tem sido interpretada pelo intelecto moderno como um


primitivo e desastrado esforço para explicar o mundo da natureza (Frazer);
como um produto da fantasia poética das épocas pré-históricas, mal
compreendido pelas sucessivas gerações (Muller); como um repositório de
instruções alegóricas, destinadas a adaptar o indivíduo ao seu grupo
(Durkhein); como um sonho grupal, sintomático dos impulsos arquetípicos
existentes no interior das camadas profundas da psique humana (Jung);
como veículo tradicional das mais profundas percepções metafísicas do
homem (Coomaraswamy); e como a Revelação de Deus aos seus filhos (a
Igreja). A mitologia é tudo isso.” (CAMPBELL, 2007, p.367-368)

De acordo com Campbell, esses conceitos abordados não dizem respeito ao que é o
mito, mas sim ao modo como este serviu ao indivíduo na história, de acordo com suas
necessidades e exigências. O mito serviu, sim, como uma maneira de explicar o mundo pelos
povos primitivos, foi produto cultural das épocas pré-históricas, ajudou a unir indivíduos
socialmente, foi material simbólico para diversas religiões e assim por diante. Por isso seu
conceito é amplo e abrangente. Campbell (2007, p.15) preferiu defini-lo como “a abertura
secreta através da qual as inexauríveis energias do cosmos penetram nas manifestações
culturais humanas”. Assim, segundo o autor, “as religiões, filosofias, artes, formas sociais do
homem primitivo e histórico, descobertas fundamentais da ciência e da tecnologia e os
próprios sonhos que nos povoam o sono surgem do círculo básico e mágico do mito”

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(CAMPBELL, 2007, p.15). O mito seria, pelo menos nas sociedades mais primitivas, aquilo
que “toca e inspira profundos centros criativos” (CAMPBELL, 2007, p.15).
Tomando como ponto de partida os estudos de Jung, Campbell se baseia nas idéias de
inconsciente coletivo e arquétipos, tão difundidas pelo psicanalista, para explicar a natureza
dos mitos. Segundo Jung, o inconsciente é formado por duas camadas, uma mais superficial,
chamada de inconsciente pessoal, e uma mais profunda, o inconsciente coletivo. Enquanto o
inconsciente individual abriga conteúdos que um dia foram conscientes, mas que por algum
motivo foram suprimidos, os conteúdos do inconsciente coletivo nunca existiram na
consciência, sendo eles de natureza supra-pessoal, ou seja, habitam da mesma maneira em
cada indivíduo. Estes conteúdos foram chamados de arquétipos.
A existência dos arquétipos foi estudada por Jung através da análise de sonhos de
pacientes e alucinações de doentes mentais. Já Campbell realizou um estudo das mitologias de
povos primitivos das mais diferentes partes do globo, percebendo que as histórias contadas
para explicar a criação ou os fenômenos ao seu redor utilizavam simbolismos muito
parecidos, alterando-se apenas os elementos regionais característicos de cada povo. Eram
praticamente as mesmas histórias contadas de diferentes maneiras. Isso mostra que este
conteúdo do inconsciente coletivo acaba por se modificar através de sua conscientização pelo
ser humano, assumindo diferenças que dizem respeito aos traços individuais de interpretação
dessas imagens. Essa conscientização se deu, desde as sociedades mais primitivas,
principalmente quando o homem necessitava de respostas para os fenômenos que presenciava.
Desde os mais complexos fenômenos até os mais objetivos e sensoriais, o homem primitivo
sempre precisou associá-los a acontecimentos anímicos. Segundo Jung (2000, p.18), “para o
primitivo não bastava ver o Sol nascer e declinar; esta observação exterior devia corresponder
– para ele – a um acontecimento anímico, isto é, o Sol devia representar em sua trajetória o
destino de um deus ou herói que, no fundo, habita unicamente a alma do homem”.
Uma vez que para todos os fenômenos presenciados pelo homem primitivo havia uma
explicação baseada num mito, o imaginário das populações antigas era rico em simbolismos, e
nele habitavam figuras fantásticas e mágicas, que transcendiam a realidade. É exatamente esse
fato que Bill Moyers (1988) ressalta, durante uma entrevista com Campbell, quando diz que
“o mito está no nível de referência onde metáforas se referem a coisas absolutamente
transcendentais. O que não pode ser conhecido, ou que não pode ser nomeado, exceto na

14
nossa frágil tentativa de revesti-lo com a linguagem”. Ao que Campbell (1988) complementa:
“E na nossa linguagem, a palavra para designar o que há de mais transcendental é Deus”.
Mesmo antes do aparecimento das primeiras grandes religiões, as culturas dos povos
sempre foram carregadas de um caráter fortemente religioso, devido ao “sentimento de Deus”
que acompanha os mitos. Com a diferença de que, antes das religiões institucionalizarem seus
mitos, a experiência com figuras míticas era muito mais interior, ou seja, o sagrado estava em
todas as coisas e o homem podia senti-lo à sua maneira. A partir do momento em que as
religiões exteriorizaram as imagens do inconsciente coletivo, fizeram com que a interpretação
das mesmas não se desse mais de maneira tão pessoal. Porém, ao mesmo tempo, “graças ao
labor do espírito humano através dos séculos, tais imagens foram depositadas num sistema
abrangente de pensamentos ordenadores do mundo” (JUNG, 2000, p.20), com imagens e
personagens cada vez mais bem elaborados. Logo, na passagem do homem religioso primitivo
para o homem que nasce no mundo das instituições religiosas já estabelecidas, uma grande
carga simbólica individual se perde. As imagens arquetípicas que este encontra em sua
religião são fortes e poderosas, a ponto do homem pouco parar para pensar sobre elas.
Outros fatos contribuíram para um colapso do universo simbólico na vida do
indivíduo, como afirma Campbell:

“O ideal democrático do indivíduo autodeterminado, a invenção da máquina


movida por um motor e o desenvolvimento do método científico de
pesquisa transformaram a tal ponto a vida humana, que o universo
intemporal de símbolos, há muito herdado, entrou em colapso. (...) O
fascínio do passado, o cativeiro da tradição foram abalados com firmes e
certeiros golpes. A teia onírica do mito ruiu; a mente se abriu à plena
consciência desperta; e o homem moderno emergiu da ignorância antiga.”
(CAMPBELL, 2007, p. 372)

Isso não quer dizer que os mitos deixaram de existir. Mas perderam sua importância
diante de um mundo em que o indivíduo pode encontrar suas explicações, não dentro de si,
mas nas ciências, nas notícias lidas nos jornais, no rádio, na TV ou na internet. O indivíduo,
cada vez mais, se viu dotado da capacidade de se expressar, inventar suas próprias histórias,
seus próprios heróis. Mas para isso, ele precisará das figuras de seu imaginário como
referência. E este legado do mito perdura até hoje. Por mais que a riqueza simbólica do
passado tenha se perdido, os mitos ainda vivem, mesmo que inconscientemente, no
imaginário humano.

15
1.3. Figuras habitantes do imaginário: o herói

Segundo Eliade (1996, p.87), “a função mais importante do mito é, pois, ‘fixar’ os
modelos exemplares de todos os ritos e de todas as atividades humanas significativas:
alimentação, sexualidade, trabalho, educação, etc”. O personagem recorrente desses mitos,
aquele que parte em uma jornada com o objetivo de dar sua vida por algo maior ou diferente
dele mesmo, constitui a figura arquetípica do herói.
Próprio de seu caráter arquetípico, a história do herói se repete seguindo sempre um
padrão, que constitui sua jornada: ele é um ser vindo do mundo cotidiano que se aventura num
território desconhecido e sobrenatural, onde terá que lutar contra determinadas forças. Uma
vez que sai vencedor, este herói retorna de sua aventura transformado, mudando para melhor
a vida de seus semelhantes. Todo herói tem um objetivo moral, que pode ser o de salvar um
povo, uma pessoa ou uma idéia, e para isso, deverá se sacrificar de alguma forma.
Quando falamos em sacrifício do herói, não significa que a jornada do herói pressupõe
sua morte física ao fim da missão. Segundo Campbell (2007 p.40), “em todos os lugares,
pouco importando a esfera do interesse (religioso, político ou pessoal), os atos
verdadeiramente criadores são representados como atos gerados por alguma espécie de morte
para o mundo”. Esta morte pode estar relacionada ao desligamento do herói da sociedade, que
é o ponto de partida para seu processo de transformação antes do renascimento do herói para
o mundo. Esta, sim, é a morte essencial na jornada. Porém, uma segunda morte pode ocorrer.
Caso o herói realize o retorno à sociedade, ele pode encontrar incompreensão por parte das
pessoas pelas quais realizou a jornada. Muitas não conseguem entender a mensagem que ele
deseja transmitir ou estão acomodadas demais para desejar abandonar uma situação pré-
estabelecida. Neste caso, o resultado pode ser, também, a morte física do herói.
A figura do herói que morre fisicamente em nome de uma causa é popular nas
sociedades ocidentais, onde domina a religião cristã, que se construiu segundo a imagem
martírica de Cristo. Nesta imagem primordial de herói, espelharam-se, durante séculos, as
imagens heróicas de diversas outras culturas, até que a cultura de massa veio a jogar por terra
a necessidade da segunda morte. Segundo Campbell (1988), “O herói evolui à medida que a
cultura evolui”. Damo-nos a liberdade de ir mais longe e dizer que o herói evolui à medida
que as culturas evoluem e necessitam de figuras à sua imagem e semelhança para desenvolver

16
um discurso coerente com seus valores. É justamente sobre a evolução dessas culturas e seus
valores que trataremos no capítulo seguinte, posicionando a figura do herói dentro da
evolução de uma sociedade unificada, pelo senso de comunidade, para uma sociedade de
indivíduos.
É relevante, além dos estudos a respeito de mitos e heróis, começarmos a falar em
“figura pública”. Isto porque, historicamente, podemos perceber uma tendência de
desprendimento dessas imagens heróicas do mundo anímico para a inserção das mesmas na
realidade tangível. O primeiro passo dado neste aspecto data desde as sociedades mais
antigas, onde podemos dizer que uma espécie de celebridade “embrionária” nasceu.

1.4. A figura pública mitificada

O sociólogo britânico Chris Rojek (2008, p.11) define celebridade como “a atribuição
de status glamouroso ou notório a um indivíduo dentro da esfera pública”. Este não é um
fenômeno recente, mas tem sua origem a perder de vista. Porém, algumas diferenças com
relação à atribuição desse status podem ser percebidas com o passar do tempo.
A maioria das celebridades antigas possuía um status honorífico conferido, isto é, sua
função célebre era intimamente relacionada à linhagem. Neste grupo, estão inclusos reis,
rainhas e integrantes da nobreza. Essas figuras, mais do que apenas célebres, eram também,
na maioria dos casos, consideradas representantes de Deus na Terra. Outro grupo de
celebridades tinha sua fama atribuída externamente: eram as pessoas que, por seus feitos em
vida, foram consideradas heróis. Porém estes, geralmente, só gozavam da celebridade após a
morte. É possível concluir, desta maneira, que as primeiras figuras públicas a receberem o
status de celebridade passavam por um processo direto de mitificação, isto é, a notoriedade
dessas figuras se dava pelo fato de serem seres abençoados.
Isso nos leva a uma primeira abordagem teórica sobre o assunto da celebridade, que
Rojek chamou de subjetivista. Segundo o autor, na visão do subjetivismo, a celebridade
recebe este status por ser única, e os dons a ela atribuídos não podem ser explicados de forma
objetiva. Segundo as palavras do próprio autor (2008, p. 33),

“O subjetivismo ortodoxo sustenta que a razão de as platéias serem


intensamente afetadas pelo modo de andar, a forma do rosto, a maneira de
reagir e falar de uma celebridade é a existência de uma química especial.
Isto é, não pode ser explicada racionalmente.”
17
Segundo Rojek, Max Weber é um dos estudiosos que contribuíram para a formação de
uma visão subjetivista da celebridade, ao inventar o conceito de carisma para aplicar a
qualidades especiais ou únicas atribuídas a um indivíduo. Segundo Rojek (2008, p.35-36),
Max Weber conceituava a autoridade carismática como inspiradora, algo que “depende de
ocorrências aparentemente milagrosas ou semi-milagrosas, tais como profecias que se
realizam, batalhas que são sempre vencidas, poderes de cura que não falham, desempenhos
artísticos cujos sucessos se repetem”. Ou seja, “uma pessoa é investida de carisma em virtude
da crença popular em qualidades pessoais extraordinárias”.
Devido a essas qualidades que lhe são conferidas por nascença, ou por dom, as figuras
célebres da época se viam com a liberdade e o dever de se diferenciarem do resto dos
indivíduos. O excesso e a transgressão são características atribuídas às celebridades
conferidas desde o início dos tempos. Segundo Rojek (2008, p.35), “o fato de celebridades
parecerem habitar um mundo diferente do resto de nós parece lhes dar licença para fazer
coisas com as quais nós só podemos sonhar”. Assim, a visão subjetivista não procura utilizar-
se de explicações concretas para buscar a resposta do status honorífico das celebridades. Esse
status é simplesmente algo natural, que não pode ser contestado. Coerente com a visão da
época, no subjetivismo, as explicações dadas para explicar o status honorífico da celebridade
ainda estão embebidas de forte carga simbólica: elas receberam um dom, um presente dos
deuses.
No capítulo seguinte, vamos analisar como ocorreu a mudança dessa sociedade
apoiada nos valores religiosos para uma sociedade onde a valorização do indivíduo resultará
numa mudança radical na formação de identidades coletivas e individuais, bem como na visão
de celebridade e de seu status honorífico.

18
2. DO HOMO RELIGIOUS AO HOMEM MIDIÁTICO: FATORES DE
DESENVOLVIMENTO DA INDIVIDUALIDADE HUMANA

No capítulo anterior, discutimos a relação entre cultura e construção de identidades,


apresentamos a maneira através da qual os valores culturais eram encarnados no passado (com
o mito), bem como as primeiras personalidades que encarnaram esses valores (os deuses e
heróis). Falamos em um “sentimento de Deus” que acompanhou as sociedades mais
primitivas e que estabelecia uma relação estreita entre cultura e religiosidade, de forma que
era praticamente impossível falar de uma sem citar a outra. Por fim, discutimos a importância
das figuras públicas da época, percebendo como a visão de celebridade estava intimamente
atrelada ao caráter sagrado e heróico. Cabe a nós, agora, fazermos uma breve
contextualização histórica do processo que levou à modificação do homem essencialmente
religioso para um homem com múltiplas identificações. Para isso, tomaremos como ponto de
partida a Europa da Idade Média, uma vez que é desta raiz comum que descende toda a
história ocidental.

2.1. Hegemonia cultural religiosa e a figura do herói-mártir

No início da Idade Média, temos uma modificação brusca na organização política e


social da Europa, devido às invasões dos povos ditos “bárbaros”, o que culminou na queda do
Império Romano do Ocidente. O Feudalismo representou um processo de descentralização
política e de ruralização da economia, e este processo, uma vez consolidado, acabou com o
poder centralizador do Imperador e abriu as portas para a afirmação da Igreja como instituição
simbólica reinante na vida da população.
Com a fragmentação territorial e o avanço do Cristianismo, que já era uma realidade
mesmo durante o Império Romano, muito da cultura clássica se perdeu, fazendo-se presente
apenas em pequenas proporções no imaginário popular, através dos mitos herdados das
gerações anteriores. E à medida que o Cristianismo chegava ao ápice de seu poder, o homem
chegava ao seu menor grau de individualidade.
Isso porque a Igreja Católica se firmou fortemente como instituição e conseguiu
exteriorizar seus mitos a ponto de construir um código próprio de imagens divinas e heróicas.
Para o fiel, não era mais necessário buscar as imagens no interior de si; a Igreja já havia feito
19
isso por ele. Assim, perdeu-se muito da experiência religiosa interior e ganhou-se na
experiência sensorial das catedrais góticas, dos grandes vitrais e imagens (JUNG, 2000, p.19-
20). Além disso, a escolha da figura de um herói-mártir como representante religioso reforça
ainda mais a predominância do coletivo sobre as vontades individuais na doutrina Católica.
O principal herói, símbolo dos valores religioso na Europa Ocidental, foi o próprio
Cristo, que, de acordo com as escrituras, foi condenado e morto sob o julgamento de seu
povo, com o único objetivo de salvá-lo. Jesus foi, sem dúvida alguma, a grande figura do
herói-mártir da história Ocidental, e baseado nesta figura se configurou a religião cristã.
Chegando à Idade Média, um clero que buscava a manutenção do poder soube utilizar sua
imagem para oprimir desejos e vontades em favor da fé.
O herói-mártir é aquele que, na jornada descrita por Campbell (2007, p.41), após a
reintegração à sociedade, enfrenta dificuldades na difusão de sua mensagem e que, por isso,
acaba presenciando o colapso de sua carreira e levando a busca pela verdade às últimas
consequências. Segundo Zygmunt Bauman (2007, p.59), os heróis-mártires são potenciais
vítimas que “colocam a lealdade à verdade acima de todos os cálculos e benefícios ou ganhos
terrenos (materiais, tangíveis, racionais e pragmáticos), sejam eles genuínos ou putativos,
individuais ou coletivos”.
Assim, a figura do herói-mártir é a de alguém que luta contra grandes maiorias e que,
na maioria das vezes, sai derrotado. A morte para ele é, numa visão otimista, uma forma de,
quem sabe, fazer com que a verdade prevaleça. O mártir é símbolo da força do bem comum
sobre o indivíduo, uma vez que morre lutando por uma nova situação para os demais. Esse
sentimento do indivíduo, construído na cultura religiosa a partir da figura do mártir, como
sendo parte de um ‘todo’ maior do que ele mesmo, é o ponto fundamental dessa filosofia que
negava a individualidade e tentava suprimi-la a todo custo. Entre todos, o medo do Inferno
encorajava a busca pelo bem coletivo. Dentro dos mosteiros, a auto-flagelação, visando anular
os desejos da carne, é o exemplo do extremismo a que esta maneira de ser poderia chegar. O
mártir representou o triunfo do credo sobre a libido (CAMPBELL, 1988). E mais do que isso,
o triunfo da comunidade sobre o indivíduo.
Tal cenário começa a mudar lentamente a partir da crise da Idade Média, com a
configuração de uma sociedade nova, que passa a contar com outras figuras e valores para a
formação de identidades. Para que o desenvolvimento dessa sociedade mais mutável e plural
fosse possível, foi necessário antes a consolidação de um Estado forte e estruturado sob uma

20
imagem soberana e única. Neste processo, uma figura muito similar à do mártir, mas com
características particulares, exerceu papel importante: o herói nacional. E do impulso dado por
esses Estados para o desenvolvimento do capitalismo, uma importante invenção possibilitou a
democratização da escrita. A partir daí, diversas modificações se sucederam, num
emaranhado de acontecimentos que iriam culminar numa nova busca pelo individualismo.

2.2. A figura do herói na passagem para as culturas nacionais

Até a baixa Idade Média, o Ocidente era dividido em pequenas unidades


descentralizadas, onde o poder local sobrepunha o poder do Rei. Os valores e
comportamentos ideais para cada camada social eram ditados pela Igreja, cada unidade feudal
tinha suas próprias leis de tributação e o poder do senhor feudal era o de um representante de
Deus na Terra. Porém, com o desenvolvimento das cidades, do comércio e da classe burguesa,
junto com a queda da produção agrícola dos feudos e as revoltas cada vez mais freqüentes,
mostrou-se necessário a todas as classes um governo mais centralizador, que garantisse a
segurança nos feudos e nas cidades e que propiciasse um maior crescimento do comércio,
através da unificação de mercados e moedas. A evolução do capitalismo dependia dessa
unificação.1
Não era uma tarefa fácil. Na época, a Europa estava dividida em centenas de unidades
políticas com fortes diferenças étnicas e lingüísticas, e cada uma dessas unidades pedia para si
o status de Estado-Nação. É claro que, apenas algumas delas tinham, efetivamente, o poder
para tal. Assim, a criação dos exércitos nacionais foi de extrema importância no que diz
respeito à demarcação dos novos territórios que vinham a surgir. Não se tratava apenas de
assegurar proteção contra ameaças externas, ao mesmo tempo em que reivindicavam pela
posse de novas terras. Segundo Bauman (2007, p.60-61),

“Construir e fortificar um Estado-Nação exigia o expurgo de costumes,


dialetos e calendários locais ou de viés étnico, e sua substituição por
padrões unificados sob a supervisão de ministros de Estado do Interior, da
Educação e da Cultura. (...) E exigia também silenciar, isolar e incapacitar o
infiel, o desleal, os suspeitos de serem vira-casacas e os apenas indiferentes

1
SOUSA, Rainer. Formação dos Estados Nacionais Modernos. Disponível em:
<http://www.brasilescola.com/historiag/estados-nacionais.htm>. Acesso em: 18 abr. 2009.

21
ou não suficientemente convencidos e entusiasmados entre os destinados a
ser os futuros cidadãos nacionais do Estado-nação.”

Logo, junto com a busca pela distinção entre territórios, buscou-se mais do que nunca
um espírito nacionalista e unificador. Apenas um exército forte não seria suficiente para
assegurar o poder de uma nação: eram necessários, acima de qualquer coisa, súditos dispostos
a morrer pela própria pátria, um espírito nacionalista capaz de se propagar e de atingir os
territórios antes mesmo destes serem reivindicados. Era necessário criar um espírito de
pertencimento dentro do todo que estava para ser construído. Na era do nacionalismo, lutava-
se com mais vontade, ao mesmo tempo em que os conquistados rendiam-se com menos pesar.
Assim, “a era da construção do Estado-nação precisava ser uma era de heroísmo – de
patriotismo heróico, para ser mais preciso” (BAUMAN, 2007, p.61).
O herói nacional possui características muito parecidas às do mártir. A mais
importante, sem dúvida, é que ambos possuem o poder de mobilizar e reunir pessoas que, sem
eles, não seria possível estarem juntas. O herói nacional, assim como o mártir, morre pelo
bem comum, por uma causa maior. Essa morte continua sendo vista como um sacrifício,
porém, segundo assinala George L. Mosse (1990 apud BAUMAN, 2007, p.61) “agora, ao
menos em público, se afirma que o ganho sobrepujara a perda pessoal”. Morrer lutando
significava garantir a “imortalidade material da nação” (BAUMAN, 2007, p.61) e, por todos
os lugares, homenagens eram erguidas a esses guerreiros, cujos atos de uma vida inteira nunca
seriam suficientemente grandes para ultrapassar a importância do ato heróico. Na verdade, o
que se percebe é que, assim como “a modernidade endeusou e encantou a ‘nação’”
(BAUMAN, 2007, p.61), os mártires foram resgatados pelos Estados Nacionais, para, sob o
nome de heróis nacionais, gerarem a mesma mobilização conseguida anteriormente.
Esse herói, que já havia ganhado vida na época das Cruzadas e que agia em nome de
Deus, foi trazido à vida novamente, dessa vez para lutar pela nação. É claro que a importância
da religião se manteve forte durante toda a Idade Média e séculos após a mesma, chegando
inclusive aos dias de hoje. O objetivo aqui não é o de provar que a ascensão de uma cultura
nacionalista minaria os valores religiosos, porém o símbolo do herói nacional mostra que o
indivíduo passará a contar com mais fontes de identificação e a ser habitado por diferentes
conteúdos simbólicos. Apesar do herói nacional se encaixar perfeitamente no modelo heróico
da mitologia e de, justamente por isso, conseguir se transformar em uma figura de caráter

22
sobrenatural, ele não está mais lutando por ideais sagrados, mas por motivos profanos e em
favor do Estado.
Este herói, que primeiramente carregou os ideais da cruzada e depois passou a lutar
pela unificação nacional, será também o que carregará, numa próxima fase, os ideais da busca
pessoal e de um novo tipo de amor, como trataremos mais adiante.

2.3. Escrita, imprensa e cultura humanista

Durante toda a Idade Média, a leitura e a escrita permaneceram como privilégio de


poucos e o acesso aos textos, tanto sagrados quanto clássicos, eram monopólio da Igreja.
Assim, além de totalmente baseada na tradição, a cultura da época era predominantemente
oral. Tais características estão intimamente ligadas: por não possuírem nenhum substrato
material de perpetuação da informação, tais sociedades necessitam da ritualização constante
para manterem suas tradições vivas através dos tempos.
De acordo com a definição de Thompson (1998, p.163), tradição é “qualquer coisa que
é transmitida ou trazida do passado. Pode envolver elementos do tipo normativo, mas este não
é necessariamente um aspecto de todas as tradições”. Na verdade, de acordo com o autor, o
aspecto normativo, orientador de ações, é apenas um dos aspectos da tradição. No caso das
sociedades orais, é um dos mais importantes, juntamente com o aspecto legitimador, que se
serve da tradição como razão para o exercício do poder e da autoridade. Porém, a tradição
pode ser entendida também como “uma estrutura mental para entender o mundo” (aspecto
hermenêutico), ou mesmo como fornecedora de material simbólico, que poderá contribuir
para a formação da identidade do indivíduo (aspecto identificador).
Segundo Thompson (1998, p.172-174), devido à característica oral dessas sociedades,
as tradições costumavam ser ritualizadas, personalizadas e enraizadas. Ritualizadas, uma vez
que dependiam de uma reconstituição prática e contínua para não se perder com o tempo.
Personalizadas, uma vez que dependiam da interação entre as pessoas para que se mantivesse
viva. Enraizadas, pois dependiam da existência de locais específicos de interação face a face.
Porém, diversos acontecimentos históricos viriam a mudar essa situação.
O primeiro, e talvez mais importante deles, foi a invenção dos tipos móveis, por
Gutemberg. Apesar de o alfabeto fonético já existir séculos antes, foi apenas a partir dessa
invenção que a leitura e escrita se popularizaram, uma vez que a produção tornou-se mais

23
barata, acessível e maciça. Morin (1969, p.60) afirma que “a tipografia inaugura o que
poderíamos chamar de páleo-cultura de massa, no sentido de que ela atrai um lento
movimento de democratização da cultura clássica (grego-latina-cristã) e que sustenta a cultura
burguesa”.
A imprensa iniciou um processo de desritualização, despersonalização e
desenraizamento da tradição nas sociedades. Desritualização, já que “com a fixação de
conteúdo simbólico num substrato material de qualquer tipo, a manutenção da tradição no
tempo pode se desligar da necessidade da reconstituição prática e contínua” (THOMPSON,
1998, p.172). Despersonalização, uma vez que “na medida em que a transmissão da tradição
se torna dependente de formas mediadas de comunicação, ela também se separa dos
indivíduos com quem interage na vida cotidiana” (THOMPSON, 1998, p.173). E
desenraizamento, causando um enfraquecimento dos elos que mantinham a tradição ligada a
específicos lugares de interação face a face (THOMPSON, 1998, p.173). Isso não quer dizer
que a tradição foi destruída: longe disso, até hoje instituições tradicionais, como família e
Igreja, ainda assumem papéis importantes na vida das pessoas. O que se vê, porém, é um
enfraquecimento dos aspectos normativos e legitimadores da tradição, dando lugar a um
fortalecimento dos aspectos hermenêuticos e identificadores.
A questão da tipografia foi tratada também por McLuhan (1964, p.195). Segundo ele,
“a tipografia acabou com o paroquialismo e com o tribalismo, tanto psíquica quanto
socialmente, tanto no espaço quanto no tempo”. A subjetividade que nasce através da
tipografia foi uma conquista rumo a um indivíduo mais desapegado de seus laços de origem,
ainda que a imprensa produza essa fonte de individualidades maciçamente.
Como resultado do desenvolvimento da imprensa, vemos também, conforme explica
Thompson (1998, p.57), “o surgimento de novos centros e novas redes de poder simbólico
que se baseavam principalmente nos princípios da produção mercantil, e que eram por isso
mesmo relativamente independentes do poder político e simbólico controlados pela Igreja e
pelo Estado”. Assim, autores clássicos, como Homero, Virgílio e Ovídio, foram
redescobertos, tornando possível a expansão do humanismo italiano por outros países da
Europa. Obras voltadas ao homem da cidade, os almanaques, ofereciam conhecimentos
práticos da vida quotidiana, como tabelas para o cálculo do custo de bens, para converter
medidas, pesos, valores monetários, calcular tempo e distância, entre outros. O campo
científico também se beneficiou com esse desenvolvimento, através da parceria de editoras

24
com professores universitários na preparação de obras científicas. Textos de medicina,
anatomia, botânica, geografia, matemática, astronomia e tantos outros se espalharam pelo
meio acadêmico, criando uma rede de conhecimentos que chegaria a toda a Europa.
McLuhan (1964, p. 199) considera o livro impresso como “primeira máquina de
ensinar”, responsável por ampliar os limites do alfabeto e, através da distribuição maciça de
conteúdos, revelar ao mundo a estrutura da escrita, fazendo com que este se familiarize com
ela. Além disso, ao permitir colocar textos acadêmicos a disposição dos alunos, tornou a
memória pessoal obsoleta, uma vez que a fixação e organização do pensamento em um
substrato material garantiam a perpetuação deste conhecimento de maneira mais eficaz.
No que diz respeito às modificações da percepção humana, através do livro impresso
desenvolveu-se a capacidade de leitura analítica. Por análise, entende-se a “decomposição ou
separação de um produto do pensamento, em seus elementos constituintes”2 para seu melhor
entendimento. Então, assim como a escrita possibilitou a organização do pensamento em um
material externo ao homem, através da leitura do material impresso o olhar foi estendido,
treinado para a leitura convencionada a ser da direita para a esquerda, de cima para baixo,
onde as idéias tecidas no papel estão prontas para serem decifradas, bastando para isso,
entender o sistema de códigos alfabéticos.
Segundo Thompson (1998, p.58), além da difusão de uma maior variedade de
conteúdo simbólico, o advento da imprensa contribuiu para uma maior liberdade na
interpretação dos textos. Entre eles, os textos sagrados foram os que sofreram mais com essa
mudança. Uma vez que passou a ser impressa e encontrar-se disponível a um número cada
vez maior de pessoas, quebra-se o monopólio de interpretação da Bíblia e um poder crescente
é dado ao indivíduo. É a partir daí que surgem figuras como Martinho Lutero, não oriundas da
Igreja, com uma opinião particular a respeito das escrituras e com um novo poder de
disseminação em mãos.
Apesar das tentativas da Igreja em controlar a circulação de alguns livros de conteúdo
profano e ameaçador de seus dogmas (com a compilação do índex librorum prohibitorium), a
maioria das tentativas eram em vão. Livros proibidos em uma determinada região eram
impressos em outro território e contrabandeados para dentro da área censurada, estimulando o

2
DICIONÁRIO MICHAELIS ONLINE. Análise. Disponível em: <
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=an%E1lise>.
Acesso em: 20 abr. 2009.

25
comércio ilegal de livros. A invenção de Gutemberg atingira proporções tão grandes que em
certo ponto não se fazia mais possível conter os conteúdos produzidos por ela (THOMPSON,
1998, p.57).
Porém, as contribuições da imprensa para a formação das sociedades modernas não
param por aí. À medida que o mercado editorial ia crescendo, este buscava diferentes formas
de atingir seu público. Uma das iniciativas foi começar a produzir textos nas línguas
vernáculas, ao invés do latim, língua oficial da Igreja Católica. Os principais desdobramentos
desse fato foram dois: Por um lado, uma vez que a Igreja continuou a considerar o latim como
única língua de seus textos e a proibir o uso das línguas vernáculas, “uma barreira lingüística
de maiores dimensões começou a crescer entre o clero e as populações leigas” (THOMPSON,
1998, p.61). Por outro, a fixação das línguas vernáculas nos textos impressos foi uma
condição necessária (porém não suficiente) para o crescimento de uma sensação de identidade
nacional. Segundo a análise de Benedict Anderson (1991, p. 43-46),

“a convergência do capitalismo, a tecnologia da imprensa e a diversidade de


línguas na Europa dos séculos XV e XVI apressaram a erosão da
comunidade sagrada da cristandade e a emergência das ‘comunidades
imaginadas’ e que posteriormente se tornaram as bases para a formação da
consciência nacional. Ao difundir o uso das línguas vernáculas, impressores
e editores criaram campos unificados de comunicação que eram mais
diversificados do que o latim e menos do que a multiplicidade dos dialetos
falados. Lendo textos vernáculos, indivíduos gradualmente se tornaram
conscientes do fato de que pertenciam a uma comunidade virtual de leitores
com quem eles nunca iriam interagir diretamente, mas a quem se sentiam
ligados através da imprensa.”

Assim como Anderson B., McLuhan (1964, p.202) também considera a imprensa
como “o arquiteto do nacionalismo”. Segundo o McLuhan, “A unificação política das
populações por meio de agrupamentos vernáculos e lingüísticos não foi possível até que a
imprensa transformasse cada idioma em meio de massa extensivo.”
A partir da invenção da imprensa e democratização da alfabetização, a tradição e o
sagrado serão muito menos orientadoras das ações do homem e se tornarão uma entre as
várias figuras que contribuirão para a formação da identidade deste novo indivíduo que, ao
mesmo tempo em que se liga à esfera nacional com fortes laços, também se torna mais aberto
ao mundo e mais livre para pensá-lo ao seu modo. É só a partir dessa democratização da
cultura escrita que podemos falar também numa subjetividade, num real indivíduo, destacado
dos demais através dos conhecimentos adquiridos de maneira autodidata e auto-interpretativa.
26
Todas essas mudanças sinalizam o surgimento de uma nova cultura, que Morin (1969)
chamou de “humanista”, e que colocará, pela primeira vez desde o estabelecimento do sistema
feudal, o indivíduo como soberano. Sobre essa transformação, que teve início no
Renascimento do século XVI, chegando a seu ápice no Iluminismo do século XVIII, Hall
(2005, P. 25) afirma:

“As transformações associadas à modernidade libertaram o indivíduo de


seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas. Antes se acreditava que
estas eram divinamente estabelecidas; não estavam sujeitas, portanto, a
mudanças fundamentais. O status, a classificação e a posição de uma pessoa
na ‘grande cadeia do ser’ – a ordem secular e divina das coisas –
predominavam sobre qualquer sentimento de que a pessoa fosse um
indivíduo soberano.”

