Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
o
Ano 03, n 05, Jul./Dez. de 2008 ISSN 1983-1684
Revista Enfrentamento
ÍNDICE EXPEDIENTE
P
Á A Revista Enfrentamento é uma publicação do
Movimento Autogestionário. A revista não se
G responsabiliza pelo conteúdo dos artigos
I assinados, que são de inteira responsabilidade dos
seus autores. Os interessados em enviar
N colaborações devem fazê-lo via e-mail e
seguindo as normas de publicação da revista. O
A e-mail para envio é:
03 A Unidade entre Revista enfrentamento@yahoo.com.br. As normas são:
Luta Cultural e Enfrentamento texto digitados em Word for Windows, com no
máximo 10 páginas, espaço 1,5, margens padrão
Luta Política
do Word, fonte Time New Roman, 12. A revista
se preserva o direito de publicar os artigos de
04 Breve História do Nildo Viana acordo com seus critérios políticos e de
Neoliberalismo qualidade. Qualquer caso omisso será resolvido
por seu conselho editorial.
28 O Grupo Anton
Comunista Pannekoek
Internacionalista
da Holanda
A unidAde entre lutA culturAl e lutA política
Revista Enfrentamento
Este editorial tem um único objetivo: Comuna de Paris. Ou seja, uma coisa é
demonstrar que a luta cultural é uma defender concepções revolucionárias num
unidade com a luta política. A luta de momento revolucionário, outra muito
classes opera cotidianamente na esfera da diferente, é colocar a inteligência e a ação
produção, vez ou outra no desenvolvimento para funcionar de um ponto de vista radical
das lutas operárias, esta vai além da mera em momentos de recuo da luta operária.
resistência espontânea e isolada e passa a se Este enfrentamento que agora o leitor
expressar um conteúdo revolucionário. tem em mãos é uma tentativa de expressar o
Quando isto ocorre, as bases da sociedade mais claramente possível a perspectiva do
inteira como está organizada é ameaçada. proletariado num momento no qual este
Num momento destes, a efervescência de encontra-se completamente subordinado à
idéias, a produção de novas concepções lógica do capital. Estes textos que agora o
sobre a vida, sobre o mundo, sobre as artes, leitor tem em mãos não é expressão da
sobre cultura de um modo geral se consciência empírica do proletariado, mas
modificam. Como diria Pannekoek, na sua sim, do ser de classe do proletariado. A
grande obra “Os Conselhos Operários”, a “Breve História do Neoliberalismo” de
revolução proletária é sobretudo uma Nildo Viana, O “Estado e a Revolução
revolução do espírito. A produção de novas Cubana” de Rafael Saddi, “O Comunismo
relações sociais é simultaneamente a de Conselhos e a Crítica ao Bolchevismo”
produção de novas concepções sobre a de Lucas Maia e “O Grupo Comunista
realidade. Internacionalista da Holanda” de Anton
Em momentos de estabilidade da Pannekoek, publicado originalmente em
produção capitalista, a produção cultural 1947 e traduzido por Nildo Viana visam dar
tende a se tornar cada vez mais uma contribuição neste sentido.
conservadora, reproduzir com muito mais A luta cultural é portanto um
freqüência as ideologia, valores e instrumento político fundamental do
mentalidades inerentes à sociedade proletariado. Como já afirmava Marx,
existente. São poucos, muito poucos os devido ao seu ser de classe, às condições
grupos e indivíduos que conseguem materiais de sua existência e à sua situação
compreender o momento de geral no interior da sociedade burguesa, o
recrudescimento da luta concreta da classe proletariado só tem compromisso com a
trabalhadora e expressar, neste contexto, verdade. A luta cultural pode se expressar
ainda uma concepção revolucionária. Como nos mais variados âmbitos: produção
Pierre Fougeyrollas alguma vez: não é artística em geral (música, poesia, prosa,
impressionante que Marx tenha se tornado escultura, pintura etc.) e na produção teórica
um revolucionário na década de 1840, em particular. Este número da
culminando com o Manifesto Comunista de Enfrentamento é uma contribuição teórica
1848, período no qual o proletariado logrou no sentido de apresentar a perspectiva
grandes batalhas, mas sim que ele tenha se proletária. Nosso único compromisso é com
mantido revolucionário durante as décadas a luta revolucionária do proletariado, com
de 1850 e 1860, período de grande recuo da mais ninguém.
