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A FILOSOFIA NA A L C O VA

AOS L IBERTINOS

Vo l u p t u o s o s d e t o d a s a s i d a d e s e d e t o d o s o s s e x o s , é a v ó s s o m e n t e q u e d e d i c o e s t a o b r a ;
alimentai-vos de seus princípios que favorecem vossas paixões; essas paixões que horrorizam os frios e
tolos moralistas, são apenas os meios que a natureza emprega para submeter os homens aos fins que se
propõe. Não resistais a essas paixões deliciosas: seus órgãos são os únicos que vos devem conduzir à
felicidade.
Mulheres lúbricas, que a voluptuosa Saint-Ange seja vosso modelo; segui seu exemplo, desprezando
t u d o q u a n t o c o n t r a r i a a s l e i s d i v i n a s d o p r a z e r, q u e d o m i n a r a m t o d a s u a v i d a .
Jovens, há tanto tempo abafadas pelo liames absurdos e perigosos duma virtude fantástica, duma
religião nojenta, imitai a ardente Eugênia; destruí, desprezai, com tanta rapidez quanto ela, todos os
preceitos ridículos inculcados por pais imbecis.
E vós, amáveis devassos, vós que desde a juventude não tendes outros freios senão vossos desejos,
outras leis senão os vossos caprichos, que o cínico Dolmancé vos sirva de exemplo; ide tão longe quanto
ele, se como ele desejais percorrer todas as estradas floridas que a lubricidade vos prepara; convencei-
vos, imitando-o, de que só alargando a esfera de seus gostos e suas fantasias, e, sacrificando tudo ã
volúpia, o infeliz indivíduo, conhecido sob o nome de homem e atirado a contragosto neste triste
universo, pode conseguir entremear de rosas os espinhos da vida.
I. PPRIMEIRO DIÁLOGO

Madame de Saint Ange, Cavalheiro de Mirvel...

MADAME - Bom dia meu irmão; Dolmancé não vem?


M I RV E L - C h e g a r á à s q u at r o e m p o n t o. C o mo ja n t a mo s s o m e n t e à s s e t e , te r e m o s m u i t o t e m po p a r a
c o n v e r s a r.
MADAME - Sabe que me arrependo um pouco da minha curiosidade e dos projetos obscenos que fizemos
p a r a h o j e ? Vo c ê é m u i t o i n d u l g e n t e , q u e r i d o ! J u s t o q u a n d o e u d e v e r i a s e r b e m c o m p o r t a d a é q u e s e m e
aquece a imaginação, e mais libertina me tomo: como você me perdoa tudo, fico cada vez mais mimada...
Aos vinte e seis anos, já deveria ser uma beata e não passo da mais devassa de todas as mulheres... Não
se pode ter uma idéia de tudo quanto imagino, de tudo quanto quisera fazer; acreditava que, me
limitando às mulheres, conseguiria tranquilidade; que meus desejos, uma vez concentrados em meu sexo,
não transbordariam sobre o seu. Quiméricos projetos, meu amigo, os prazeres de que desejava me privar
pareceram-me ainda mais tentadores e me apercebi de que, quando se nasceu para a libertinagem, é
inútil querer dominar-se: os fogosos desejos irrompem com mais força. Enfim, querido, sou um animal
anfíbio: gosto de tudo, tudo me diverte; quero conhecer todos os gêneros; confesso que é uma
extravagância completa de minha parte querer conhecer esse singular Dolmancé, que, como diz você,
nunca possuiu as mulheres como o costume o prescreve, que, sodomita por princípio, idolatra o próprio
sexo e só se rende ao nosso sob a cláusula especial de lhe oferecermos os encantos que está acostumado a
e n c o n t r a r e n t r e o s h o m e n s . Ve j a , m e u i r m ã o , q u e b i z a r r a f a n t a s i a ! Q u e r o s e r o G a n i m e d e d e s s e n o v o
J ú p i t e r, q u e r o g o z a r d e s e u s g o s t o s , d e s e u s d e b o c h e s , q u e r o s e r a v í t i m a d o s s e u s e r r o s . S a i b a q u e , a t é
a g o r a , d e s s a m a n e i r a s ó a v o c ê m e e n t r e g u e i , p o r p r a z e r, o u a c e r t o c r i a d o q u e , p a g o p a r a m e p o s s u i r
desse modo, só o fazia por interesse. Hoje, não é mais por complacência nem por capricho, mas sim por
puro gosto... Creio que haverá uma notável diferença entre as duas experiências e quero conhecê-la.
Descreva-me bem Dolmancé, afim de que o tenha na idéia antes que ele chegue; sabe que o conheço
apenas por tê-lo encontrado durante alguns minutos numa casa onde estivemos.
M I RV E L - Dolmancé acaba de completar trinta e seis anos; é alto, lindo aspecto, olhos vivos e
e s p i r i t u o s o s ; m a s a l g o d e d u r e z a e d e m a l d a d e t r a n s p a r e c e n o s s e u s t r a ç o s . Te m d e n t e s l i n d í s s i m o s ; u m
certo dengue no mover a cintura e no a n d a r, certamente pelo hábito de imitar as mulheres. É
elegantíssimo, tem voz agradável, várias habilidades e sobretudo espírito filosófico.
MADAME - Bem, espero que ele não acredite em Deus...
M I RV E L - Q u e i d é ia ! É o m a i s c él e b r e a t e u , o ho m e m m a i s i m o r al , a co r r u p ç ã o m a i s c om p l e t a e i n t e g r a l , o
m a i s c e l e r a d o d o s i n d i v í d u o s q u e p o s s a m e x i s t i r.
M A D A M E - C o m o t u d o i s s o m e e x c i t a ! Vo u a d o r a r e s s e h o m e m . Q u a i s o s s e u s g o s t o s ?
M I R V E L - Vo c ê b e m s a b e : a s d e l í c i a s d e S o d o m a , t a n t o p a s s i v a s c o m o a t i v a s , s ã o - l h e s e m p r e a g r a d á v e i s .