Como conseqüência dessa alteração na maneira do indivíduo se enxergar, este passa a


buscar as respostas que procura sobre as coisas do mundo não em acontecimentos anímicos,
mas em fatos científicos. As narrativas ficcionais não mais são mitos fundadores, mas
histórias que retratam de alguma forma o cotidiano e os sentimentos desse homem. O herói
retratado nessa nova cultura vai lentamente passando por um processo de humanização,
tornando-se cada vez mais parecido com o homem comum e por isso gerando identificações
cada vez maiores.

2.4. A mudança do herói na cultura humanista

O trovadorismo, fase de produção literária coincidente com o período de formação dos


Estados Ibéricos, traz a figura do herói para a literatura, numa mistura de valores cristãos com
outros que recuperam culturas clássicas, além da inserção de um novo sentimento na
característica do herói: o amor entre homem e mulher.
Segundo Campbell (1989), o amor presente nas cantigas trovadorescas e nas novelas
de cavalaria provenientes da última fase da Idade Média é um amor diferente dos retratados
até então. Não é como o amor Eros, carnal e sexual, característico das sociedades clássicas.
Também não é como o amor Ágape cristão, um amor misericordioso, que se aplica a todas as
pessoas, amigas e inimigas. É um amor resultado da mistura dos dois primeiros, onde “os
olhos são os batedores do coração. Eles vão à frente para encontrar uma imagem que possam
recomendar ao coração” (CAMPBELL, 1988). Logo, um amor surgido a partir de uma
27
experiência individual. De fato, as cantigas trovadorescas são resultado da sobrevivência da
cultura laica clássica no imaginário medieval que, durante a Idade Média, sofreu diversas
alterações, ganhando uma roupagem religiosa. Por isso esse amor era ainda carregado de
platonismo e tinha um caráter inatingível, uma vez que a Igreja da época pregava os
relacionamentos “arranjados” de maneira conveniente. Todo amor de caráter minimamente
individualista, deveria ser suprimido ao plano do inalcançável.
Além da ascensão do amor cortês nas cantigas trovadorescas, temos nas novelas de
cavalaria uma busca heróica que se torna cada vez mais pessoal, apesar de, na maioria das
vezes, um ideal coletivo maior servir como grande cenário. O maior exemplo desta nova
busca está na novela A demanda do Santo Graal, que conta a história da busca dos Cavaleiros
da Távola Redonda por um objeto sagrado, o Santo Graal, que na versão cristã da narrativa
seria um cálice com o sangue de Cristo coletado por José de Arimatéia3. Apesar do ideal
conjunto da busca pelo objeto sagrado, cada um dos cavaleiros acaba também traçando um
caminho próprio. Assim, se desenvolvem, paralelamente à história maior, outras histórias
menores, como a do amor de Lancelote por Guinevere, esposa de Arthur.
Segundo Daniel Puglia (2007, p.1-2), a história em questão tem origem celta e
remonta ao século VIII, época em que possivelmente viveu o Arthur histórico. As primeiras
narrativas (orais) das quais se têm conhecimento são do século XIII, e as primeiras versões
escritas datam do século XV. Assim, entende-se que, com o passar do tempo, uma historia
originalmente laica foi apropriando-se de elementos nacionais e cristãos à medida que se
inseriu no contexto da Idade Média e da formação dos Estados Nacionais. Porém, o
individualismo característico das sociedades clássicas nunca conseguiu ser apagado por
completo das manifestações culturais da época, como é o caso da história do Graal.
Representantes da cultura no final da Idade Média, o Trovadorismo e as novelas de
cavalaria carregavam fortes valores religiosos em sua essência, porém faziam despontar
alguns traços de individualidade, através do amor cortês e das jornadas heróicas que foram se
tornando cada vez mais pessoais. Esses romances de cavalaria eram responsáveis por difundir
o ideal de vida da nobreza, baseado nos ideais do amor sublime e aventuroso, na busca pela

3
WIKIPEDIA, A enciclopédia livre. Santo Graal. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Santo_Graal>.
Acesso em: 10 mai. 2009.

28
verdade e pela honra. Estabeleciam um ideal de vida, um modelo de boa conduta, mas a
relação com o leitor era muito mais de projeção do que de identificação.
No século XVI, esse estilo literário já se encontrava enfraquecido. O nascimento e
desenvolvimento das cidades, da burguesia e de uma noção de indivíduo soberano deram
início também a uma literatura burguesa, com os pés mais fincados na realidade. Don Quixote
(1612), é a maior expressão desse novo mundo que surge, colocando “no segundo grau de
ironia a contradição entre o sonho sublime e a realidade simples” (MORIN, 1969, p.61). O
cavaleiro medieval, com seus ideais de honra, heroísmo e amor ideal, é altamente satirizado,
se choca com um mundo que em nada condiz com seus sonhos, e morre sem encontrar um
sentido real na vida. É a máxima crítica aos valores medievais e o anúncio de uma nova
cultura que desponta.
Segundo Morin (1969, p.61),

“No século XVII, o romance é esquartejado entre os dois pólos da quimera


e do realismo, mas logo esses dois pólos vão operar uma eletrólise de onde
sairá o romance moderno. Os temas de amor serão extraídos dos romances
de cavalaria (que se enfraquecerá) para serem integrados no romance
burguês que deixará de ser cínico e caricatural para ficar realista.”

A partir daí, correntes literárias se seguiram, sempre alternando um caráter mais


sentimentalista e dual, de outro mais realista. Porém, foi apenas com o romance burguês que
as narrativas chegaram a um grau de inspiração na vida quotidiana capaz de gerar
movimentos projetivos e identificativos de mesma proporção.
Um dos grandes retratos desta nova situação está presente na obra francesa Madame
Bovary, de Gustave Flaubert. Nela é retratada (e criticada) a mulher burguesa, que vive em
meio à metrópole moderna, influenciada pela literatura romântica e rodeada por uma
sociedade já tomada pelo individualismo:

“Não gostava do mar senão pelas suas tempestades e da relva unicamente


quando era alternada com ruínas. Sentia necessidade de poder tirar das
coisas uma espécie de proveito próprio, e repelir como inútil tudo que não
contribuísse para a alegria imediata do coração, porque tinha um
temperamento mais sentimental que artístico, procurando emoções e não
paisagens.” (FLAUBERT, 2008, p.55)

Segundo Morin, em Madame Bovary, a heroína da história representa a burguesa


culta, é a imagem da consumidora típica de romances. “Emma se aborrece, sonha com o
29
amor, não pode se satisfazer com a vida monótona de província. É no romanesco que ela
procura a saída e isto intervirá em sua vida de modo patético e irrisório” (1969, p.61). Mais
uma vez, a literatura posiciona-se contra a idealização e cria uma obra que, assim como Don
Quixote, procura expurgar a fantasia, em favor de um mundo mais real, porém, dessa vez,
estabelecendo uma forte identificação entre leitor e personagem. O trecho a seguir retrata essa
quase-fusão a que o romance procura chegar:

"Lembrou-se das heroínas dos livros que havia lido e a legião lírica dessas
mulheres adúlteras punha-se a cantar em sua lembrança, com vozes de
irmãs que a encantavam. Ela mesma se tornara como uma parte verdadeira
de tais fantasias e concretizava o longo devaneio de sua mocidade,
imaginando-se um daqueles tipos amorosos que ela tanto invejara antes.
Além disso, Ema experimentava uma sensação de vingança. Pois não
sofrerá já bastante? Triunfava, todavia, agora, e o amor, por tanto tempo
reprimido, explodia todo, com radiosa efervescência. Saboreava-o sem
remorsos, sem inquietação, sem desassossego." (FLAUBERT, 2008, p.242)

Pode-se dizer que, a partir da corrente romântica, e mais fortemente na realista, a


literatura conseguiu gerar personagens que poderiam, sem sombra de dúvida, mexer com o
imaginário do leitor num duplo fluxo de projeção e identificação, o que Morin (1969, p.62)
chamou de bovarysmo. Os heróis desses romances, em quase nada se assemelham aos heróis
mitológicos: só podemos falar em uma jornada, se levarmos em conta que esta é muito mais
pessoal. O herói do romance burguês não mais está em busca de uma melhor situação para o
restante da sociedade. Se tenta expurgar algum demônio, são os demônios dentro de si mesmo
e sua busca é a de um sentido para sua própria vida. O herói da cultura humanista representa,
de maneira muito atenuada, os papéis antes atribuídos aos heróis mitológicos.
Este caráter individual do herói será elemento-chave quando da consolidação de uma
cultura de massa anos depois. Porém, vale lembrar que tal característica atingiu a esfera
burguesa e culta da população, num processo que veio se desenvolvendo desde o século XVI
até chegar ao século XIX. Paralela a isso, muito depois da literatura burguesa, se desenvolveu
o romance popular, de características muito distintas.
O romance popular surgiu a partir do século XVIII, carregado dos elementos presentes
em seu imaginário: lendas, mitos, contos de fadas, narrações folclóricas com temas de um
universo fantástico, são alguns exemplos dos conteúdos que recheavam as tramas populares,
geralmente vendidas de porta em porta por mercadores ambulantes. Essas características se
modificaram com o surgimento do folhetim de imprensa no século XIX, através da inserção
30
de elementos quotidianos na narrativa, porém mantendo sempre o caráter extraordinário dos
acontecimentos. (MORIN, 1969, p.63)
Assim, no começo do século XX, duas correntes distintas se apresentam: o romance
burguês, psicológico e realista, e o romance popular, melodramático e espetacular. O cinema,
em seus primeiros anos de vida, irá sofrer grande influência principalmente da segunda
tendência, uma vez que, de início, era um entretenimento predominantemente popular.
Segundo Morin (1969, p.65),

“os conteúdos da cultura de massa não foram fabricados artificialmente. A


cultura de massa, em certo sentido, é a herdeira e continuadora do
movimento cultural das sociedades ocidentais. Na cultura de massa vão
confluir as duas correntes com as águas frequentemente misturadas, e no
entanto, fortemente diferençadas logo que a industrialização da cultura
aparece: a corrente popular e a corrente burguesa, a primeira dominando, de
início, a segunda se desenvolvendo em seguida.”

Logo, o nascimento da cultura de massa, que virá adiante, não deve ser entendido
como uma construção totalmente nova, como uma quebra abrupta onde nada se aproveita. A
própria construção da celebridade midiática nasce de características já encontradas nos
romances burgueses, como a presença de traços de identificação entre personagem e leitor,
resultado de um maior foco dado a questões do indivíduo.

2.5. Metrópole, industrialização, crise de identidade e alteração do ‘olhar’

Desde a invenção dos tipos móveis por Gutemberg, no final da Idade Média, uma fase
de desenvolvimento tecnológico lento, porém constante, possibilitou ao europeu “o domínio
de poderosas forças naturais, de fontes de energia cada vez mais potentes, de novos meios de
transporte e comunicação, de armamentos e conhecimentos especializados” (SEVCENKO,
2001, p.14). A mecanização da agricultura através da força animal, as diversas inovações
mecânicas nas linhas de produção têxteis, a utilização da água como fonte de energia, a
fabricação de novos materiais (como o aço) na produção de máquinas, a abertura de canais de
transporte artificiais aquáticos, a invenção do motor à vapor e suas inúmeras inovações, o
domínio da fundição do ferro e mais tarde o seu uso para a construção de grandes obras, a
invenção da bateria elétrica, da energia a gás, da locomotiva a vapor, do telégrafo, dos cabos
de telégrafo submarinos, do telefone, do fonógrafo, da luz elétrica, do motor à explosão, todas
31
essas inovações foram resultado, principalmente, da união de dois fatores: primeiro, a
explosão do saber científico propiciado pelo renascimento das culturas clássicas e pela
formação de uma rede de conhecimento científico em toda a Europa, através do livro
impresso. Segundo, devido ao desenvolvimento do capitalismo e da geração cada vez maior
de margens de lucros, que possibilitavam a realização de melhoras no setor produtivo. Esse
período de desenvolvimento teve como ponto culminante a invenção da energia elétrica que,
além de gerar grandes mudanças no que diz respeito aos potenciais produtivos do sistema
econômico vigente, também alterou de maneira irreversível a percepção do indivíduo, “seu
modo de vida e as rotinas do seu cotidiano” (SEVCENKO, 2001, p.61). Todas essas
alterações estão intimamente ligadas entre si, de maneira a ser difícil dissociar até que ponto
uma desencadeou a outra. Como ponto de partida, podemos tomar o fato de que o
desenvolvimento tecnológico tornou possível o crescimento das cidades em um grau nunca
antes imaginado. Segundo afirma Nicolau Sevcenko (2001, p.61),

“As novas demandas de mão-de-obra dos grandes complexos industriais,


associadas à mecanização em massa das atividades agrícolas, provocaram
um êxodo coletivo de grandes contingentes da população rural em direção
às cidades, dando origem às metrópoles e megalópoles modernas. Pela
primeira vez as cidades podem crescer em escala colossal, pois os novos
meios de transporte movidos a eletricidade (...) podem deslocar rapidamente
grandes multidões”

Esse novo homem nascido com a eletricidade é produto das tecnologias e das grandes
aglomerações de gente das metrópoles modernas que, administradas por uma complexa
engenharia de fluxos, irão impor ao cidadão que este adquira um novo ritmo, seja trabalhando
na linha de produção, seja ao andar pelas ruas da cidade. Nesse contexto, ocorre a primeira
alteração do comportamento humano frente à nova sociedade tecnológica: “são os homens e
mulheres que devem se adaptar ao ritmo e à aceleração das máquinas, e não o contrário”
(SEVCENKO, 2001, p.62).
Segundo Simmel (1987, p.26), este novo ambiente, onde o homem é sucessivamente
submetido a novos estímulos nervosos de todos os lados, traz, por um lado, uma maior
facilidade na construção de sua personalidade. Porém, por outro lado, o excesso de conteúdos
externos oferecidos passa a tomar a vida dos indivíduos da cidade de maneira tão intensa, que
estes passam a sentir que estão perdendo suas incomparáveis características pessoais.

32
Esse problema foi abordado por Hall (2005) como sendo uma crise de identidades,
onde as velhas identidades do homem (religião, nacionalidade, gênero, raça, etc) estão sendo
deslocadas por novas identificações que surgem em sua vida cotidiana, acabando por
fragmentar o indivíduo moderno, que até então era considerado um sujeito unificado, mas não
consegue mais se enxergar dessa maneira, uma vez que este se sente deslocado tanto do
mundo social e cultural quanto de si mesmo.
Este sentimento de perda de identidade é analisado por Sevcenko (2001, p.63) sob um
outro ponto de vista:

“A alteração no padrão do comportamento das pessoas imposta pela


preeminência das máquinas, das engenharias de fluxos e do passo acelerado
do conjunto, como seria inevitável, acaba também provocando uma
mudança no quadro de valores da sociedade. Afinal, agora os indivíduos
não serão mais avaliados pelas suas qualidades mais pessoais ou pelas
diferenças que tornam única a sua personalidade. Não há tempo nem espaço
para isso. (...) A forma prática de identificar e conhecer os outros é a mais
rápida e direta: pela maneira como se vestem, pelos objetos simbólicos que
exibem, pelo modo e pelo tom com que falam, pelo seu jeito de se
comportar.”

Assim, seja o motivo da “sensação de perda” de identidade o aumento da quantidade


de identificações do indivíduo com os cenários culturais à sua volta, seja a falta de tempo para
estabelecer uma comunicação mais profunda com o outro (na verdade um motivo não exclui o
outro, é possível inclusive que estejam intimamente ligados), o resultado dessa nova angústia
acaba fazendo com que o indivíduo “apele para o extremo no que se refere à exclusividade e
particularização, para preservar sua essência mais pessoal. Ele tem de exagerar esse elemento
pessoal para permanecer perceptível até para si próprio” (SIMMEL, 1989, p.26).
Logo, os desenvolvimentos tecnológicos (entre eles a eletricidade), a aceleração dos
ritmos urbanos e, por fim, a necessidade de adaptação do olhar humano para organizar e
entender esse novo fluxo de máquinas e massas circulantes são os três fatores principais que
modificaram sensivelmente o indivíduo, mergulhando-o em um universo cada vez maior de
informação e significados, onde a imagem desempenha um papel fundamental.
Vale lembrar que, ao mesmo tempo em que essa mudança de percepção acontecia,
uma importante modificação de fundo social se configurava na Europa: com o
desenvolvimento da produção industrial, que em seus primeiros anos explorava os
trabalhadores em jornadas de trabalho desumanas, também desenvolveram-se os sindicatos de

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trabalhadores e suas reivindicações por melhores condições de trabalho que, com o tempo, se
transformaram em melhores salários, menores jornadas de trabalhos e o direito a dias de
folga. Essas conquistas sociais possibilitaram às camadas mais baixas o direito ao lazer. Com
o impulso do espírito capitalista, as primeiras mídias de massa se desenvolveram, altamente
orientadas a esse novo público sedento por entretenimento.
Segundo Morin (1969, p.73), “o lazer moderno surge como o tecido mesmo da vida
pessoal, o centro onde o homem procura se afirmar enquanto indivíduo privado”. Nesse
contexto, “as massas têm acesso, no quadro de um lazer determinado pelos desenvolvimentos
técnicos, aos níveis de individualidade já atingidos pelas classes médias”. Desta forma, está
configurado o novo modelo de cultura industrial, inaugurada principalmente através do
cinema e estendida para todos os campos da vida urbana através do rádio, da indústria
fonográfica, sustentada também pela imprensa e mais tarde chegando ao seu ápice através da
televisão.

34
3. CELEBRIDADE MIDIÁTICA E CULTURA DE MASSA

No capítulo anterior, procuramos esclarecer todo o caminho histórico percorrido pelo


homem ocidental até a chegada ao século XX, caminho este marcado por uma valorização do
individualismo que operou grandes mudanças na vida da sociedade. Já falamos da
industrialização, da formação das primeiras metrópoles modernas e na alteração que a
eletricidade operou nos sentidos humanos, com destaque para a visão, e em como um maior
fluxo de informações e de identificações transformou o self do indivíduo em uma obra
inacabada, em constante transformação. Vamos analisar agora, mais detalhadamente, como
essas mudanças afetaram a apresentação da imagem pública, a interação entre público e mídia
e, consequentemente, a visão de celebridade.

3.1. Um novo tipo de interação

A ascensão das mídias eletrônicas, iniciada com o cinema e o rádio até a invenção da
TV, bem como o desenvolvimento crescente da imprensa de notícias, impulsionado pela
invenção da eletricidade, fez com que um novo tipo de interação ganhasse destaque: a quase-
interação mediada que, a partir do século XX, se fez presente no quotidiano geral, sem
exceção de classes ou idade.
De acordo com Thompson (1998, p.79), a quase-interação mediada, diferentemente da
interação face-a-face, não necessita de um contexto de co-presença para acontecer. Esta se
dissemina livremente através do tempo e do espaço. Além disso, se distingue da simples
interação mediada (uma conversa telefônica, um diálogo através de cartas) pelo fato das
informações disseminadas não se dirigirem a pessoas específicas, isto é, a natureza e o
número de destinatários da mensagem não são definidos. Nas palavras de Thompson (1998,
p.80), a quase-interação mediada:

“cria uma situação estruturada na qual alguns indivíduos se ocupam


principalmente na produção de formas simbólicas para outros que não estão
fisicamente presentes, enquanto estes se ocupam em receber formas
simbólicas produzidas por outros a quem eles não podem responder, mas
com quem podem criar laços de amizade, afeto e lealdade”

35
Este novo tipo de interação provoca grandes modificações, quando comparada aos
contextos face-a-face, tanto no que diz respeito à administração da visibilidade do produtor,
quanto à recepção da mensagem e a maneira como esta será tratada. Como ponto de partida
para esta análise, vale a pena entender de que maneira se dava a interação entre indivíduos
num contexto de co-presença.
Irvig Goffman (1959, p.15) afirma que o ser humano, inserido em uma estrutura de
interação face-a-face, tentará adequar suas ações de acordo com o contexto do momento.
Tudo o que é relevante a esse contexto, formará o que ele chamou de ‘região frontal’ e será
aquilo visível e perceptível durante a comunicação. Já o que se apresentar irrelevante para o
momento, será guardado nas ‘regiões de fundo’ e não participará da interação. (GOFFMAN,
1959, p.111) Assim, o indivíduo está constantemente transitando entre diferentes estruturas
interativas, e consequentemente se adaptando às diferentes convenções exigidas por cada uma
delas.
Principalmente no que diz respeito às interações face-a-face, ou seja, nos diferentes
ambientes em que convivemos com o outro na vida cotidiana, é praticamente impossível nos
adaptarmos por completo a cada um dos ambientes pelos quais transitamos. A administração
de nossa visibilidade é uma tarefa difícil, principalmente porque a palavra proferida uma vez
não pode ser apagada e nem sempre o indivíduo tem um completo domínio da situação, de
seus sentimentos, de suas ações ou expressões.
A quase-interação mediada surge com uma nova situação que pode beneficiar o
produtor da mensagem num grau sem precedentes no que diz respeito à administração das
regiões frontais e de fundo dentro da estrutura comunicativa. Torna-se possível controlar
exatamente o que vai ser exibido/publicado, evitando, desta forma, gafes desnecessárias e
possibilitando, inclusive, a construção de figuras ideais, ou ao menos de figuras que
respondam totalmente às expectativas do produtor.
No que diz respeito à recepção da mensagem, essa estrutura unidirecional de
produção, característica da quase-interação mediada, possibilita um novo tipo de intimidade,
que Thompson (1998, p.191) chamou de “intimidade não-recíproca à distância”. Uma vez que
se estabelece entre seres que não habitam o mesmo ambiente espaço-temporal, este tipo de
intimidade torna-se atrativa justamente pelo fato de que o receptor da mensagem terá total
liberdade para estabelecer o tipo de engajamento que ele deseja ter com determinado ator,
locutor ou cronista, por exemplo. Tal relação é totalmente conveniente e responde

36
adequadamente às novas necessidades que a mídia de massa passa a atender, as necessidades
desse indivíduo que cada vez mais foge da dor e do comprometimento e corre em busca do
prazer e do imediatismo.
Logo, distância espaço-temporal, alto controle sobre as regiões frontais da estrutura
interativa e intimidade não recíproca à distância serão as três características relacionadas à
interação que transformarão as mídias de massa na fábrica de sonhos da indústria do
entretenimento, e as celebridades nas figuras mais desejadas e admiradas da cultura de massa.
Rojek (2008, p.51) faz uma observação importante sobre esse “relacionamento imaginário”
que se estabelece entre público e celebridade na cultura de massa. Segundo o autor,

“O relacionamento entre celebridades e fãs é tipicamente mediado pela


representação. (...) A mídia constitui o melhor canal de contato entre fãs e
celebridades. Palco, tela, audiotransmissão e cultura impressa são os
principais mecanismos que expressam os vários idiomas da cultura da
celebridade. (...) Cada um pressupõe distância entre celebridade e o
público. A cultura da celebridade é, de fato, impressionantemente uma
cultura de relações superficiais.”

Porém, por mais que se afirme que a relação entre público e celebridade seja marcada
pela superficialidade, o mesmo não se pode dizer sobre o seu efeito na formação de
identidades. À medida que decresce a crença num Deus, ou a identificação com a nação, duas
importantes formas de organização dos laços de reconhecimento e pertencimento do indivíduo
no passado, a mídia de massa passa a assumir uma importância crescente no que diz respeito
ao fornecimento de imagens de identificação com o público.

3.2. A indústria do entretenimento

Essas novas imagens com as quais o indivíduo passará a se identificar respondem a


uma euforia que nasce no seio da sociedade, e que irá aumentar à medida que os meios de
massa e a indústria do entretenimento se desenvolvem. Inicialmente considerado como
‘prazer de ilotas’, o cinema e o parque de diversões foram os primeiros empreendimentos
surgidos com o intuito de atender à classe de trabalhadores, que começava a desenvolver um
poder de consumo, porém não tinha acesso aos luxos das classes abastadas (a ópera, o teatro,
as belas artes). Sevcenko (2001, p. 73-74) nos dá uma idéia da mudança que este “mercado

37
das emoções baratas” causou na vida do trabalhador comum e como isto pode estar
relacionado a um novo espírito hedonista na sociedade:

“Em ambos (cinema e montanha-russa) se fica na fila, se paga, se senta e


(...) se é exposto a emoções mirabolantes. A montanha-russa produz a
vertigem do corpo, de tal modo que oblitera os sentidos (...). No cinema, as
luzes se apagam e a tela se irradia com uma hipnótica luz prateada,
isolando todos os sentidos e fazendo com que a vertigem nos entre pelos
olhos. (...) O impacto psicofisiológico da experiência é, no entanto, de tal
forma gratificante, que ninguém resiste a voltar muitas e muitas vezes,
fazendo desses atos um ritual obrigatório de todo fim de semana. Eles,
literalmente, viciam.”

É possível compararmos a emoção causada pelo cinema no expectador da época com a


emoção causada pelos cultos religiosos nas igrejas medievais: na alta Idade Média, devido em
partes à iluminação precária e ao desenvolvimento ainda em curso das técnicas de
pigmentação de materiais, que faziam com que estas fossem extremamente caras, as cidades
feudais da Europa medieval eram praticamente sem cor durante a noite, e dominadas por uma
paleta limitada de cores durante o dia: as tonalidades de bege da terra, o verde dos campos, o
azul do céu, e nada mais além. As Igrejas medievais eram os locais onde a população podia
vivenciar uma experiência totalmente diferente com as cores: a luz do sol batia nos grandes
vitrais e incidia no interior do templo numa infinidade de novas tonalidades que encantavam
os olhos e embriagavam o restante dos sentidos. A experiência fisiológica vivenciada dentro
das igrejas medievais adquiria um caráter religioso, uma vez que não se explicava nem se
apresentava em qualquer outro lugar que não fosse na “casa de Deus” (HUXLEY, 2002,
p.104). Entrar no templo sagrado mais do que nunca adquiria um significado especial. E de
certa forma, era a tecnologia que proporcionava parte desta experiência.
Podemos dizer que o cinema, em seus primeiros anos, provocou reação similar aos
sentidos humanos. Porém desta vez, o homem pode encontrar a causa da vertigem no atual
contexto tecnológico no qual ele se inseria, não necessitando apelar a explicações míticas para
o que via. Afinal, há algum tempo essa ponte simbólica entre alma e realidade objetiva havia
se quebrado. Mas isso não significa a morte do encantamento, muito pelo contrário. Neste
sentido, Guy Debord (2003, p.20) afirma que “o espetáculo é a reconstrução material da
ilusão religiosa. A técnica espetacular não dissipou as nuvens religiosas onde os homens
tinham colocado os seus próprios poderes desligados de si: ela ligou-os somente a uma base
terrestre”. O arrebatamento das emoções, o espanto e o encantamento dos sentidos se faziam
38
presentes e não possuíam mais caráter religioso. O consolo para a dura realidade vivida não
estava mais somente na crença de uma vida melhor após a morte, mas sim no lazer,
experimentado no momento presente, no momento do ócio. O que esta nova indústria
fornecia, ao preço de alguns trocados, eram porções de diversão e sonhos a vidas que
encontravam-se necessitadas disso. “Depois das matérias-primas e das mercadorias de
consumo material, era natural que as técnicas industriais se apoderassem dos sonhos e dos
sentimentos humanos” (MORIN, 1989, P.77). A partir dos conteúdos das mídias de massa, o
indivíduo podia evadir-se em outra “realidade”, no ideal sonhado por cada vez mais pessoas.
Assim, os ideais individualistas já plantados na sociedade vêem-se reforçados pela
multiplicação da mídia de massa, que passa a estimular que se viva no presente, que se busque
a elevação do nível de vida, o bem estar, o lazer, as paixões de moda, sustentadas todas estas
pelo consumo. As instituições tradicionais declinam em importância, na medida em que o
cotidiano se transforma em mercadoria.

3.3. A ascensão do rosto público da celebridade

Segundo Rojek (2008, p.15), “o despontar da celebridade como uma preocupação


pública é resultado de três grandes processos históricos inter-relacionados. Primeiro, a
democratização da sociedade; segundo, o declínio da religião organizada; terceiro, a
transformação do cotidiano em mercadoria”.
Uma vez que cai a Monarquia (e consequentemente o poder de celebridades
conferidas) e diminui o poder da religião organizada (na qual essas celebridades conferidas
buscavam parte de seu poder), fica claro que a tendência à democratização da sociedade é
uma possível conseqüência. Os símbolos de reconhecimento e pertencimento, neste cenário,
são buscados dentro da própria sociedade, celebridades não são mais figuras que nasceram
para brilhar, mas sim figuras oriundas do meio do povo, partindo das mesmas condições
iniciais de todos os outros, e que por algum motivo passam a se destacar na esfera pública.
Isto é, a celebridade da era do homem democrático não é mais conferida, mas sim adquirida.
Segundo Rojek (2008, p.16),

“Política e culturalmente, a ideologia do homem comum elevou a esfera


pública à arena par excellence, na qual a personalidade dramática e o estilo
conseguido com esforço conferiram distinção e arrebataram a atenção

39
popular. Nesse ponto, a cultura da celebridade supre uma importante
função integradora na sociedade secular.”

Apesar de afirmarmos que a era da mídia de massa marca também uma era de
celebridades adquiridas, não podemos afirmar que elas não existiam antes disso. “Fanáticos,
falsificadores, criminosos, prostitutas, trovadores e pensadores têm sido objetos de atenção
pública desde os tempos dos gregos e romanos” (ROJEK, 2008, p.21). Porém, essas figuras
não geravam a identificação que as celebridades midiáticas geram. A mídia de massa
proporcionou uma sensação de proximidade e intimidade superficial, a possibilidade de um
relacionamento parassocial entre celebridade e público, o que não acontecia com as figuras
adquiridas do passado. Sobre esse caráter superficial da cultura de massa, onde a celebridade
é fonte inesgotável de informações, mitos e objeto sobre quem tudo se pode saber, apesar da
distância, Rojek (2008, p.54) afirma:

“O caráter superficial da cultura da celebridade é curiosamente


esclarecedor. Além da religião, a cultura da celebridade é o único
aglomerado de relacionamentos humanos em que a paixão mútua opera
sem interação física.”

Vale lembrar que, apesar deste ideal democrático e da idéia do crescimento por
esforço próprio terem sido impulsionadores da importância da celebridade adquirida, a
ascensão da celebridade não acontece apenas mediante esforço. Na era do homem comum, as
celebridades são, sem exceções, fabricações culturais. Segundo Rojek (2008, p.12), “nenhuma
celebridade atual adquire reconhecimento público sem a ajuda de intermediários culturais
como diretores de cena da sua presença aos olhos do público”. É por isso que a transformação
do cotidiano em mercadoria foi a terceira condição para que a figura da celebridade ganhasse
destaque na esfera pública.

3.4. A celebridade segundo uma visão estruturalista

Já falamos anteriormente sobre o subjetivismo, visão que considera a celebridade


como algo que não pode ser explicado de maneira racional, uma vez que as qualidades que a
levam ao status célebre são conferidas, dons de nascença. A partir do momento em que as
sociedades tornam-se mais complexas, novos modelos de análise surgiram procurando
responder melhor questões relacionadas ao impacto das novas estruturas (capitalismo,
40
industrialização) no indivíduo. Esta visão, que dentro do contexto sociológico procura
apreender a realidade social como um conjunto formal de relações, é o que se convencionou
chamar de estruturalismo4. Este, entretanto, não deve ser considerado como uma escola
teórica, mas como uma maneira de pensar e analisar a sociedade.
No que diz respeito ao estudo da celebridade, Rojek considerou como sendo
estruturalistas os modelos de análise que a investigam como “a expressão de regras estruturais
universais enraizadas na cultura” (2008, p.36). A própria origem das celebridades, nesta visão,
é analisada “em termos de estruturas de influência totalizantes, determinadas: a indústria da
cultura, o capitalismo” (2008, p.48).
Ao atribuir aos produtos da indústria cultural um papel de mercadoria, os primeiros
estudos da escola de Frankfurt, bem como outros autores de tendência marxista, podem ser
considerados como críticos das celebridades segundo uma visão estruturalista. Rojek (2008,
p.37) afirmou que, segundo esses críticos,

“as celebridades são conceituadas como um dos meios com os quais o


capitalismo alcança os seus fins de subjugar e explorar as massas. Elas
expressam uma ideologia de individualismo heróico, mobilidade
ascendente e escolha nas condições sociais onde prevalecem a
padronização, a monotonia e a rotina.”

Guy Debord (2003, p.43), em sua crítica à sociedade espetacular, fala da celebridade
como vedeta, como a “representação espetacular do homem vivo”. Segundo o autor, vedetas
são pessoas admiráveis nas quais o sistema se personifica, mas que, na realidade, “não são
aquilo que são” (DEBORD, 2003, p. 44), ou seja, são construções do capitalismo e agem em
favor do mesmo. Segundo Debord,

“O agente do espetáculo posto em cena como vedeta é o contrário do


indivíduo, o inimigo do indivíduo, tanto em si próprio como,
evidentemente, nos outros. Passando no espetáculo como modelo de
identificação, renunciou a toda qualidade autônoma, para ele próprio se
identificar com a lei geral da obediência ao curso das coisas.” (DEBORD,
2003, p.43-44)

4
WIKIPEDIA, A enciclopédia livre. Estruturalismo. Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Estruturalismo>. Acesso em: 16 ago. 2009.