luta revolucionária do proletariado, que só
veio a ressurgir novamente em 1871 com a
Nildo Viana
nildoviana@terra.com.br
A história da humanidade é marcada é a fonte explicativa para as transformações
por mudanças, evoluções, rupturas. A estatais e ideológicas e não o contrário. A
sucessão de modos de produção é expressão idéia de totalidade, exigência metodológica
deste processo. Em cada modo de produção fundamental, é abandonada por concepções
também há mudanças, evoluções, rupturas. que enxergam o Estado capitalista numa
Isto ocorre com todos os modos de produção suposta evolução imanente, assim como os
e também com o capitalismo. A sucessão de idealistas fazem com a história das idéias.
regimes de acumulação demonstra o A necessidade da acumulação
processo de transformação no modo de capitalista e suas dificuldades (tendência
produção capitalista. Porém, um regime de declinante da taxa de lucro, luta operária)
acumulação também não é estático, é são fundamentais para explicar a
histórico e caracterizado por alterações e emergência do neoliberalismo. O toyotismo
isto vale para os seus elementos contribuiu com a recuperação do Japão e
componentes. O neoliberalismo, assim como proporcionou um novo modelo de
qualquer outra formação estatal capitalista, organização do trabalho que foi copiado,
não é algo estático e a-histórico. O posteriormente, no contexto das novas
neoliberalismo também sofre alterações com necessidades do capital a partir da década de
o desenvolvimento histórico. Sendo assim, 1980, pelos países capitalistas imperialistas.
adquire importância tentar observar as O modelo Toyota, forma específica
mudanças ocorridas no Estado neoliberal, instaurada no processo de valorização
desde suas origens até os dias atuais. (relações de trabalho), proporcionou a base
As Origens do Neoliberalismo da chamada reestruturação produtiva e sua
Para alguns, o neoliberalismo teria sua generalização mundial que se inicia nos
origem na década de 1940. Seria nesta época países de capitalismo imperialista e atinge,
que surgiria as ideologias produzidas por de forma diferenciada, os países de
Hayek e Rawls, entre outros. No entanto, capitalismo subordinado. Um novo regime
esta época era a do Estado integracionista, de acumulação se instaura e este exige uma
vulgo do “bem estar social”, um antípoda do nova formação estatal, o neoliberalismo. A
Estado neoliberal. Nesse contexto, o crise do regime de acumulação anterior,
neoliberalismo era apenas uma ideologia. fundado no fordismo, estado integracionista
Assim, o que se pode dizer é que nesta e imperialismo oligopolista transnacional,
época surgiu a ideologia neoliberal, mas não expressa na queda da taxa de lucro médio
o Estado neoliberal. Pensar que o Estado (Harvey, 1992) e nas lutas sociais em todo
neoliberal foi a mera aplicação desta mundo (Viana, 1993; Viana, 2008), com
ideologia é outro equívoco a ser evitado. destaque para as lutas operárias e estudantis
Trata-se de uma concepção idealista e nada na Itália e França, produziu a necessidade de
dialética. A ideologia neoliberal produzida transformação do regime de acumulação.
nos anos 1940 é retomada, assim como A emergência do neoliberalismo é a
outras são produzidas, para atender às novas resposta a este processo de cries do regime
necessidades do capital. de acumulação anterior, sendo manifestação
As origens do neoliberalismo estão do novo regime. O capitalismo busca
muito mais nas transformações do alternativas no sentido de superar as crises e
capitalismo do que no reino nebuloso das dificuldades encontradas e estas não
ideologias. O modo de produção capitalista terminaram com a derrota de maio de 1968
Revista Enfrentamento – no 05, jul./dez. 2008 4
em Paris, pois as lutas continuavam alguns itens, quer momentaneamente
existindo, enfraquecidas em alguns países, acalmar o Terceiro Mundo e evitar um
mais ainda influentes em outros, tal como no afrontamento que venha fazer naufragar o
caso de Portugal e a Revolução dos Cravos ‘livre comércio’ e a ‘livre empresa’, que até
até chegar ao da Polônia de 1980. Porém, a agora tem gerado dividendos tão suculentos
crise do petróleo e outros tropeços do para os países ricos (Siste e Iriarte, 1979, p.
capitalismo também dificultavam a situação. 173).