Pr e f e r e o s h o m e n s , e s e c o n s e n t e e m s e d i v e r t i r c o m m u l h e r e s é s o b a s e g u i n t e c o n d iç ã o : t ro c a r d e s e x o
com ele, prestando-se a todas as inversões. Falei-lhe de você, eu o preveni de suas intenções; aceita as
s u a s p r o p o s t a s m a s , p o r s u a v e z , a v i s a - a d a s s u a s c o n d i ç õ e s . Vo c ê n ã o o b t e r á n a d a d e l e s e p r e t e n d e r
induzí-lo a outra coisa. "O que consinto em fazer com sua irmã", diz ele, "é uma extravagância... Uma
brincadeira que me repugna e à qual só me entrego raramente e tomando muitas precauções".
M A D A M E - R e p u g n â n c i a . . . Pr e c a u ç õ e s . . . Q u e i n t e r e s s a n t e a l i n g u a g e m d e s s e s m o ç o s a m á v e i s ! N ó s , a s
mulheres, temos também palavras como estas, particularíssimas, que provam o profundo horror que nos
domina por tudo quanto não se refira ao culto de nossa devoção... Diga-me, meu caro, ele já o possuiu?
Com seu lindo corpo e seus vinte anos pode, creio, cativar um homem como esse!
M I RV E L - C r e i o q u e po s s o r e v e l a r a s e x t r a v a g â n c i a s q u e j u n t o s p r a t i ca m o s : v o c ê t e m s u f i c i e n t e e s p í r i t o
p a r a n ã o o s c e n s u r a r. G e r a l m e n t e a m o e p r e f i r o a s m u l h e r e s ; e n t r e g o - m e a e s t e g o z o b i z a r r o a p e n a s
q u a n d o t e n t a d o p o r u m h o m e m e x c e p c i o n a l m e n t e e n c a n t a d o r. N e s s e c a s o n a d a h á q u e e u n ã o f a ç a . N ã o
estou absolutamente de acordo com a ridícula pretensão dos nossos rapazolas que respondem com
bengaladas a semelhantes propostas. O homem é senhor de suas próprias inclinações? Não devemos jamais
insultar os diferentes, mas lamentá-los; os seus defeitos são defeitos da natureza. Eles não são culpados
de ter nascido com gostos diferentes, assim como ninguém tem culpa de ser coxo ou bem feito de corpo.
Aliás, quando um homem confessa que nos deseja, diz-nos, por acaso, uma coisa desagradável?
Evidentemente que não; é um cumprimento que ele nos faz; para que, pois, responder com injúrias ou
insultos? Só os imbecis pensam assim, nunca um homem razoável dirá coisa semelhante. Isto acontece
porque o mundo está povoado por idiotas que se julgam ofendidos quando a gente os considera aptos para
o prazer e que, mimados pelas mulheres, sempre ciumentas de seus direitos, imaginam ser os Dom
Quixotes desse falsos privilégios, brutalizando aqueles que não os reconhecem.
MADAME - Beije-me, meu caro. Eu não o reconheceria como meu irmão se você pensasse de outra maneira.
Dê-me, entretanto, mais informações sobre o aspecto desse homem e sobre os prazeres que juntos
gozaram.
M I RV E L - D ol m a n c é t i n h a s i d o i n f o r m a do po r u m d o s m e u s a m i g o s d o s o b e r bo m e m b r o q u e po s s u o, e f e z
c o m q u e o M a r q u ê s d e V. n o s c o n v i d a s s e a c e a r. U m a v e z e m c a s a d o M a r q u ê s t i v e q u e e x i b i - l o ; p e n s e i , a
princípio, que fosse apenas curiosidade mas em breve percebi que era outro o motivo quando Dolmancé
voltou-me um lindo cu, pedindo-me que gozasse dele. Eu o preveni das dificuldade da empresa. Ele nada
t e m i a . " Po s s o s u p o r t a r u m a r í e t e " , d i s s e - m e , " e n ã o t e n h a v o c ê a p r e t e n s ã o d e s e r o m a i s t e m í v e l d o s
homens que o penetraram". O Marquês estava presente e nos estimulava, acariciando, apertando e
b e i j a n d o t u d o q u e n ó s p u x á v a m o s p a r a f o r a . Po n h o - m e a p r e p a r á - l o e n q u a n t o a p r e s e n t o a r m a s . . . M a s o
Marquês me avisa: "Nada disso, você tiraria metade do prazer que Dolmancé espera; ele quer uma violenta
e s t o c a d a , q u e r q u e o r a s g u e m " . Po i s s e r á s a t i s f e i t o , e x c l a m e i , m e r g u l h a n d o c e g a m e n t e n o a b i s m o . . .
Pe n s a , m i n h a i r m ã , q u e t i v e t ra b a l h o ; n a d a d i s s o , m e u m e m b r o e n o r m e d e s a p a r e c e u s e m q u e e u s e n t i s s e e
e u t o q u e i o f u n d o d e s u a s e n t r a n h a s s e m q u e o t i p o d e s s e q u a l q u e r s i n a l d e s o f r i m e n t o . Tr a t e i - o c o m o
amigo, torcia-se no excesso da volúpia, dizia palavras doces, e parecia felicíssimo quando o inundei.
Quando me desocupei dele, voltou-se com os cabelos em desordem e o rosto em chamas: veja em que
estado você me pôs, querido disse-me, oferecendo um membro seco e vibrante, muito longo e fino.
S u p l i c o - l h e , m e u a m o r, q u e i r a s e r v i r - m e d e m u l h e r d e p o i s d e t e r s i d o m e u m a c h o , p a r a q u e e u p o s s a d i z e r
que nos seus braços divinos experimentei todos os prazeres do culto que venero. Cedi a seu pedido
achando tudo isso bastante fácil, mas o Marquês, tirando as calças, suplicou-me que o enrabasse enquanto
e r a f o d i d o p e l o s e u a m i g o . Tr a t e i - o c o m o D o l m a n c é , q u e m e d e v o l v i a a o c ê n t u p l o t o d o s o s g o l p e s c o m o s
quais eu abatia nosso parceiro e logo me derramou no fundo do cu o celeste licor com que eu regava ao
m e s m o t e m p o o e u d o M a r q u ê s d e V.
MADAME - Que prazer delicioso deve ser esse entre duas picas! Dizem que é gostosíssimo!
M I RV E L - C e r t a m e n t e , m e u a nj o , é u m o r if í c i o d e l i c io s o , m a s t u d o i s s o n ã o p a s s a d u m a e x t r a v a g â n c ia q u e
eu nunca preferirei ao prazer que me dão as bocetas.