41
Em sua obra, o autor apresenta a idéia do espetáculo como gerador de imagens com as
quais o indivíduo pode identificar-se. Porém, além dessas identificações serem falsas, elas
podem se dar de diferentes maneiras e atender a propósitos distintos. Em um momento de
capitalismo em crise, onde se buscava, antes de tudo, a coesão social, Debord afirma que a
dominação veio em forma de uma imagem imposta do bem, concentrada em uma única
pessoa, que garantiria a coesão buscada. “Com esta vedeta absoluta, deve cada um identificar-
se magicamente, ou desaparecer” (DEBORD, 2003, p.47).
Por outro lado, no capitalismo moderno, onde abundam as mercadorias e onde flui o
desenvolvimento econômico, “cada mercadoria considerada isoladamente está justificada em
nome da grandeza da produção da totalidade dos objetos, de que o espetáculo é um catálogo
apologético” (DEBORD, 2003, p.47). Essa sociedade possibilita múltiplas identificações, com
mercadorias ou vedetas que, muitas vezes entram em contradição umas com as outras, e lutam
em favor de si próprias. A arena onde essas múltiplas possibilidades de identificação travam
sua guerra é o espetáculo, que “não canta os homens e suas armas, mas as mercadorias e suas
paixões” (DEBORD, 2003, p.48).
Portanto, segundo a visão de Debord, a celebridade, como representação espetacular
do homem, pode servir tanto como arma de coesão social quanto para a consolidação da
mercadoria como forma absoluta da sociedade capitalista. Mas em ambos os casos ela exerce
uma função de dominação.
A obra de Morin (1989) já representa uma superação da idéia de celebridade analisada
apenas como resultado de uma estrutura maior. Segundo o autor, as celebridades respondem
tanto a necessidades humanas que no passado eram supridas com o mito e com a religião,
quanto a necessidades relacionadas ao capital:

“A estrela (...) responde ao mesmo tempo a necessidades antropológicas


profundas que se exprimem no mito e na religião. A espantosa coincidência
do mito com o capital, da deusa como mercadoria, não é casual nem
contraditória. Estrela-deusa e estrela-mercadoria são as duas faces de uma
mesma realidade: as necessidades do ser humano no estágio da civilização
capitalista do século XX.” (MORIN, 1989, p.77)

Logo, enquanto na visão de Debord a celebridade era o fio condutor pelo qual a
sociedade espetacular podia subjugar as massas, para Morin esta era a personificação de
necessidades que surgiram com o novo sistema, aliada a outras necessidades mais antigas,

42
relacionadas ao mito. Aos poucos, percebemos que outras análises se fazem possíveis, e que o
caráter de mercadoria da celebridade é apenas um entre tantos outros.

3.5. A celebridade pós-estruturalista

Apesar de a visão estruturalista desempenhar um papel importante no entendimento da


celebridade no contexto do capitalismo, não basta para o entendimento da dinâmica entre
celebridade e público. Segundo Rojek (2008, p.48), “em muitos casos, ela exagerava a
importância da estrutura designada de controle social e neutralizava o conhecimento, as
habilidades e o poder de resistência de atores sociais”. Ou seja, o poder de interpretação
humana e outros possíveis fatores relacionados ao indivíduo, acabam sendo ignorados. Além
disso, muitas vezes essas teorias posicionam a celebridade como algo totalmente exterior à
sociedade, ignorando a interação dessas com o mundo à sua volta.
De acordo com Rojek (2008, p.50), a visão pós-estruturalista, por sua vez, procura
“transcender o problema da análise monolítica, estática, frequentemente associada com o
estruturalismo”. No que diz respeito ao estudo das celebridades, esta visão sustenta que “nem
o determinismo estrutural nem ‘a matéria bruta da pessoa’ bastam para explicar a celebridade
adquirida” (ROJEK, 2008, p.49). Esta, por sua vez, é um projeto “intertextualmente
construído e desenvolvido”, não é apenas a manifestação dos desejos da massa, nem apenas a
construção de empresários da mídia com o intuito de manipulação, mas sim um processo em
constante evolução onde esta é parte da sociedade, e como parte da sociedade interage com
ela. Segundo Rojek (2008, p. 49),

“Essencial na abordagem pós-estruturalista é a noção de que imagens de


astros e estrelas são moduladas e modificadas pela mídia e assimilação
produtiva do público. Por conseguinte, articula-se uma visão dispersa de
poder na qual a celebridade é examinada como um campo em
desenvolvimento de representação intertextual onde o significado é
montado de várias maneiras.”

Segundo Richard Dyer (2004, p.2-3), o fenômeno da celebridade consiste em tudo o


que é publicamente disponível a respeito da mesma. Sua imagem não é formada apenas pelo
produto cultural que ela produz, mas por tudo o que é publicado sobre a mesma. Ou seja, a
imagem de uma estrela de cinema não é formada apenas por ela e seus filmes, mas pela
43
promoção desses filmes, por suas aparições públicas, pela distribuição de suas imagens
autorizadas, assim como por entrevistas, biografias e coberturas da imprensa sobre sua vida
privada. Mais ainda, a imagem de uma estrela é o que as pessoas falam ou escrevem a respeito
dela, a maneira como sua imagem é utilizada em propagandas, romances, músicas e,
finalmente, sua maneira de falar, vestir ou agir que acabam sendo incorporados na vida de
outros indivíduos. Logo, “a imagem das estrelas é sempre extensiva, multimídia e
intertextual” (DYER, 2004, p.3).
Olhando por este ponto de vista, não se pode dizer que o controle da mídia sobre os
conteúdos da mensagem é completo: a audiência também faz parte da formação da imagem. É
claro que ela não pode fazer o que bem quiser das imagens da mídia, interpretando-as de
qualquer forma, mas ela pode selecionar, dentro da complexidade de imagens, aqueles
significados e sentimentos que funcionam para ela.
Um exemplo muito interessante sobre esse trabalho de formação de novas imagens
pela audiência é a interpretação diferenciada que a comunidade gay realizou da figura de Judy
Garland, nomeando-a como um ícone deste público, sem que os estúdios imaginassem que
essa leitura fosse possível. A carreira de Garland foi marcada por exigências absurdas por
parte dos estúdios, que exigiam que a atriz se mantivesse jovem como Dorothy, não podendo
ela engordar nem perder a voz imortalizada no musical O Mágico de Oz. Com o tempo, os
remédios para emagrecer, para dormir e os antidepressivos tomaram conta de sua vida. Além
disso, os diversos casamentos fracassados só contribuíram na formação da imagem de um ser
humano que não conseguia encontrar paz em sua vida.5

5
WIKIPEDIA, a enciclopédia livre. Judy Garland. Disponível em: <
http://pt.wikipedia.org/wiki/Judy_Garland>. Acesso em: 12 jul. 2009.

44
Figura 1 – Judy Garland e sua carreira como cantora.
Fonte: <http://www.doctormacro1.info/Images/Garland,%20Judy/Annex/NRFPT/Annex%20-
%20Garland,%20Judy_NRFPT_05.jpg>

Dyer (2004) acredita que o rosto público de Judy Garland como um talento
machucado, espancado e incompreendido, sugeriu paralelos com a experiência gay e lésbica
na articulação da identidade e do desejo. Esses paralelos foram sugeridos quando Garland já
era conhecida como cantora e celebridade de TV, possibilitando-a falar publicamente sobre
seus dramas pessoais da época do cinema. Estabelecida essa ligação entre estrela e
comunidade gay, seus filmes voltaram a ser assistidos, desta vez com um novo olhar. Assim,
interpretações ligadas ao homossexualismo surgiram também em suas primeiras obras. Na
mais importante delas, O Mágico de Oz, Dorothy foi considerada a garota que imediatamente
aceita aqueles que são diferentes, e o Leão Covarde, identificado como a figura homossexual

45
acolhida pela garota.6 Tendo percebido o seu poder entre a comunidade gay, Garland
aproveitou essas novas interpretações e passou a construir sua imagem voltada a este público.
Este é um exemplo extremo, onde um discurso da mídia dominante dá origem a
interpretações que alimentam uma cultura marginal. O objetivo aqui é provar que a audiência
é sujeito ativo na formação das imagens vindas da cultura midiática. Entretanto, não queremos
concluir que as celebridades não podem ser vistas, sob hipótese nenhuma, sob o prisma da
influência da mídia de massa, do capitalismo ou do consumo.
Isso porque as celebridades “estão envolvidas em se transformarem em mercadoria:
elas são tanto o trabalho quanto aquilo que o trabalho produz” (DYER, 2004, p.5) e, por isso,
“apesar de qualquer desvio de imagem que possa acontecer por ação da audiência, as estrelas
representam as formas como o trabalho é vivido na sociedade capitalista” (DYER, 2004, p.6).

3.6. A celebridade como mercadoria

Muito já foi falado neste trabalho a respeito da valorização da imagem com o


desenvolvimento da eletricidade, e, mais tarde, com o surgimento do cinema/fotografia.
Podemos dizer que a complexidade dos fluxos urbanos, bem como o cinema e a fotografia
iniciaram a educação do indivíduo numa cultura visual. Neste processo de valorização da
imagem nas sociedades capitalistas, a aparência ganha cada vez mais destaque e passa a ser
atributo básico na comercialização de produtos da mídia, sendo estendida, depois, para todo o
cotidiano. A respeito deste assunto, Rojek (2008, p.116) afirma:

“Nas sociedades dominadas pelo valor de troca, o idioma e a imagem de


apresentações corporais crescem em importância social e econômica. Ser
atraente e ser capaz de despertar desejo tornaram-se atributos muito
procurados no mercado. O corpo deixa de ser meramente o local de desejo,
ele se torna a fachada por meio da qual são registradas a distinção e a
atração. À medida que isso ocorre, o corpo passa a ser uma mercadoria.”

Enquanto a indústria do cinema utilizava-se de formas corporais perfeitas incorporadas


numa personagem de caráter inalienável, dando origem a figuras metade humanas, metade
divinas (as estrelas), que fizeram dessa mídia em seus primeiros anos uma “fábrica de
sonhos”, outras mídias, como os jornais e revistas, se desenvolveram dentro de um mercado

6
WIKIPEDIA, the free enciclopédia. Judy Garland as gay icon. Disponível em:
<http://en.wikipedia.org/wiki/Judy_Garland_as_gay_icon>. Acesso em: 12 jul. 2009

46
onde a competitividade era mais feroz, e onde parte dessa ferocidade em busca da audiência
se fez perceptível inclusive nas regiões frontais da estrutura comunicativa. Tal característica
dessas mídias teve forte impacto na maneira como a cultura pública era encarada. Segundo
Rojek (2008, p.115),

“Como a mídia de massa situava-se num mercado competitivo, a qualidade


pessoal dos jornais e revistas desenvolveu-se através de lutas de corpo a
corpo e guerras por status. A cultura pública, à medida que se expressava
na mídia, tornou-se uma cultura de atitudes assumidas, opiniões trocadas e
posições adotadas. (...) Gradualmente, o valor pessoal anexou-se à
aparência externa, calculada.”

Aos poucos, portanto, a figura pública tornou-se um sistema complexo em que a


imagem não remetia mais apenas a impressões visuais, mas também a impressões de atitudes
e personalidades. De acordo com Rojek (2008, p.120), “O desejo subconsciente de heróis, de
experiência de êxtases e transgressão é simbolicamente acomodado pelas relações
parassociais propagadas pela cultura da celebridade”. Indo ainda mais adiante, Lipovetsky
(1989, p.214) afirma que “se a moda é a estetização do vestuário, o star system é estetização
do ator, de seu rosto, de toda a sua individualidade. Mais ainda que a beleza, a personalidade
é o imperativo soberano da estrela”.
Sendo a celebridade uma espécie de despertadora de desejos no público, entende-se
facilmente o porquê de seu caráter de mercadoria na mídia de massa. Apesar de despertar
adorações que muitas vezes chegam a ser comparadas à experiência religiosa, apesar de
algumas delas terem sucedido em tornarem-se imortais através de sua atuação na mídia de
massa, a celebridade possui um caráter de efemeridade que vai de encontro com as
necessidades de renovação do mercado e lançamento de novos produtos. Segundo Rojek
(2008, p.16), o desejo mobilizado pela cultura da celebridade “é alienável, transferível, visto
que as necessidades devem ser perpetuamente trocadas em resposta à evolução do mercado”.
Assim, “a cultura da celebridade está irrevogavelmente associada à cultura da mercadoria.
(2008, p.17)”
A celebridade, como qualquer produto comercial, também foi submetida às inovações
nas técnicas mercadológicas. No cinema, surgiu para um mercado totalmente massificado,
porém aos poucos foi se dirigindo a grupos cada vez mais segmentados. Esse fenômeno pode
ser percebido, principalmente na música, onde o jovem passou a procurar suas imagens de
identificação e de distanciamento do mundo adulto.

47
As celebridades não são apenas destaque em seus meios de origem, ou seja, estrelas do
cinema não brilham apenas na tela grande, mas também são objeto de escrutínio de jornais,
revistas, programas de TV, entre outros meios. São mercadorias multimídia, seu aparecimento
nos diferentes meios pode contribuir para o sucesso ou fracasso de audiência, e em muitos
casos parte da receita de determinados veículos de comunicação se dá através da cobrança por
exposição de novas figuras.
Rojek (2008, p.17) afirma que consumidores não são meramente parte de um mercado
de produtos, mas também parte de um mercado de sentimentos, e que “a organização
capitalista requer que os indivíduos sejam ao mesmo tempo objetos desejantes e de desejo”,
para que possam promover um crescimento econômico baseado tanto no consumo quanto na
renovação de vínculos de atração social, acabando por gerar uma rede de consumidores. As
celebridades, inseridas neste complexo processo, podem ser consideradas como mobilizadoras
e humanizadoras do processo de compra. Mobilizadoras, uma vez que conseguem agregar
hábitos de consumo em torno de sua figura pública. Através do que vestem publicamente ou
do que promovem através da publicidade, geram uma identificação entre produto e
celebridade, com a finalidade de atribuir ao primeiro alguns dos atributos da segunda.
Humanizadoras, uma vez que, ao se apresentarem em diferentes meios como símbolos de um
mundo de glamour e de consumo desenfreado, aliviam a culpa do consumo marcada pela ética
da poupança.

3.7. Eu público vs. Eu privado

Parte da atração gerada pelas celebridades está no fato de sempre desconhecermos


alguma parte de suas vidas, por termos a exata consciência de que, por detrás da imagem que
vemos nos meios de massa, sempre existe algo para ser descoberto. Dyer (2004, p.2) afirma
que a aparência é um tipo de realidade, assim como mercadorias e pessoas também são.
Porém, em nossa cultura, mercadorias e indivíduos são geralmente considerados como sendo
mais reais do que a aparência. Neste contexto, as celebridades são um exemplo de aparência.
Tudo o que sabemos sobre elas é o que vemos e ouvimos de outros, e toda a construção da
mídia ao redor das estrelas nos encoraja a pensar em termos da existência de um realmente:
como Marlon Brando realmente é? Como Michael Jackson se comporta na vida real? Que
biografia, que história, que momento em qual filme revela Marilyn Monroe como ela

48
realmente é? Na realidade, em nossa vida cotidiana, como indivíduos comuns, estamos
sempre nos dividindo em pessoas públicas e privadas, consumindo e produzindo personas e
lidando com essas divisões. As celebridades, por estarem em uma posição de destaque, levam
essa divisão ao extremo e são a maneira mais significante que temos para entender tudo isso.
Uma vez que a celebridade é uma figura encenada e mediada, podemos dizer que a
divisão entre seu eu privado e seu eu público é muito maior e mais delineada do que a divisão
do restante dos indivíduos. Rojek (2008, p.13) explica essa divisão da seguinte maneira:

“A apresentação pública do eu é sempre uma atividade encenada, na qual o


ator humano mostra uma ‘fachada’ ou ‘face’ aos outros, enquanto mantém
reservada uma boa parte do eu. Para a celebridade, a divisão (...) é com
freqüência inquietante. Tanto que as celebridades queixam-se muitas vezes
da confusão de identidade e da colonização do eu verídico pelo rosto
público.”

Essa confusão de identidade já foi retratada, na literatura, por Machado de Assis


(1994), no conto “O Espelho”. Na obra, o narrador afirma que a alma do homem é dividida
em duas, uma alma interior, que olha de dentro para fora, e a alma exterior, que olha de fora
para dentro. O resultado disso é que o homem é resultado tanto da imagem que ele tem do
mundo, quanto da imagem que o mundo tem dele. A narração trata da história de um homem
que é nomeado alferes, e que por causa disso, passa a contar com regalias que este não
possuía antes. A visão que o mundo tem dele, como celebridade, autoridade importante, um
dia torna-se tão forte que toma conta de toda a sua existência. No espelho, só é possível
enxergar o homem completo quando este veste a farda de alferes:

“O alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as duas naturezas


equilibraram-se; mas não tardou que a primitiva cedesse à outra; ficou-me
uma parte mínima de humanidade. Aconteceu então que a alma exterior,
que era dantes o sol, o ar, o campo, os olhos das moças, mudou de
natureza, e passou a ser a cortesia e os rapapés da casa, tudo o que me
falava do posto, nada do que me falava do homem. A única parte do
cidadão que ficou comigo foi aquela que entendia com o exercício da
patente; a outra dispersou-se no ar e no passado.” (ASSIS, 1994, p. 82)

Segundo Rojek (2008, p.88), os casos de alcoolismo, abuso de drogas e depressão


entre as celebridades são uma prova contundente de que o excesso de exposição pública pode
trazer diversos problemas psicológicos. “O rosto público se afasta do eu verdadeiro e resulta
no medo de desaparecimento pessoal ou anulação. As aparições públicas tornam-se

49
associadas com a autonegação, ou confirmam, na visão da celebridade, que o eu verdadeiro
foi destruído”.
Porém, se analisarmos essa questão do “descentramento do eu” sob o ponto de vista de
Hall (2005, p.13), vemos que o problema pode ir além da simples divisão da identidade em
pública e privada, onde uma se sobrepõe à outra. Segundo o autor, vivemos no mundo das
múltiplas identidades, onde a idéia de um eu central, de uma essência do ser, não existe e,
todo ou qualquer sentimento que temos como seres unificados é apenas uma tentativa de
construirmos uma história sobre nós mesmos. Nesse caso, como explicar a aflição da
celebridade? Talvez não apenas em termos de descentramento do eu, mas também em termos
de atender às expectativas do público em apresentar-se como uma personalidade única e
fabricada, quando isso na verdade não existe. A celebridade, também como indivíduo, está em
constante mudança, enquanto sua figura pública é mais estática.
Além disso, muitas vezes essas celebridades possuem grandes problemas em
estabelecer relacionamentos duradouros em sua vida particular, uma vez que nesta vida, os
aplausos e bajulações da vida pública não se repetem. “Elisabeth Taylor, Frank Sinatra, Jayne
Mansfield, Ernest Hemingway, Richard Burton e Judy Garland, todos se casaram e
divorciaram várias vezes, e parecem ter tido dificuldade em estabelecer um relacionamento
estável” (Rojek, 2008, p.15).
Porém, ao mesmo tempo em que essa divisão entre um eu verídico e um eu público é a
maior causa de problemas entre as celebridades, é também o motivo pela qual as pessoas tanto
buscam este status: a transcendência do eu verídico, a fuga da realidade, a possibilidade de
adentrar a um mundo de jogos, luxo e bajulação. Segundo Rojek (2008, p.107), “O desejo de
ser reconhecido como especial ou único talvez seja uma característica inevitável de culturas
construídas em torno da ética do individualismo”. E foi a partir de uma relação com o mundo
muito mais estética do que religiosa que esse sentimento se fez possível.

3.8. A relação estética dentro da cultura de massa

É muito comum, quando o assunto é celebridade, que se faça, quase que


instantaneamente, uma comparação entre estas e os deuses e heróis. Em partes devido à
distância que essas figuras apresentam do indivíduo “comum”, em partes devido à forma
como são admirados e adorados, ou mesmo pela maneira como unem pessoas e geram

50
mimetismos de detalhes ou orientam condutas. Segundo Rojek (2008, p.102), “podemos
imaginar uma hipótese, inter alia, de que as celebridades nos proporcionam modelos de
papéis heróicos numa era de padronização de massa e previsibilidade”, daí sua grande
importância na cultura de massa.
Morin, em sua obra As Estrelas: Mito e sedução no cinema (1989, p.50-70), estabelece
um longo paralelo entre a experiência do fã com a experiência religiosa, que chama de
“liturgia das estrelas”, utilizando como figuras religiosas, com suas correspondências
respectivas na cultura de massa, o fiel e o fã, o culto e as publicações especializadas, a capela
e o fã-clube, a profissão de fé e as correspondências enviadas às estrelas, a eucaristia e o
consumo total do ídolo, entre tantas outras comparações. Num primeiro momento, dá a
entender que a relação entre os dois mundos é a mesma.
Lipovetsky (1989, p.218) se baseia nesta obra de Morin para dar aos astros e estrelas,
dentro de sua obra O Império do efêmero, uma interpretação diferente. Para ele, a adoração a
ídolos e estrelas não possui nada de religioso, está sim inscrito no sistema moderno que
supervaloriza o consumo e a busca pelo novo, que se apega e se desapega facilmente às
imagens, à aparência. Segundo o autor, o culto às estrelas é “culto da personalidade, não culto
do sagrado; culto estético, não culto arcaico; devaneio íntimo, não misticismo transcendente”.
Apesar de opiniões tão divergentes a respeito do assunto, basta adentrar um pouco na
compreensão do imaginário humano para percebermos que, de certa forma, ambas as
hipóteses são válidas e se complementam.
Quando Morin escreve sobre celebridades em nova obra, anos depois de As Estrelas,
ele prefere voltar um passo para trás no estudo, com o propósito de entender melhor a
formação do imaginário humano e como se dão as identificações do indivíduo com
celebridades e deuses. Segundo o autor, o imaginário humano é um sistema de símbolos que
não permite apenas as projeções mágicas e religiosas, mas também as projeções estéticas,
dentro da qual se insere a cultura de massa, primeira cultura a possuir um caráter plenamente
estético. Sobre as relações estéticas, Morin (1969, p.83) explica:

“não existe, na relação estética, uma dádiva em si aos deuses, ao mundo, a


valores transcendentais. (...) A relação estética restitui uma relação quase
primária com o mundo. (...) se traduz pelo encantamento do jogo, do canto,
da dança, da poesia, da imagem, da fábula”

51
Jean-Nathelme Brillat-Savarin (1989, p.32) explica que gosto, ou apreciação estética, é
algo que foi se desenvolvendo à medida que se desenvolvia o indivíduo. As sensações do
homem primitivo “eram puramente diretas, isto é, a vista não tinha precisão, ouvia-se
confusamente, cheirava-se sem escolha, ao comer não se sentia o sabor e os orgasmos eram
brutais”. Porém, aos poucos, os sentidos foram levados a se ajudarem mutuamente, para
benefício do indivíduo, que passou a contar com sensações mais precisas. Já inclusive falamos
sobre um desses desenvolvimentos – a alteração do olhar – em um capítulo anterior.
A proposta inovadora de Brillat Savarin foi a de que a apreciação estética está
disponível para todos, não apenas aos mais abastados. Cai por terra, assim, a idéia de que o
gosto está diretamente relacionado a refinamento e é algo relacionado à Corte, ou às classes
mais altas. Na era dos indivíduos como iguais, o gosto é democratizado, torna-se “uma marca
de reconhecimento na qual indivíduos se mostram solidários com relação a valores e costumes
culturais específicos” (ROJEK, 2008, P.112).
Com a mídia de massa, o cotidiano foi estetizado, isto é, “a percepção e o julgamento
do belo e do desejo tornam-se generalizados no decorrer de trocas habituais” (ROJEK, 2008,
p.112). Neste contexto, “agrupamentos de fãs na cultura da celebridade podem ser
considerados como culturas de gosto, cultivando e refinando padrões de emulação e
solidariedade para com a celebridade à qual estão apegados” (ROJEK, 2008, p.112). De
início, o rosto público surge como uma forma de administrar a interação social, mas com a
estetização do cotidiano, ele se torna muito mais do que isso.
Segundo Morin (1969, p.85), nas sociedades altamente ligadas à religião, as relações
mágicas ou religiosas do imaginário exerciam forte influência sobre a vida do indivíduo,
chegando a ditar ordens e ações. Na relação estética, ocorre diferente: na sociedade
midiatizada, as relações estéticas do imaginário não necessariamente estabelecem ordens a
serem seguidas, mas podem desempenhar um papel consolador, estabelecer modelos de
pertencimento e ajudar na construção de identidades. Diferente das relações religiosas, que
estão ligadas a figuras que devem servir de modelos a serem seguidos e a condutas a serem
cumpridas, na relação entre fã e celebridade, este “engessamento” não existe. O sujeito tem,
como única obrigação, atender a suas necessidades individuais, sejam elas a de puro
entretenimento, sejam elas as de construção de personalidades ou de buscas de imagens às
quais ele possa se espelhar. E essas necessidades podem mudar, ao ritmo que mudam as
modas do mundo moderno.

52
Durante todo o estudo sobre o culto às celebridades, características inicialmente
atribuídas à adoração religiosa serão encontradas, sendo que tais características estão mais
fortemente presentes nos primeiros anos da mídia de massa, devido a uma construção da
própria indústria cultural e também ao processo de transição de uma sociedade muito ligada
aos aspectos religiosos para outra mais aberta e descentralizada. “À medida que a religião
organizada declinou no Ocidente, a cultura da celebridade emergiu como uma das estratégias
de substituição que promovem novas ordens de sentido e solidariedade” (ROJEK, 2008,
p.109). Não é de se espantar que esta substituição parcial também tenha dado origem a certa
confusão entre identificações religiosas e estéticas. Apesar de existirem pessoas que
consideram seu relacionamento com uma celebridade algo próximo a uma experiência
religiosa, não podemos nos enganar quanto a isso. É necessário lembrar que a celebridade da
mídia de massa, independente de qualquer utilidade nobre que lhe seja atribuída, nunca perde
seu caráter de produto industrial, de mercadoria. E assim como qualquer produto do
capitalismo, ela possuirá características visando atender às necessidades desse sistema.
A partir do capítulo que segue, faremos uma análise da celebridade dentro de
diferentes contextos históricos, à medida que se desenvolvem os meios de comunicação.
Inicialmente, tomaremos como objeto de estudo o cinema, desde os seus tempos áureos, na
década de 30, até o início de sua decadência, com a chegada da televisão e a popularização de
outras formas de lazer.

53
4. O CINEMA E AS CELEBRIDADES-ESTRELAS

Como já dito anteriormente, o imaginário das classes populares do início do século


XX era habitado em sua maioria por um conteúdo extremamente fantástico, herança do
passado mitológico e da cultura oral, que nos últimos anos havia se desenvolvido também na
cultura escrita através dos folhetins de imprensa, que trouxeram essas histórias para a cena
cotidiana. Apesar da existência de uma literatura burguesa mais desenvolvida, foi dessa
primeira fonte que o cinema bebeu em seus primeiros anos de existência.
O universo fantástico trazido às telas de cinema deu origem a um período
experimental na produção de filmes, cujo destaque está nas produções dos irmãos Meliès, na
Europa. Sevcenko (2001, p.70) descreve o mundo retratado nestes primeiros anos da indústria
cinematográfica:

“Nesses filmes, em geral pastelões, criaturas caíam da janela dos prédios


sem que nada lhes acontecesse, se davam marteladas e picaretadas nas
respectivas cabeças e quem amassava era o instrumento, ou se enchiam uns
aos outros com bombas pneumáticas até que um estourava, ou executavam
danças em que, a certa altura, as pernas e os braços do dançarino se
separavam do corpo, ou tomavam um banho e encolhiam a ponto de entrar
pelo ralo e circular pelos encanamentos da cidade, e assim por diante.”

Além do alto experimentalismo e do caráter fantástico das aventuras, é importante


ressaltar a inexistência de heróis nestes primeiros anos de cinema. Além disso, destaca-se o
total anonimato do ator. De nada importava o nome daquele que representava. Ambas as
figuras fundiam-se na figura da personagem, a única realmente importante dentro do
espetáculo.
Porém, esse cenário duraria pouco tempo. Desde seu nascimento, os produtores de
cinema sempre desejaram utilizar grandes atores e atrizes de teatro em seus filmes para
introduzir o heroísmo burguês às tramas cinematográficas, objetivando um aburguesamento
do público nas salas de exibição. Porém, não foram os atores de teatro que se tornaram as
primeiras celebridades da mídia de massa, mas sim artistas completamente anônimos
encarnando papéis de heróis na tela grande. Esses heróis geralmente eram trazidos de histórias
em quadrinhos da época, como Nick Carter ou Fantomas, ou eram oriundos de séries de
filmes cômicos.

54
A criação do herói de cinema, que será logo seguido pela criação de diversos outros
arquétipos que o rodeará, faz parte do esforço dos estúdios de cinema em transformar figuras
do imaginário coletivo em padrões industriais da cultura de massa, utilizar o que de mais
valioso existia no imaginário humano para torná-lo mercadoria.
Apesar de inicialmente serem celebridades sem nome, ou melhor, celebridades
adoradas sob o nome da personagem incorporada, estas aos poucos começaram a ganhar
importância no mercado cinematográfico. Estes intérpretes de grandes heróis passaram a
sentir sua importância através das várias cartas de amor endereçadas a seu personagem, e a
partir desse momento, sabendo de seu poder, começaram a inflacionar a profissão de ator,
através de exigências salariais cada dia crescentes.
Mas a indústria necessitava que estes heróis se diversificassem quantitativamente para
acompanhar o ritmo de produção cinematográfica que crescia. O herói único, personagem de
uma série de obras, deu lugar a diversos heróis, acelerando assim a dinâmica ator-papel e
dando origem à grande dialética da cultura de massa que criará a celebridade. Segundo Morin
(1969, p.31),

“O filme deve, cada vez, encontrar seu público e, acima de tudo, deve
tentar, cada vez, uma síntese difícil do padrão e do original. O padrão se
beneficia do sucesso passado e o original é a garantia do novo sucesso, mas
o já conhecido corre o risco de fatigar enquanto o novo corre o risco de
desagradar. É por isso que o cinema procura a vedete que une o arquétipo
ao individual: a partir daí, compreende-se que a vedete seja o melhor anti-
risco da cultura de massa, e, principalmente, do cinema.”

A diversificação de personagens no cinema possibilitou separar ator de personagem,


uma vez que a grande oferta de filmes era sanada, assim como atualmente, pela encenação de
personagens diferentes por um mesmo ator. Ao mesmo tempo, a necessidade de oferecer um
produto diferenciado ao expectador, porém dentro de um padrão que não oferecesse risco à
obra cinematográfica, fez com que o cinema buscasse por figuras amadas pelo público para
encenar os filmes.
Aos poucos, o nome do ator passou a tornar-se tão ou mais forte do que o nome da
personagem, configurando-se assim o Star System, um sistema que, através do transporte de
mitologias e simbolismos sagrados para a realidade da mídia de massa, conhecerá sua glória
até meados dos anos 50.

55
4.1. A estrela e o Star system

O star system não foi algo que surgiu naturalmente junto com o nascimento do
cinema. Durante 15 anos, o cinema se desenvolveu sem a ajuda dessas personalidades. Logo,
como afirma Morin (1989, p.XVI), “Nada na natureza técnica e estética do cinema fazia
prever o surgimento da estrela”. A celebridade do cinema é, assim, apenas uma das formas
encontradas por essa indústria para garantir o sucesso. Forma essa que veio de encontro com
necessidades antropológicas relacionadas ao mito, aliadas às necessidades modernas da busca
pelos prazeres.
Esclareçamos melhor este ponto: os mitos foram utilizados, durante toda a história da
humanidade, para fixar figuras e histórias no imaginário coletivo das sociedades. Tais figuras
tinham o intuito de tornarem-se modelos de conduta, e estas passavam a ser elementos
primordiais na construção da identidade dos indivíduos. Segundo Mircea Eliade (1992, p.89),
“o homem religioso estabelece seu próprio modelo a atingir no plano trans-humano: aquele
revelado pelos mitos.” O herói, principal figura mítica, foi também grande modelo de conduta
do indivíduo durante toda a história, para não dizer o único modelo, em alguns casos. Nessa
nova sociedade, os meios de comunicação surgem como multiplicadores de visões de mundo.
A construção do self se torna cada vez mais aberta, e o indivíduo pode apelar a diversas outras
fontes para a formação de sua identidade. Porém, vale lembrar que o período em que surge o
cinema ainda é de transição, e os mitos antigos habitam e ainda possuem forte valor no
imaginário popular. Pautada por valores como a busca pelos prazeres e o imediatismo, os
heróis do cinema surgem como os protagonistas dos mitos modernos.
Segundo Lipovetzky (1989, p.214), “a estrela é imagem de personalidade construída a
partir de um físico e de papéis feitos sob medida, arquétipo de individualidade estável ou
pouco cambiante que o público reencontra em todos os filmes”. Logo, a estrela de cinema,
que encarna a virgem inocente, assim deverá o ser (ou ao menos parecer) na vida real. Isso
porque esta é fruto de uma troca onde o personagem contagia o ator a tal ponto que a este é
conferido características míticas. Porém a reciprocidade faz com que o ator contamine a
personagem com suas características também. No cinema, a “beleza” foi, por décadas, a
característica fundamental que a estrela deveria emprestar à personagem. Segundo Morin
(1989, p.33) “Na dialética do ator e da representação, a estrela cede beleza à personagem e
recebe dela virtudes morais. Beleza e espiritualidade se conjugam para constituir a essência

56
mítica de seu caráter, ou melhor, de seu sobrecaráter. Esse sobrecaráter deve manifestar-se
sem cessar nas e através das aparências.”
Na estrutura do star system, percebe-se que quase nada acontece por acaso.
Transformar os atores em seres passíveis de adoração, cheios do misticismo dos deuses, não
foi algo que aconteceu naturalmente sem a ajuda do sistema. Quando os heróis foram
introduzidos na indústria cinematográfica, estes personagens obtiveram sucesso quase que
instantaneamente. Esta foi uma resposta positiva do público expectador, que pela primeira vez
pode ver na tela figuras que já povoavam seu imaginário. Porém, essa situação onde ator e
personagem se entrelaçam e se confundem, foi apoiada e também incentivada pelo star system
a ponto de, em determinado momento, suas estrelas serem totalmente fabricadas, num
processo que vai da descoberta de um rosto bonito na rua, passando por seu trabalho
(modificações estéticas, aulas de atuação e etiqueta, eliminação de sotaques, entre outras
coisas), e chegando ao teste do novo ator/atriz em um filme de menor importância. A
quantidade de correspondências recebidas pelo artista servia de termômetro do desempenho
do mesmo, e indicava se este iria ou não ser lançado como estrela em uma grande produção.
Este processo sempre foi aberto ao conhecimento do grande público, e é nele também
que a construção do mito começa. Era interessante dar a entender que qualquer um poderia se
tornar uma estrela. Porém, pouquíssimos realmente o conseguiam. De acordo com Morin
(Morin, 1989, p.34), “Ser estrela é, precisamente, o impossível possível, o possível
impossível. (...) Tudo encoraja, mas ao mesmo tempo tudo desencoraja.” Devido a esse
processo de encorajamento, o estrelato surgia como o sonho de grande parte dos jovens da
época. Porém, aliado ao desencorajamento que o seguia, entendia-se que o acesso ao estrelato
dependia do acaso, era uma sina, uma graça, um dom. Ou seja, o star system apoiava uma
visão subjetivista da celebridade
Após lançada a celebridade, o star system passa a determinar toda a organização da
vida dessa estrela, inclusive de sua vida pessoal. Em seus primeiros anos de existência, o
sistema não permitia que estrelas se relacionassem com atores de menor escalão ou pessoas
‘normais’, e estas não poderiam nem ao menos engravidar. Os atores eram obrigados a
apresentar, na vida real, a mesma grandeza de espírito que demonstravam em seus filmes, e,
em alguns casos extremos, atores do sexo masculino que representavam papéis sérios nos
filmes eram proibidos de sorrir diante das câmeras. A estrela deveria pertencer toda a seu
público. Ser estrela era, também, um sacrifício.