O trilateralismo era a tentativa que já O processo de intensificação da
anunciava o futuro, o regime de acumulação exploração mundial é o objetivo, mas não no
integral, mas ainda não o expressava discurso. Este é um dos problemas dos
integralmente. A década de 1970 foi um analistas da Comissão Trilateral, pois ficam
tempo de transição, no qual o antigo regime presos ao discurso sem perceber o que está
de acumulação (intensivo-extensivo) ainda por detrás dele. A preocupação com o
era hegemônico, mas embriões do novo chamado “Terceiro Mundo” é mais do que
regime de acumulação já existiam. O uma precaução. Trata-se de realizar uma
principal embrião do novo regime de política preventiva aos possíveis efeitos de
acumulação que já estava presente no uma política de espoliação ainda maior. Este
trilateralismo é a ênfase repressiva no papel processo, aliado com o neofordismo, o
do Estado e na exploração internacional processo inflacionário galopante e a pressão
(fora do âmbito do regime de acumulação, das dívidas externas, marcam esta etapa
no plano cultural, se desenvolvia o pós- transitória e fracassada do regime de
estruturalismo, por exemplo). acumulação anterior, mas que deixou
A chamada Comissão Trilateral elementos que seriam desenvolvidos pelo
(Assmann, 1979) foi uma tentativa de evitar regime de acumulação integral,
o aprofundamento da crise ainda no interior fundamentalmente a intensificação da
do regime de acumulação intensivo- exploração e da repressão. Porém, no novo
extensivo e seu fracasso provocou a regime, a repressão e a exploração deixam
instauração do regime de acumulação de atingir apenas os países de capitalismo
integral, cujo objetivo é aumentar a subordinado e passam a atingir os países de
exploração, nacional e internacional. O capitalismo imperialista e passa a ser
trilateralismo é o último suspiro do regime efetivado a nível internacional e nacional.
de acumulação intensivo-extensivo e, ao É neste contexto que nos anos 1980
mesmo tempo, o anunciador do novo regime emerge o neoliberalismo e a chamada
de acumulação. O que o trilateralismo “reestruturação produtiva”, sendo que são
anuncia do novo regime de acumulação? Ele processos complementares, aliado ainda
anuncia a necessidade de aumento da com o neo-imperialismo. Estes elementos
exploração internacional e da repressão para são sendo implantados paulatinamente a
conseguir concretizar este objetivo: partir dos anos 1980. A eleição do governo
O mundo industrializado começa a se Thatcher em 1979 ao lado da vitória
amedrontar e a tomar precauções diante de eleitoral de Ronald Reagan em 1980 e,
uma união mais efetiva dos países pobres. O posteriormente de Helmuth Kohl em 1982
‘trilateralismo’ elabora uma resposta marca o avanço sucessivo de governos
histórica. O ‘trilateralismo’ não quer neoliberais, que, assim, assumem o poder na
transformações demasiados radicais, porém Inglaterra, EUA e Alemanha,
tampouco permanece imóvel. Chegou à respectivamente. Esta é a primeira fase do
conclusão de que é necessário mudar capitalismo neoliberal (regime de
algumas coisas importantes. No entanto, não acumulação integral), marcado pela eleição
se deverá alimentar muitas ilusões; pretende de governos neoliberais e de outros que,
reformar o sistema para salvá-lo. Com a paulatinamente, passam a adotar políticas
oportuna concessão no que se refere a neoliberais.