M A D A M E - Po i s b e m , m e u c a ro , pa r a c o m p e n s a r h o j e s u a d el i c a d a a t e n ç ã o , v o u e n t r e g a r a o s s e u s a r d o r e s
uma jovem, virgem e linda como os amores.
M I RV E L - C o mo ? E n tã o Do l m a n c é v a i e n c o n t r a r m a i s u m a m u l h e r n e s t a c a s a ?
M A D A M E - Tr a t a - s e d e e d u c a r a m e n i n a q u e c o n h e c i n o c o n v e n t o o a n o p a s s a d o , e n q u a n t o m e u m a r i d o
f a z i a u m a e s t a ç ã o d e á g u a s . L á n a d a o u s a m o s f a z e r, é r a m o s o a l v o d e t o d o s o s o l h a r e s . Pr o m e t e m o s
r e c i p r o c a m e n t e n o s u n i r m o s a s s i m q u e f o s s e p o s s í v e l . Pe r s e g u i d a p o r e s s e d e s e j o , p a r a s a t i s f a z ê - l o ,
t r a v e i c o n h e c i m e n t o c o m t o d a a f a m í l i a . O p a i é u m l i b e r t i n o q u e e u c o n s e g u i c a t i v a r. A l i n d a m e n i n a
chega hoje e passaremos dois dias juntas, dois dias deliciosos. A maior parte desse tempo empregarei em
educá-la. Dolmancé e eu inculcaremos nessa linda cabecinha todos os princípios da libertinagem mais
d e s e n f r e a d a ; a b r a z á - l a - e m o s c o m o n o s s o a r d o r. A l i m e n t a n d o - a c o m a n o s s a f i l o s o f i a , i n s p i r a r - l h e - e m o s
n o s s o s d e s e j o s . Q u e r o j u n t a r a p r á t i c a à t e o r i a , q u e r o d e m o n s t r a r, à m e d i d a e m q u e e u d i s s e r t a r. Vo c ê
e s t á d e s t i n a d o a c o l h e r o s m i r t o s d e C i t é r a e D o l m a n c é a s r o s a s d e S o d o m a . Te r e i d o i s p r a z e r e s a u m
tempo, dando lições e gozando eu própria dessas volúpias criminosas, inspirando esse gosto x amável
ingênua que cairá na minha rede. Não acha esse projeto digno de minha imaginação?
M I R V E L - E s s a i d é i a s ó a v o c ê p o d e r i a o c o r r e r, p r o m e t o - l h e r e p r e s e n t a r c o m p e r f e i ç ã o o p a p e l e n c a n t a d o r
que me destina. Ah, malandra, como você vai gozar fazendo a educação da pequena! Que delícia
corrompê-la, abafar nesse jovem coração todas as sementes de virtude e religião, aí colocadas por suas
mestras. Na verdade, mesmo para mim, essa idéia seria ousada.
MADAME -Nada pouparei para pervertê-la, para degradá-la, para pôr de pemas para o ar todos os
princípios de moral que já começam a atordoá-la. Em duas lições quero que se tome tão celerada, ímpia e
d e b o c h a d a c o m o e u . Av i s e D o l m a n c é , p o n h a - o a o p a r d o q u e s e d e v e p a s s a r. Q u e o v e n e n o d a s u a
imoralidade circule nesse jovem coração junto ao que eu mesma lá instilarei. Havemos de desenraizar em
p o u c o s i n s t a n t e s t o d a s a s s e m e n t e s d e v i r t u d e q u e l á p u d e s s e m g e r m i n a r.
M I RV E L - Se r i a i m p o s s í v e l e n c o n t r a r h o m e m m a i s a d e q u a do . A i r r e l i g i ão , a i m p i e d a d e , a d e s u m a n i d a d e , a
libertinagem, fluem dos lábios do Dolmanoé como outrora a unção mística fluía dos lábios do arcebispo de
C a m b r a i ; é o m a i s i n v e t e r a d o s e d u t o r, o h o m e m m a i s c o r r o m p i d o e p e r i g o s o . . A h ! m i n h a c a r a , q u e a s u a
discípula corresponda aos cuidados do mestre e garanto que estará perdida num abrir e fechar de olhos.
M I RV E L - D i ga - m e , po r é m , n ão r e c e i a n a da d a p a r t e d e s e u s p a i s ? E s e el a d e r co m a l í n g u a no s d e n t e s ?
MADAME - Não tenha receio, eu já seduzi o pai, pertence-me. Confesso que me entreguei a ele para que
fechasse os olhos. Ignora os meus desígnios e nunca ousará penetrá-los. Domino-o.
M I RV E L - O s s e u s p r oc e s s o s s ã o h o r r í v e i s .
MADAME - E assim devem ser para que sejam eficazes.
M I RV E L - D i g a - m e , af i n a l , d e q u e m s e t r a ta . '
MADAME -Chama-se Eugênia, é a filha de um tal Mistival, um dos mais ricos arrecadadores de impostos.
Te m t r i n t a e s e i s a n o s , a m u l h e r t r i n t a e d o i s , a f i l h a q u i n z e . M i s t i v a l é t ã o l i b e r t i n o q u a n t o s u a m u l h e r é
b e a t a . Q u a n t o à E u g ê n i a , e m v ã o t e n t a r i a p i n t á - l a , f a l t a m - m e o s p i n c é i s . Po d e e s t a r c o n v e n c i d o d e q u e
nem você nem eu vimos no mundo criatura tão maravilhosa.
M I R V E L - J á q u e v o c ê n ã o a p o d e p i n t a r, a o m e n o s f a ç a u m e s b o ç o p a r a q u e a l i m e n t e a m i n h a i m a g i n a ç ã o
com o ídolo em cujo altar sacrificarei.
M A D A M E - Po i s b e m , o s l o n g o s c a b e l o s c a s t a n h o s , q u e d e s c e m a t é a s c o xa s , a p e l e é d e u m a b r a n c u r a d e
neve, o nariz aquilino, os olhos ardentes e negros como ébano, aos quais ninguém resiste. Quanto a mim,
não imagina as tolices que faria por eles. Os cílios são traçados a pincel, até as pálpebras são
expressivas, a boca é pequena, úmida e fresca, os dentes perfeitos. Um de seus maiores encantos está na
elegância com que sua linda cabeça se ergue dos ombros, no ar de nobreza que tem quando a volve.