57
Segundo Morin (1989, p.40), a vida da estrela deveria ser tudo aquilo que o espectador
que trabalha e pena no dia-a-dia gostaria de ter. “Encontros, prazeres, flertes, brincadeiras,
fantasias, bailes de máscaras, jogos sociais. (...) Vida lúdica, ou melhor, vida de carnaval,
disfarçada, pródiga em fotografias, rumores e mexericos, flores e confetes, que atinge sua
plenitude e seu apogeu mítico nos festivais”. Aliás, os festivais eram grandes acontecimentos
onde o simbolismo celeste era utilizado com toda sua força, a fim de demonstrar o caráter
mítico das estrelas de cinema, cujo próprio nome já revela algo de sagrado. Morin (1989, p.
44) narra o momento mais aguardado dos festivais:

“Ao pé da escadaria, num círculo de barreiras e guardas, as vedetes descem


de automóveis de luxo; então se inicia a ascensão ao mesmo tempo mítica,
radiosa e sorridente da escadaria. Tal cerimônia, equivalente ao triunfo
romano e à ascensão da Virgem, é quotidianamente recomeçado. É o
grande rito.”

Os festivais conseguem estabelecer uma quebra na homogeneidade do tempo e do


espaço característica dos templos e rituais sagrados. A cerimônia do Oscar, bem como o
festival de Cannes, surgiram como um rito que deveria ser atualizado todos os anos, como que
para lembrar ao homem da sacralidade de suas estrelas, como que para manter uma situação
estabelecida onde uma indústria apresenta toda sua força sustentada por um mito que de
forma alguma deve ser esquecido.
Assim, todos os anos, durante algumas horas, essas estrelas aparecem diante dos olhos
do homem “comum”, rodeadas por fotógrafos e fãs que querem ao menos estar perto dessas
figuras míticas. O tapete vermelho divide o chão no qual pisa a celebridade do chão pisado
pelo restante dos indivíduos. A escada pela qual sobem as celebridades rumo ao teatro, é um
simbolismo milenar. Segundo Eliade (1992, p.38), “a comunicação com o Céu é expressa
indiferentemente por certo número de imagens referentes todas elas ao Axis Mundi: pilar,
escada, montanha, árvore, cipós, etc.”. Logo, tudo o que fala o star system através dos
festivais, é com o objetivo ascender suas estrelas à posição sagrada dos deuses.
Percebe-se que, apesar de retirado da vida religiosa propriamente dita, o sagrado
celeste permanece ativo na indústria cinematográfica por meio do simbolismo. É através da
criação do mito da estrela que o star system consegue estabelecer uma estrutura vertical de
adoração do fã para com sua celebridade. Porém, essa relação não é estática e passará por
diversas modificações com o tempo.

58
4.2. Trocas afetivas entre expectador e celebridade

Morin (1969) explica a relação entre expectador e celebridade como um processo de


trocas afetivas, onde o expectador acaba por integrar-se mentalmente nas personagens e na
ação (projeção), ao mesmo tempo em que integra as personagens e ações em si mesmo
(identificação). Como em qualquer troca afetiva, e consequentemente em qualquer ação
comunicativa, o indivíduo terá à sua disposição um conteúdo simbólico que poderá trabalhar e
assimilar ao projeto do self. Através dos processos de projeção, as personagens se tornam
modelos a serem admirados. Porém, é através dos processos de identificação que esses
modelos tornam-se dignos de serem reproduzidos e incorporados à identidade do indivíduo.
Na história das celebridades dentro da mídia de massa, o que se passa é muito similar
ao que já foi analisado anteriormente na literatura: temos, inicialmente, a predominância de
elementos projetivos sobre os identificativos, e apenas depois os romances começam a ficar
mais reais, adicionando elementos de identificação com o leitor, o que convencionamos
chamar de romance burguês. Com o cinema, ocorreu o mesmo: as primeiras obras
cinematográficas aplicaram aos filmes elementos fantásticos dessa literatura popular, além de
valer-se de um experimentalismo no que diz respeito ao uso de câmeras e técnicas de
montagem. Gradualmente, e de forma mais forte a partir de 1930, estas histórias passaram a
tornar-se mais reais. O acaso e as razões ocultas passaram a dar lugar a motivações
psicológicas. Do lado do imaginário, está a visão idealizada do amor, as personagens nobres
de alma, a beleza perfeita. Do lado do real, estão os dramas psicológicos das personagens, os
problemas do dia-a-dia. E num processo em que imaginário e real se cruzam e se confundem e
em que projeção e identificação alcançam níveis similares, está criada a relação afetiva do
espectador com o produto cinematográfico, seguido por um aburguesamento do imaginário
popular. Sobre essa transformação, Morin (1989, p.11) escreve:

“É dentro desse quadro que se desenvolve o romantismo burguês. O


imaginário se envolve muito mais diretamente com o real, e o real com o
imaginário. O laço afetivo entre espectador e herói torna-se tão pessoal, no
sentido mais egoísta da expressão, que o espectador passa a temer aquilo
que antes exigia: a morte do herói”.

59
É neste momento específico que o herói habitante do imaginário humano ocidental
desde sempre se desvencilha do novo herói, produto midiático. Este, por não ser apenas
modelo, mas sim possuir uma relação muito mais estreita com o indivíduo, responde às
necessidades do mesmo nessa sociedade tomada pelo individualismo e pelo lazer, ao mesmo
tempo em que transforma o amor em única forma possível para ser feliz. “Os heróis
continuam heróis, isto é, modelos e mediadores. Mas, combinando cada vez mais
intimamente, e de forma variada, o excepcional e o habitual, o ideal e o quotidiano, eles
passam a oferecer a identificação de pontos de apoio mais e mais realistas. (1989, p.12) ”
O maior realismo dos temas e do herói cinematográfico foi seguido, pouco depois, por
um lento movimento de humanização das estrelas. As estrelas dos filmes em seus primeiros
anos de existência até o ápice do star system, na década de 30, eram trabalhadas para serem
modelos idealizados nas quais o espectador se projetava, mas cuja aura superior muitas vezes
era tão grande que a troca afetiva parava por aí. A partir dos anos 30, esse panorama se
modifica:

“A estrela se tornou efetivamente familiar (no duplo sentido do termo).


Antes de 1930, ignorava o casamento burguês e só se ligava a estrelas da
mesma grandeza. Posteriormente, pode, sem se rebaixar, casar com atores
secundários, industriais, médicos. Já não habita o simulacro de castelo
feudal ou o templo pseudogrego, mas o apartamento ou a casa, por vezes
no interior. (...) Antes de 1930, a estrela não podia engravidar; depois de
1930, pode ser mãe, e mãe exemplar.” (MORIN, 1989, p.19)

Essa nova imagem da estrela, uma vez disseminada, mudará a relação desta com o
espectador dos produtos da mídia. Uma vez mais real, gerará maiores correntes de
identificação com o público. “A veneração cede lugar à admiração. São menos marmóreas,
porém mais ternas; menos sublimes, todavia mais amadas” (MORIN, 1989, p.19). E quando
essa estrela mais real encontra seus pontos de contato com o público aumentados - através do
desenvolvimento de revistas especializadas, da indústria fonográfica e mais tarde com o a
ascensão de outros meios como a TV- realiza-se um processo parcial de desmistificação que
apenas faz incentivar o culto a essas figuras.
Segundo Lipovetsky (1989, p.217), essa humanização da estrela não é acompanhada
de falta de idealização: “a idade de ouro do star system não abandonou imediatamente o
esplendor do excesso e a magia do ideal, estruturou uma formação de compromisso: figuras
mágicas destacando-se ostensivamente do comum e com as quais, no entanto, o público pode
60
identificar-se”. As estrelas, de modelos, passam a ser reflexos, e a gerar mimetismos dos mais
variados tipos: imitação da maneira de vestir, dos penteados e cortes de cabelo, da maneira de
andar e falar, etc. Abaixo, segue trecho de uma confissão de uma fã de Deanna Durbin, que
exemplifica bem esse fenômeno:

“Eu a adorava, e essa admiração foi muito importante em minha vida.


Queria ser parecida com ela, na forma de me vestir e no comportamento.
Quando comprava roupas novas, procurava nas fotos de Deanna Durbin
algo que me agradasse. Eu me penteava como ela, e sempre me perguntava
o que Deanna faria no meu lugar, para agir como ela.” (MORIN, 1989,
p.53)

Logo, percebe-se que a relação afetiva entre fã e celebridade passa a assumir, a partir
do momento em que esse fã se identifica com a celebridade de alguma forma, uma grande
importância na formação de sua identidade e de sua visão sobre as coisas do mundo. O maior
exemplo disso é o impulso dado pelo cinema e principalmente pelas celebridades na alteração
da visão que se tinha do amor. Segue confissão de uma fã de Jan Kiepura:

“Acho que isso alterou minha visão do amor. Os carinhos do meu


namorado me irritavam. Desprezava os nossos encontros e considerava
seus avanços tímidos e desajeitados... E ainda hoje costumo romper várias
amizades encantadoras por nostalgia de alguma coisa diferente: alguma
coisa parecida com a primeira idéia que eu fiz do amor.” (MORIN, 1989,
p.53)

A celebridade ensinou para o mundo as novas técnicas de sedução; não há nada no


erotismo moderno que não tenha tido a influência das estrelas de cinema. A maneira de olhar,
o modo de dizer ‘eu te amo’, o beijo de olhos fechados, são ações executadas
automaticamente, nos dias de hoje, mas que foram institucionalizadas no cinema e no mundo
das estrelas. Com o tempo, essas celebridades que carregaram consigo e disseminaram os
ideais do amor, irão também carregar, anos depois, a bandeira de diversas revoluções nas
formas de pensar e agir de determinadas gerações e sexos.

4.3. Celebridades, discurso e transgressão: Marilyn Monroe e James Dean

Segundo Dyer (2004, p.18), estrelas tornam-se importantes porque elas encenam
aspectos da vida que nos importam. E pessoas públicas, como atores e cantores, tornam-se
61
estrelas quando o que elas representam é importante para um grande número de pessoas. As
celebridades imortalizadas no imaginário das populações apresentavam alguma relevância na
vida de seu público, e essa relevância não necessariamente deveria estar relacionada a seus
dotes artísticos. Para entender toda a dimensão da importância de uma celebridade, é
necessário entender o momento histórico em que esta atuou, bem como as idéias, sentimentos,
imagens e atitudes que circulavam nesse contexto.
Dyer utilizou em seu estudo o termo discurso para falar sobre estes aspectos que,
juntos, constituem diferentes formas de pensar e sentir, de construir um sentido do mundo. As
celebridades são imagens que podem dialogar com esses discursos, bem como ajudar a
articulá-los e construí-los. No mundo do cinema, duas figuras merecem destaque neste
aspecto: James Dean, que se tornou símbolo da adolescência, e Marilyn Monroe, símbolo de
uma nova sexualidade feminina. Ambos surgiram como estrelas nos últimos anos do star
system, ambos dialogaram com discursos latentes de sua época e ajudaram a dar força aos
mesmos. Ambos morreram jovens e foram imortalizados como os últimos heróis do star
system.
James Dean tem uma história pessoal muito peculiar. Perdeu a mãe, que o iniciara na
dança e na prática de violino, aos 9 anos de idade, e a partir daí foi criado por um casal de tios
mais abastados, em uma fazenda no estado de Indiana. Lá, aprendeu trabalhos rurais, e foi
onde teve acesso à velocidade pela primeira vez, dirigindo uma motocicleta usada, presente
do tio. Na adolescência, já gostava de atuar em peças escolares e participava de concursos de
declamação, sendo que seus personagens preferidos costumavam ser bêbados ou loucos.
Nunca foi a pessoa mais sociável do mundo.
Após terminar o colégio, Dean mudou-se para o subúrbio de Los Angeles, onde seu
pai morava com a nova esposa. Matriculou-se no curso de direito, participou de peças teatrais,
porém seu maior objetivo na cidade era tornar-se ator de cinema. James Dean passou por
rejeições seguidas em diferentes estúdios, passou a odiar o que hoje chamamos de star system.
Para ele, o sucesso deveria vir a partir de um trabalho bem feito, do talento, a não a partir da
bajulação, da encenação social. Algumas vezes, seu sentimento era de revolta, em outros,
incredulidade, mas sem que nunca este perdesse as esperanças de se tornar uma grande
estrela. Segue, abaixo, algumas citações do ator, datado do fim de sua primeira fase em
Hollywood. Na primeira delas, Dean mostra seu descontentamento com relação aos
empresários de cinema:

62
“É mesmo uma porcaria. Com a pose e riqueza que têm, eles se julgam
deuses. Essa cidade está cheia deles. Eles pegam os simplórios, como eu, e
os fazem representar. Sabe, ficam corroendo ao redor dos outros como
bobos da corte, bajulando as pessoas importantes... achei que podia valer a
pena. Mas não leva muito tempo para perceber que não funciona. Não vou
representar para nenhum deles. Chega. Se não puder vencer pelo meu
próprio talento, prefiro não vencer.” (ARASHIRO, 1994, p.56)

Por vezes, James Dean chegava a acreditar que seu estilo nunca atenderia aos padrões
de Hollywood, e a comparação com outras estrelas era inevitável:

“Não agüento mais ficar nessa pocilga. Nunca me deram uma chance de
verdade por aqui, não sou do tipo adolescente, e tampouco sou o tipo do
galã. Pode me imaginar fazendo amor com Lana Turner?” (ARASHIRO,
1994, p.57)

Apesar de criticar o star system, Dean tinha seus próprios ídolos, como o também
rebelde Marlon Brando. Espelhado neles, a vontade de seguir adiante acabava falando mais
alto que as dificuldades:

“Preciso ser fiel a ele (o destino) Em qualquer caso, está escrito que eu vou
conseguir, e que vou conseguir como Marlon conseguiu... que vou ser uma
estrela gigante da tela.” (ARASHIRO, 1994, p.57)

Indicado por um amigo, Dean mudou-se para Nova Iorque, onde ingressou no Actor’s
Studio, prestigiada escola de teatro. Nos três anos passados na cidade, conseguiu alguns
trabalhos na TV, encenou algumas peças na Broadway, e gozou de certa notoriedade,
chegando inclusive a receber algumas correspondências de fãs pelos trabalhos feitos na TV.
Porém, algum tempo depois, recebeu um convite de Elia Kazan, roteirista de Vidas Amargas,
para interpretar Caleb Trask. Este fato marcou a volta de Dean a Hollywood, em uma situação
totalmente diferente da inicial. Porém, as decepções passadas não desapareceram da memória
de ator, o que fez com que este tivesse uma relação conturbada com os diretores de estúdios,
relação esta que não demorou a tornar-se pública, causando grandes tensões. Por vezes,
Jimmy não aparecia nos eventos de imprensa, ou então chegava horas atrasado. Quando
comparecia, estava sempre mal vestido, para os padrões da época. Não se importava em dar
entrevistas polêmicas, que por vezes colocava os estúdios em situações complicadas. O
próprio Dean explica sua relação com Hollywood após seu retorno (ARASHIRO, 1994, p.65):

63
“Por que diabo devo mudar? Nenhum filho da mãe vai me dizer o que
fazer. Tudo o que tenho feito, tenho feito nos meus próprios termos. Não
aceito ordens de ninguém. Não preciso de Hollywood. Talvez eles não
precisem de mim também, mas estou em vantagem. Tenho algo que eles
querem, e vão ter de pagar bem para obter.”

É fato que James Dean tinha algo que Hollywood precisava. Segundo Arashiro (1994,
p.32), nos testes para o filme Vidas Amargas, outros atores renomados, como Paul Newman,
concorriam pelo papel. “Kazan achou que Newman aparentava aquilo que Hollywood sempre
tinha por imagem de um adolescente. Mas Dean era a própria adolescência”, e por isso
ganhou o papel:

“Até então, os adolescentes apareciam em papéis estereotipados,


estúpidos, bobalhões. Dean, ao contrário, era um adolescente com essência,
com algo dentro da alma, com força de expressão e interpretação, que
expelia todas as dúvidas, complexos, tormentas e inconformismo, não
fazendo apenas ‘um tipo’” (ARASHIRO, 1994, p.32).

De acordo com o cineasta Fraçois Truffaut (1994, p.84), “James Dean contradiz
cinqüenta anos de cinema; cada gesto, cada atitude, cada mímica é um soco na tradição
psicológica.” Essa maneira expressiva e passional de atual mostra um James Dean que,
sempre em algum aspecto, interpretava a si mesmo na tela. Seus personagens de Vidas
margas, Juventude Transviada e Assim Caminha a Humanidade transbordavam rebeldia, a
identificação entre personagem e ator era grande. Ainda segundo Truffaut (1994, p.85), seu
poder de sedução era tão grande que ele poderia matar o pai e a mãe todos os dias na TV, sem
que o público se opusesse. “Era preciso ter ouvido a indignação da platéia quando, em Vidas
Amargas, o pai se recusa a aceitar o dinheiro que Cal ganhara com os feijões, o salário do
amor”.
Quando falamos do fato da estrela ser o resultado de um rosto público atraente com as
qualidades heróicas da personagem, vemos que no caso de James Dean, a fusão acaba sendo
ainda maior. A história de vida do ator não foi construída pelo star system, é real e mesmo
assim cheia de traços heróicos, o que fez com que ele se tornasse um modelo para os
adolescentes da época. Sua morte, em um acidente de carro, só serviu para coroá-lo ainda
mais como herói da juventude, em uma época em que a adolescência começava a tomar
consciência de si como uma classe de idade particular, em que discursos próprios da

64
juventude começavam a circular pela sociedade e contribuíam com a busca pelo
distanciamento do mundo adulto. James Dean, através de sua vida e morte, ajudou a
autenticar esses discursos. Segundo Morin (1989, p.115), “Tanto na vida como nos filmes,
Dean exprime as necessidades de individualidade adolescente, que, ao se afirmar, recusa as
convenções da vida embrutecida e especializada que se abre à sua frente”. Por isso, James
Dean “canonizou e sistematizou um conjunto de normas que permitiu a uma classe de idade
se afirmar, e se afirmar mais ainda através da imitação do herói” (MORIN, 1989, p.114).
James Dean inaugurou a era das celebridades da adolescência moderna. Porém, essa
adolescência que tomou força com a ascensão da imagem pública de Dean, irá se desligar do
cinema e encontrar seu meio de expressão e identificação mais forte na música,
principalmente no rock. Além disso, Dean, diferente da maioria das estrelas, é um herói
problemático, que irá expor as fraquezas do star system a todo o público. Mais tarde, em
1962, Marilyn Monroe se suicidará e derrubará por terra a ilusão da estrela de cinema.

Figura 2 - James Dean: Adolescentes da década de 1950 buscaram na figura do herói os traços de rebeldia que
necessitavam para se distanciarem do mundo adulto e se afirmarem como uma classe específica.
Fonte: <http://comicsandoimage.files.wordpress.com/2009/06/james-dean.jpg>
65
Mas a contribuição de Marilyn Monroe para a história do cinema e das celebridades
vai muito além das lições deixadas com seu suicídio. Esta foi considerada símbolo de
sexualidade e feminilidade de toda uma época, em um momento em que a questão do sexo
estava em voga na sociedade. Neste ponto, podemos dizer que Marilyn é resultado de um
ganho de importância da sexualidade na mídia e principalmente no cinema, e ao mesmo
tempo incentivadora desse processo.
Monroe iniciou sua carreira da mesma forma que outras estrelas femininas, como pin-
up, espécie de modelo fotográfico que costumava tirar fotos sensuais, com pouca roupa. O
caminho de ascensão ao estrelato obrigatoriamente passava por essa fase, onde a exposição
era máxima. As pin-ups eram a imagem feminina mais sexualizada da época, e à medida que
as garotas passavam dessa fase para a de starlet (uma aspirante a estrela), a carga de
sexualidade dos papéis ia diminuindo, de maneira que as grandes estrelas deveriam ser
contempladas com papéis que adicionassem nobreza de alma à sua beleza. A diferença de
Monroe, quando comparada às estrelas que vieram antes, é o fato de que a imagem de pin-up,
com sexualidade transbordante, permaneceu constante durante toda a sua carreira. Iniciante ou
estrela, ela nunca deixou de ser objeto de desejo.
Em grande parte de seus filmes, Marilyn Monroe encenava sempre o mesmo papel: era
a garota, aquela que, independente de seu nome ou de sua história, estava lá para despertar o
desejo de um homem. O Pecado Mora ao Lado (1955), filme imortalizado pelo cinema
devido à cena clássica de Monroe e seu vestido branco aos ventos, é talvez o melhor exemplo
desse papel assumido pela atriz: a personagem de Monroe não tinha nome, era sempre
referida como a garota, aquela que desperta a atração do vizinho e entra em seus sonhos. Em
outras obras, Monroe ganha nome e profissão, porém essas profissões estão sempre
associadas à servidão ao mundo masculino: a secretária (O Inventor da Mocidade, 1952), a
atriz (A Malvada, 1950), a modelo (Como agarrar um Milionário, 1953) ou a cantora de
cabaré (Os Homens Preferem as Loiras, 1953). Isso porque o ponto de vista das obras está
sempre localizado sobre um personagem masculino, e a função feminina, por sua vez, é a de
oferecer teasers sexuais que estejam de acordo com fetiches e com a visão masculina de
mulher ideal.
Entre 1950 e 1960, a questão da sexualidade cresceu em importância em todos os
aspectos. Em um momento anterior, estudiosos dos mais diversos campos já voltavam suas
atenções para questões sexuais. Michael Foucalt (1980, apud DYER, 1994, p. 23) em sua

66
obra A história da sexualidade, fala sobre uma tendência surgida no século XVII e
intensificada nos séculos seguintes, na qual os estudiosos viam a sexualidade como um
aspecto da existência humana onde podemos aprender a verdade sobre nós mesmos, como
algo que deve ser escavado além da superfície, visto que o que é mais profundo deve
necessariamente ser mais verdadeiro, além de também responsável pelo que acontece na
superfície. Um dos autores mais conhecidos por explorar essa idéia foi o psicanalista Sigmund
Freud, com seu conceito de inconsciente e sua teoria sobre o desenvolvimento da libido.
Percebe-se que, no campo teórico, o assunto é tratado cada dia com mais naturalidade, e a
exploração desses aspectos em outros discursos do cotidiano também se fará presente,
inclusive no cinema.
Uma das estratégias do cinema frente ao crescimento de outros tipos de lazer (como a
televisão, as viagens, etc.) foi a de passar a oferecer um tipo de entretenimento que não fosse
considerado apropriado para o consumo em casa. Assim, declina o filme familiar e se
desenvolve um cinema mais adulto, naturalmente mais ousado e explícito no tratamento do
assunto sexo, passando a quebrar diversos tabus, inclusive dentro de Hollywood.
Paralelo a isso, desenvolve-se a filosofia de uma nova revista que surge no mercado, a
Playboy, que logo em sua primeira edição trouxe Marilyn Monroe em um ensaio nu realizado
para um calendário anos antes, mas cuja repercussão ainda não havia sido grande. As fotos
tiradas para o calendário não se encaixavam no glamour daquelas feitas pelos grandes
fotógrafos de Hollywood, nem na sexualidade pré-fabricada das pin-ups, com seus maiôs de
banho e sorriso maquiado. A total nudez de Monroe remetia a uma sexualidade embebida de
naturalidade. E a reação da atriz quando da publicação das fotos, a mais natural possível,
ajudou a homologar esse discurso.
Apesar de muitas outras estrelas da época incorporarem papéis marcados pela
sensualidade, cada uma à sua maneira (Audrey Hepburn, Brigitte Bardot, Ava Gardner), a
imagem pública de desejabilidade de Marilyn Monroe se diferenciava e se destacava por gerar
uma síntese entre sexualidade e inocência. Segundo Dyer (1994, p.34), apesar de todas as
diferenças em relação às estrelas de sua época, Marilyn ainda pertencia ao estereótipo da
dumb blonde (ou loira tola), e suas piadas bobas tinham quase sempre a ver com sexo. A
tolice da dumb blonde é, por tradição, natural, porque significa que ela não é tocada pela
racionalidade do mundo, ou mesmo por sua corrupção. Elas atraem devido ao contraste

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inocência vs. impacto sexual. Já Marilyn Monroe não estabelece um contraste, uma vez que
para ela a sexualidade é inocente. Ela considerava o sexo como algo natural.

Figura 3 - Marilyn Monroe: Beleza e sexualidade naturais, com menos tabus.


Fonte: <http://cdn.idontlikeyouinthatway.com//pictures/20070329/marilyn%20monroe%20rare/mm7.jpg>
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Monroe foi uma grande estrela porque os aspectos formadores de sua imagem
corresponderam a discursos relevantes para o público da época. O discurso proposto pela
playboy, de que o sexo é para os homens e as mulheres devem ser a incorporação da
sexualidade, estava presente em todos os filmes, até mesmo quando esta não era apenas a
garota sem nome. Além disso, uma nova visão de sexualidade, tratada com mais naturalidade
e com menos tabus, surgia como novo discurso. Marilyn Monroe brincava com a sexualidade
em piadas de duplo sentido (“Eu não se porque vocês garotos estão sempre se excitando com
garotas de suéteres. Se elas tirarem os suéteres, o que mais sobrará?”), não tinha medo de
abordar o assunto, nem mesmo quando se tratava de sua vida pessoal. Estes foram os
principais discursos que Marilyn Monroe incorporou. Mas também houve um momento em
que esta começou a sofrer com a dificuldade de incorporá-los sempre.
Ser seguida por fotógrafos vinte e quatro horas por dia obrigava Monroe a encenar sua
figura pública por mais tempo que o normal, reprimindo o eu verídico da atriz e fazendo
aumentar sua vontade oculta em viver uma vida normal. Alvo constante da mídia, a atriz viu
sua vida pessoal ser exposta a tal ponto que, até mesmo seus piores dramas pessoas, como o
divórcio do segundo marido, foram explorados pela imprensa. A imagem de Monroe tendo de
prestar contas à mídia, com os olhos inchados e expressão de desolamento, é exemplo do quão
longe pode ir a exploração da imagem de uma grande estrela.
Para Morin (1989, p. 131), os últimos eventos envolvendo o nome de Marilyn Monroe
representaram o início do fim do star system e trouxeram à tona o fato de que nem tudo é
perfeito no mundo das estrelas de cinema. Até o momento de sua morte, todo e qualquer
problema envolvendo essas celebridades era passível de ser abafado e transformado em um
evento positivo. Segundo o autor:

“durante a época áurea, o universo hollywoodiano era maravilhoso porque


era filtrado, perfumado e euforizado pelos cuidados do star system e da
cultura de massas. Os divórcios em série não significavam fracassos
sucessivos, mas êxitos; as mudanças ininterruptas não eram vistas como
sinal de instabilidade, mas como viagens maravilhosas; as festas quase
diárias eram interpretadas como alegria e consumo, não como
desregramento e devassidão; os internamentos em hospitais eram
provocados por esgotamentos, não pela depressão, ou então esta era apenas
uma conseqüência daqueles.”

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Porém, neste mundo de festas, glamour, consumo e alegrias, a estrela mais brilhante
de todas cometeu suicídio, revelando ao mundo a fragilidade de todo o sucesso, a solidão que
este traz consigo, o vazio sob toda a intensidade de ser uma estrela.
E esse suicídio começou a fomentar outros discursos que começavam a ser construídos
na época. Primeiro o do star system como um sistema falho e inadequado: o fato de uma
grande estrela ter se matado revelou que toda a construção em torno da imagem feliz do
estrelato era uma farsa. Segundo, o da mulher como figura atuante na sociedade: se Marilyn
Monroe, modelo da mulher perfeita e sempre à serviço do homem, acaba se rendendo à morte,
o quão correto era este modelo? Logo, um novo período surge com a morte da maior das
estrelas de Hollywood: o da problematizacão da felicidade.

4.4. A crise do cinema e do star system

Já no final da década de 1940, o cinema sofreu com uma crise no número de


freqüência às salas de exibição, em grande parte causada pelo crescimento da televisão. A fim
de lutar contra essa nova mídia, melhorias técnicas foram implementadas tanto nas obras
cinematográficas quantos nos locais de exibição, como o aumento da tela e a implantação
definitiva da cor. Foram medidas que conseguiram atrasar em alguns anos o declínio da
hegemonia dessa mídia, porém a crise maior era inevitável: era impossível manter o cinema
infinitamente como pedra angular da cultura de massas, uma vez que a melhoria de vida das
populações, os desenvolvimentos tecnológicos e as ofertas sempre novas do mercado traziam
à população o carro, a indústria fonográfica, as viagens de fim de semana e, principalmente, a
televisão para ocupar um tempo ocioso que, inicialmente, era dedicado ao cinema.
Juntamente ao problema da televisão, um novo questionamento, resultado do fim de
uma era de otimismo que caracterizou os primeiros anos da mídia de massa, passa a tomar
conta dos profissionais de cinema e a contribuir com uma alteração em seu modelo, como
bem explica Morin (1989, p. 127): “É a cultura de massas como um todo que lentamente
passa da euforia à problematização. Ao mito da felicidade se segue o problema da felicidade”.
E é justamente neste período que o cinema sofre uma grande modificação. Segundo Barbero
(2001, p.33), “a Europa reintroduzirá, nos anos 1960, uma nova legitimidade cultural, a do
‘cinema do autor’, recuperando o cinema para a arte e distanciando-o definitivamente da
mídia que, nesses mesmos anos, fazia sua entrada na cena mundial com a televisão.”

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Esse novo cinema logo se dividiu em dois pólos diferentes: um evasivo-espetacular, e
outro realista-problemático. Segundo Morin (1989, p.126), “Há vitalidade nos dois pólos,
embora no centro não exista praticamente nada, justamente ali onde se edificou a antiga
síntese do real e do imaginário e onde reinava o happy end.” Era a decadência da fusão entre
real e imaginário dentro do cinema que havia tomado forma. E, consequentemente, o
nascimento de uma barreira que dificultava cada vez mais ao ator navegar livremente entre as
projeções imaginárias e as identificações reais dentro de um mesmo filme.
Além dessa barreira natural em se estabelecer uma imagem da celebridade como
estrela, outros fatores contribuíram para esse processo de decadência da estrela de cinema: o
primeiro deles era a própria característica do cinema do autor, onde o diretor é mais
importante do que a vedete e este precisa de bons intérpretes para seus filmes, não de ídolos.
Além disso, dentro de um cinema realista, procurava-se excluir figuras míticas e de beleza
irreal, preferindo o diretor trabalhar com atores mais reais. E por último, a chegada da
televisão, da indústria fonográfica e do rádio fez com que essas estrelas que reinavam
absolutas se misturassem com muitas outras, com quem deveriam concorrer por atenção. Era
o fim do reinado absoluto das estrelas de cinema, mas muita história ainda iria marcar a
trajetória das celebridades dentro da mídia de massa.

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5. MULTIPLICAÇÃO E BANALIZAÇÃO DAS CELEBRIDADES

Os exemplos de Marilyn Monroe e James Dean, narrados no capítulo anterior, nos


mostraram de que forma dois grupos sociais distintos, as mulheres e os jovens, passaram a
contar com figuras que os permitiam, através de processos de identificação e imitação do
herói, construir uma identidade coerente com os valores e discursos veiculados em sua época.
Curiosamente, as celebridades continuam desempenhando um forte papel na formação de
identidades destes dois grupos até os dias de hoje, a ponto de este fato merecer atenção de
diversos estudiosos.
Henry Jenkins (1992, p. 213) tenta explicar este fato analisando os fatores que levam
uma pessoa a torna-se fã de determinada celebridade ou produto da mídia. Segundo o autor,
grupos de pessoas que sofrem algum tipo de discriminação social ou fazem parte de minorias,
enxergam no tornar-se fã uma possibilidade de adentrar em um meio social diferente do
dominante, de pertencer a um grupo com o qual eles se identifiquem e se diferenciem dos
demais grupos. Assim, o fato de ser fã de uma celebridade oferece ao indivíduo a
oportunidade de pertencer a uma comunidade que é definida através da relação comum que os
membros desta estabelecem com os textos da mídia. Dentro desta comunidade, o indivíduo é
aceito e sai em busca de sua autonomia.
Seguindo essa mesma linha, Lipovetsky (1989, p.219) analisa o porquê da bajulação
às celebridades ter sido um fenômeno feminino desde suas origens:

“Tendo as moças, numa sociedade ‘falocrática’, muito menos meios do que


os rapazes para impor sua independência, a devoção às estrelas foi para
gerações de moças uma maneira de criar um continente delas, de abrir seu
horizonte íntimo, de ter acesso a novos modelos de comportamento.”