14,00%
12,00%
10,00%
Percentagem
8,00%
6,00%
4,00%
2,00%
0,00%
1959
1962
1965
1968
1971
1974
1977
1980
1983
1986
1989
1992
1995
1998
2001
Ano
Fonte: Economic Report of The President (2001) e Economic Indicators 2001 (september).
Os dados de 2001 se referem ao primeiro semestre.
Referências
ASMANN, Hugo. A Trilateral – Nova Fase do Capitalismo Mundial. Petrópolis, Vozes, 1979.
BOURDIEU, P. Contrafogos. Táticas para Enfrentar a Invasão Neoliberal. Rio de Janeiro,
Jorge Zahar, 1998.
DAVIS, Mike. Planeta Favela. São Paulo, Boitempo, 2006.
CASTEL, R. As Armadilhas da Exclusão. In: CASTEL, R. et al. Desigualdade e a Questão
Social. 2ª edição, São Paulo, Educ, 2004.
CHOSSUDOVSKY, Michel. A Globalização da Pobreza. Impactos das Reformas do FMI e do
Banco Mundial. São Paulo, Moderna, 1999.
FREIRE, Alexandre. Inevitável Mundo Novo. O Fim da Privacidade. São Paulo, Axis Mundi,
2006.
HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo, Edições Loyola, 1992.
PACKARD, Vance. A Sociedade Nua. São Paulo, Ibrasa, 1966.
SISTE, A. e IRIARTE, G. Da Segurança Nacional ao Trilateralismo. In: ASMANN, Hugo. A
Trilateral – Nova Fase do Capitalismo Mundial. Petrópolis, Vozes, 1979.
VIANA, Nildo. Estado, Democracia e Cidadania. A Dinâmica da Política Institucional no
Capitalismo. Rio de Janeiro, Achiamé, 2003.
VIANA, Nildo. O Capitalismo na Era da Acumulação Integral. São Paulo, Idéias e Letras,
2009.
VIANA, Nildo. Violência e Escola. In: VIEIRA, R. & VIANA, N. (orgs.). Educação, Cultura e
Sociedade. Abordagens Críticas da Escola. Goiânia, Edições Germinal, 2002.
WACQUANT, Löic. As Prisões da Miséria. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001.
ZIBECHI, Raul. A Militarização das Periferias Urbanas. Revista O Comuneiro, n. 9, Março de
2008.
Referências
PÉREZ-STABLE, Mariféli. The Cuban Revolution. Oxford University Press: New York,
1993.
CASTRO, Fidel. Discurso Pronunciado en la Clausura del Congreso Nacional de
Cooperativas Cañeras. Havana, 1962.
______, Discurso Pronunciado en el Acto de su Toma de Posesión como Primer Ministro.
Havana, 1959.
______, Discurso Pronunciado en el Parque de Céspedes. Santiago de Cuba, 1959a.
SWEEZY, Paul & HUBERMAN, Leo. Anatomia de uma Revolução. Zahar Ed.: RJ, 1960.
DUMONT, René. Cuba: socialism and development. Grove Press: New York, 1970.
SOUCHY, Augostin. Testimonial Sobre la Revolucion Cubana. Buenos Aires, 1960.
FRANQUI, Carlos. Retrato de Família com Fidel. Ed. Record: RJ, 1981.
IGLESIAS, Abelardo. Revolution and Counter-Revolution in Cuba. Buenos Aires, 1963.
GUEVARA, Che. Discusión Colectiva, decisión y responsabilidad únicas. Havana, 1961.
TAAFE, Peter. Análise da Revolução Cubana. Disponível em: http://www.sr-
cio.org/index.php?option=com_content&view=article&id=206:analise-da-revolucao-
cubana&catid=45:historia&Itemid=62. Acessado em fevereiro de 2009.
BUCH, Luis & SUÁREZ, Reynaldo. Otros Pasos del Gobierno Revolucionario. Editorial de
Ciencias Sociales, La Habana, 2002.
BAKUNIN, Mikhael. Textos Anarquistas. L&PM: Porto Alegre, 1999.