Eugênia é desenvolvida para sua idade, parece ter dezessete anos; a cintura é fina e os peitinhos cheios,
de uma beleza incomparável! Dão apenas para encher a mão de um homem honesto, tão macios e
b r a n c o s . . . Pe r c o a c a b e ç a q u a n d o o s b e i j o ! S o b a s m i n h a s c a r í c i a s e l a s e a n i m a , a a l m a t r a n s p a r e c e n o
brilho de seus olhos. Não conheço o resto, mas a julgar pelo que já vi, jamais teve o Olimpo semelhante
divindade... Ouço barulho: é ela! Saia pela porta do jardim para não a encontrar e venha na hora exata.
M I RV E L - C o mo n ão h e i d e c h e g a r n a h o r a , p a r a c o n t e m p la r o q u e v o c ê t ã o b e m d e s c r e v e u ? N e m s e i co m o
sair no estado em que me encontro... veja só, dê-me ao menos um beijo, minha irmã, para que me
satisfaça até então! (Madame beija-o, acaricia-lhe o pênis intumescido sob as calças, e ele sai
precipitadamente).
II. SEGUNDO DIÁLOGO

Madame de Saint Ange e Eugênía:

MADAME -Bom dia, minha querida! Esperava por você, com uma impaciência que adivinhará
facilmente se é capaz de ler meu coração.
E U G Ê N I A - Ta l e r a a m i n h a p r e s s a d e c a i r n o s s e u s b r a ç o s q u e m e p a r e c i a i m p o s s í v e l c h e g a r
aqui! Ainda há uma hora apenas, tremia de medo que tudo mudasse. Minha mãe não se resolvia
a me deixar sair de casa; acha que moça de minha idade não deve sair desacompanhada. Meu
pai, que a tinha maltratado na véspera, estava ainda tão zangado com ela, que num só de seus
olhares severos decidiu tudo. Madame de Mistival cedeu a tudo quanto meu pai exigiu e corri
p a r a c á . Te n h o d o i s d i a s i n t e i r o s , m a s é p r e c i s o q u e d e p o i s d e a m a n h ã v o l t e à c a s a n o s e u c a r r o ,
com uma das suas saias.
MADAME -Que prazo curto, meu anjo! Em tão pouco tempo poderei apenas exprimir o que
você me inspira e conversar sobre os tópicos principais. Quero iniciá-la nos secretos mistérios
de Vênus. Dois dias bastarão para tanto?
EUGÊNIA -Fique tranquila, enquanto não tiver aprendido tudo não irei embora. Quero
tornar-me mestra no assunto.
M A D A M E , b e i j a n d o - a - A h , m e u a m o r, q u a n t a s c o i s a s f a r e m o s e d i r e m o s u m a a o u t r a ! Va m o s
almoçar primeiro, pois a lição é complicada...
EUGÊNIA -Nem me fale nisso, só desejo ouvi-Ia e aprender! Já almocei e até oito da noite não
p e n s a r e i m a i s e m c o m e r.
M A D A M E - Pa s s e m o s e n t ã o a o t o u c a do r o n d e e s t a r e m o s m a i s à v o n t a d e . j á p r e v e n i m e u s
c r i a d o s , n i n g u é m o u s a r á n o s i n t e r r o m p e r. . . ( S a e m a b r a ç a d a s ) .
III. TERCEIRO DIÁLOGO

M a d a m e , E u g ê n i a e D o l m a n c é , n u m d e l i c i o s o t o u c a d o r.

EUGÊNIA, surpresa ao encontrar ali um moço inesperadamente - Meu Deus, querida, que traição é essa?
M A D A M E , f i n g i n d o s u r p r e s a - Q u e i d é i a f o i e s s a ? Vo c ê n ã o d e v i a c h e g a r a n t e s d a s q u a t r o h o r a s ?
DOLMANCÉ - Quem não chegaria antes para ter a alegria de encontrá-la? Foi seu irmão quem me avisou,
achando que minha presença seria útil nas suas lições a esta senhorita. Sabendo que neste liceu a senhora
faria um curso, aqui me introduzi secretamente, pensando que não a desagradaria. Ele virá logo, quando
chegar o instante das suas demonstrações, que só serão necessárias depois das dissertações teóricas.
MADAME - Foi realmente uma surpresa, Dolmancé...
EUGÊNIA - Não me iludo, minha amiga, tudo foi preparado por você. Mas por que não me consultou?...
Agora estou com uma vergonha tal que talvez atrapalhe nossos projetos...
MADAME - Asseguro que esta surpresa foi obra de meu irmão, mas agora não fique assustada. Dolmancé,
que reputo um homem gentilíssimo, tem o grau de filosofia necessário para sua instrução, ele só pode ser
ú t i l a o s n o s s o s p r o j e t o s ; s u a d i s c r i ç ã o é i g u a l à m i n h a . Vo c ê f i c a r á l o g o f a m i l i a r i z a d a c o m o h o m e m q u e
nasceu para formá-la, para conduzi-la, na carreira da felicidade e dos prazeres que desejamos gozar
juntas.
EUGÊNIA, enrubecida - Sinto-me ainda tão acanhada...
DOLMANCÉ - Oh, minha bela Eugênia, fique à vontade. O pudor é uma virtude que está caindo de moda e
não fica bem numa criatura que possui seus encantos...
EUGÊNIA - E a decência?
D O L M A N C É - C o i s a p r é - h i s t ó r i c a , g ó t i c a . . Tu d o o q u e c o n t r a r i a a n a t u r e z a e s t á f o r a d a m o d a . ( D o l m a n c é
agarra Eugênia, apertando-a nos braços e beijando-a).
E U G Ê N I A , d e f e n d e n d o - s e m a l - N ã o , c h e g a ! Te n h a d ó d e m i m , p o u p e - m e !
M A D A M E - O r a , E u g ê n i a , n ã o s e j a m o s f i n g i d a s c o m e s s e m o ç o e n c a n t a d o r. C o n h e ç o - o h á m u i t o p o u c o
tempo, e entretanto veja como me entrego aos seus ardores. Siga meu exemplo. (Assim dizendo beija-o
lubricamente na boca, enfiando-lhe a língua).