Assim como os romances desempenharam um papel importante na vida da mulher


burguesa do século XVIII e XIX, que excluída da vida social que os homens desfrutavam,
buscavam nas heroínas dos romances figuras geradoras de identificação e modelos de
comportamento, a mulher do século XX tem nos meios de massa um cardápio de figuras e
discursos para trabalhar, a fim de fazer com que estes textos da mídia se conectem com sua
própria vida, suas experiências, necessidades e desejos.
Com relação aos jovens, estes são mais suscetíveis às celebridades por diversos
motivos: ao surgir como uma nova classe de idade, também minoritária, a busca por

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celebridades que incorporassem o discurso da juventude era importante para a construção de
uma identidade própria que os distanciasse do mundo adulto. Sendo uma idade caracterizada
pelo ócio, esta também é mais afetada pela mídia de maneira mais forte que o mundo adulto,
que já se encontra ocupado com as responsabilidades do trabalho, tendo menos tempo para as
atividades de lazer que os mass media oferecem. Lipovetsky (1989, p.219) afirma que o culto
às estrelas é um trampolim de autonomização dos jovens:

“Pelo caminho da adulação das estrelas, novos comportamentos podem


surgir, os jovens conquistam uma parcela, por mínima que seja, de
autonomia, libertando-se de certo número de dominações culturais,
imitando novas atitudes, desprendendo-se da influência de seus meios de
dependência. Partidário incondicional de um ídolo, o fã revela por isso
mesmo um gosto pessoal, uma preferência subjetiva, afirma uma
individualidade em relação a seu meio familiar e social.”

Ainda que o cinema tivesse construído grandes estrelas e gerado verdadeiros cultos ao
redor de determinadas celebridades, foi através da música que as celebridades alcançaram o
grau máximo da bajulação e mostraram todo o seu potencial como mercadoria. “Quanto mais
as estrelas se banalizam, mais investem em diferentes formas da mídia. Paralelamente aos
multimídia, as multiestrelas” (LIPOVETSKY, 1989, p. 217). Com a chegada da televisão e
multiplicação de imagens a limites extremos, este cenário se agrava, cabendo às celebridades
adotarem novas estratégias para se manterem sob os holofotes da mídia.
Esse processo de multiplicação, seguido pela banalização do célebre, foi um percurso
longo, que ainda não chegou a seu fim. É essa história que, brevemente, tentaremos contar.

5.1. Os primeiros anos do mercado fonográfico

Os avanços tecnológicos do final do século XIX e início do século XX foram o ponto


de virada para o início de uma nova relação entre indivíduo e música, e para a popularização
dessa arte. Antes da invenção do fonógrafo, a música só poderia ser apresentada em um
contexto de co-presença. Walter Benjamin (2000) trata deste assunto, afirmando que toda arte
tinha intrínseca uma função ritual, possuia um hic et nunc, um aqui e agora que dá à obra de
arte sua aura. Ele conceituou aura como “a única aparição da realidade longínqua, por mais
próxima que ela possa estar” (BENJAMIN, 2000, p.213). Assim, no caso da música, antes da
revolução tecnológica, o indivíduo programava-se para ouví-la, preparava-se à altura para o

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grande evento, seja ele um concerto acessível apenas à alta sociedade, seja ele um rito
tradicional de determinado povo.
Num primeiro momento, a indústria fonográfica destinou-se quase que exclusivamente
a reproduzir sucessos da música erudita. Aos poucos, com o barateamento do equipamento
destinado à reprodução das músicas, à popularização das emissoras de rádio, além do
desenvolvimento de técnicas de amplificação que possibilitavam seu uso em ambientes
públicos, o acesso à música foi se popularizando, e um processo de transferência das tradições
populares da periferia para o primeiro plano da cultura foi apenas uma questão de tempo.
O blues e o jazz norte-americanos, ritmos populares das comunidades negras deste
país, foram as primeiras manifestações relevantes dessa migração da música popular para os
holofotes da cultura. Segundo Sevcenko (2002, p. 111), o jazz, ritmo originado do blues, se
opunha à música erudita, uma vez que negava a estrutura harmônica e a linha melódica desta,
optando por uma sofisticada variedade rítmica, que conseguia representar muito bem o
período de borbulho pela qual passava a sociedade da época:

“Era esse elemento rítmico, sincopado, com seu irresisível apelo pulsional,
que sintonizava por um lado com as cadências mecânicas das cidades
industriais e por outro com a intensidade emocional da vida moderna,
pronta para dissipar suas energias concentradas em passos enérgicos de
danças alucinadas.” (SEVCENKO, 2002, p.111)

A inovação dessas novas formas rítmicas foi considerada, pelos mais tradicionais da
época, como “música do demônio”. As discussões acaloradas a respeito dos novos ritmos,
acompanhado de acontecimentos mal explicados como o envenenamento do bluesman Robert
Johnson por estricnina (transformando-o em um herói do blues), fizeram parte do caminho
que novamente, desta vez no cenário musical, alçaria certos intérpretes a títulos divinos. John
Coltrane e Miles Davis, ídolos do jazz das décadas que seguem, serão figuras comumente
associadas tanto a deuses quanto a diabos. Sobre isso, Rojek (2008, p.75) afirma:

“No seu melhor trabalho, Coltrane e Davis alcançaram uma pureza de


expressão que era na verdade religiosa na sua intensidade. Mas, exatamente
por ter a capacidade de transportar a sua platéia para longe das
preocupações terrenas, foi associada com possessão e magia, reforçando,
por conseguinte, os vínculos com xamanismo e com o demônio.”

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A inovação estética da música, bem como certa transgressão da cultura considerada
tradicional foram fatores importantes para elevar as primeiras figuras do mercado fonográfico.
Porém a notoriedade dessas celebridades do mercado fonográfico ainda não podia ser
comparada, por exemplo, com a adquirida pelas estrelas de cinema, que fizeram sua estréia no
mercado de massa anos antes. No mercado fonográfico, o dote musical mostrou ser apenas
uma das variáveis do sucesso. Para chegar ao estrelato musical, faltava a esses artistas mesclar
conteúdo musical de qualidade e discursos relevantes da época a uma imagem consumível
pelo maior número de pessoas possível. As primeiras grandes estrelas do mercado
fonográfico, como Elvis Presley e Beatles, conseguiram gerar esta síntese, e foi por isso que
se tornaram fenômenos da indústria fonográfica.

5.2. O rock’n roll, Elvis, os Beatles e a “rebelião” adolescente

O jazz e o blues foram manifestações musicais de origem negra, cujos representantes


já haviam conseguido fazer bastante barulho no cenário musical da época, muitos inclusive
quebrando o monopólio da música erudita no mercado fonográfico e popularizando novos
ritmos. Porém, esses ritmos ainda sofriam discriminação da parte branca da população, sendo
praticamente uma bandeira das classes negras e outras minorias. Segundo Sevcenko (2002,
p.113) essas novas formas culturais representavam, para as minorias, “a insurreição contra a
hipocrisia, a desigualdade e a estupidez. Para os guardiões da ordem, era o paganismo, a
delinqüência e as trevas”.
Com diversas evoluções de estilos no blues, este foi se metamorfoseando até o
surgimento do que, sob a voz e guitarra de músicos como Chuck Berry e Little Richard, foi
pela primeira vez chamado rock’n roll. Mais do que uma representação da classe excluída, o
rock foi aos poucos se tornando atraente principalmente aos mais jovens, chegando a gerar
uma espécie de revolução centrada na música, como explica Sevcenko (2002, p. 113):

“O ano chave foi 1956. Durante a exibição dos filmes Black Board Jungle
e Rock Around the Clock, jovens representando os grupos marginalizados e
excluídos, em meio à onda de prosperidade que arrebatava os Estados
Unidos, se punham a dançar sobre as poltronas até arrebentar os cinemas.
Estavam respondendo a apelos rítmicos de músicos negros como Chuck
Berry, Bo Didley e Little Richard. Ou a vozes que emergiam das cidades
empobrecidas do sul, identificadas pelo convívio com comunidades negras,
como Elvis Presley, Gene Vincent e Eddie Cochrane.”

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Manifestações jovens, como estas acontecidas no período pós-guerra, eram raras. Na
verdade, durante toda a história ocidental, a adolescência havia sido um período quase
inexistente, uma vez que se passava da fase infantil direto para as responsabilidades da fase
adulta, quando estas crianças largavam os estudos para ajudar os pais no trabalho. Porém, o
período de prosperidade pós-guerra possibilitou que a nova geração que nascia, os chamados
baby boomers, postergasse a idade inicial de trabalho, fazendo com que a fase de adolescência
se diferenciasse da fase adulta como um momento de desemprego e lazer.
Para os empresários, esses jovens se mostravam como um forte potencial
mercadológico a se explorar, uma vez que, diferente das crianças, eles além de serem
influenciadores de compras já tomavam suas próprias decisões com relação ao que queriam
consumir. Logo, à medida que o mercado transformava os adolescentes em consumidores, ele
também solidificava a cultura adolescente e a diferenciava do mundo adulto. Ser adolescente,
aos poucos, foi se tornando um status do qual os jovens sentiam orgulho de possuir. Eles não
queriam mais ser considerados como crianças grandes, e muito menos como pequenos
adultos. Essa diferenciação foi buscada cada dia com maior afinco (Ehrenreich, Hess e
Jacobs, 1992, p.97-98).
Os cantores negros do rock não conseguiram se tornar grandes celebridades da década
de 50, e neste caso, o aspecto racial foi preponderante para que isso acontecesse. Porém, à
medida que nomes do rock de origem branca surgiam no mercado fonográfico, os
adolescentes mais abastados passaram a se render ao ritmo e a apelar a ele como mais uma
forma de construir a identidade de sua geração. “A batida selvagem do rock era
desconcertante e odiosa para os adultos brancos; suas letras celebravam o mundo especial da
moda (Blue Suede Shoes) e sentimentos adolescentes (Teenager in Love)” (Ehrenreich, Hess e
Jacobs, 1992, p. 98).
Principalmente para as garotas, a relação com a celebridade musical assumiu uma
importância em suas vidas que durante anos diversos estudiosos tentaram incessantemente
explicar. O rock’n roll e particularmente as figuras de Elvis e dos Beatles causaram uma
histeria feminina em massa nunca vista antes. As jovens tímicas e recatadas, que viviam sua
adolescência ao mesmo tempo em que se preparavam para o inevitável momento do
casamento, diante dessas figuras tornavam-se seres enlouquecidos, capazes de qualquer coisa
para chegar mais perto de seu ídolo.

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A Beatlemania foi um fenômeno tão surpreendente que reportagens, tentando explicar
o porquê de tanta excitação adolescente, abarrotavam os jornais e revistas. Um artigo na The
New York Times Magazine chegou a oferecer uma análise psico-antropológica sobre o
assunto, intitulada “Por que as garotas gritam, choram e enlouquecem” (Ehrenreich, Hess e
Jacobs, 1992, p. 88). Baseado no trabalho do sociólogo alemão Theodor Adorno, o jornalista
em questão argumentava que as garotas não estavam fora de controle realmente; muito pelo
contrário, elas estavam apenas obedecendo. O ritmo frenético das músicas que embalavam a
adolescência fazia com que essas adolescentes se tornassem parte de uma massa obediente
apenas ao ritmo frenético da música. E se a obediência aos Beatles era muito mais caótica do
que a causada por ídolos de épocas anteriores, como Sinatra, isso acontecia porque a própria
música em questão era mais explosiva (Ehrenreich, Hess e Jacobs, 1992, p. 88).
Apesar de todas as discussões a respeito do assunto, um ponto é unanimidade quando
se tenta explicar a histeria feminina da época: está intimamente relacionado com a repressão
sexual e a carga de responsabilidades e deveres que caíam sobre os ombros das jovens da
época.
As adolescentes da época em questão tinham, em suas mãos, a responsabilidade de
desempenhar um papel social ideal, que tivesse como objetivo final arrumar um bom
casamento. “Para ser popular com garotos e garotas – para ser universalmente atrativa e ainda
assim ter uma reputação limpa – uma garota deveria ser cool, esperta e cuidadosa. O
pagamento por todo este esforço era terminar exatamente como sua mãe – como uma dona de
casa” (Ehrenreich, Hess e Jacobs, 1992, p.91). O esforço para isso envolvia aprender a
oferecer o suficiente, sexualmente, para conseguir namorados, e ao mesmo tempo negar o
suficiente para manter o interesse de um garoto durante todo o namoro, até o momento do
casamento. Era responsabilidade da garota estabelecer os freios da relação e não se render às
suas reais vontades, enquanto ao homem, dava-se o direito de tentar “avançar o sinal” ou
mesmo liberar suas energias sexuais de outras formas, sem que este fosse considerado
“barato” pela sociedade. De acordo com os valores patriarcais da época, apenas a garota tinha
tudo a perder caso resolvesse agir de forma diferente do esperado. (Ehrenreich, Hess e Jacobs,
1992, p.94).
Porém, já na década de 1950, a instituição tradicional da família começava a entrar em
declínio e o número de divórcios começava a crescer. O casamento já não era o futuro
sonhado por todas as garotas, uma vez que ele representava sair da fase de lazer e exposição

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social característica da adolescência passada na high school para entrar no total anonimato do
lar. Para essas jovens, parte do appeal de figuras como James Dean no cinema, ou Elvis e os
Beatles na música, era a possibilidade do estabelecimento de relações emocionais sem
nenhum compromisso. “O romance nunca terminaria no tédio do casamento” (Ehrenreich,
Hess e Jacobs, 1992, p.96).
A atração sexual causada por Elvis e Beatles agia de maneira diferente nas jovens:
Elvis atraía por sair totalmente fora do padrão masculino da época, por não dar à fã o espaço
para a lembrança da tradição de namorar, noivar e casar. Por parecer sórdido, dissimulado, e
ao mesmo tempo vulnerável. Na biografia sobre o cantor, Goldman tenta explicar a origem da
atração por Elvis (1981, apud Ehrenreich, Hess e Jacobs, 1992, p 100-101):

“Elvis era o oposto da imagem convencional de homem. Sua pele branca,


tão diferente do bronzeado saudável dos garotos da praia; seus olhos
latinos, pesadamente escurecidos com maquiagem... os lábios carnudos e
pervertidos; os cabelos compridos, cheios de brilhantina... Deus! Como
este homem deve ter parecido estranho para essas garotas... mas que
excitação! Alguns comentários típicos delas eram: ‘Eu gosto dele porque
ele parece ser tão mal...’”

Figura 4 – Elvis Presley: Ele não se encaixava nos padrões de beleza da classe média branca e era amado por
legiões de jovens por parecer “tão mal...”
Fonte: <http://writersforensicsblog.files.wordpress.com/2009/08/elvis.jpg>
78
Já os Beatles não tinham uma atitude sexual explícita como Elvis, e parece ser
justamente por isso que os ingleses atraíram um público de faixa etária geralmente menor do
que a atingida por Elvis. Diferente do rockstar sucesso na década anterior, os Beatles
aparentavam ser de origem rica. O que era mais chocante e profundamente atraente nos
Beatles era o fato deles serem, ainda que não exatamente afeminados, ao menos não
facilmente classificáveis nas rígidas regras de distinção de sexo da sociedade (Ehrenreich,
Hess e Jacobs, 1992, p.101). E porque esses garotos, considerados por muitos como
“sexualmente suspeitos”, conseguiram angariar uma multidão de fãs enlouquecidas? Embora
pouco se fale sobre isso atualmente, as fãs do período áureo da Beatlemania tinham, em
grande parte, entre 10 e 14 anos, eram muito mais novas do que as garotas que gritaram por
Elvis. Essas jovens, ainda um pouco assustadas com a idéia de sexo, sentiam-se mais seguras
admirando ídolos não tão masculinos, e que tratavam o amor de uma forma inocente,
divertida, e não como algo que pudesse levar a uma tragédia (Ehrenreich, Hess e Jacobs,
1992, p.102).

Figura 5 – Beatlemania: A legião de fãs fotografadas pelas lentes do inglês Robert Whitaker.
Fonte: <http://images.suite101.com/746713_com_fansatbuck.jpg>

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Porém, a atração por essas celebridades da música não era apenas sexual. “A atração
dos Beatles ultrapassava o sexo e ia em direção à questão do poder” (Ehrenreich, Hess e
Jacobs, 1992, p.102). Analisando o depoimento de uma fã que viveu no auge da Beatlemania,
percebemos que as jovens que gritavam por seus ídolos invejavam também a liberdade de
seus ídolos, e gostariam de ser como eles:

“Eu não definiria meu sentimento como sexual. Parecia ter mais a ver com
querer liberdade. Eu não queria crescer e ser uma esposa e dona de casa, e
parecia para mim que os Beatles tinham o tipo de liberdade que eu queria.
(...) Eu não queria dormir com Paul McCartney, eu era jovem demais. Mas
eu queria ser como eles, algo maior do que a vida.” (Ehrenreich, Hess e
Jacobs, 1992, p.103)

Através da trajetória que levou Elvis Presley e os Beatles ao patamar de grandes


celebridades da música, pode-se perceber que os fatores de atribuição de status vão muito
além da identificação com a música, mas tem a ver também com a identificação e assimilação
de estilos de vida. Ambos os exemplos são figuras que foram imortalizadas, parte por sua
música, parte pelos discursos que validaram em determinados setores da sociedade. Mais do
que isso, estão entre as primeiras celebridades que surgiram junto com o desenvolvimento
crescente das tecnologias audiovisuais, o que os garantia uma imagem pública ainda mais
forte.
Porém, ainda que alguns digam que tanto o ícone americano quanto o inglês causaram
uma revolução adolescente, é preciso cuidado ao tirar essas conclusões: os Beatles e Elvis
com certeza serviram como uma válvula de escape para as emoções adolescentes da época,
como representantes de um discurso libertário que se tornava casa dia mais forte entre jovens,
causando espanto sem precedentes no mundo adulto. Mas todo o fervor ao redor das duas
personalidades só foi possível devido a um ciclo mercadológico sem fim envolvendo as
figuras célebres, que incluía o lançamento de singles, álbuns, filmes, além da aparição em
programas de TV e a realização de turnês intermináveis. Ambos os ícones eram tanto
produtos mercadológicos altamente rentáveis quanto os porta-vozes de uma revolução.
Das garotas que choraram e soluçaram pelos Beatles, muitas se tornariam as donas de
casa que o costume pedia. Outras amadureceriam junto com o grupo e ajudariam a formar um
novo perfil de fãs, mais crítico e adepto do movimento contracultural. Independente do rumo
que tomaram suas vidas, estas fãs deixaram se ser jovens, mas continuaram mulheres,
procurando, cada uma à sua maneira, definir sua identidade: seja através da busca por
80
modelos de identificação dentro da mídia de massa, seja através da luta e dos movimentos
feministas do final da década de 1960.

5.3. A celebridade musical e o discurso contracultural

O jovem (de classe média-alta) da primeira metade da década de 1960 ainda vivia uma
onda de euforia consumista desencadeada no período pós-guerra. Porém, o período de euforia
foi seguido pelo momento de reflexão. O ano de 1965 marcou a entrada dos EUA na Guerra
do Vietnã, e as imagens do confronto se alastraram pelo mundo através da mídia de massa. A
corrida armamentista da guerra fria confirmava o clima de tensão. Tais fatos não
desencadearam o movimento contracultural de forma direta, mas foram os estopins que
alastraram entre a juventude um discurso de não-violência que será a bandeira do movimento
hippie e tema de diversos movimentos culturais que acontecerão, inclusive na música. Maciel
(2007, P.64) afirma que o propósito da contracultura era:

“Ver as coisas com esse olhar inocente, esse primeiro olhar, ver
diretamente as coisas, ver sem mediações intelectuais estabelecidas e
consagradas, seja pela academia, seja pela mídia, seja por qualquer um
desses monstros por aí que dirigem as nossas vidas. A experiência imediata
e a experiência concreta do real foram o grande objetivo da contracultura;
não foi a transgressão, que é mera coincidência.”

Assim como a resposta a uma antiga euforia jovem foi o surgimento na arena pública
de celebridades que de alguma maneira atendiam às necessidades e anseios desse público,
com os ventos da contracultura surgiram logo figuras que representavam publicamente esses
ideais. Os próprios Beatles, antes motivo de euforia feminina em apresentações nas quais os
gritos de histeria eram mais audíveis do que a própria música, foram aos poucos mudando, e
as influências contraculturais passaram a ser cada vez mais perceptíveis em suas obras e em
seu visual: os ternos e cabelos alinhados foram substituídos por roupas coloridas e cabelos
compridos, suas músicas apresentavam, cada dia mais, traços experimentais. Porém, a cara da
celebridade jovem do final dos anos 60 e início dos anos 70 era outra. Segundo Rojek (2008,
p.146), “O ídolo tradicional do rock da década de 1960 era uma figura sexualmente coerente
de rebeldia: Mick Jagger, Jimi Hendix, Jim Morison.” Estes músicos buscavam na
composição de suas músicas e na sua apresentação pública algo muito parecido com os ideais
da época: uma total liberdade de criação, desvinculado de qualquer padrão estético anterior.
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Uma vez que uma das propostas do movimento contracultural era gerar uma visão do
mundo sem mediações, a mídia de massa se apresentou como uma das principais críticas do
movimento. Porém, se levarmos em conta a quantidade de celebridades musicais que
ganharam destaque junto com o movimento, vemos que esta mídia tão criticada teve
importância fundamental na difusão dos valores da contracultura. Grande parte dos jovens que
foram aos poucos se juntando a esses novos ideais vieram através dessas mesmas mediações,
muitos tomando conhecimento da existência de grupos musicais adeptos do movimento,
através dos inúmeros rankings criados para promover a indústria fonográfica da época.
Programado para ser um festival de música de médias proporções, Woodstock recebeu
500 mil pessoas, sete vezes mais do que o previsto. O festival foi um culto à paz, à liberdade
individual, sexual, artística, mas sem nunca deixar de ser culto à celebridade. Porque apesar
de seu caráter de mercadoria e apesar de exibir uma imagem pública mediada, as celebridades
nunca perderam totalmente seu caráter heróico, elas continuam atuando como símbolos de
discursos relevantes para a sociedade, e por isso se mantiveram importantes no contexto da
contracultura.

5.4. Celebridade e identidade moderna

Os exemplos de Marilyn Monroe, James Dean, Elvis Presley, The Beatles e das
celebridades surgidas no período contracultural nos mostram como é importante, para a
audiência das mídias de massa, a existência de figuras com as quais estas possam se
identificar. Essa valorização do indivíduo e de sua busca pela identidade é parte de um
processo longo, que tem início nas sociedades mais antigas.
De acordo com Kellner (2001, p.295), “nas sociedades tradicionais, a identidade era
fixa, sólida e estável. Era função de papéis sociais predeterminados e de um sistema
tradicional de mitos, fonte de orientação e de sanções religiosas capazes de definir um lugar
de cada um no mundo”. Os indivíduos não passavam por crises de identidade, uma vez que
sua situação social e seu lugar no mundo eram determinados pela posição e função deste
dentro de seu grupo, sendo essas determinações justificadas através de mitos que
possibilitavam a este indivíduo sentir-se parte de um todo, de uma comunidade imaginada.
Com os processos que marcam o que chamamos de modernidade – a liberação do
indivíduo de seus apoios estáveis nas tradições e na estrutura, que eram consideradas como

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divinamente estabelecidas, para o nascimento de um indivíduo apoiado em bases que estão
sujeitas a mudanças (HALL, 2005, p. 25) – a identidade passa, aos poucos, a se tornar uma
questão problemática para o indivíduo. Uma vez que este toma consciência de si, passa
também a refletir sobre seu papel no mundo e a tentar trabalhar a favor de uma identidade que
esteja de acordo com seus valores e aspirações. Mais do que isso, o aumento no número de
fontes as quais os indivíduos possam se identificar gera uma “ingerência do outro, pois, à
medida que o número de possíveis identidades aumenta, é preciso obter reconhecimento para
assumir uma identidade socialmente válida” (Kellner, 2001, p.296). Nas sociedades
modernas, vemos que existe uma preocupação do indivíduo em contar uma história sobre si
mesmo, em construir identidades que sejam coerentes com a maneira como este deseja ser
visto no mundo. Neste contexto, os meios de comunicação exerceram um papel importante
como veiculadores de modos de ser e, consequentemente, incentivadores da busca pela
identidade individualizada. Segundo Kellner (2001, p.297):

“Enquanto, tradicionalmente, a identidade era função da tribo, do grupo,


era algo coletivo, na modernidade ela é função da criação de uma
individualidade particular. Nas sociedades de consumo e de predomínio da
mídia, surgidas depois da Segunda Guerra Mundial, a identidade tem sido
cada vez mais vinculada ao modo de ser, à produção de uma imagem, à
aparência pessoal. É como se cada um tivesse de ter um jeito, um estilo e
uma imagem particulares para ter identidade, embora, paradoxalmente,
muitos dos modelos de estilo e aparência provenham da cultura de
consumo.”

Sob este prisma, percebe-se que as celebridades refletiam as preocupações da época,


eram figuras dotadas de uma identidade própria, um jeito de ser particular, e carregavam
consigo muita personalidade. Os exemplos dados em momentos anteriores são de
celebridades que viveram neste período pós-guerra em que, ao mesmo tempo, a construção de
identidades passava a ser uma preocupação cada vez maior, os discursos do cotidiano da
época (idade, raça, sexo, família e tantos outros) passavam por mudanças radicais e por isso
mesmo a veiculação desses discursos na mídia não resultavam em banalização.
Os acontecimentos de meados e fim da década de 1960 não são importantes apenas
por ser o estopim do movimento contracultural, já tratado aqui anteriormente. O ano de 1968,
na visão de Hall (2005, p.44), é também o “grande marco da modernidade tardia”. A
instabilidade política e social que marcava o mundo neste ano foi incentivadora de diversos
movimentos sociais, como o feminismo, as revoltas estudantis, as lutas pelos direitos civis, os
83
movimentos revolucionários do “Terceiro Mundo”, os movimentos pela paz, etc. Todos esses
movimentos mostraram que cada vez mais as identidades se fragmentavam e, à medida que
isso acontecia, se tornavam uma questão cada vez mais importante: não bastava mais a
identificação com o país ou com a classe, a mulher se identificava com a causa feminina, os
estudantes emergiam como um forte grupo de contestação, cada um lutava por uma causa
diferente, dentro da identificação de cada um.
Segundo Hall (2005, p.45), o movimento feminista, por exemplo, “abriu para a
contestação política, arenas inteiramente novas da vida social: a família, a sexualidade, o
trabalho doméstico, a divisão doméstica do trabalho, o cuidado com as crianças, etc.”,
politizando, assim, o processo de identificação e levando a formações de identidades sexuais e
de gênero. Logo, enquanto no campo político a tradição era destruída dando espaço a diversas
novas identidades cujos discursos passavam a circular na sociedade e se mostravam
relevantes, no campo cultural esses discursos eram incorporados por figuras públicas que
passavam a exercer papéis heróicos.
As celebridades, neste contexto, são produções que se encaixam perfeitamente ao ideal
da modernidade: como difusor de discursos relevantes, buscam suprir a necessidade do
indivíduo na construção de identidades. Como mercadoria, estão sempre renovando o cenário
midiático com novos discursos. E enquanto a quebra das tradições provocadas pela
modernidade não fosse completa, enquanto houvesse mais tabus a serem quebrados,
celebridades poderiam continuar incorporando discursos relevantes para a época e,
conseqüentemente, continuariam a ser relevantes para as pessoas.
Com a modernidade tardia, os campos de identificação entre celebridade e público e os
discursos incorporados por essas celebridades começaram a se mostrar cada vez mais variados
e, por vezes, contraditórios. A mídia se torna um lugar onde, cada vez mais, discursos de
contestação e revolta coabitam com discursos conservadores. Por sua vez, o discurso da moda
e do consumo se veste de socialmente responsável ou de politicamente engajado a fim de
ganhar relevância. Na década de 80, o movimento punk entrou em cena na mídia
incorporando discursos oriundos da classe média, que não havia sido contemplada com o
milagre econômico tão prometido em décadas anteriores e vivia um momento de crise e
desemprego. Neste contexto, os Sex Pistols apresentavam um misto de rebeldia e alienação no
palco. Ao mesmo tempo, Madonna estreava na mídia incorporando o discurso da moda e
propondo uma nova atitude feminina que, ao mesmo tempo em que tentava se mostrar

84
contestatória em relação às convenções dominantes, também as reforçava. O garotinho dos
Jacksons 5 se transformava em Michael Jackson e levava o público a rever seus conceitos de
sexo, raça, cor e idade. Uma mudança relevante estava acontecendo naquele momento, e para
entender melhor este fenômeno, vale à pena inserir neste estudo mais uma variável
importante: o desenvolvimento da televisão.

5.5. Televisão, celebridade e modernidade tardia

Até o momento, narramos a história do mercado fonográfico até chegarmos à década


de 1980, na qual detectamos uma mudança na maneira das celebridades autenticarem
discursos da sociedade. Vale a pena voltar um pouco na história para entender a importância
da TV neste processo de multiplicação e banalização das imagens dentro da cultura de massa.
O desenvolvimento da televisão aconteceu de maneira não uniforme, e em cada parte
do mundo ela data de um período diferente. Apesar de já ser uma realidade nos Estados
Unidos e países mais desenvolvidos da Europa desde a década de 1940/50, esta só se firmou
mundialmente a partir de 1970, década em que entrou com força em território brasileiro,
inclusive. A chegada de televisão não correspondeu apenas ao surgimento de mais uma
tecnologia de comunicação entre todas as outras já existentes, mas gerou uma reestruturação
gradual dos demais meios, de modo que estes, ou passassem a oferecer uma experiência
complementar à da televisão, ou produzissem conteúdos veiculáveis na mesma. A televisão
vinha para tornar-se o pilar principal da mídia de massa. De acordo com Castells (1999,
p.415),

“A difusão da televisão nas três décadas após a 2ª Guerra Mundial (em


épocas diferentes e com intensidade variável, dependendo do país) criou
uma nova galáxia de comunicação (...). Não que os outros meios de
comunicação desaparecessem, mas foram reestruturados e reorganizados
em um sistema cujo coração compunha-se de válvulas eletrônicas e cujo
rosto atraente era uma tela de televisão. O rádio perdeu sua centralidade,
mas ganhou em penetrabilidade e flexibilidade (...). Filmes foram
adaptados para atender às audiências televisivas (...). Jornais e revistas
especializaram-se no aprofundamento de conteúdos ou enfoque de sua
audiência.”

Muito antes da invenção da TV, o rádio e o cinema foram os meios de comunicação


que fizeram a mediação das culturais rurais tradicionais para a cultura urbana das sociedades

85
de massa, possibilitando que essas sociedades dessem mais um passo de afastamento da
racionalidade expressivo-simbólica, rumo a uma racionalidade informativo-instrumental
característica da modernidade (BARBERO, 2001, p.42).
O cinema, à moda de Hollywood, inseriu na vida da cidade um discurso narrativo
capaz de nos familiarizar com qualquer acontecimento do presente ou do passado sem grandes
dificuldades, uma vez que este buscava remover todas as complexidades e ambigüidades do
mundo e prezava pelo simplismo, pela mensagem direta e sem ruídos, que deveria ser
entendida por todo o público (BARBERO, 2001, p.35). Porém, o ato de ir ao cinema, por
mais freqüente que fosse, ainda não estava incorporado irrevogavelmente ao dia-a-dia do
indivíduo.
Já o rádio, por outro lado, “veio ritmar a jornada doméstica, dando forma, pela
primeira vez, com seu fluxo sonoro, ao continuum da rotina cotidiana” (BARBERO, 2001,
p.36). Ouvir rádio era uma atividade totalmente incorporada às ações rotineiras, acompanhava
o indivíduo durante os mais variados momentos, era a maneira através da qual todos, letrados
e analfabetos, podiam ter acesso à informação e ao entretenimento, a qualquer hora do dia.
Com programação variada, incluindo noticiários, programas de auditório, novelas,
entre outros, o rádio possibilitou pela primeira vez, nos países menos desenvolvidos, a criação
de uma produção midiática com características nacionais ou regionais, gerando uma
identificação muito maior entre expectador e produto midiático. Inclusive, foi através de uma
iniciativa radiofônica, o concurso Rainhas do Rádio, que as primeiras celebridades
genuinamente brasileiras e os primeiros fãs-clubes surgiram em nosso país.
A televisão veio para unir a experiência visual do cinema ao fluxo cotidiano do rádio,
apropriando-se também, em certo grau, do formato de programação e conteúdos do último,
adicionando, a estes, a riqueza das imagens. Segundo Barbero (2001, p. 36), “O que anima o
ritmo e compõe a cena televisiva é o fluxo: esse continuum de imagens, que não faz distinção
dos programas e constitui a forma da tela acesa”. O fluxo radiofônico que antes possibilitava
ao indivíduo certa liberdade de movimentação, perde espaço para o fluxo televisivo, que
fascina com as imagens, que prende a atenção do indivíduo em todos os seus sentidos, que
exige deste uma atenção quase que integral, que acaba por estabelecer novos rituais no dia-a-
dia, como o de parar em determinada hora do dia para assistir a seu programa favorito.
O fluxo televisivo de imagens, no intuito de mostrar ao indivíduo a relevância de seus
conteúdos, acaba por colocar todo tipo de informação em um mesmo patamar de importância.

86
Moda, política, comportamento, ciência, vida real, ficção, todos recebem o mesmo valor no
mundo televisivo (BARBERO, 2001, p.36).
Junto à equivalência de todos os discursos proporcionados pela programação da TV, a
multiplicação de “visões de mundo” que já era uma realidade antes mesmo da televisão,
aumenta radicalmente. Gianni Váttimo (1992, p.11-12) afirma que “a própria lógica do
mercado da informação exige uma contínua dilatação deste mercado, e exige
consequentemente que tudo, de qualquer maneira, se torne objeto de comunicação”.
Essa multiplicação de imagens através do fluxo televisivo e seguindo uma lógica de
mercado foi o principal fator que impulsionou uma banalização de imagens, tornando as
identificações com os produtos da mídia cada vez mais superficiais e passíveis de troca.