MARX, O Manifesto do Partido Comunista. LCC Publicações Eletrônicas, s/d. Disponível
em: http://www.culturabrasil.pro.br/manifestocomunista.htm. Acessado em fevereiro de
2009.
1
PANNEKOEK, Anton. O novo blanquismo. 2
Disponível em: Idem.
3
http://www.geocities.com/autonomiabvr/, acesso Idem.
4
em 13/11/2007 Idem.
Revista Enfrentamento – no 05, jul./dez. 2008 23
condições históricas distintas. Entretanto, premissa que ele conclui que o marxismo
já começam a ser apontados os limites e é a expressão teórica do movimento
os reais interesses do bolchevismo. Aqui revolucionário do proletariado. Quando
ele já é denominado de blanquismo, ou este avança no sentido de se autonomizar,
seja, o que importa é a conquista do no sentido de constituir suas próprias
poder estatal e por mais que se diga que a formas de organização, no sentido de
conquista do poder estatal é a revolução, realizar seus interesses, também o
apresenta-se uma contradição nos termos. marxismo se atualiza e se radicaliza.
E isto Pannekoek expressa de maneira Quando o movimento operário se retrai,
completamente exata: “O verdadeiro também o marxismo recua. A social
exemplo russo terá de ser buscado nos democracia e o bolchevismo são a
dias anteriores a novembro de 1917: o comprovação desta tese. No final do
partido bolchevique ainda não tinha dito século 19 e início do século 20, o
e nem mesmo acreditava que devia tomar movimento operário experimentou
o poder ou que sua ditadura era a décadas de ostracismo. A social
ditadura das massas operárias”5. Ou seja, democracia e o bolchevismo foram seu
a verdadeira experiência operária deve produto direto. De 1917 a 1923, o
ser procurada antes do golpe blanquista movimento operário se reavivou em toda
dos bolcheviques, antes de sua chegada a Europa: o comunismo de conselhos foi
ao poder. seu resultado.
Também do ponto de visa teórico, Entretanto, à medida que a década
as premissas do bolchevismo são de 20 avança e os anos 30 vão chegando,
duramente criticadas no início dos anos as posições vão se depurando. Nos anos
20. Um trabalho de extrema importância, 30, a social democracia está
publicado em 1923 intitulado “Marxismo completamente morta, o bolchevismo
e Filosofia”, escrito por Karl Korsch, chegou às últimas conseqüências com sua
representa uma séria crítica aos política blanquista, ou melhor, capitalista
fundamentos ideológicos tanto do estatal. Diante deste quadro, grande parte
kautskysmo, quanto do leninismo. Para daqueles indivíduos e grupos políticos
ele, estas “(...) formas ideológicas do que se opuseram de início ao
marxismo ortodoxo, nascidas da velha bolchevismo têm diante de si uma
ortodoxia marxista russa e internacional, situação que permite delimitar com
já só representam hoje formas históricas clareza as condições e as posições de
em desaparecimento que pertencem a um cada grupo. A partir daí temos a
período passado do movimento operário consolidação da perspectiva conselhista.
moderno (Korsch, 1977, p. 57) (grifos Em setembro de 1939, Otho Rhüle
nossos). publica um texto intitulado: “A Luta
A grande contribuição desta obra é Contra o Fascismo Começa pela Luta
a tese segundo a qual para se Contra o Bolchevismo”. Para ele o:
compreender o marxismo, deve-se aplicar (...) estado soviético serve de
o marxismo a ele próprio. Se o modelo ao fascismo, deve conter
materialismo histórico-dialético é um características estruturais e funcionais
método e uma teoria da sociedade comuns. Para determinar quais, é-nos
adequado para compreender todos os preciso regressar à analise do "sistema
fenômenos sociais, por que não utilizá-lo soviético", tal como foi inspirado pelo
para compreender seu próprio leninismo, que é a aplicação dos
desenvolvimento? É partindo desta
5
Idem.