E U G Ê N I A - Te m r a z ã o , n i n g u é m m e p o d e r á d a r m e l h o r e s e x e m p l o s : v o u i m i t á - l o s ! ( E n t r e g a n d o - s e a o r a p a z
que a beija doidamente na boca).
DOLMANCÉ - Que deliciosa criatura!
MADAME, beijando também a moça, do mesmo modo - Então, a canalhinha pensa que também não terei
uma parte do festim? (Dolmancé agarra ambas, e durante um quarto de horas as línguas dentro das bocas
se revezam e se trocam).
D O L M A N C É - E s t e p r e l ú d i o e s t á v o l u p t u o s o e p r o m e t e d o r. M a s q u e c a l o r e s t á f a z e n d o ! Va m o s , m e u s
amores, tiremos estas roupagens cacetes para melhor conversarmos.
MADAME - Boa idéia, aqui estão estas túnicas de gaze, que ocultarão somente aquilo que se deve esconder
ao desejo.
E U G Ê N I A - Q u a n t a s c o i s a s v o c ê m e i n d u z a f a z e r. . .
MADAME, ajudando-a a se despir - Acha-as por acaso ridículas?
EUGÊNIA - Não, mas um tanto indecentes... Como seus beijos são fogosos!
MADAME - A culpa é dos seus seios, botões de rosa apenas entreabertos...
DOLMANCÉ, contemplando os seios da moça sem os tocar - E como prometem delícias mil vezes mais
estimáveis!
E U G Ê N I A - M a i s e s t i m á v e i s ? Po r q u ê ?
DOLMANCÉ - Muito mais! (Agarra a moça tentando voltá-la de costas para examinar o
traseiro).
EUGÊNIA - Ah, não, ainda não... Suplico-lhe!
MADAME - Ainda não, Dolmancé. Espere. Essa parte do corpo exerce sobre você um tal império que você
perderia completamente a cabeça e não saberia mais refletir a sangue frio. Antes disso precisamos de
s u a s l i ç õ e s . Va m o s a e l a s ; e m s e g u i d a , o s m i r t o s q u e d e s e j a c o l h e r i n c o n t i n e n t i f o r m a r ã o s u a c o r o a .
DOLMANCÉ - Consinto, mas ao menos a senhora, Madame, terá a bondade de se prestar ao meu desejo para
dar a essa linda criança as primeiras aulas de libertinagem.
M A D A M E - Po i s n ã o . A q u i m e t e m n u a z i n h a : p o d e f a z e r s o b r e m i m t o d a s a s e x p e r i ê n c i a s .
DOLMANCÉ - Que lindo corpo! É a própria Vênus, embelezada pelas Graças!
EUGÊNIA - Querida, quantos atrativos! Quisera percorrê-los todos, um a um, cobrindo-os de beijos. (Se
bem o diz, melhor o faz).
D O L M A N C É - Vo c ê m o s t r a e x c e l e n t e s d i s p o s i ç õ e s . . . C o n t e n h a - s e u m p o u c o , p o r é m , s ó q u e r o , p o r e n q u a n t o ,
que me preste toda a sua atenção.
EUGÊNIA - Estou ouvindo tudo quanto diz, mas minha amiga é tão bela, tão fresca, tão gorduchinha... Não
a acha linda, senhor Dolmancé?
DOLMANCÉ - Claro que acho, perfeitamente bela, mas tenho a certeza de que você em nada lhe cede a
palma. Quero que me ouça com atenção, como jovem aluna; se não for dócil e atenta usarei amplamente
d o s d i r e i t o s q u e c o n f e r e o t í t u l o d e p r o f e s s o r.
MADAME - Ela é sua, entrego-lha, ralhe muito com ela se não tiver juízo...
DOLMANCÉ - É que não ficarei somente nos ralhos... Irei mais longe.
EUGÊNIA - Meu Deus, estou ficando apavorada. Que faria então de mim?
DOLMANCÉ, balbuciando e beijando a boca de Eugênia - Ai, esse lindo cu vai ser responsável por todas as
l o u c u r a s q u e e u c o m e t e r. ( A g a r r a o t r a s e i r o d e a m b a s ) .
M A D A M E - A p r o v o o p r o j e t o m a s n ã o o g e s t o . C o m e c e m o s l o g o , o t e m p o v o a e E u g ê n i a t e m q u e p a r t i r. N ã o
o percamos em preliminares, ou não a educaremos...
DOLMANCÉ, tocando, em madame, todas as partes nas quais vai falando - Começo. Aqui estes globos de
carne que se chamam peitos, seios ou mamas, são indispensáveis ao prazer; o amante deve contemplá-los,
manuseá-los, acariciá-los. Há homens que fazem deles a sede do gozo, introduzem o membro entre essas
duas colinas de Vênus; com alguns movimentos apenas conseguem derramar sobre eles o bálsamo delicioso
que, ao fluir da fonte, faz a delícia de todos os libertinos. Não acha, madame, que antes de tudo
devemos mostrar à menina como é feito esse membro sobre o qual somos obrigados a falar continuamente?
M A D A M E - Te m t o d a a r a z ã o .
D O L M A N C É - P o i s b e m , s e n h o r a . Vo u d e i t a r - m e s o b r e o c a n a p é ; a m b a s s e c o l o c a r ã o j u n t o a m i m ; a s e n h o r a
tomará do meu membro e explicará à nossa jovem aluna todas as suas propriedades. (Dolmancé deita-se
enquanto Madame começa a explicação).
M A D A M E - Vo c ê e s t á c o n t e m p l a n d o a q u i o c e n t r o d e V ê n u s , o p r i m e i r o a g e n t e d o s p r a z e r e s a m o r o s o s , o
membro por excelência., que se pode introduzir em todos os lugares do corpo humano. Sempre dócil às
p a i x õ e s d o s e u p o s s u i d o r, á s v e z e s s e a n i n h a e n t r e a s p e m a s , n a b o c e t a ( t o c a a d e E u g ê n i a ) s e u t r i l h o
preferido, o mais percorrido e usado; às vezes, porém, prefere um caminho mais misterioso e penetra por
aqui (afasta as nádegas mostrando o orifício do cu). Mais tarde lhe explicarei melhor esse gozo, dos mais
íntimos e deliciosos. A boca, os seios, as axilas também são altares onde ele queima incenso, enfim, por
onde quer que penetre, seja qual for o local preferido, ele se agita até lançar o licor da vida,
esbranquiçado e viscoso, cujo fluir mergulha o macho no mais vivo delírio, no mais doce prazer que possa
esperar da vida.