5.6. A banalização do célebre

Com a multiplicação de imagens proporcionadas pelo desenvolvimento dos meios de


massa, chegamos a um momento em que, entre as figuras públicas que povoam nosso
cotidiano, algumas personagens de grande relevância convivem junto com outras que se
denominam celebridades pelo simples fato de terem conseguido destaque na mídia,
independente do motivo. As origens dessa valorização da figura pública levando em conta
apenas o fator visibilidade remonta desde antes da invenção dos meios eletrônicos.
Phineas Taylor Barnum é considerado um dos primeiros grandes empresários culturais
da história, e seu legado perdura até os dias de hoje. Sua carreira como homem do
entretenimento começou em 1835, quando começou a exibir Joice Heth, uma escrava idosa,
dizendo que esta possuía 161 anos e que tinha cuidado de George Washington. Dado o
sucesso gerado pela mesma, Barnum percebeu que “o fascínio com a forma social estava na
essência da cultura popular. Ao encenar indivíduos como exemplo de forma social exótica,
Barnum reconheceu que podia produzir celebridades virtualmente do nada” (Rojek, 2008,
p.141).
Em 1841, o empresário adquiriu um fracassado museu americano localizado na
Broadway. O museu possuía atrações sem grande appeal, como coleções de conchas,
minerais, pássaros empalhados e fósseis. Phineas, através de uma grande reformulação na
atração, o reinaugurou como o “Museu Americano de Barnum” e, junto com o acervo antigo
do museu, apostou em algumas figuras curiosas que ele utilizava para atrair visitantes ao

87
local, transformando-as em espécies de celebridades. Eram o que ele chamou de as “treze
curiosidades humanas”. Segundo Rojek (2008, p.42),

“Elas incluíam uma família de albinos (os Lucasies), Os Astecas ao Vivo


(Máximo e Bartola, irmão e irmã sofrendo de microcefalia), três anões,
uma mãe negra com dois filhos albinos, a Mulher Barbada Suíça, os
Meninos Gordos das Highlands e o Que É Isso? (ou mais precisamente,
Harry Johnson, um homem retardado mental com microcefalia).”

Tais figuras eram, em sua maioria, pessoas com algum tipo de deficiência, o que as
tornava diferentes em algum aspecto, gerando curiosidade. Para essas pessoas, Barnum criava
personagens e montava uma imagem pública espetacular. Não tinha medo de usar as últimas
novidades tecnológicas a favor de suas criações célebres, e justamente por isso mandou
fotografar suas principais atrações para serem expostas na Daguerrean Miniature Gallery, uma
galeria de daguerreóticos em miniatura (ver Figura 6) que se localizava em frente ao museu de
Barnum. Sua inventividade e habilidade para a criação de histórias ajudava a valorizar ainda
mais suas personagens. Sobre isso, Margo Jefferson (2006) afirmou:

“Como homem de teatro, Barnum sabe como transformar um


surpreendente efeito visual em uma história recheada de aventura. Mostre
um homem tatuado de tanga e ele se transforma no príncipe Constantino da
Grécia. O príncipe foi raptado pelo Khan de Kashgar: por isso tem 185
tatuagens no corpo, cada uma delas cruelmente gravadas com agulha em
sua carne.”

Figura 6 – Daguerreótipo Miniatura

88
Segundo Rojek (2008, p.142), “exibir as ‘curiosidades’ era de gosto duvidoso. Porém
mostrava mais convincentemente do que qualquer outra coisa a sabedoria da crença de
Barnum de que a mera forma social podia ser encenada como celebridade e que o público a
aceitaria como tal”. De certa forma, podemos afirmar que Barnum foi um contemporâneo em
sua época, inaugurando, antes mesmo da televisão existir, o mecanismo através da qual esta
transformara todo e qualquer fato em notícia, toda e qualquer figura pública em celebridade:
Phineas Barnum entendeu, mesmo antes do surgimento da televisão, o significado do
sensacionalismo.
Na cultura da mídia, como já vimos antes, diversas figuras públicas se construíram e
se transformaram em grandes estrelas por incorporarem discursos importantes para sua época.
Em uma sociedade em constante mutação, onde tabus eram quebrados a todo o momento,
onde valores relacionados à juventude, sexualidade, mulher, família, patriarcado, entre tantos
outros, eram reconfigurados e tirados de uma posição à qual estavam ancorados durante
séculos, celebridades que incorporassem esses novos valores eram transformadas em figuras
heróicas e contribuíam para a disseminação dos discursos atrelados aos valores. Assim,
celebridades como James Dean, seguido por Elvis e pelos Beatles, ajudaram a veicular
discursos próprios da juventude que ganhava força na época. Já Marilyn Monroe contribuiu
na disseminação de um novo tipo de sexualidade feminina, mais natural. Porém, à medida que
as imagens da mídia se multiplicam, buscando sempre um novo discurso, chegamos cada dia
mais perto de uma saturação de imagens: a cada dia, existem menos tabus a serem quebrados,
cada dia precisamos menos de super-celebridades, estrelas.
A partir do momento em que nenhum discurso é uma novidade total, a TV se defronta
com o desafio de promover fatos da vida cotidiana transformando-os em acontecimentos,
apelar ao experimentalismo da forma. É neste contexto que surgiram, por exemplo, os reality-
shows das últimas décadas, uma iniciativa experimental que tenta levar o expectador ao grau
máximo da identificação. Baudrillard (2002) chama estes novos produtos da mídia de
“pseudo-acontecimentos”:

“Como pseudo-acontecimento – essa é a ironia de todas essas palhaçadas


experimentais – em paralelo à multiplicação desses espetáculos de
violência cresce a incerteza quanto à realidade do que é mostrado. É
verdade ou não? Quanto mais se avança na orgia da imagem e do olhar,
menos se pode acreditar. A visão em ‘tempo real’ só aumenta a irrealidade
89
da coisa. Os dois paroxismos, da violência da imagem e do descrédito da
imagem, crescem segundo a mesma função exponencial.”

Violenta, para Baudrillard, é toda e qualquer imagem que desvela a sociedade em sua
forma nua e crua: a pobreza retratada nos documentários, a morte mostrada detalhadamente
nos noticiários, o sexo apresentado sem censura. Essas imagens não possibilitam ao
expectador um espaço para interpretações e, devido à sua força e intensidade, contribuem para
que as pessoas assistam à TV cada dia mais menos surpresos com o que estão vendo:

“A façanha consiste em entregar ao olhar da massa essa situação


insuportável, fazendo-a saborear as peripécias numa orgia sem futuro.
Grande façanha, que não acaba aí. Em breve, surgirão, numa sequência
lógica, os snuff movies e os suplícios corporais pela televisão. A morte
deve logicamente entrar em cena como peripécia experimental.”
(BAUDRILLARD, 2002)

Radicalismos à parte, o que podemos tirar de tudo isso é o fato de que, com a televisão
e a necessidade desta em oferecer cada vez mais a um público cada dia mais sedento por
imagens, a deixa simbólica perde seu espaço. Mais vale a hiper-realidade sem véus do que a
imagem que se mostra aos poucos, misteriosa e sedutora. Perde-se muito da experiência
simbólica da imagem, esvai-se o mito. Nesse contexto, perde-se muito, também, da função
heróica da celebridade, e em seu lugar, multiplicam-se as figuras que Rojek (2001, p.23)
chamou de celetóides, ou seja,

“qualquer forma de celebridade atribuída, comprimida, concentrada. (...)


Gente que acerta na loteria, os sucessos efêmeros, perseguidores, delatores,
cometas nas arenas dos esportes, heróis por um dia, amantes de figuras
públicas e os vários outros tipos sociais que chamam a atenção da mídia
um dia, e no outro caem no esquecimento.”

Tal situação, da banalização das celebridades juntamente com os conteúdos da mídia,


não é necessariamente um problema para seus empresários. Segundo Mark Andrejevic (2004),
atualmente, o “objetivo da indústria pop é criar blockbusters: artistas que dominam o mercado
por um tempo e que, mais tarde, podem ser substituídos por uma nova marca”. Neste
contexto, olhando sob o ângulo dos que lucram com as celebridades, grandes estrelas como
Beatles, Madonna ou Michael Jackson são dispensáveis: investir em talentos com grande
potencial artístico para transformá-los em grandes astros como os do passado é um trabalho

90
penoso, pois, apesar de talentosos, estes necessitarão de tempo para amadurecer. Dentro das
métricas do mercado fonográfico, isso pode representar até três ou quatro álbuns de
desempenho mediano até o grande estouro como uma estrela. Hoje, poucas celebridades
permanecem sob os holofotes por um tempo de “quatro álbuns”, porque são incessantemente
trocadas por outras mais lucrativas.
Até o presente momento, Madonna e Michael Jackson foram as últimas grandes
celebridades da era da televisão. Suas histórias conseguem ilustrar melhor um período de
mudanças na qual diversos dos aspectos discutidos no capítulo atual se misturam e convivem
juntos: a personificação de discursos de uma época, característica da celebridade moderna
que possibilitou a ascensão de grandes figuras como Marilyn Monroe e Elvis Presley, agora
convive com a banalização das imagens na mídia, pela busca incessante por acontecimentos e
pela fragmentação do indivíduo em múltiplas identidades.

5.7. Madonna: administração de visibilidade e identidade metamórfica

Nesse novo momento, em que o número de discursos comunicados através da


televisão se multiplica, começa a ficar cada vez mais difícil incorporar um discurso novo e
relevante para uma grande quantidade de pessoas, por um longo período de tempo. Um
modelo exemplar de celebridade que conseguiu a proeza de manter-se sob os holofotes da
mídia desde meados de 1980 até os dias de hoje é a popstar Madonna. Vale a pena
realizarmos uma análise das estratégias utilizadas para que esta conseguisse um estrelato tão
longo e estável.
Diferente das décadas de 1960 e 70, marcada por protestos e lutas sociais, a década de
1980 caracterizou-se pelo seu conservadorismo político. Este conservadorismo era seguido
por uma diferenciação dos jovens menos através dos movimentos ideológicos que marcaram
as décadas anteriores e mais através de uma exacerbação da moda, levada a limites extremos.
A moda, característica própria da modernidade, era a principal maneira como os jovens
buscavam formar sua identidade, principalmente em uma época em que, ideologicamente, a
juventude já não se encontrava mais tão engajada. Neste contexto, buscava-se exacerbar, ao
máximo, os elementos mais externos da personalidade:

“Michael Jackson, Prince, Boy George e outros grupos de rock minaram as


tradicionais divisões de sexo e promoveram a sexualidade polimorfa.
91
Cindy Lauper deliciava-se na excentricidade extrema, enquanto Pee Wee
Herman entregava-se a um comportamento infantil e tolo para deleite de
sua platéia jovem.” (KELLNER, 2001, p.339)

Foi neste contexto que surgiu Madonna, uma figura que veio para, por um lado, sanar
essa falta de discursos ideológicos fortes circulando na mídia. Por outro lado, a maneira
utilizada pela cantora para realizar seu “protesto” contra as normas vigentes, ao mesmo tempo
ajudava a autenticar essas normas. Além disso, Madonna soube mudar à medida em que
mudavam as modas do mundo moderno, soube personificar diferentes identidades à medida
em que os discurso relevantes mudavam, se inventou e se reinventou, tanto em relação à sua
música quanto em relação à sua imagem. Esclareceremos melhor estes pontos, através da
história de sua carreira.
Madonna fez sua estréia no show business no ano de 1983, sendo sua música destinada
ao público adolescente, com composições convencionais para a época e estilo dançante de
discoteca. Esta se diferenciava do restante dos artistas da época por transgredir as fronteiras
do trajar tradicional e por “se entregar a um comportamento sexual desinibido, subvertendo os
limites do apropriado para a mulher” (KELLNER, 2001, p.341). Sua subversão inicial estava
na moda, utilizando toda e qualquer combinação de roupa e acessórios da maneira que
quisesse, vinculando “moda, exibicionismo e sexualidade agressiva, associando a irreverência
em matéria de moda à rebeldia sexual e ao uso não convencional de símbolos religiosos como
crucifixos” (KELLNER, 2001, p.344).
Porém, o que de início parecia apenas exacerbação e exibicionismo adolescente, aos
poucos se mostrou como uma estratégia mais elaborada: Madonna, aos poucos, começou a
inserir temas mais polêmicos em suas músicas e videoclipes, porém sempre se certificando de
que o conjunto “música + vídeo” tivesse, como resultado, um texto polissêmico que deixasse
espaço para múltiplas identificações, algumas de caráter transgressivo, outras de caráter
conservador.
No vídeo de “Borderline”, por exemplo, Madonna se relaciona com um jovem
hispânico ao mesmo tempo em que flerta com um anglo-saxão, quebrando as barreiras raciais
da sexualidade e, ao mesmo tempo, convidando diferentes públicos a apreciá-la como objeto
de desejo. Da mesma forma, o videoclipe de “Material Girl” parece ser, de início, uma
exaltação ao consumismo e à dependência financeira feminina, valores conservadores da
época. A letra da música reafirma este ideal. Porém, ao final do vídeo, a personagem de
Madonna fica com um moço pobre, que na verdade é um grande empresário que se disfarça
92
para ganhar seu coração. Aqui, novamente, Madonna se vale da contradição para gerar
identificação em grupos totalmente distintos. Segundo Kellner (2001, p.348):

“Madonna é tudo para todos, e sempre consegue o que quer: para os


conservadores da era Reagan, ela exalta os valores materiais, é a
materialista do sexo, da ambição e do materialismo sem culpa. Para esse
público, ela é a reencarnação de Marilyn Monroe, a superestrela pop, o
objeto sexual superideal da fantasia masculina e o ícone da fantasia
feminina do objeto de desejo. Para a juventude idealista e romântica,
todavia, ela é a boa mocinha em busca do amor, que opta pelo verdadeiro
amor e resiste às tentações materialistas. No roteiro do videoclipe, porém,
ela consegue os dois: o amor e um rapaz bem-sucedido.”

Figura 7 – Madonna: Transgressão começou na moda e aos poucos passou por campos mais polêmicos
Fonte: <http://uppendahl.files.wordpress.com/2009/02/madonna-uppendahl-c-0234085-r7-e032.jpg>

93
Desta maneira, através de textos polissêmicos como os de “Borderline” e “Material
Girl”, Madonna começa a atrair diferentes públicos. Sua atitude transgressiva não impede que
seus produtos sejam bem aceitos pelo mercado cultural, porque seus textos sempre abrirão
espaço para uma interpretação radical e uma interpretação conservadora. Porém, independente
de qualquer interpretação, está sempre a “imagem raríssima de mulher livre, que toma suas
próprias iniciativas e decide a própria vida” (KELLNER, 2001, p.350), a personificação de
um discurso latente na sociedade da época.
Além de gerar múltiplas identificações contraditórias através de um único texto, a
própria imagem de Madonna sofre algumas metamorfoses de tempos em tempos. Em 1986,
em seu terceiro álbum, ela aparece mais madura, troca as roupas extravagantes por um
vestuário mais fino, emagrece e abandona a imagem da ninfeta desinibida. Dessa maneira,
consegue angariar um público mais maduro.
Apesar disso, a sexualidade continua sendo o centro de sua obra, e as desconstruções
das visões de sexo, uma constante. Em “Papa Don’t Preach”, Madonna não se utiliza de
polissemia de sentidos, mas retrata o problema da gravidez antes do casamento, e a escolha de
uma jovem por não realizar o aborto. No clipe de “Express Yourself”, Madonna pede às
mulheres que busquem sua autonomia, se expressem, produzam sua própria identidade. Para
isso, “Madonna constantemente inverte as relações de poder e dominação entre os sexos (...),
pondo na tela as imagens femininas engendradas pela sociedade e exibindo as fantasias
masculinas que produzem tais imagens da mulher e da sexualidade” (KELLNER, 2001,
p.355). Mais uma vez, a crítica se torna um objeto de múltiplas identificações: Madonna
salienta para as mulheres a artificialidade das imagens dos papéis e, ao mesmo tempo, torna
estas imagens objetos do olhar masculino.
Na década de 1990, Madonna se metamorfoseia mais uma vez. Dessa vez, deixa de
lado os temas relacionados à autonomia feminina e vai mais fundo, falando abertamente sobre
liberação sexual. Este foi o momento mais escandaloso de sua carreira: diversos de seus clipes
foram proibidos em determinados países, e nem mesmo a MTV, que vinha acompanhando e
impulsionando toda a sua carreira, se arriscava a exibi-los com freqüência. Segundo Kellner,
“essa fase da década de 1990 atraiu legiões de lésbicas e gays, feministas pró-sexo e
libertárias sexuais” (2001, p.357). Suas obras exibiam imagens de sexo inter-racial,
masturbação, lesbianismo, sadomasoquismo e orgias, “na tentativa incessante de cruzar a

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fronteira do sexualmente permissível” (KELLNER, 2001, p.358). Seus clipes foram se
tornando cada vez mais complexos e chocantes, as imagens mostravam uma posição pró-
liberação sexual em suas mais diferentes variantes, mas dificilmente abriam espaço para
discussão ou reflexão. Segundo Kellner (2001, p.362),

“suas imagens declaram que espartilhos, sutiãs e outras peças comuns do


vestuário feminino são símbolos da submissão feminina aos modelos
culturais, que podem muito bem ser usados por fora para tornar visível a
escravidão. Por outro lado, esses símbolos de subjugação feminina pelos
padrões da moda se apresentam de maneira erótica na iconografia de
Madonna, mostrando que os símbolos da opressão podem ser
transformados em símbolos de deboche e de prazer libidinoso.”

Aos poucos, a imagem de sexualidade mega liberal que antes tornara Madonna
famosa, passou a torná-la tediosa e previsível. À medida que os valores encarnados pela
mesma já se tornavam realidades consolidadas na sociedade, a única coisa que restava de
relevante na imagem da cantora era a moda pela moda. Era hora, então, de mudar novamente.
O próximo álbum lançado pela cantora, em 1994, contemplava músicas mais
românticas, e o premiado filme, “Evita”, cujo papel principal era encenado pela cantora, veio
para mostrar que Madonna realmente estava em uma nova fase. Os próximos anos de sua
carreira se caracterizaram por uma maior experimentação, tanto vocal quanto rítmica, e pela
influência, em sua música, de novas experiências espirituais vividas pela cantora. No que diz
respeito aos temas abordados em suas obras, o teor sexual das mesmas caiu drasticamente,
dando lugar a assuntos de cunho social e espiritual.
Uma próxima fase mostrará a cantora envolvida, novamente, com ritmos mais
dançantes. Um novo álbum de 2003, American Life, lançado no momento em que a guerra
entre Estados Unidos e Iraque explodia, mostrava uma Madonna mais política e crítica. A
música tema do álbum teve seu vídeoclipe proibido de passar na televisão, por mostrar cenas
da cantora jogando uma granada para um sósia do presidente George Bush, a qual este
utilizava para acender um charuto. Outro single do álbum, Hollywood, rendeu uma
apresentação polêmica em evento da MTV, na qual Madonna cantou com duas novas estrelas
da música, Britney Spears e Christina Aguilera, beijando-as na boca durante a apresentação.
Tal ação não deveria causar grandes espantos, se comparado a outras proezas realizadas pela
cantora em seus anos mais escandalosos, porém adquiriu um significado especial

95
principalmente para os americanos, que vinham acompanhando as discussões sobre
casamento entre pessoas do mesmo sexo, assunto muito discutido na época.
Nos dias de hoje, Madonna ainda é uma das maiores estrelas do pop mundial, e
atualmente é reconhecida pela energia de suas músicas, sempre dançantes, pelas parcerias
realizadas com grandes estrelas da época (como Justin Timberlake no single “Four Minutes”,
de seu álbum atual), pelo engajamento constante na política e em causas sociais e pelo seu
dinamismo: além de cantora, dançarina, mãe e empresária de sucesso, esta também se lançou
como escritora infantil, anos atrás. Essa capacidade de constante renovação, à medida que
muda também a sociedade e os discursos que circulam por ela, fazem de Madonna uma
estrela até os dias de hoje.
Madonna começou como uma grande estrela na década de 1980, com uma imagem
própria que, apesar de sofrer por inúmeras metamorfoses, nunca perdeu sua essência. E por
isso mesmo, os primeiros fãs da cantora cresceram com ela. Suas inúmeras mudanças nunca
implicaram em perda de fãs, apenas em ganhos. Sobre essa convivência pacífica de mudança
contínua com estabilidade em uma mesma estrela, Kellner (2001, p.269) afirma:

“Os textos de Madonna são sistemas de significação onde abundam


significados e mensagens polissêmicas. Suas apresentações nos videoclipes
salientam os significados das palavras ou usam imagens que destruam ou
subvertam o significado da letra – conforme escolha dela mesma. Os
vídeos são sempre complexos sistemas modernistas de significação a
exigirem interpretação, possibilitando leituras polivalentes. Madonna é
uma máquina de significados, e suas apresentações expressam ideologia,
ideais e mensagens próprias. Na verdade, um dos níveis de significado
sempre expresso em seus vídeos e em suas apresentações é que Madonna é
realmente uma superestrela, que Madonna é legal, que Madonna é rainha.
A narcisista menção a si própria e a autopromoção em suas apresentações
talvez sejam o significado subliminar de suas imagens, que significam
incansavelmente ‘Madonna! Madonna! Madonna!’”

O fato de Madonna sobreviver aos dias de hoje ainda como grande estrela, com uma
estabilidade de carreira nunca vista antes, tem mais a ver com a maneira como esta joga com
identidades e com a maneira como esta consegue se adaptar aos discursos de diferentes
épocas. As estratégias são as mesmas utilizadas por todas as grandes estrelas do passado. O
sucesso residiu em um total equilíbrio e entendimento sobre o que deveria permanecer
constante e o que deveria ser constantemente mutável.

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No que diz respeito a seu papel como mercadoria e à dependência que Madonna, como
toda celebridade, tem em relação à mídia, podemos afirmar que ela soube administrar muito
bem essa relação. Madonna foi alvo de polêmicas desde seu primeiro ano de carreira até os
dias de hoje. Isso permitiu que sempre houvesse algo a ser falado da mesma na imprensa. Por
outro lado, como a polêmica está no DNA da cantora, comentários maldosos nunca a
atingiram tão negativamente, havia sempre uma maneira de se aproveitar das críticas e dar a
volta por cima. Por sempre estar engajada em algum tipo de trabalho, mesmo quando não
estava produzindo música, Madonna nunca deixou de ser um produto rentável, nunca deixou
de ser fonte de notícias, e por isso sobrevive até hoje.
Pouco antes do “fenômeno Madonna” nascer na mídia, despontava no show biz outra
figura que por um bom tempo dividiria o reinado dos holofotes com a cantora, merecendo
inclusive um destaque maior: Michael Jackson. Porém, tomando um caminho diferente da
cantora, Jackson teve uma carreira muito mais instável e conturbada. O Rei do pop, como era
chamado, enfrentou polêmicas que serviram apenas para afetar negativamente sua
popularidade, para destruir o mito inicial. A razão dessa autodestruição é principalmente uma:
ao invés de encarar a fama como algo que depende do público e dos fatores sociais de uma
época, Michael Jackson incorporou a fama em si mesmo, se distanciando cada dia mais do
público que, inicialmente, o tinha aclamado.

5.8. Michael Jackson: O rei do pop e a destruição do mito

Michael Jackson foi uma celebridade que teve tempo para ser formada. Começou
criança, como principal membro dos Jackson’s Five. Era obrigado a treinar durante horas por
dia, sob os olhares exigentes do pai, cresceu sob os holofotes da mídia, e quando percebeu que
estava na hora de seguir adiante sozinho, assim o fez.
Não podemos negar a genialidade artística do cantor e as inovações que este propôs
em todos os campos da música: seu ritmo era único e inconfundível, sua presença de palco,
contagiante. Além disso, seus videoclipes eram grandes produções, que se tornaram referência
para os avanços na área. Já no começo de sua carreira, percebia-se que Michael Jackson
queria surpreender pela grandiosidade.
Nick Bishop (2003) afirma que no início de sua carreira, Michael Jackson leu a
biografia do primeiro grande empresário cultural americano, Phineas Barnum e se encantou.

97
A entregou ao seu agente e disse: “Esta será a nossa Bíblia. Quero que minha carreira seja o
maior show da Terra” (BISHOP, 2003). O que o público viu a seguir foi uma ascensão rápida,
baseada em grandiosos espetáculos e atuações no palco e, mais tarde, numa sequência de
excentricidades que chegavam a beirar a aberração.
Mas alguma coisa faltava. O Michael Jackson que era um fenômeno no palco, com
todo seu potencial criador e fama, por outro lado tentava se esconder cada dia mais da mídia.
Se não estava fazendo shows, se não estava no estúdio gravando seus álbuns e videoclipes,
também não estaria em nenhum outro lugar. Faltavam notícias, manchetes sobre o super star.
Porém, sua relevância musical ainda o poupava das críticas da mídia.
Mas uma celebridade que procura vencer através da grandiosidade, e não da
reinvenção, precisa produzir coisas cada dia mais grandiosas. Era isso que o público já
esperava de Michael Jackson: que a cada dia este viesse com algo mais e mais surpreendente.
O que é claro, um dia não foi mais possível, todos têm seus limites. E foi quando Michael
chegou ao ápice de seu potencial criador que os problemas começaram: José Márcio Barros
(2004) afirma que a divulgação das excentricidades sobre o cantor se deu numa equação
interessante: a necessidade delas foi inversamente proporcional ao conteúdo artístico do ídolo.
A partir do momento em que a relevância artística de Michael Jackson diminuía e este se
escondia cada vez mais da imprensa, esta apelou ao lado excêntrico do cantor em busca de
notícias. Assim, foi noticiado que o cantor dormia em uma câmara de oxigênio para tentar
manter-se mais jovem, que tinha como melhor amigo um macaco chamado Bubbles, ao
mesmo tempo em que as indagações a respeito do embranquecimento do astro começavam a
surgir. Não faltavam excentricidades a serem exploradas, chegando a um momento em que a
mídia poderia até mesmo inventar certas notícias, que o público as tomariam como verdade.
Micheal Jackson tinha um passado de conteúdo forte a ser explorado, redefiniu o
status dos afro-americanos, uniu celebridades para lutar por causas sociais, era um gênio
criativo, enfim, uma celebridade que poderia ter um caminho longo e próspero pela frente,
como o tem Madonna. Mas preferiu por um caminho muito diferente, e acabou por se
distanciar do campo das identificações. Roberto da Matta (2004) afirma que:

“o caso de Michael Jackson é um caso limite porque se trata de uma pessoa


que, de certo modo, encarnou a fama em seu próprio corpo. (...) Na medida
em que ficava famoso, ele ia se transformando e perdendo aquilo que
tipifica as pessoas comuns que, precisamente por serem comuns, não
podem mudar de cor ou de sexo”.
98
Figura 8 – Michael Jackson e o macaco Bubbles: uma entre as diversas excentricidades noticiadas pela imprensa
Fonte: <http://hypescience.com/michal-jackson-algumas-esquisitieces-que-voce-provavelmente-nao-conhecia/>

Soalheiro e Finotti (2004) afirmam que, antes mesmo dos escândalos de assédio a
menores envolvendo o cantor, o narcisismo exagerado de Jackson já o havia colocado em um
beco sem saída. O narcisismo não costuma ser um problema no mundo das celebridades,
contanto que estas balanceiem suas excentricidades com um trabalho relevante. Aqui,
Madonna serve novamente como exemplo: “Talvez por não se levar tão a sério, a cantora,
atriz e agora escritora soube destruir cada uma de suas imagens para se reinventar para a
próxima etapa” (Soalheiro e Finotti, 2004), enquanto Jackson, por se levar a sério demais, não
soube dar um passo para trás, voltar a projetos menores e mais prazerosos, porém na posição
de um músico sério.
Além disso, Madonna teve o cuidado de dar à sua carreira um rumo que andasse junto
com as transformações da sociedade e de seu público. Michael Jackson, ao contrário, por
querer se desenvolver oferecendo um espetáculo cada vez maior, acabou por se distanciar de
seu próprio público, aquele que construiu o mito inicial.
O exemplo de Michael Jackson mostra que o Museu Americano e o circo itinerante de
Barnum ainda sobrevivem no atual mundo da mídia. Dão audiência, mas não geram
identificações. Michael Jackson, ao sacrificar seu talento e potenciais identificações com o
público para tornar-se o “Maior Show da Terra”, acabou por dar à sua carreira um fim trágico,
e não estamos falando de sua morte. Esta, ainda serviu para devolver ao público um pouco das

99
boas imagens do cantor no auge de sua carreira, fazendo-o lembrar de uma época que já
estava quase apagada.

5.9. Celeatores: a crítica da TV pela TV

Dentro da programação televisiva, algo de curioso vem acontecendo nos últimos anos.
Tal fenômeno é perceptível na televisão americana há mais de uma década, e na TV brasileira
vem ganhando força cada dia mais: junto com as celetóides, de quem já falamos aqui
anteriormente, se multiplicam também os celeatores. Segundo Rojek (2008, p.26-27),

“O celeator é um personagem fictício que ou é momentaneamente ubíquo


ou se torna um item institucionalizado da cultura popular. (...) Eles
satisfazem o apetite do público por um tipo de personagem que concentra a
época. (...) Celeatores são invariavelmente criações satíricas. O seu
objetivo é reduzir a santimônia de figuras públicas ou ressaltar alegações
de falência moral na vida pública.”

Diferente das celebridades, que possuem um rosto público e um eu verídico, os


celeatores são criações ficcionais nas quais o eu verídico inexiste ou é extremamente fraco.
Na maioria das vezes, essas figuras incluem entre seus objetos de sátira a própria TV e a
função que esta vem exercendo nas sociedades atuais. Beavis and Butthead, por exemplo, é a
alegoria máxima da geração que nasceu e cresceu em frente à televisão. No desenho animado,
dois jovens passam a maior parte de seu tempo dentro de uma pequena casa, sentados no sofá
em frente à TV, assistindo a videoclipes e os categorizando entre “legais” e “um saco”. Só
saem de casa para ir à escola, para trabalhar em um subemprego ou realizar atividades
destrutivas, como matar animais, colocar fogo em coisas, etc. Kellner (2001, p.190) faz uma
análise do desenho animado, afirmando que

“a série apresenta uma visão crítica da juventude atual, que cresceu


influenciada pela cultura da mídia. Essa geração provavelmente foi
concebida e desmamada em meio a imagens e sons dessa cultura,
socializada pelos úberes vítreos da televisão, que serviu de chupeta, babá e
professora a uma geração de pais para quem a cultura da mídia,
especialmente a televisiva, constituiu um pano de fundo natural e parte
integrante da vida diária. (...) Beavis e Butthead reagem visceralmente aos
vídeos, rindo com deboche diante das imagens, achando ‘legais’ as
representações de violência e sexo, enquanto qualquer coisa complexa, que
exija interpretação, é ‘um saco’.”

100
Essa imagem da juventude atual vai de encontro com as previsões baudrillardianas da
banalização da imagem até limites extremos e da falta de profundidade simbólica da geração
que cresceu em frente à TV. A falta de uma percepção de passado histórico também é
marcante nos dois personagens, para quem os anos 60 foram simplesmente a época dos
hippies e do rock’n roll e a guerra do Vietnã faz parte de um passado enterrado, uma guerra
entre tantas outras. A situação retratada pela série, a do adolescente só, em casa, em frente à
TV e guiado pelas imagens da mesma, representa não só a banalização deste meio, mas
também a imagem de uma sociedade “constituída por famílias desagregadas, comunidades
desintegradas e indivíduos anômicos, sem valores ou objetos” (KELLNER, 2001, p.193).
Os Simpsons, outro ícone da cultura midiática americana das últimas décadas, retrata a
família americana na era da televisão, apresentando, dentro de uma mesma casa, figuras que
possuem diferentes maneiras de lidar com a mídia. Lisa Simpson, a filha mais velha do casal,
é a jovem crítica, ainda muito ligada à cultura impressa, e que na maioria das vezes sabe
interpretar os conteúdos que vê na TV de maneira mais inteligente que o pai e o irmão. Homer
Simpson, por outro lado, encarna alguns estereótipos do americano pertencente à classe média
trabalhadora: é rude, está acima do peso, é incompetente, imaturo e preguiçoso. Se deixa
envolver facilmente pelas imagens que vê na TV, onde permanece a maior parte de seu
tempo, quando não está trabalhando nem bebendo cerveja no bar com os amigos. Bart, seu
filho, parece herdar as mesmas características do pai. Lisa, entretanto, se identifica melhor
com a mãe, e são as duas que procuram trazer um pouco mais de racionalidade e moralidade
para dentro de casa. Nesse cenário, sátiras envolvendo produtos da mídia, celebridades e fatos
da atualidade se desenrolam.
Segundo Rojek (2008, p.28), desenhos como Beavis and Butthead e Os Simpson
“satirizam os valores ortodoxos e as instituições da maioria moral nos Estados Unidos e
utilizam novos estereótipos da juventude descontente, as tensões do multiculturalismo e as
vítimas do sonho americano”, sonho este que ficou no campo do irrealizável. Apesar da
crítica presente nessas obras, na maioria das vezes estas não são consideradas como
transgressivas nem levam a um alto grau de reflexão por parte do público. Na verdade, a graça
dessas obras reside na identificação que as personagens geram com seu público, mas as
questões levantadas por elas já estão tão irremediavelmente incorporadas na sociedade que,
geralmente, o que o público faz é rir da própria desgraça.