Revista Enfrentamento – no 05, jul./dez. 2008 24
princípios bolcheviques às condições bolchevique com qualquer força social
russas6. que se possa usar, ainda que só por um
Ou seja, a política stalinista é a instante e no setor menos importante...
conseqüência necessária da ideologia tudo isso é espírito jacobino. Finalizando,
leninista de fetichização das organizações a concepção essencial da organização
burocráticas, o partido, o estado, os bolchevique é jacobina, pois consiste na
sindicatos. Dadas as semelhanças entre o criação duma organização estrita de
fascismo italiano, alemão e a prática revolucionários profissionais que é, e
bolchevique no estado soviético, ele continuará sendo, a ferramenta dócil e
conclui seu texto da seguinte maneira: militarmente disciplinada duma direção
Estes nove pontos demonstram uma onipotente8.
oposição irreconciliável entre o bolchevismo Veja que tal como Pannekoek, o
e o socialismo. Eles ilustram, com toda a caráter golpista do bolchevismo é
clareza necessária, o caráter burguês do criticado, posto que não contribui, mas
movimento bolchevique e o seu parentesco
pelo contrário, reflui o movimento do
próximo com o fascismo. Nacionalismo,
autoritarismo, centralismo, direção do chefe,
proletariado em direção à revolução.
política do poder, reino do terror, dinâmicas Entretanto, agora Wagner tem muito
mecanicistas, incapacidade de socializar - mais elementos, pois que a prática
todos esses traços fundamentais do fascismo bolchevique já se consolidou, por isto na
existiam e existem no bolchevismo. O sua tese 58 ele afirma:
fascismo não passa de uma simples cópia do A economia russa está determinada
bolchevismo. Por esta razão, a luta contra o essencialmente pelas seguintes
fascismo deve começar pela luta contra o características: apóia-se nas bases de uma
bolchevismo7. produção de mercadorias; é gerida
Se Pannekoek classificou o segundo as normas da rentabilidade;
bolchevismo como blanquismo em 1920, revela um sistema capitalista de
Helmut Wagner o classificou como remuneração, com salários e ritmos de
Jacobinismo em 1933 nas suas “Teses trabalho acelerados; e, por fim, leva os
Sobre o Bolchevismo”. Não vamos nos refinamentos da racionalização capitalista
estender sobre seu texto, mas na tese 21 ao extremo. A economia bolchevique é
ele afirma: produção estatal que utiliza métodos
O princípio básico da política capitalistas9 (grifos no original).
bolchevique – a conquista e o exercício Em outras palavras, o bolchevismo
do poder pela organização – é jacobino; a é jacobino em sua política
grandiosa perspectiva política e sua “revolucionária” e capitalista em sua
realização, através da tática da prática como poder constituído. No final
organização bolchevique de lutar pelo das contas, o bolchevismo é uma
poder, é jacobina; a mobilização de todos organização com objetivos e práticas
os meios e forças da sociedade aptos para burguesas utilizando um cabedal
o derrocamento do oponente absolutista, conceitual pseudo-“marxista”, mas que
combinada com a aplicação de todos os de fato jamais compreendeu o marxismo,
métodos que prometiam êxito, as pois este só pode estar de acordo com
manobras e os compromissos do partido uma prática revolucionária do
proletariado.
6
RUHLE, Otho. A Luta Contra o Fascismo 8
Começa pela Luta Contra o Bolchevismo. WAGNER, Helmut. Teses Sobre o
Disponível em: Bolchevismo. Disponível em:
http://www.marxists.org/portugues/ruhle/1939/09 http://www.geocities.com/jneves_2000/marxismo
/luta-contra-fascismo.htm, acesso em 24/11/2007. tarefas.htm, acesso em 13/11/2007.
7 9
idem. idem.