E U G Ê N I A - D e i x e - m e , p o r f a v o r, p e g a r n e s s e l i n d o m e m b r o e a c a r i c i á - l o .
DOLMANCÉ - Ceda-lhe a vez, senhora, essa ingenuidade pruduz-me louca tensão.
M A D A M E - N ã o , o p o n h o - m e a t a l a n s i e d a d e . Te n h a j u í z o , D o l m a n c é , s e v o c ê e s p o r r a r t e r á d i m i n u í d o a
a t i v i d a d e d o s e u e s p í r i t o e s u a s d i s s e r t a ç õ e s p e r d e r ã o o c a l o r.
EUGÊNIA, acariciando os testículos do moço -Nossa amiga resiste aos meus desejos! E essas
bolas para que servem? Como se chamam?
MADAME - A palavra técnica é culhão, a artística é testículo. Esses bagos contém o reservatório da
semente prolífera na qual falei, é a ejaculação dentro da matriz da mulher que produz a espécie humana;
mas deixemos essas minúcias que mais pertencem à medicina do que à libertinagem. Uma linda mulher só
s e d e v e o c u p a r e m f o d e r e n u n c a e m g e r a r. Pa s s e m o s d e l e v e s o b r e t u d o q u a n t o d i z r e s p e i t o a o p r o s á i c o
mecanismo da multiplicação da espécie para nos ocuparmos principal e unicamente das volúpias
libertinas, cujo espírito é oposto ao povoamento da, terra.
EUGÊNIA - Querida amiga, como é possível que esse membro enorme, que eu mal consigo abarcar com a
m ã o , p o s s a p e n e t r a r, c o m o v o c ê m e a f i r m a , n u m o r i f í c i o t ã o m i n ú s c u l o c o m o o d o t e u t r a s e i r o ? Q u e d o r
horrível deve causar a uma pobre mulher!
M A D A M E - Q u a n d o a m u l h e r a i n d a n ã o e s t á a c o s t u m a d a s e n t e m u i t a d o r, q u e r a i n t r o d u ç ã o s e f a ç a p e l a
frente ou por detrás. A natureza se compraz em nos fazer chegar à felicidade pelo caminho doloroso, mas
uma vez a dor vencida, nada mais delicioso do que o p r a z e r. A i n t r o d u ç ã o do membro no cu é
incontestavelmente preferível a tudo, mesmo à introdução bocetal. Além disso, quantos perigos evita à
m u l h e r, q u e a r r i s c a m e n o s a s a ú d e e n ã o c o r r e p e r i g o d e e n g r a v i d a r. N e s t e m o m e n t o n ã o m e q u e r o a l o n g a r
nessa volúpia, pois nosso mestre a analisará inteiramente, juntando a prática à teoria, e estou certa de
q u e f i c a r á c o n v e n c i d a , m i n h a c a r a , q u e d e t o d o s o s p r a z e r e s , é o q u e s e d e v e p r e f e r i r.
DOLMANCÉ - Suplico-lhe, senhora, que seja rápida nas suas demonstrações, ou não me será possível
a g u e n t a r, f a r e i a d e s c a r g a m a u g r a d o m e u , e o m e u b e l o m e m b r o r e d u z i d o a n a d a , d e n a d a s e r v i r á n e s t a s
lições.
EUGÊNIA - Como é possível que fique reduzido a nada ao perder o esperma? Estou louca para ver essa
t r a n s f o r m a ç ã o , s e m f a l a r n o p r a z e r q u e t e r e i v e n d o c o r r e r o c e l e s t e l i c o r.
MADAME - Nada disso, Dolmancé, levante-se. Isso deve ser o prêmio do seu trabalho; faça-o por merecê-lo
antes que eu lho entregue.
D O L M A N C É - E s t á b e m , m a s p a r a m e l h o r c o n v e n c e r E u g ê n i a d e t u d o q u a n t o l h e d i s s e r m o s s o b r e o p r a z e r,
que nconveniente haveria, por exemplo, em que a senhora a masturbasse diante de mim?
MADAME - Nenhum inconveniente, pelo contrário, vou fazê-lo com alegria pois pode até ser útil às nossas
demonstrações. Sente-se neste canapé, querida.
EUGÊNIA - Oh! Que delicioso ninho! Mas para que tantos espelhos?
MADAME – Isso é para que, refletindo as posições em mil sentidos diversos, eles multipliquem ao infinito
os mesmos prazeres aos olhos das pessoas que as observam neste divã. Nenhuma das mais lidas partes dos
dois corpos se esconde, tudo fica em evidência, dir-se-iam grupos diversos que o amor encadeia, quadros
deliciosos que excitam a lubricidade e servem para completá-la.
EUGÊNIA - Que maravilhosa invenção!
MADAME - Dolmancé, você mesmo despirá a vítima do doce sacrifício...
DOLMANCÉ -Nada mais fácil, basta tirar esta gaze para distinguir os mais íntimos e atraentes refolhos.
( D e s p e - a e s e u o l h a r c o n c e n t r a - s e n a s n á d e g a s ) . Vo u v ê - l o e n f i m , o c u d i v i n o e p r e c i o s o q u e t a n t o
ambiciono! Queima-me o desejo. Como é rechonchudo, fresco, brilhante e bem feito! Nunca vi mais belo!
MADAME - Ah, canalha, vê-se de que lado se inclinam seus prazeres e suas preferências!
D O L M A N C É - Po d e r á h a v e r n o m u n d o a l g o c o m p a r á v e l ? O n d e t e r i a o a m o r s e u m a i s d i v i n o a l t a r ? E u g ê n i a ,
que minhas carícias mais doces caiam sobre ele, com todo o arroubo! (Acaricia-o e beija-o com transporte
e efusão).
MADAME - Basta, libertino. Não se esqueça que tenho a primazia, somente depois que eu receber suas
h o m e n a g e n s é q u e l h e d a r e i r e c o m p e n s a . Pa r e c o m e s s e a r d o r p o i s , d o c o n t r á r i o , m e z a n g a r e i .