101
De qualquer maneira, o fenômeno do celeator é importante uma vez que, junto com a
banalização das celebridades e da programação televisiva em geral, vemos que nasce,
inclusive dentro da própria televisão, programas e personagens que a problematizam, assim
como já aconteceu com a literatura romântica, satirizada em Madame Bovary (com a crítica à
mulher burguesa alienada pelos romances), e com o cinema, problematizado em obras como
O Crepúsculo dos Deuses (onde a atriz decadente e solitária é retratada). Com a televisão
ocupando tanto espaço na vida das pessoas, era inevitável que esta passasse a ser assunto
tratado por ela mesma.
Na TV brasileira, este fenômeno pôde ser percebido, pela primeira vez, na série TV
Pirata, humorístico exibido pela Rede Globo entre 1988 e 1992. Entre as atrações do
programa, se destacava uma sátira da novela brasileira, através da apresentação de
personagens estereotipadas. O merchandising dentro da programação televisiva, o excesso de
sentimentalismo das tramas e a divisão em núcleos pobres e ricos são alguns dos temas
satirizados. Tal estratégia ainda foi reaproveitada, anos depois, na série Casseta & Planeta,
apresentada no mesmo horário do programa anterior.
Mais recentemente, a sátira à TV alterou seu foco, dos programas da mídia para as
celebridades da mesma. Programas como o Pânico na TV são um ataque à mídia dentro da
própria mídia. Figuras como Vesgo e Sílvio, do programa Pânico na TV, tornaram-se as
personagens mais temidas pelas grandes celebridades do país: Sem nenhuma dose de bom
senso, os dois repórteres, com suas perguntas na maioria das vezes desconcertantes, mostram
em TV aberta que as celebridades criadas pela própria televisão não são tão inteligentes
quanto o público imagina, na maioria das vezes são antipáticas e não possuem na vida real o
poder de improvisação que lhes é exigido na profissão. Em 2005, os apresentadores
desafiaram os telespectadores a fotografar celebridades com “chifrinhos” e enviar as fotos
para o e-mail do programa. O público aceitou o desafio e milhares de fotos foram enviadas à
Rede TV. Em seus quadros, os apresentadores do Pânico na TV não apenas ridicularizam as
celebridades, mas também acabam por zombar de si próprios, mostrando que ninguém está
imune ao ridículo. E realmente, ninguém mais está. Nem celebridades nem anônimos.
Chegamos a um estágio de desenvolvimento tecnológico em que podemos nos
permitir dizer que, entre os digitalmente incluídos, ninguém é totalmente anônimo. Ou todo
mundo é um pouco celebridade. No próximo capítulo, iremos tratar de que forma o
desenvolvimento das tecnologias digitais, entre elas a internet, se insere na dinâmica entre

102
público e celebridade. Apresentaremos diferentes idéias, oriundas de estudiosos de diferentes
campos, que nos darão uma visão do tamanho da transformação que estamos atualmente
vivenciando no que diz respeito à apresentação da forma pública.

103
6. A QUESTÃO DA CELEBRIDADE NA ERA DIGITAL

Estamos vivendo em um momento de transição na indústria do entretenimento e da


informação, no qual formas já consagradas, como os meios de comunicação de massa,
convivem com tecnologias que estão inovando a maneira como as pessoas se comportam e se
relacionam, em todos os aspectos de suas vidas. Dentre essas inovações, a internet é a mais
significante.
A internet nasceu no fim da década de 1960, no contexto da guerra fria e para fins
militares. Diante do medo dos ataques nucleares, o Departamento de Defesa dos EUA viu a
necessidade de criar uma rede de informações que fosse totalmente descentralizada e
independente de centros de comando e controle, uma vez que a existência de um local físico
que centralizasse todas as informações do governo seria o ponto mais vulnerável a ser atacado
pelas forças soviéticas (CASTELLS, 1999, p.82). Sua primeira versão foi denominada
ARPANET.
Apesar de já existir há quatro décadas, a internet só conseguiu maior penetração no
cotidiano das pessoas a partir de meados da década de 1990, com o surgimento da World
Wide Web, a incorporação da lógica de hipertextos dentro deste sistema, bem como o
desenvolvimento dos primeiros navegadores gráficos, que facilitaram a usabilidade da web
por pessoas comuns, não oriundas do mundo da tecnologia da informação. A partir daí, a
penetração da internet no mundo inteiro cresceu vertiginosamente, apesar de sua distribuição
geográfica ainda ser desigual. Apesar dessa desigualdade, hoje, seja dentro dos lares, no
trabalho, através de lan houses ou no ambiente da escola, a internet já pode ser considerada
uma realidade que está mudando, aos poucos, a maneira do indivíduo fazer negócios,
trabalhar, comprar, aprender, ensinar, enfim: mudando a maneira como nos relacionamos
socialmente e como olhamos o mundo ao nosso redor.
Os aspectos relacionados à celebridade não teriam como sair ilesos frente a essa
revolução comunicativa. No presente capítulo, vamos analisar alguns aspectos da
apresentação pública e da formação de identidades afetados pela inserção das tecnologias
digitais na vida do indivíduo.

104
6.1. O modelo de rede e a formação de identidades na era digital

Como falado no capítulo anterior, no contexto moderno a construção de identidades é


algo problemático para o indivíduo, uma vez que, ainda que esta esteja sempre em processo
de formação, “existe sempre algo ‘imaginário’ ou fantasiado sobre sua unidade” (HALL,
2005, p.38). Quando a modernidade abriu ao indivíduo a possibilidade de trabalhar sua
identidade, quando o mundo do consumo surgiu como um dos discursos dominantes de uma
época, quando os movimentos sociais de 1968 politizaram a subjetividade, a identidade e o
processo de identificação, este já se mostrava como algo não-permanente, como um construto
social. Porém, a necessidade que cada um tinha de contar uma história sobre si mesmo, de se
ver como sujeito unificado e ao mesmo tempo diferenciado, fez da construção de identidades
algo importante. Segundo Hall (2005, p.39),

“A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro


de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é ‘preenchida’ a
partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser
vistos por outros. Psicanaliticamente, nós continuamos buscando a
‘identidade’ e construindo biografias que tecem as diferentes partes de
nossos eus divididos numa unidade porque procuramos recapturar esse
prazer fantasiado da plenitude.”

Neste contexto, a celebridade se apresenta como uma fonte de identificação que ajuda
o indivíduo a perceber formas de estar no mundo que são relevantes para ele e que ele deseja
incorporar. Mas o que pensar do futuro dessas figuras célebres em um mundo em que a
multiplicação de imagens chega a um grau sem precedentes? Em um mundo no qual, segundo
Kellner, (2001, p. 298), “à medida que o ritmo, as dimensões e as complexidades das
sociedades modernas aumentam, a identidade vai se tornando cada vez mais instável e
frágil”? Mais do que isso, onde se encaixam as celebridades em um mundo onde a palavra de
ordem, mais do que nunca, é mudar? Este, na realidade, é o presente das atuais celebridades
da mídia, e quem construiu este panorama foram os próprios meios de comunicação de massa,
movidos pela ética do consumo.
A celebridade, em geral, sempre foi considerada como uma figura de personalidade
sólida ou pouco cambiante, e historicamente, as celebridades que mais tiveram destaque na
mídia foram aquelas que conseguiram incorporar discursos relevantes de sua época. Uma vez
que as identidades se tornam mais fluidas e instáveis e que o indivíduo já não vê problemas na
105
mudança contínua, essa celebridade de personalidade fixa não mais consegue suprir as
necessidades individuais de construção de identidades.
O que já era um panorama complexo para a ascensão de grandes celebridades, se
intensificou com a inserção das tecnologias digitais na vida do indivíduo. Ao propor um novo
modelo comunicativo, totalmente diferente daqueles instituídos melas mídias tradicionais, a
internet convida o indivíduo a interagir com a tecnologia e com a mensagem, modificando a
maneira como sua identidade é formada nessa nova mídia, quando comparada às anteriores.
Neste modelo, o indivíduo deixa sua situação de passividade frente aos meios para ser agente
necessariamente ativo. Segundo Mássimo Di Felice (2008, p.23),

“Diante dos nossos computadores ligados em redes, podemos nos


comunicar somente se passarmos a interagir com as nossas interfaces
(mouse, teclado e redes em geral) em um diálogo constante, no qual é
excluído qualquer tipo de passividade, ligado à forma comunicativa do
espetáculo e a qualquer forma de nítida distinção entre o produtor e o
receptor da mensagem.”

Apenas no que diz respeito à sua estrutura, o modelo de rede já proporciona uma
relação muito mais ativa do usuário com o meio, quando comparado à mídia tradicional. Não
se obtém nada dentro da rede, a não ser que o indivíduo vá atrás da informação. Além disso, a
formação de identidades dentro da internet depende mais do que nunca da escolhas do
indivíduo enquanto ele navega. A lógica do hiperlink permite ao indivíduo que este, ao
mesmo tempo em que consome conteúdo, de alguma forma também o produza através de suas
escolhas. Lúcia Santaella (2004, p. 163) afirma que, neste novo sistema,

“O emissor não emite mais mensagens, mas constrói um sistema com rotas
de navegação e conexões. A mensagem passa a ser um programa interativo
que se define pela maneira como é consultado, de modo que a mensagem se
modifica na medida em que atende às solicitações daquele que manipula o
programa.”

O processo de comunicação dentro da rede, diferente do que acontece com as mídias


tradicionais, está totalmente dependente de uma interação dialógica entre os participantes da
mesma. E esse tipo de comunicação não só proporciona, mas depende da interação, da
produção de conteúdos por gente comum, da discussão ao redor de pontos de vista, pois é essa
variedade de conteúdos que torna a experiência em rede tão rica. Segundo Pierre Levy (1999,
p. 127), “a tendência à interconexão provoca uma mutação na física da comunicação:
106
passamos das noções de canal e rede a uma sensação de espaço envolvente”. Se em nossa
relação com a mídia tradicional, tínhamos a exata noção de sermos algo totalmente exterior a
ela, se nos conformávamos com nossa posição de receptores frente aos produtores da
mensagem, dento da rede estamos acolhidos, nos sentimos (e somos) parte da mesma. Cai por
terra, de uma vez por todas, a diferenciação entre produtor e receptor da mensagem.
Di Felice (2008, p.57) utiliza o conceito de obra-aberta, tratado anteriormente por Eco
(1962), para explicar a dinâmica da rede:

“a forma estética proposta por tais obras não é definida, fechada num
conceito de belo ou simetria, mas pertence ao âmbito das possibilidades
que, em lugar de fechar a experiência e o conhecimento em uma forma
definida, abrem-no a pluralidades contraditórias de sentidos, práticas e
significados (...) A sociedade a código aberto (...) é também uma prática e
uma forma de habitar, na qual construímos conteúdos e nos apropriamos do
mundo através das tecnologias digitais. (...) Constitui-se num ecossistema
no interior do qual habitam todos aqueles que criam idéias, pensamentos,
culturas, tempo livre, prazer, arte, conteúdos ‘na’ e ‘através’ das redes.”

E, realmente, a internet é isso: uma obra aberta, em constante transformação, construto


coletivo de indivíduos “quaisquer”, que fornece a cada sujeito o mesmo poder de
comunicação. Dentro deste ambiente, a identidade é construída com a ajuda do outro,
colaborativamente e sem a necessidade de figuras de referência, e mesmo assim possui um
caráter extremamente individual, uma vez que, dentro da lógica de redes, cada um constrói
seu próprio caminho. Neste contexto, o discurso da celebridade é apenas um entre diversos.
Enquanto nos meios de massa ela reinava absoluta, na rede ela divide espaço com milhões de
outras pessoas que tomam a palavra.

6.2. O conceito de Long Tail e as implicações na celebridade-mercadoria

A segmentação e a personalização no mercado de entretenimento não é uma realidade


apenas da era da internet, ela se fez real muito antes disso. Desde a década de 1980, já era
possível perceber um processo rumo a um leque muito maior de opções que atendiam a
demandas mais específicas, além de um desenvolvimento tecnológico voltado a uma
personalização de acordo com os gostos consumidores. Jornais passaram a ser escritos,
editados e impressos à distância, permitindo edições simultâneas de um mesmo jornal, com
adaptações de acordo com a região geográfica a qual o mesmo se destinava. Os aparelhos de
107
walkman, aliado aos métodos caseiros de gravação de som, permitiram, pela primeira vez,
uma seleção pessoal da música, de modo que o indivíduo não mais ficava à mercê da
programação radiofônica. O número de estações de rádio também se multiplicou, e estas
passaram a se especializar cada vez mais em públicos específicos. Os videocassetes se
espalharam pelos lares, surgindo como uma alternativa à programação televisiva, e a adição
da possibilidade de gravação dos programas televisivos para assistir em momentos mais
oportunos reforçou a seletividade do consumidor. Por fim, a multiplicação dos canais de TV,
com o desenvolvimento da tecnologia a cabo, a levou a uma diversificação e segmentação
crescente, tirando um pouco do poder dos grandes conglomerados televisivos. Françoise
Sabbah (1985 apud CASTELLS, 1999, p.424) chamou esta nova situação surgida a partir da
década de 80 de “nova mídia” e afirmou que esta:

“determina uma audiência segmentada, diferenciada que, embora maciça


em termos de números, já não é uma audiência de massa em termos de
simultaneidade e uniformidade da mensagem recebida. Devido à
multiplicidade de mensagens e fontes, a própria audiência torna-se mais
seletiva. A audiência visada tende a escolher suas mensagens, assim
aprofundando sua segmentação, intensificando o relacionamento individual
entre o emissor e o receptor.”

Apesar da segmentação já ser uma realidade nos mercados de massa, podemos afirmar
que esta tinha sérias limitações, principalmente no que diz respeito a questões de custo e
espaço físico. Quando falamos das formas tradicionais de comercialização de produtos,
estamos falando também em gerar o maior lucro com o menor custo possível. Neste mercado,
“não se está muito interessado nas vendas ocasionais, porque no varejo tradicional um CD que
vende apenas uma unidade por trimestre consome exatamente o mesmo espaço na prateleira
de outro CD que vende mil unidades no mesmo período” (ANDERSON, 2006, p. 9). Logo, o
espaço físico onde os produtos são comercializados tem um custo. Podemos aplicar a mesma
lógica para a programação de qualquer uma das mídias tradicionais. “O espectro das ondas de
rádio comporta apenas algumas emissoras e o cabo coaxial admite somente tantos canais de
TV” (ANDERSON, 2006, p. 18). Mais do que isso, um determinado canal de TV permite no
máximo vinte e quatro horas de programação ao dia, assim como as emissoras de rádio. Uma
revista só comporta determinado números de páginas por edição, e assim por diante. Diante
dessas limitações, procura-se agregar a maior audiência possível visando o maior lucro e o
menor custo. A segmentação, neste contexto, deve ser uma atividade cuidadosamente
108
planejada, e por mais que seja viável, só chega até determinado limite, que é o de ter uma
audiência suficiente para gerar lucros. A indústria do entretenimento, diante destas restrições
físicas, viu no lançamento de grandes sucessos uma solução para concentrar cada vez mais
públicos: é o que Anderson chama de “economia dos hits”. Como já visto anteriormente, as
celebridades, como figuras de personalidade marcante e pouco cambiante, desempenhavam
importante papel neste processo, gerando modelos de identificação com o público.
O mundo das mídias tradicionais é um mundo de escassez na oferta de conteúdo, uma
vez que o alto custo de produção acaba por limitar o número de produtores, que por sua vez
também terão limitações de tempo e espaço para a exibição de suas produções. Já o mundo da
internet é caracterizado pela abundância de conteúdos. Uma vez que o custo de
armazenamento de músicas, vídeos, produtos e informações em geral dentro da internet cai a
praticamente zero, cresce também a possibilidade de oferecer ao público uma oferta cada dia
mais variada de conteúdos, incluindo aqueles produtos ocasionais, que nos mercados
tradicionais são custosos e não valem à pena serem comercializados. E o mais importante, o
público vai atrás dessa oferta variada. Ainda que a maior parte do consumo seja de
produtos/conteúdos de sucesso, a oferta de novos produtos é tão variada que, somando todos
os acessos a estes, chegamos a um número tão significante quanto o conseguido pelos hits do
momento.
Chris Anderson (2006) chamou este fenômeno de Long Tail (ou Cauda Longa), devido
ao formato que este assume quando colocado em um gráfico que mostra, em seu eixo
horizontal, a variedade de produtos disponibilizados na rede (oferta), ordenados por
popularidade, e em seu eixo vertical, a quantidade de aquisições/visualizações destes produtos
(demanda):

Figura 9 – O formato do Long Tail aplicado ao mercado fonográfico


Fonte: ANDERSON, Chris. The Long Tail: Why the future of business is selling less of more. Nova York:
Hyperion. 2006.
109
De acordo com Anderson (2006, p.52), a teoria do long tail pode ser resumida nos
seguintes termos:

“Nossa cultura e nossa economia estão cada vez mais se afastando do foco
em alguns hits relativamente pouco numerosos (produtos e mercados da
tendência dominante), no topo da curva da demanda, e avançando em
direção a uma grande quantidade de nichos na parte inferior ou na cauda da
curva de demanda. Numa era sem as limitações do espaço físico nas
prateleiras e de outros pontos de estrangulamento da distribuição, bens e
serviços com alvos estreitos podem ser tão atraentes em termos econômicos
quanto os destinados ao grande público”.

Neste trabalho, assumimos que a celebridade, entre tantas outras coisas, é também
mercadoria. Logo, é indiscutível que o conceito de long tail se aplique às celebridades e seja
um dos motivos delas estarem dividindo espaço com cada vez mais figuras de menor
popularidade dentro da internet.
O próprio mercado fonográfico é um exemplo contundente desta mudança: nas lojas
físicas de música, havia espaço apenas para os álbuns mais populares, que geravam maior
volume de vendas. Já no ambiente on-line, há espaço para todo e qualquer tipo de música,
desde os grandes hits do momento até sons de bandas do circuito alternativo, conhecidas por
um número pequeno de pessoas. O desenvolvimento das tecnologias de MP3 player, por sua
vez, possibilitou que essa gama variada de músicas pudesse ser armazenada em um aparelho
portátil de alta capacidade, para ser ouvida em qualquer lugar.
A própria existência de uma oferta maior de produtos e de uma alta capacidade de
armazenamento levam o indivíduo à experimentação, a conhecer sons e celebridades
diferentes da que ele está acostumado a ver na TV ou ouvir no rádio. Complementar a isso, os
meios on-line oferecem, a cada dia, novas maneiras de ajudar as pessoas a encontrarem os
nichos que atendem às suas necessidades e interesses particulares, incentivando ainda mais a
que este vá atrás de novidades. Tais técnicas são denominadas “filtros”, e vão desde
recomendações dos próprios usuários até classificações, rankings, listas, sistemas de busca,
entre outras ferramentas.
Porém, até este momento, tratamos apenas da democratização das ferramentas de
distribuição para explicar o fenômeno do long tail, o que não nos dá uma idéia completa da
questão das celebridades inseridas nas tecnologias digitais. Se levarmos em conta apenas esta
variável, temos que o dilema da celebridade atual é uma simples questão de concorrência.

110
Mas é muito mais do que isso. Se mudarmos o foco e olharmos sob o ponto de vista da
produção, vemos outras problemáticas surgindo, problemáticas essas que transcendem o
próprio long tail e tocam em outros assuntos importantes, como o da identificação.

6.2.1. A democratização das ferramentas de produção e os novos produtores

Como falado, a democratização das ferramentas de distribuição de conteúdos, dentro


da internet, foi uma das forças que transformou o long tail em um fenômeno possível. Mas
esta, quando analisada juntamente à democratização das ferramentas de produção, nos mostra
um panorama que vai muito além do aumento da oferta.
Antes das tecnologias digitais, tínhamos “uma estrutura setorial monolítica, na quais
profissionais produziam e amadores consumiam” (ANDERSON, 2006, P.84). Hoje, as novas
tecnologias de produção e distribuição de conteúdos deram origem a um mercado de duas
mãos, onde qualquer um pode ser produtor, e onde os limites entre profissional e amador se
tornam cada dia mais tênues.
Segundo Clay Shirky (2008, p.57), “uma profissão existe para resolver um problema
difícil, que pede algum tipo de especialização”. Além disso, a maioria das profissões,
principalmente as relacionadas ao mercado de comunicação, “existem porque existe algum
recurso escasso que necessita certo tipo de gerenciamento” (SHIRKY, 2008, p.57). Por
exemplo: bibliotecários são responsáveis por organizar livros nas prateleiras públicas, editores
de jornais são responsáveis por decidir o que será publicado em páginas principais de grande
circulação, empresários televisivos decidem o que vale a pena ser exibido na programação,
editores de livros decidem quais as histórias possuem maior potencial comercial para serem
publicadas, e assim por diante. Nestes casos, “a escassez dos recursos criam a necessidade de
uma classe profissional específica. (...) Nestes casos, os profissionais tornam-se gatekeepers,
simultaneamente fornecendo e controlando o acesso à informação e entretenimento
(SHIRKY, 2008, p.57)”.
Porém, com o desenvolvimento das técnicas de produção de conteúdos, bem como a
facilidade de publicação oriunda do desenvolvimento de ferramentas online destinadas e este
propósito, a escassez de recursos se transforma em abundância. Hoje, graças a estes serviços,
qualquer um pode escrever sobre qualquer assunto e publicar seu texto em um blog, ou
mesmo atualizar um verbete na Wikipedia. A popularização de câmeras fotográficas digitais,

111
bem como sua incorporação em outros aparelhos e o desenvolvimento de sites especializados
em armazenar fotos (como o Flickr) fez com que qualquer um pudesse ser considerado um
fotógrafo. Da mesma forma, hoje qualquer um pode produzir um vídeo e fazer upload do
mesmo no YouTube. O fenômeno que estamos presenciando, atualmente, é uma
democratização da produção de informação e entretenimento, devido ao barateamento dos
custos de produção e distribuição da informação. O que antes era caro e de difícil acesso, hoje
está ao nosso alcance através de nossos aparelhos eletrônicos em nossas casas. E o melhor,
podemos compartilhar essas produções através de uma plataforma global e de livre acesso.

Figura 10: A Personalidade do Ano da revista Time em 2006 foi o consumidor, “aquele que controla a era da
informação”.
Fonte: <http://vanelsas.files.wordpress.com/2008/06/time-magazine-you.jpg>

112
A facilidade de produção e distribuição de conteúdos através da rede gerou um curto-
circuito no conceito de determinadas profissões. Os jornalistas, por exemplo, eram
caracterizados, nas palavras do Oxford English Dictionary como “pessoas que escrevem para
jornais ou revistas ou preparam notícias para serem publicadas em larga escala no rádio ou na
televisão” (SHIRKY, 2008, P. 71). De acordo com essa definição, “jornalistas são jornalistas
a partir do momento em que eles trabalham para veículos de comunicação. E veículos de
comunicação são definidos como tal se, e somente se, estes detiverem os meios de produção”
(SHIRKY, 2008, P. 71). Uma vez que a relação entre jornalistas, veículos de comunicação e
meios de produção era algo incontestável e forte, esta definição sempre havia funcionado.
Porém, com o novo panorama da comunicação na era da internet, todas as pessoas,
invariavelmente, podem tornar-se veículos de comunicação. Logo, se formos levar em conta a
definição de “jornalista” baseada em sua ligação com os detentores dos meios de produção,
todos podem ser jornalistas.
Este é apenas um exemplo, que pode ser estendido para outros campos da produção de
conteúdos, desde a fotografia até a produção de vídeos e álbuns musicais. Logo, muito mais
do que ampliar o acesso a conteúdos de nicho, a internet está possibilitando que estes
conteúdos sejam produzidos pelos próprios usuários da rede que, tornando suas obras e suas
imagens públicas, se posicionam em um mesmo grau de igualdade que as celebridades e hits
da mídia. Sobre esta comparação, Anderson (2006, p.82) afirma:

“Talvez seja necessário todo o poder da máquina de Hollywood para


produzir um drama notável, com as qualidades de superprodução. Mas, no
conjunto, durante a vida útil do grande filme, centenas de produções locais
serão capazes de conquistar públicos que, em conjunto, perfaçam o mesmo
total. Tal comparação talvez pareça envolver laranjas com bananas – marcas
comerciais duradoras com diversões amadoras passageiras – se não fosse o
fato de que ambas as formas competem pela atenção de uma geração de
espectadores familiarizados com a Internet. Se estiverem assistindo a um
tipo de produção, não estarão assistindo a outro”.

Mais do que isso, à medida que o público começa a se afastar dos hits da mídia
tradicional, “a demanda se difunde por grande número de artistas menores ou amadores que
comunicam de maneira mais autêntica com seu público” (ANDERSON, 2006, p.82). Esse
conteúdo que começa com um público restrito, ou seja, na cauda do esquema difundido por
Andersom, é capaz de mover-se para a cabeça do mesmo, se “fizer vibrar alguma corda
sensível” (ANDERSON, 2006, p.78). Perto dos hits da internet, produzidos por pessoas
113
comuns, as celebridades nascidas na mídia de massa tornam-se impessoais. Isso porque as
imagens públicas com quem a nova geração da internet está lidando são muito mais reais do
que as anteriores, vêm da própria cadeia de usuários da rede, e não de uma instituição
exterior, que produz obras que têm como objetivo atingir o meio termo, captar a maior
quantidade de públicos possíveis, criando, por isso, figuras estereotipadas.
Tal informalidade pode ser vista na internet em qualquer lugar, de sites de vídeos
lotados de filmagens amadoras até blogs de notícias que desfrutam de grande popularidade na
rede. Fora da mídia tradicional, a credibilidade se desliga da formalidade. Cada vez mais,
alternativas mais divertidas e menos dispendiosas de se obter informação se tornam
realidades: blogs tratam sobre assuntos específicos de uma maneira mais leve e bem-
humorada, sem necessariamente faltar com a veracidade das informações; os podcasts,
espécie de programas de rádio virtuais, mais parecem conversas entre amigos, e mesmo assim
não perdem sua credibilidade. Apesar de alguns veículos da mídia tradicional tentarem
estabelecer essa informalidade na transmissão de programas jornalísticos, nunca haviam
conseguido realmente essa proeza, sem parecerem artificiais. Hoje, a maior identificação com
figuras informais nos jornalísticos da TV e do rádio começa a se tornar uma realidade,
principalmente em programas de maior aderência do público jovem e graças a uma tendência
que, em partes, é responsabilidade da internet.
Percebemos, neste momento, que a questão da celebridade acaba por transcender o
long tail, não é apenas uma questão de aumento na oferta de produtos de nicho e de demanda
pelos mesmos. Mais do que isso, estamos falando da mudança de uma estrutura comunicativa
unidirecional para outra onde muitos transmitem para muitos fazendo com que,
consequentemente, as fronteiras entre produtor e receptor da mensagem se tornam cada vez
mais difíceis de serem estabelecidas. Isso nos leva a pensar que a diferenciação entre público
e celebridade não mais existe, somos todos produtores e exibimos nossa forma pública em
uma plataforma de alcance mundial.

6.3. A democratização da experiência da fama

Essa constatação, porém, não persiste por muito tempo. Como já vimos em um
momento anterior, a celebridade midiática é uma figura cuja viabilidade só foi possível
devido a três características que a quase-interação mediada proporcionou: distância espaço-

114
temporal, alto controle sobre as regiões frontais da estrutura interativa e intimidade não
recíproca à distância.
A internet vem propor uma nova estrutura comunicativa, diferente da simples
interação mediada, com seu padrão “um para um” de comunicação, onde duas pessoas
participam do processo e ambas se comunicam. Diferencia-se também da quase-interação
mediada, com seu modelo de “um para muitos”, onde uma parte do sistema fala e a outra não
tem outra opção, a não ser ouvir/ler ou desligar-se do meio. O que não existia antes da internet
era uma estrutura de “muitos para muitos”, onde as ferramentas de comunicação possibilitam
conversações em grupo (SHIRKY, 2008, p.87).
Na prática, a internet, com sua estrutura de “muitos para muitos” possibilita a
ocorrência das duas formas anteriores de comunicação, potencializadas através da existência
de conversações em grupo, que podem acontecer ao redor de conteúdos de pequena ou grande
audiência. Mas tanto a quase-interação mediada quanto a simples interação mediada estão
inseridas dentro dessa estrutura maior. Segundo Shirky (2008, p.87),

“a maioria dos conteúdos gerados pelo usuários são criados como


comunicação em pequenos grupos, mas uma vez que estamos tão
desacostumados com meios de comunicação simples e meios de
comunicação de massa sendo misturados em uma mesma plataforma,
acreditamos que todos estão, agora, produzindo conteúdos de massa. Isso é
um erro.”

A inovação proposta por esse modelo está no fato de que não há nenhum ponto
detectável onde um blog, por exemplo, para de funcionar como simples diário para os amigos
e se transforma em um veículo de grande audiência. Todos têm a oportunidade de sair do
anonimato e ter seu conteúdo lido/visto por milhares, ou até milhões de pessoas. Não é mais
uma organização poderosa, como Hollywood, por exemplo, que faz a filtragem do que vale a
pena ser exibido publicamente. Hoje, cada integrante da rede tem a oportunidade de ser um
gatekeeper e decidir que conteúdo deve publicar. E como na rede são milhões de gatekeepers
utilizando critérios diferentes de avaliação, acabamos tendo acesso a um leque muito maior de
informações. Assim, necessitemos realizar uma seleção do que é conteúdo relevante de
acordo com nossas necessidades individuais.
Uma vez que determinado conteúdo se torna popular o suficiente para ser acessado por
um número grande de pessoas, vemos que na internet as características relacionadas à fama se
mantém praticamente as mesmas, independente da possibilidade que o público tem de
115
interagir entre si dentro da rede. Por hora, ao falar de popularidade na internet, utilizaremos o
termo fama, e apenas mais tarde desenvolveremos o conceito de celebridade em si, dentro dos
contextos digitais. Segundo Shirky (2008, p. 91),

“A Web fez da interatividade algo tecnicamente possível, mas o que é


proporcionado pela tecnologia, por outro lado nos é tirado pelos fatores
sociais. No caso dos famosos, qualquer interatividade potencial é sufocada,
porque fama não é uma atitude, e também não é um artefato tecnológico.
Fama é simplesmente um desequilíbrio entre atenção dada e recebida, com
mais setas apontando para dentro do que para fora. Duas coisas devem
acontecer para alguém ser famoso: nenhuma delas relacionada à tecnologia:
A primeira tem a ver com quantidade: ele ou ela precisa ter uma quantidade
mínima de atenção, uma audiência de milhares ou mais. (...) Segundo, ele
ou ela deve ser incapaz de estabelecer reciprocidade.”

A transferência da experiência da fama para dentro da Web não fará com que,
automaticamente, “distância espaço-temporal” e “intimidade não-recíproca à distância”
deixem de ser características do status de celebridade. A diferença é que, quando falamos da
mídia tradicional, estas são características viabilizantes, estão na própria estrutura do meio.
No caso fama na internet, esta é conseqüência de uma estrutura que, apesar de não ter limites
tecnológicos, possui fortes limites cognitivos, uma vez que todo indivíduo tem um número
máximo de blogs que consegue ler ou de e-mails que consegue responder. “Estes obstáculos
sociais significam que, mesmo que um meio possibilite a comunicação de ‘muitos para
muitos’, seus participantes mais populares serão forçados a adotar um modelo de ‘um para
muitos’” (SHIRKY, 2008, p.92). Alguém que publica um conteúdo em rede e que, por sua
vez, começa a ganhar popularidade por causa deste conteúdo, aos poucos terá de escolher a
quem responder e a quem ignorar. “Com o tempo, ignorar torna-se a escolha padrão. Esse
alguém, em uma palavra, se tornou famoso” (SHIRKY, 2008, p.93).
Diante disso, podemos pensar que, dentro da internet, a responsabilidade sobre a
criação da fama também está mais diretamente ligada ao público do que ao meio. É o público
quem cria a impossibilidade de reciprocidade na internet, enquanto nas mídias tradicionais
essa não-reciprocidade é inerente ao meio. Consequentemente, enquanto as celebridades
nascidas na mídia tradicional são criadas e depois distribuídas ao consumo público, a fama
dos nativos digitais é construída dentro da rede, pelos usuários da mesma.
Essas duas figuras, as celebridades nascidas na mídia tradicional e os famosos da
internet, convivem juntas na arena pública, mas cada uma delas enfrenta desafios diferentes.

116
Enquanto as figuras célebres da mídia tradicional procuram uma maneira de administrarem
sua imagem pública neste novo meio, os famosos da internet ainda tentam visualizar seu
futuro dentro e fora da Web.

6.4. Renome e Celebridade na internet

Atualmente, com o e-mail e a infinidade de ferramentas Web que possibilitam a


criação de grupos de conversação com o mínimo de esforço, muitas vezes somos
bombardeados, diariamente, com uma quantidade de mensagens que fogem ao nosso controle.
De certa forma, essas ferramentas estão proporcionando a um número cada vez maior de
pessoas uma “amostra-grátis” da experiência da fama, uma vez que, a cada dia, nos vemos
cada vez mais impossibilitados de responder a todas as nossas mensagens da maneira como
gostaríamos (SHIRKY, 2008, p.95). Mas nem por isso somos celebridades.
Entretanto, a Web está cheia de exemplos de pessoas que ganharam uma notoriedade
dentro do meio digital e que, graças a esse status célebre, colhem frutos na vida real, ainda
que sua imagem não tenha ganhado a grande mídia. Podemos considerá-las celebridades, se
levarmos em conta que seu status célebre é conseguido através da mediação. Porém, vemos
surgir, na adulação dessas figuras, características de uma forma de atribuição de status que
existia muito antes do surgimento das primeiras mídias. Nela, um grupo atribuía,
informalmente, a distinção para determinados indivíduos dentro de sua esfera social. Rojek
(2008, p. 14) chamou esta forma de distinção de renome:

“Renome refere-se à atribuição informal de distinção a um indivíduo dentro


de uma determinada rede de relacionamentos sociais. (...) Depende de
contato parassocial pessoal ou direto. Estes indivíduos tem uma espécie de
fama localizada dentro de uma congregação social particular da qual fazem
parte. Em contraste, a fama da celebridade é ubíqua.”