Revista Enfrentamento – no 05, jul./dez. 2008 25
Foi justamente este aspecto que origens burguesas do materialismo de
Pannekoek observou no seu livro “Lênin Lênin. A base social para a construção do
Filósofo: exame crítico dos fundamentos materialismo burguês foi a ascensão
filosóficos do leninismo”. Publicado pela revolucionária da burguesia. Quando esta
primeira vez em 1938, esta obra é a necessitava derrotar a feudalismo e o
palavra final no que diz respeito em absolutismo, desenvolveu uma
demonstrar que a prática burguesa do interpretação materialista do mundo.
bolchevismo, também aparece no Entretanto, tal materialismo é abstrato,
domínio da “filosofia leninista”. não conseguindo compreender a
Novamente, dadas as condições historicidade das relações sociais. No
históricas peculiares daquele país, no fundo, a origem do materialismo burguês
qual a burguesia não tinha poder está no desenvolvimento das ciências da
suficiente para levar a cabo sua natureza. Com relação à produção do
revolução, foi necessário que outras conhecimento, o materialismo burguês
classes o fizessem, o campesinato e o tem algumas premissas centrais. De
proletariado. Os bolcheviques foram a acordo com Pannekoek, são elas: a) o
fração da burocracia que conseguiram materialismo burguês se apóia nas
conduzir de tal maneira os rumos que a ciências da natureza; b) por isto os seres
revolução trilhou para que esta adquirisse humanos são os animais mais
um caráter burguês, sem que a burguesia desenvolvidos da escala zoológica, sendo
estivesse na direção. determinados deste modo pelas leis
O que Pannekoek demonstra é naturais; c) as idéias são produtos do
justamente os fundamentos burgueses do cérebro; d) a consciência ou espírito é um
pretenso materialismo histórico do reflexo do mundo exterior.
leninismo. Dada a influência que os Não é curioso que Pannekoek
populistas estavam tendo dentro do encontre estas características presentes no
partido social democrata russo, Lênin livro de Lênin, daí ele afirmar que o
escreve um texto filosófico materialismo leninista ser um
“Materialismo e Empiriocriticismo” para materialismo burguês e não histórico-
reafirmar a concepção materialista da dialético. O “Materialismo e
história, pois de acordo com ele Mach e Empiriocriticismo” de Lênin é na
os populistas eram idealistas. verdade uma obra política, na qual ele
Pannekoek observa que a crítica busca desacreditar um conjunto de idéias
que Lênin dirige a Mach, Dietzgen, que vinham repercutindo dentro do
Avenarius não procede, pois eles não são partido e ele não podia perder a
o que Lênin julga que são. Não hegemonia que possuía em tal
analisaremos aqui os equívocos de Lênin, organização. Pois o que é a teoria do
para tanto, basta consultar o texto de reflexo presente nesta obra, senão a idéia
Pannekoek. Pannekoek afirma, para de que a consciência reflete o mundo
desacreditar Mach, Lênin “intenta exterior? O que significa o uso por parte
imputar a Mach concepciones que éste de Lênin das teorias das ciências naturais
jamás há tenido” (Pannekoek, 2004, p. para provar seus princípios materialistas,
331)10. O mesmo se dá com Avenarius e senão que seu pensamento funda-se nas
Dietzgen. ciências naturais?
Entretanto, o que é central é a Não falamos aqui de outros
demonstração que Pannekoek faz das bolcheviques, pois consideramos que em
linhas gerais seguem a cartilha de Lênin.
Tal como demonstra Paul Mattick em
10
Esta obra pode ser encontrada em: artigo intitulado “Stalinismo e
http://www.geocities.com/cica_web.
Revista Enfrentamento – no 05, jul./dez. 2008 26
Trotskismo”, publicado em 1947, há uma bolchevismo é pré-marxista, portanto,
direta continuidade entre estes três burguês. Korsch nos dá a explicação
membros “ilustres” da burocracia marxista para os fundamentos capitalistas
capitalista soviética. do bolchevismo. Se Rühle afirma que a
Para concluir, o que buscamos “Luta Contra o Fascismo Começa Pela
demonstrar é que o bolchevismo não é Luta Contra o Bolchevismo”, podemos
uma continuação ou aprofundamento do ampliar e dizer que a luta contra o
marxismo, mas pelo contrário, está em capitalismo começa pela luta contra o
total oposição com este. Tanto do ponto bolchevismo, posto que este é a última
de vista político, quanto teórico, o trincheira da burguesia.
.
Referências