D O L M A N C É - S a f a d i n h a , n ã o é n e c e s s á r i o t a n t o z e l o ! Po i s b e m , d ê - m e s e u c u q u e l h e r e n d e r e i a s m e s m a s
h o m e n a g e n s . ( A r r a n c a - l h e a t ú n i c a p a r a a c a r i c i a r - l h e a s n á d e g a s ) . Ta m b é m é l i n d o , m e u a n j o , e d e l i c i o s o .
Quero compará-los, admirá-los ao mesmo tempo um junto ao outro, corno Ganimede ao lado de Vênus!
( D i s t r i b u i b e i j o s i n f l a m a d o s ) . Pa r a q u e m e u s o l h o s s e f a r t e m n o e s p e t á c u l o d e t a n t a b e l e z a , q u e r o q u e s e
enlacem e ambas me apresentem essas maravilhosas nádegas que fazem meu enlevo; cus divinos que
adoro!
M A D A M E - Pr o n t o , s e u d e s e j o s e r á s a t i s f e i t o . A q u i no s t e m . ( E n l a ç a d a s , v o l t a m p a ra D o l m a n c é a p a r t e
dileta).
DOLMANCÉ - Impossível presenciar mais belo espetáculo, é justamente com o que sonhava. Quero que se
acariciem reciprocamente as bocetinhas, pois assim os cus se agitarão nas mais lúbricas labaredas
v o l u p t u o s a s ; q u e s e l e v a n t e m e s e a b a i x e m e m c a d ê n c i a , q u e s i g a m a s c o m o ç õ e s d o p r a z e r. Ó g o s t o s u r a ,
assim, assim!
EUGÊNIA - Como isto é gostoso, querida! Como se chama o que estamos praticando?
MADAME - Chama-se masturbação, querida, mas agora examine melhor minha boceta ou vagina, que são os
n o m e s m a i s f a m i l i a r e s d o t e m p l o d e V ê n u s . Vo u e n t r e a b r i r p a r a v o c ê , c o m o a c o r o l a d u m a f l o r, e s s a g r u t a
encantada. Esta elevação é o monte de Vênus, que se veste de pelos aos quinze anos, quando a mulher
c o m e ç a a m e n s t r u a r. E s s a l i n g u e t a a o a l t o c h a m a - s e c l i t ó r i s , q u e e m g r e g o q u e r d i z e r c o l i n a , n e s s e p o n t o
s e c o n c e n t r a a s e n s i b i l i d a d e d a m u l h e r ; é o f o c o , a c h a v e d o c o f r e d o a m o r. A m e n o r c a r í c i a m e
t r a n s p o r t a e m e d á e s p a s m o s d e p r a z e r. Ve j a , t o q u e - m e ! A i ! C o m o s a b e a c a r i c i a r, d i r - s e - i a q u e v o c ê
p a s s o u a v i d a i n t e i r a n e s s a d o c e t a r e f a ! Pa r e u m p o u q u i n h o , n ã o a g u e n t o m a i s , n ã o q u e r o g o z a r j á .
Dolmancé, ajude-me, estou perdendo completamente a cabeça com as carícias dessa menina encantadora.
D O L M A N C É - Pa r a r e t a r d a r o p r a z e r, p a s s e a g o r a v o c ê a t i t i l á - l a e q u e e l a s e j a a p r i m e i r a a g o z a r. A s s i m ,
nessa postura. Esse lindo cu se coloca naturalmente ao alcance da minha mão; enfiarei ao menos um
d e d o . Va m o s , E u g ê n i a , a b a n d o n e - s e , e n t r e g u e - s e i n t e i r a m e n t e , c o m t o d o s o s s e n t i d o s , a o p r a z e r. Q u e
somente ele seja o Deus da sua existência, única divindade à qual uma jovem deve sacrificar tudo. Que
somente o prazer seja sagrado aos seus olhos!
EUGÊNIA - Ó gostosura, 6 delicia, nem posso exprimir o que sinto, nem sei o que digo, o que faço, todos
os meus sentidos estão inebriados!
DOLMANCÉ - Como está gozando! Que descarada gostosa! O ânus se fecha de tal modo que quase me
machuca o dedo! Seria divino enrabá-la neste instante de gozo! (Levanta-se, apresentando o caralho à
entrada do cu).
MADAME - Não, não, ainda um momento de paciência, quero que nos ocupemos somente em educá-la, sem
egoísmo. É tão delicioso ensiná-la, formar semelhante aluna!
DOLMANCÉ - Está vendo, cara Eugênia, depois duma excitação as glândulas seminais se incham, tornam-se
túrgidas e acabam por exalar um licor cujo fluir transporta a mulher ao paraíso. É o que se chama
d e s c a r g a . Q u a n d o n o s s a a m i g a c o n s e n t i r, h e i d e m o s t r a r - l h e q u ã o m a i s i m p e r i o s a e e n é r g i c a é n o h o m e m
essa operação.
MADAME - Espere um pouco, Eugênia, quero lhe mostrar mais um meio de mergulhar a mulher num abismo
d e e x t r e m o g o z o . A b r a b e m a s c o x a s . Ve j a D o l m a n c é , c o l o c o - a d e m a n e i r a q u e o c u s e j a t o d o s e u . B r i n q u e
com ele enquanto eu a lambo bem na bocetinha; ela gozará assim duplamente e várias vezes em seguida.
Que lindo monte de Vênus, que sedosos pelinhos. O clitóris não está ainda completamente formado mas já
é m u i t o s e n s í v e l ; e s t á a g i t a d o c o m o u m p e i x e n ' á g u a ! Ve n h a , q u e r o q u e a b r a a s p e r n a s , a s s i m ; v ê - s e b e m
que é virgem. Diga-me o que sente quando, ao mesmo tempo, minha língua entrar na sua boceta e a de
Dolmancé no seu Cu, cumulando ao mesmo tempo essas duas aberturas. (Executam o que dizem).
EUGÊNIA, gemendo de prazer - Ai, queridos, delícia inefável, inexprimível. Nunca poderia dizer qual das
duas línguas é mais gostosa, ou qual delas me mergulha em maior delírio.