Em uma tribo primitiva, as pessoas a quem o grupo atribuía um maior renome eram as
mais velhas, devido a seu conhecimento de vida. Por possuir uma experiência maior do que
qualquer outra pessoa da tribo, os mais velhos geralmente eram aqueles a quem o restante das
pessoas procuravam, principalmente nos momentos de maiores dificuldades. Vemos, já neste
caso, que o renome é dado não de acordo com o que o indivíduo é, mas sim pelo que este
pode oferecer.

117
Essa forma de distinção nunca desapareceu. Quando escolhemos uma profissão, por
exemplo, estamos inseridos em um grupo de profissionais dentro do qual determinadas
pessoas se destacam devido à sua experiência e conhecimento. Essas pessoas geralmente não
possuem fama fora do grupo em que estão inseridas, mas dentro dele exercem forte
influência.
A internet, com sua estrutura multidirecional de comunicação, proporciona
ferramentas que facilitam que os indivíduos formem grupos de interesses, em volta dos quais
iniciam conversações. E é dentro destes grupos de interesse que surgem as figuras de maior
renome da rede. Se tomarmos como exemplo o grupo de profissionais e estudantes do meio
publicitário que estão na rede, nomes como Carlos Merigo7 se destacam. Mas embora seu
blog seja um dos mais acessados do país, sua fama acaba se restringindo ao grupo de
publicitários, e muito provavelmente, fora deste grupo, ele será um anônimo como qualquer
outro. Merigo não é uma celebridade, mas sim um renomado publicitário, cuja fama foi
construída dentro da rede e cuja apreciação está mais relacionada à informação que este
publica do que à imagem de profissional competente que ele constrói. O mesmo serve para
qualquer outro grupo de interesse, como cultura nerd, grupos de estudo, fãs clubes, entre
outros. Por maior que seja a fama de determinado membro dentro deste grupo, ela terá mais
características relacionadas ao renome do que à celebridade: estará relacionada mais à
relevância da informação oferecida pela pessoa renomada do que pela construção de uma
imagem com a qual o restante do grupo possa se identificar.
Esse renome, pela primeira vez, é totalmente mediado, e por isso pode ser confundido
com celebridade. Mas diferente desta, tem muito pouco a ver com a relevância dos discursos
incorporados em uma imagem, e muito mais a ver com relevância de informação buscada,
sempre dentro de um grupo específico.
Isso não quer dizer que não existam celebridades dentro da rede. Mas na grande
maioria das vezes estas não estão relacionadas a um grupo específico. Em algum momento
acabarão abrangendo uma infinidade de grupos, geralmente por tocar em algum ponto de
identificação geral. É por essa razão que os vídeos mais populares da web geralmente
envolvem cenas de humor: porque o humor é uma linguagem universal, que poderá ser

7
Carlos Merigo é o criador do blog Brainstorm#9, maior veículo online brasileiro independente sobre
propaganda, publicidade, comunicação digital e marketing.

118
viralizada para todo e qualquer grupo de interesse. Ruth Lemos, Maria Alice Vergueiro (atriz
de Tapa na Pantera), Geremias, a Menina Pastora e Stephany, são todas celetóides viralizadas
devido à carga cômica de seus vídeos. Mas para se tornarem algo mais do que motivo de
piada, precisam tocar em algum ponto mais sensível. Neste grupo podemos incluir
celebridades como a escocesa Susan Boyle, que apresentou um discurso tocante que
mobilizou tanto a comunidade virtual quanto televisiva para a construção de uma imagem
célebre.

Figura 11 – Celetóides nascidas na internet (em sentido horário): Sthefany, Maria Alice Vergueiro (tapa na
pantera), Ruth Lemos e Geremias.

6.4.1. Susan Boyle e a jornada do herói na era da Internet

Susan Boyle, apesar de descoberta pelo programa Britains's Got Talent, da TV


britânica, só foi reconhecida como um fenômeno após suas imagens do programa caírem na
rede e viralizarem mundo afora, gerando milhões de visualizações, discussões acaloradas e
posts emocionados nos mais diversos blogs. No dia após a sua apresentação, pouco se falava
sobre a cantora na mídia tradicional. Assim como a loja de CDs que não possui espaço para

119
todos os álbuns e por isso precisa decidir por exibir os que possuem o maior potencial de
lucro, em um jornal ou revista física, cada espaço de notícia possui um custo, e a função do
editor é decidir o que vale a pena ser publicado ou não. Na visão desses editores, a
apresentação da escocesa, apesar de brilhante, não valeu destaque, e na maioria dos casos,
nem mesmo matéria.
Mas a audiência do programa pensou diferente, e no dia seguinte à sua exibição
televisiva, vídeos sobre a apresentação já estavam disponíveis no YouTube, com centenas de
milhares de acessos. Em pouco tempo, Susan Boyle já era conhecida mundialmente e a mídia
tradicional nada podia fazer além de reconhecer o fenômeno: assim, diversas matérias
surgiram, agora na mídia do mundo inteiro. Celebridades de Hollywood davam reportagens
dizendo o quão ficaram emocionadas com a apresentação da cantora, convites surgiram dos
mais diversos programas para ter Susan Boyle como participante, e em questão de poucos dias
ela era uma das convidadas de Oprah Winfrey 8em seu programa de entrevistas. A partir daí, o
fenômeno Susan Boyle cresceu ainda mais, mas os maiores responsáveis por esse sucesso foi
o público que, ao publicar a cantora na internet, transformou o que poderia ser uma notícia
trivial da mídia britânica em celebridade mundial.
Mas por que Susan Boyle, se o mundo anda cheio de programas de calouros, se
apresentando todos os dias, durante anos a fio? A resposta está novamente na questão da
identificação. Ao subir no palco do programa e enfrentar as feições de descrédito dos jurados
e do público em geral, Susan personifica uma questão de alta relevância na atualidade: a
necessidade de provar competência para um mundo cada vez mais exigente, que na busca por
pessoas perfeitas realiza seu julgamento através da transformação de valores subjetivos em
estereótipos, criando padrões superficiais sobre o que é vitória e o que é fracasso.
De acordo com esses padrões, Susan era naturalmente uma perdedora: não era bonita,
já se encontrava em idade avançada, era solteira e vivia sozinha em casa, tendo apenas o gato
de 10 anos como companhia. Tinha um jeito simples e atrapalhado, obviamente não sabia se
comportar em público. À primeira vista, Susan era a personificação do fracassado, e era
possível enxergar no rosto dos jurados e do público presente no programa o que estavam
aguardando a seguir: a coroação final com uma apresentação vergonhosa.

8
Oprah Winfrey é uma apresentadora de televisão e atriz norte-americana, vencedora de múltiplos Emmys pelo
seu programa The Oprah Winfrey Show, o talk show com maior audiência da história da televisão norte-
americana.
120
Mas não foi isso o que aconteceu: por trás da imagem superficial de fracassada, havia
uma bela voz, que surpreendeu a todos. Mais do que o prazer em ver uma cantora brilhante se
apresentar, o público que presenciou a cena, seja através da televisão ou da internet, se
deliciou em ver as pessoas que antes a tinham julgado se rendendo aos aplausos. Não foi
apenas a performance de Susan Boyle que a transformou em uma celebridade. Mais do que
isso, foi a construção de uma narrativa, que se iniciou no momento de sua entrada no palco e
no julgamento instantâneo do público, seguida pela breve entrevista e confirmação de seu
status de fracassada, culminando na apresentação musical e na negação do estereótipo
anterior, terminando na redenção do público e na coroação da estrela. Não é difícil perceber
que a narrativa de Susan Boyle tem a ver com uma jornada heróica muito atual, onde o
objetivo final não é mais buscar um bem coletivo, nem realizar uma descoberta interior, mas
sim subverter os pré-conceitos das estruturas estabelecidas, como a mídia tradicional, e
conseguir um status de celebridade que, dessa vez, é uma responsabilidade compartilhada
entre público e meio.
Não podemos nos esquecer, é claro, da capacidade que a mídia tem em criar grandes
narrações e a partir destas elevar pessoas ao status célebre. A jornada heróica que se
apresentou aos olhos de todo o mundo em um vídeo de cinco minutos no YouTube, só
poderia ganhar um toque mais dramático quando a vida de Boyle passasse a ser pesquisada
por profissionais da mídia. A história da infância da heroína e o motivo da saída para a
jornada foram logo encontradas e exploradas.
Hoje Susan já é passado para muitas pessoas que a viram cantar na TV ou na internet,
porém outros milhares ainda aguardam ansiosamente o lançamento de seu primeiro álbum.
Ainda que sua estréia esteja prevista apenas para o dia 24 de novembro, no início de outubro a
cantora já era campeã de pré-vendas no site Amazon.com, com um CD que contará apenas
com regravações, nenhuma obra original.
Diante de tal história, vemos que não dá para ignorar o poder de nenhum dos meios
envolvidos na produção de sua imagem: nem a imprensa, nem o mercado fonográfico e muito
menos a internet. Mas acima de tudo, não se pode ignorar o peso que uma narrativa muito
bem contada e com traços heróicos pode causar na consciência humana.

121
6.5. Celebridades da mídia de massa e a administração do rosto público

A disseminação de novas ferramentas de produção e publicação de conteúdos permitiu


que, para o indivíduo comum, a fama se tornasse mais dinâmica e a subida ao patamar de
celebridade, algo menos penoso. Entretanto, quando o foco de análise são as celebridades
nascidas e popularizadas pela mídia tradicional, vemos nascer uma nova problemática: a da
administração do rosto público em um novo ambiente, que ainda necessita ser melhor
entendido e dominado.
Em muitos aspectos, as dificuldades enfrentadas pelas celebridades na era digital são
parecidas com as enfrentadas pelas empresas e instituições tradicionais como um todo, que
agora precisam se aventurar em um novo ambiente. Estas empresas sempre puderam controlar
sua comunicação e relacionamento com a sociedade através de uma quantidade limitada de
meios, que as proporcionavam grande alcance e um alto controle sobre a mensagem. O grande
desafio das novas Relações Públicas diz respeito ao fato de que este panorama de alto controle
sobre a imagem mudou com a ascensão das tecnologias digitais, uma vez que esta alterou o
status da audiência “de simples receptor passivo para produtor ativo de conteúdos, muitos
desses adversos” aos conteúdos tradicionalmente veiculados (NASSAR, 2008, p.193).
Segundo Nassar (2008, p. 194), “essa utilização de mídias digitais por novos usuários
não-especialistas em comunicação (...) enfraqueceu a comunicação empresarial centrada na
empresa, com a criação de novos protagonistas nos processos comunicativos”. Dentro da rede,
cada empresa ou cada figura pública tem o mesmo direito na disseminação de discursos que
qualquer outro integrante da mesma, estes são apenas um nó no meio da estrutura em rede.
Mas apesar de terem seus direitos de comunicação postos em grau de igualdade com o
restante da rede, fora dela, as ferramentas tradicionais de relações públicas ainda lhes
proporcionam uma alta visibilidade, o que refletirá dentro da web através de conteúdos,
positivos ou negativos, gerados pelos usuários.
Voltando o foco na análise para as celebridades em particular, vemos que estas se
vêem mergulhadas, dentro da rede, em um mar de conteúdos sobre as mesmas que, pela
primeira vez, não podem ser controlados. A fama que lhe foi proporcionada pelos meios de
massa não lhe foi tirada, mas a disseminação das tecnologias de produção e distribuição
transformou cada pessoa que anda na rua em um paparazzo potencial. No Brasil, este foi um
impacto ainda mais importante do que no exterior, uma vez que, diferente de outros países –

122
como os Estados Unidos e Inglaterra, onde os paparazzi encontram um mercado sedento por
escândalos cobrando altas cifras pela venda de material sobre celebridades – aqui o alto
protecionismo da mídia com as celebridades acabou por diminuir o impacto deste tipo de
ação. Grande parte das revistas brasileiras especializadas em mostrar o dia-a-dia de
celebridades geralmente o fazem em situações totalmente simuladas, com glamurosas sessões
fotográficas realizadas na casa da figura célebre. Logo, enquanto em alguns países do exterior
a internet representou uma multiplicação e amadorização do trabalho dos paparazzi, no Brasil
ela proporcionou o desenvolvimento de algo parecido, através de conteúdo amador.

6.5.1. O Caso Daniela Cicarelli

Apesar de antigo para os padrões de tempo da internet, os acontecimentos envolvendo


a modelo brasileira Daniela Cicarelli e o site de vídeos YouTube são o melhor exemplo das
mudanças que a internet vem trazer para a administração da imagem pública de celebridades.
Vale a pena uma contextualização do ocorrido, antes de uma breve análise.
Em setembro de 2006, um vídeo de autor desconhecido, com a modelo/celebridade
Daniela Cicarelli em cenas íntimas com seu namorado em uma praia na Espanha, foi parar na
internet e rapidamente viralizou entre diversos sites e blogs, recebendo milhares de
visualizações e virando assunto de conversas no mundo virtual e real. Diante da situação, o
namorado da modelo entrou com ação na justiça para que todos os vídeos fossem retirados do
ar, o que teve de ser acatado pelos sites que exibiam o vídeo.
A partir deste instante, a audiência do site de vídeos YouTube mostrou seu poder: uma
vez que 100% do conteúdo do site é formado por vídeos enviados pelos usuários, a cada vídeo
retirado do ar pelo site, muitos outros eram adicionados, fazendo com que o trabalho de
censura dos vídeos pelo próprio site fosse praticamente impossível. Frente a essa dificuldade,
uma decisão judicial fez com que os provedores de internet bloqueassem o acesso ao
YouTube, causando ainda mais polêmica na comunidade online.
Críticas à postura da modelo frente ao acontecido se espalharam pelos mais diversos
tipos de blog, desde os que falavam sobre cultura midiática até blogs sobre direito. A essa
altura, todos os que se interessariam em assistir o vídeo já o tinham feito e o bloqueio ao site
YouTube de nada adiantou, uma vez que outras alternativas sempre eram encontradas para
colocar o vídeo no ar.

123
É fato que, a cada mês, dezenas de webhits despontam entre os mais acessados e lá
permanecem como a sensação do momento. Porém, essas sensações, em sua maioria, são
substituídas com a mesma facilidade com que ganham popularidade. Ruth Lemos, a Gaga de
Ilhéus, Tapa na Pantera, a Menina Pastora, Vanusa cantando o hino nacional, entre tantos
outros sucessos da Web, permanecem em evidência apenas até o próximo grande fenômeno.
A ação movida contra o site de vídeos YouTube só serviu para que o vídeo obtivesse um
destaque muito maior do que este teria sem a tentativa de censura, e lá permanecesse por
muito mais tempo. Mais do que isso, a tentativa de censura de Cicarelli a um dos sites mais
populares da internet brasileira só serviu para gerar uma disseminação de opiniões negativas a
respeito da modelo dentro da rede.
O que fazer, então, para melhor administrar uma imagem pública dentro da rede, se as
possibilidades de controle desta inexistem? A resposta vem, mais uma vez, da prática
empresarial: a criação de pontos de contato diferenciados com o consumidor dentro da rede
através de um discurso que esteja de acordo com o meio, é um bom começo. Porém, de nada
irá adiantar um discurso afinado se a maneira como a celebridade age nos locais por onde
circula não estiver de acordo com o mesmo, ou seja, transparência é sempre a melhor saída.
Se determinada empresa pretende aplicar em seu discurso a questão da responsabilidade
social, é importante que, mais do que nunca, ela esteja preparada para agir desta forma em
todos os aspectos de sua existência, não apenas em frente às câmeras, mas no trato com os
funcionários, clientes, comunidade, etc. Porque são essas pessoas que agora ganham voz
dentro da rede. Qualquer figura pública, seja ela uma celebridade ou uma empresa, traz
consigo grandes responsabilidades. E hoje, temos uma legião de vigilantes organizados em
rede para garantir o cumprimento das mesmas.

6.5.2. Redes sociais, celebridade e discurso responsável

Por mais que se possa afirmar que, dentro da rede, as celebridades possuem a
oportunidade de estabelecer uma relação mais próxima com seu público, esta afirmação não é
verdadeira se levarmos em conta o fator interatividade. Nenhuma celebridade conseguirá
responder diretamente a cada um de seus fãs, porém poderá utilizar a rede para, através de
meios, linguagens apropriadas, e atualização contínua de conteúdo, dar ao público uma
impressão de maior envolvimento e proximidade.

124
Os blogs de celebridades há muito já haviam se espalhado pela web, e para aqueles
que alguma vez já visitaram as páginas dessas figuras célebres, é fácil perceber uma nova
relação destas com a internet: ao utilizarem a web para se expressar, as celebridades não estão
produzindo um estilo próprio de escrita, mas sim reproduzindo um estilo que já havia sido
estabelecido por usuários comuns. Diferente de sua função inicial na mídia de massa, que é a
de difundir formas de ser e estar no mundo entre um número grande de pessoas, dessa vez
elas reproduzem um modo de ser e estar na rede que foi criado colaborativamente por seus
membros. E apenas esse fator já as coloca mais próximas dos demais membros da rede: um
blog de celebridade, geralmente, em nada difere dos demais blogs que vemos na web. São
simples espaços onde geralmente essas pessoas publicam posts em sua maioria confessionais.
É claro que, para um fã, isso terá um significado especial, gerando uma sensação de
proximidade com o ídolo. Mas apesar desses blogs agregarem em sua audiência uma maioria
de fãs, novos grupos de pessoas também passaram a freqüentá-los: primeiro, os próprios
profissionais da imprensa tradicional, em busca de notícias para suas colunas de fofocas. E
segundo, membros da rede, geralmente donos de um outro tipo de blog de grande audiência,
que se alimenta das “pérolas” escritas pelos famosos com o objetivo de ridicularizar o mundo
das celebridades e toda a aura que foi colocada ao seu redor. Logo, vemos que, ainda que as
celebridades tenham seus espaços na web para gerar seus próprios discursos, o uso que o
público fará destes também é impossível de controlar, da mesma forma que é cada vez mais
difícil agradar a todos.
O Twitter, sistema de microblogging9 popular na internet do mundo inteiro, surgiu
para aumentar a complexidade no trato entre celebridade e público. Ainda que, inicialmente,
este se mostrasse como um facilitador e “encurtador de distâncias”, diversos casos polêmicos
envolvendo a revolta de membros da rede contra frases pronunciadas por célebres mostraram
que a administração da imagem pública através dessas ferramentas é algo mais sensível do
que se imaginava.

9
Microblogging é uma forma de publicação de blog que permite aos usuários que façam atualizações breves de
texto (geralmente com menos de 200 caracteres) e publicá-las para que sejam vistas publicamente. As pessoas
que escolhem por acompanhar o microblog de determinada personalidade são comumente chamadas de
seguidores. Os posts podem ser enviados por uma diversidade de meios tais como SMS, mensageiro instantâneo,
e-mail, mp3 ou pela web. Fonte: WIKIPEDIA, A enciclopédia livre. Microblogging. Disponível em: <
http://pt.wikipedia.org/wiki/Microblogging>. Acesso em: 01 nov. 2009.
125
Uma das celebridades mais polêmicas quando o assunto é a utilização do Twitter é o
jornalista e blogueiro Marcelo Tas10, que atualmente comanda o humorístico-jornalístico
semanal Custe o que Custar, mais conhecido como CQC. Uma de suas polêmicas envolve um
comentário sobre a ação da polícia militar no campus da USP, em julho de 2009. Em seu
Twitter, Tas escreveu: “Olha a forma ‘democrática’ como atuam os grevistas da USP. PM
neles!”. Um link direcionava para o blog do jornalista, onde o tom da crítica aos estudantes
era ainda mais violento: “Depois de ver esse vídeo, gravado hoje em frente à ECA, Escola de
Comunicações e Artes, que mostra como os ‘grevistas’ da USP lidam com estudantes que
discordam da opinião deles, não tenho dúvida: PM nesses vagabundos”11.
O comentário polêmico não atingiu apenas aos estudantes da USP, mas a todo um
grupo que acompanhava o desenrolar dos fatos pela internet, sejam eles curiosos ou fãs do
jornalista. A forma como o Tas declarou sua opinião acabou por revoltar muitos de seus
seguidores, que iniciaram uma campanha chamada Unfollow Marcelo Tas, pedindo que as
pessoas parassem de segui-lo em sinal de protesto. Diante dos acontecimentos, Tas tentou se
retratar parcialmente no blog, retirando a palavra “vagabundos”, mas mantendo sua posição a
favor da intervenção violenta da PM.
Todos os dias, milhares de pessoas demonstram suas opiniões sinceras no Twitter ou
em seus blogs, sejam opiniões comuns ou geradoras de polêmicas. Porém, o fato de Marcelo
Tas ser uma figura pública fez com que o público cobrasse do mesmo uma responsabilidade
maior sobre seus atos e palavras. De acordo com Tulio Vianna, um dos agitadores do
movimento contra o jornalista, “o sucesso com o público traz consigo grandes
responsabilidades e uma delas é jamais escrever com o fígado”12. Isso porque o caráter do
meio digital o qual este utiliza para dar sua opinião não é mais o de uma conversa entre
amigos, mas se tornou um meio de grande abrangência, com mais de 400 mil seguidores.
Seguidores estes que, ou podem utilizar o senso crítico para filtrar o que concordam, ou, como
grandes fãs, podem tomar uma afirmação de cunho violento como verdade absoluta.
Outras polêmicas circundam a figura de Marcelo Tas: primeiro, ao aceitar um contrato
da companhia Telefônica para promover um de seus produtos no microblog, recebeu crítica

10
http://www.twitter.com/marcelotas
11
TAS, Marcelo. Blog do Tas: Atitudes "democráticas" dos grevistas da USP. Disponível em:
<http://marcelotas.blog.uol.com.br/arch2009-06-16_2009-06-30.html>. Acesso em: 12 out. 2009.
12
VIANNA, Tulio. Trezentos: Carta aberta ao Marcelo Tas. Disponível em:
<http://www.trezentos.blog.br/?p=1936>. Acesso em: 12 out. 2009.
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de diversos usuários, que afirmam que o jornalista se vendeu, e que não gostariam de receber
conteúdo de propaganda em um serviço que inicialmente não surgiu para isso. Tas revidou as
críticas, dizendo: “Para os ejaculadores precoces que quiserem unfollow, suerte e byebye”.
Pouco tempo depois, o jornalista criticou a ação do apresentador de TV Luciano Huck que,
para aumentar o número de seguidores, começou a distribuir prêmios pelo Twitter, ao que este
respondeu: “Achei que seria mais bacana distribuir para a turma, do que vender patrocínio do
meu twitter e só eu ganhar”. Logo, percebemos que as novas ferramentas digitais disponíveis
a celebridades e não-celebridades estão abrindo uma janela através da qual as pessoas
começam a acompanhar casos e discussões que antes estariam escondidas dos olhares
públicos.
Por isso, os veículos de mídia tradicionais começam a voltar sua atenção para estas
ferramentas, a fim de monitorar o que suas celebridades andam dizendo na rede. A Rede
Globo, por exemplo, resolveu enviar um comunicado interno aos seus funcionários, com
algumas regras a serem seguidas na utilização das redes sociais. Além disso, a emissora
passou a monitorar o Twitter de algumas figuras bem populares na rede, como o âncora
William Bonner, cuja postura no Twitter desagradou à cúpula global nos últimos meses. Em
um dos posts fontes do desagrado, o jornalista contava sobre o fato de ter sido pego dirigindo
alcoolizado em uma blitz em Barcelona, e que só não havia sido levado à delegacia por ser
brasileiro e conhecer Romário.
Mas não só de exemplos negativos vive a internet. Algumas celebridades
conseguiram, com sucesso, estabelecer uma comunicação mais próxima com seu público
através dos microblogs, sem que gafes desnecessárias atingissem negativamente suas
imagens. O exemplo mais bem sucedido mundialmente é o do ator americano Ashton
Kutcher, que conquistou grande público pela maneira descontraída como utiliza o Twitter.
Este não se diferencia em quase nada dos demais usuários da ferramenta, poderia muito bem
ser considerado como um amigo distante de cada um de seus seguidores. Em seu Twitter, o
Kutcher não quer falar sobre as coisas que estão acontecendo em Hollywood, mas discutir
assuntos do cotidiano, falar sobre amenidades, enfim, ser uma pessoa comum na rede. Essa
postura do ator fez com que ele atraísse a simpatia de diversos usuários.
No Brasil, o técnico de futebol Mano Menezes, do Corinthians, utiliza a ferramenta
principalmente para manter milhares de torcedores a par do dia-a-dia do time, o que gerou

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uma simpatia muito grande pela figura do técnico, que através de seus posts faz o público se
sentir mais perto do time.
José Serra, atual governador do estado de São Paulo, também aderiu à ferramenta
como uma forma de aumentar seu carisma junto ao público, uma vez que este é um ponto
ainda a ser trabalhado pelo político. Ao invés do “politiquês” dos horários eleitorais, Serra se
aproveitou do Twitter para mostrar uma face sua que poucos conheciam: o Serra humano, que
possui hobbies, que tem família, que faz piadas e interage com os seguidores sempre que
possível. Mais de 130 mil pessoas aprovam e seguem o governador.

6.5.3. Divisão entre público e privado e a aura célebre

Nos casos tratados acima, um ponto fica muito claro: cada dia mais, as ferramentas
web abrem uma janela dentro de nossas casas e expõem nossa intimidade em rede, com o
nosso consentimento. Por mais que já estejamos familiarizados com essa forma de exposição,
não podemos ignorar que essas novas inovações estão deixando cada dia mais tênues os
limites entre público e privado. Limites que, décadas atrás, eram muito bem delineados.
Foi entre o século XVII e XVIII que a divisão entre “público” e “privado” surgiu nas
sociedades ocidentais. Com o desenvolvimento das cidades industriais modernas e do modo
de vida urbano, o indivíduo viu a necessidade de dispor de um espaço de refúgio, “um
território salvo das exigências e dos perigos do meio público, aquele espaço ‘exterior’ que
começava a ganhar um tom cada vez mais ameaçador” (SIBILIA, 2008, p.60). Neste novo
ambiente, o indivíduo se sentia a vontade para construir sua “real subjetividade”:

“Fortalecia-se, assim, um eu interiorizado e opulento, excessivamente


significante, que não bastava ocultar sob uma falsa máscara nas interações
com estranhos. Esse precioso cerne pessoal devia ser protegido na
privacidade do lar, com todos os cuidados que merecia a sutil verdade nele
latejante. (...) A ação objetiva é desvalorizada (aquilo que se faz), em
proveito de uma valorização excessiva da personalidade e dos estados
emocionais subjetivos (aquilo que se é). (SIBILIA, 2008, p.60-61)”

Nesse momento inicial da esfera privada, uma criação cultural era muito difundida: os
diários pessoais, nos quais o indivíduo se posicionava como confidente e ouvinte, narrador e
personagem ao mesmo tempo. O indivíduo escrevia em diários para firmar seu eu, para se

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auto-conhecer, para refletir. Essa visão do indivíduo privado vai ao encontro da imagem do
sujeito iluminista, que acreditava em sua identidade central, única e imutável.
Atualmente, com o desenvolvimento das tecnologias eletrônicas, vimos se desenvolver
uma cultura do tempo real, com imagens reais que aparecem nas telas de todos os cantos do
planeta. Cada dia mais, o “fascínio da vida como ela é” invade a vida do indivíduo, seja
através dos reality shows, seja através dos blogs e microblogs confessionais da internet.
Segundo Sibilia (2008, p.73),

“Enquanto vão se alargando os limites do que se pode dizer e mostrar, a


esfera da intimidade se exacerba sob a luz de uma visibilidade que se
deseja total. De maneira concomitante, os âmbitos considerados públicos
se esvaziam e são tomados pelo silêncio. É claro que as antigas definições
não emergem ilesas de todas essas convulsões: o que resta, aqui, da velha
idéia de intimidade? O que significa ‘público’ e o que exatamente seria
‘privado’ nesse novo contexto? Desmancham-se as fronteiras que separam
ambos os espaços em que transcorria a existência, desafiando as velhas
categorias e demandando novas interpretações.”

O status de celebridade sempre implicou a divisão entre um eu público e um eu


privado. Essa divisão era muito bem delineada, até que as tecnologias digitais surgiram para
atenuá-la. Diante desta situação, as celebridades da mídia tradicional têm dois caminhos que
podem escolher por seguir: o primeiro é o de manter-se em seu pedestal, longe de seu público,
acessível apenas através dos meios de massa que lhe proporcionaram a fama (TV, rádio,
cinema, etc). Ao fazer esta escolha, elas correm o risco tornarem-se impessoais demais,
perdendo parte de seu carisma. Por outro lado, se resolverem explorar esses novos meios
visando gerar uma maior identificação com o público, podem se tornar vulneráveis a
escândalos e polêmicas que por sua vez abalarão sua credibilidade.
O desafio proposto nos dias atuais é saber equilibrar ambas as estratégias: estabelecer
pontos de contato com o público, que tornem a celebridade mais próxima do restante dos
indivíduos, e ao mesmo tempo conseguir manter aquele quê especial que faz da celebridade
alguém diferenciado, que mereça atenção especial e na qual as pessoas queiram, em algum
ponto, se espelhar.

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CONCLUSÃO

No decorrer deste trabalho, procuramos mostrar as diversas faces da celebridade


midiática na história do mundo Ocidental. Se resgatarmos todas as figuras de que falamos
anteriormente, percebermos que no percurso histórico da atribuição de status célebre, as
primeiras celebridades despertavam no público nada menos que adoração, enquanto hoje
figuras muito mais familiares recebem destaque.
Os heróis e celebridades conferidas de que falamos no primeiro capítulo eram figuras
que passavam por um processo direto de mitificação: eram modelos ideais que o indivíduo
deveria buscar sempre como referência, mesmo sabendo nunca poder chegar ao mesmo
patamar. Ainda que humanas, essas figuras célebres eram mitificadas a ponto de não
parecerem como tal. Logo, sua distância do indivíduo comum era enorme.
Com a invenção da imprensa e a disseminação de materiais impressos, nasceram na
cultura humanista personagens literários que aos poucos começaram a trabalhar com correntes
projetivas e identificativas de mesma intensidade. Porém estes personagens nunca tiveram um
alcance realmente grande: a maioria da população nos séculos posteriores à invenção de
Gutemberg ainda era analfabeta.
Nesse ponto, a mídia de massa surgiu como democratizadora do processo de
identificação, uma vez que as figuras que habitavam o cinema, o rádio e a TV estavam
disponíveis para todas as classes. É claro que essa democratização vem junto com a
massificação da mensagem. Mas a partir do momento em que nasce o cinema, todos os
indivíduos ganham o mesmo direito de buscar sua individualidade, e as figuras que vão
proporcionar isso de forma mais direta são as celebridades.
Essas celebridades que inicialmente eram adoradas sob o nome e característica da
personagem incorporada, aos poucos começam a fomentar curiosidades sobre o seu
verdadeiro eu: não bastava mais ver a celebridade na tela, os detalhes de sua vida privada
passaram a ser cada dia mais relevantes. Em partes, graças ao impulso dado pela própria
mídia. Mas se dermos um passo para trás em nosso estudo, vemos que esta valorização do
privado só foi possível com o estabelecimento de uma sociedade mais democrática e
individualista, onde indivíduos comuns podiam sair do anonimato para ganhar destaque na
esfera pública.

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A própria diferenciação entre público e privado, nascida nas sociedades ocidentais
entre o século XVII e XVIII, foi um fator determinante para que a celebridade fosse adorada
não apenas no âmbito da personagem pública, mas também da figura privada que todos
querem desvendar. Isso porque, a partir do momento em que as cidades se desenvolvem e o
indivíduo se vê num ambiente público que o oprime e sufoca, é no âmbito privado que ele irá
se proteger do mundo exterior e explorar aquilo que ele realmente é. Logo, para o indivíduo, o
eu privado é sempre mais real que o público.
Com o desenvolvimento das mídias, as celebridades também se multiplicaram, assim
como se multiplicaram as imagens do mundo. Nessa modernidade tardia, tabus eram
quebrados de tempos em tempos, e as celebridades que incorporaram alguns desses discursos-
tabus foram adoradas por suas gerações e imortalizadas.
Mas chega um momento em que não há mais tantos tabus a serem quebrados. Na
televisão, muito já foi exibido e o indivíduo não mais se impressiona com qualquer coisa que
vê. Nesse contexto, celebridades vão e vêm ao ritmo da moda. Nos reality shows, temos a
máxima banalização do status célebre: aquelas pessoas comuns do outro lado da TV poderiam
ser vizinhas de qualquer um de nós. Continua sendo interessante acompanhar a privacidade
alheia, e o próprio nome do programa (show de realidade) nos mostra que, nos dias de hoje,
continuamos a achar que tudo aquilo relacionado ao âmbito privado é mais real do que o
público.
Mas será que essas novas celebridades (celetóides) exercem alguma influência na
consciência do indivíduo? Tão parecidas com o habitual e ao mesmo tempo distanciadas do
indivíduo devido ao ecrã televisivo, na maioria das vezes elas são apenas fonte de
entretenimento. Se estivessem mais próximas, talvez pudessem nos influenciar.
É essa proximidade e possibilidade de diálogo que a internet oferece. Hoje o indivíduo
constrói sua identidade em rede muito mais através de conteúdos gerados por pessoas como
ele do que através das celebridades que lá estão. Dentro da rede, o indivíduo se relaciona com
conteúdos de pessoas com quem ele dialoga de igual para igual, conteúdos de figuras de
renome dentro de seu grupo de interesse e, porque não, também se relaciona com conteúdos
de celebridades: tanto daquelas oriundas das mídias tradicionais quanto das novas
celebridades que nascem na internet e depois invadem outras mídias.
Ainda hoje, apesar da banalização, ainda existem celebridades que, assim como as
primeiras figuras de que falamos neste trabalho, também passam por um processo de

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mitificação, e às vezes é difícil para nós entender como isso ainda é possível. Apenas se
percebermos que a celebridade é muito mais do que produção midiática e mercadoria,
poderemos entender a real importância destas para o indivíduo. Não importa se nossa
sociedade é mais tecnológica, mais científica, mais individualista ou mais atéia do que a de
cinco séculos atrás: heróis evoluem à medida que evoluem as sociedades, e os nossos,
independente dos desdobramentos futuros, hoje atendem pelo nome de celebridade.

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