D O L M A N C É - N e s t a p o s i ç ã o t e n h o o m e m b r o j u n t o à m ã o d e m a d a m e . Pe ç o - l h e e n c a r e c i d a m e n t e , s e n h o r a ,
q u e o a c a r i c i e e n q u a n t o e u s u g o e s s e c u s a b o r o s o , c o m o o c o l i b r i o u a a b e l h a s u g a m u m a f l o r. E n f i e s u a
língua mais ainda, que ela penetre além do clitóris, até à matriz, é o melhor meio de provocar completa
descarga, ela ficará toda orvalhada...
E U G Ê N I A , g o z a n d o - N ã o p o s s o m a i s , v o u m o r r e r, n ã o m e a b a n d o n e m , d e s f a l e ç o ! . . . ( Te m o e s p a s m o
supremo entre ambos os sugadores).
EUGÊNIA - Morro! Não posso mais, não aguento! Ai, ai!... Não entendi duas palavras que acabo de ouvir
p e l a p r i m e i r a v e z . E m p r i m e i r o l u g a r, o q u e é " m a t r i z " ?
MADAME - É uma espécie de vaso em forma de garrafa, cujo gargalo abarca o membro do homem e recebe
o líquido produzido pelas glândulas da mulher e a porra do homem. Logo lhe demonstraremos como se
produz; da mistura desses licores nasce o gérmen que dá origem às crianças, de ambos os sexos.
EUGÊNIA - Ah, essa definição explica-me ao mesmo tempo o que quer dizer "porra", que eu não tinha
compreendido. A união dessas duas sementes é necessária para a formação do feto, não é?
MADAME - Certamente, embora já se tenha afirmado que o feto deva sua existência tão somente ao
esperma do homem. Acho, porém, que ejaculado só, sem o licor feminino, não seria suficiente para a
c o n c e p ç ã o . N o s s o l i c o r n ã o f a z s e n ã o e l a b o r a r, n ã o c r i a n a d a , a j u d a a c r i a ç ã o s e m s e r s u a c a u s a . M u i t o s
naturalistas modernos pretendem que o líquido da mulher é inútil, daí, os moralistas concluem que a
criança, sendo formada só pelo esperma do pai, só pelo pai sente ternura. Essa afirmação parece
v e r d a d e i r a e , e m b o r a e u s e j a m u l h e r, n ã o a c o n t e s t o n e m a c o m b a t o .
EUGÊNIA - Sinto no meu coração a prova do que foi exposto. Amo meu pai com loucura e sinto que detesto
minha mãe.
DOLMANCÉ - Essa predileção não me admira: penso do mesmo modo. Ainda não me consolei da morte do
meu pai e, quando perdi minha mãe, fiquei alegre; detestava-a cordialmente. Adote sem temor esses
mesmos sentimentos que são naturais. Formados unicamente do sangue de nossos pais, nada devemos às
nossas mães, elas apenas se prestaram ao ato de amor enquanto que nossos pais o solicitaram. O pai quis
que nascessemos, enquanto a mãe apenas consentiu nisto. Quanta diferença entre esses dois sentimentos!
M A D A M E - Vo c ê e n t ã o , E u g ê n i a , t e m m i l r a z õ e s a s e u f a v o r. S e h á n o m u n d o m ã e q u e d e v a s e r d e t e s t a d a é
a sua. Geniosa, supersticiosa, beata, ralhadora e dum fingimento revoltante! Aposto que essa idiota
n u n c a d e u u m m a u p a s s o n a v i d a . A h , q u e r i d a , q u a n t o a b o m i n o a s t a i s m u l h e r e s v i r t u o s a s ! Vo l t a r e i d e p o i s
ao assunto.
DOLMANCÉ - Não acha que agora Eugênia, dirigida por mim, deve retribuir-lhe a gentileza e
masturbá-la enquanto eu fico a contemplá-las?
MADAME - Consinto, creio mesmo que seja necessário. Enquanto isso, aposto que você também desejará
ver minha bunda.
DOLMANCÉ - Não duvide um instante, senhora, do prazer com que lhe renderei as mais efusivas
homenagens.
MADAME, apresentando-lhe o traseiro - Que tal me acha assim?
DOLMANCÉ - Maravilha! Desse modo lhe poderei prestar os mesmos serviços que tanto agradaram a
Eugênia. Coloque agora, louquinha, a cabeça bem entre as pernas de sua amiga, e devolva-lhe com a
l í n g u a o s m e s m o s p r a z e r e s q u e e l a l h e p r o p o r c i o n o u . A s s i m ! Ve j o a g o r a q u e n e s t a p o s i ç ã o p o s s o g o z a r a o
mesmo tempo dos dois cus, agarrando e apalpando deliciosamente o de Eugênia e chupando o da linda
amiga. Assim, muito bem. Que harmonioso grupo, o nosso!
MADAME, gozando - Creio que vou morrer de delícias... que gostosura ter o espasmo enquanto agarro uma
pica como a sua! Queria ser inundada de esperma!... Bata punheta, chupe, mais, assim... esporre... Adoro
sentir-me puta quando me vejo regada pelo seu esperma. Ai, não posso mais, já acabei; ambos encheram-
me as medidas, creio que jamais na vida tenha gozado tanto.
EUGÊNIA - Felicito-me de ter sido causa desse gozo extraordinário. Ainda uma palavra me escapou e não
quero perder nada: que quer dizer "puta"? Desculpem-me a pergunta, mas cá estou para me instruir
inteiramente.
MADAME - Chama-se assim, querida, toda a mulher que é vítima da volúpia dos homens, que está sempre
pronta para se entregar às exigências do temperamento ou do interesse. Felizes e respeitáveis criaturas
que a opinião condena mas que a volúpia coroa., São muito mais úteis à sociedade do que as hipócritas;
t ê m a c o r a g e m d e s a c r i f i c a r, p a r a s e r v i - I a , a c o n s i d e r a ç ã o q u e e s s a m e s m a s o c i e d a d e t ã o i n j u s t a m e n t e
lhes nega. Vivam as putas que honram esse título a nossos olhos! São as mulheres verdadeiramente
amáveis, as únicas verdadeiras filósofas! Quando a mim, que há doze anos trabalho para merecer esse
t í t u l o , l o n g e d e m e e s c a n d a l i z a r, d e l e m e o r g u l h o . Pr e c i s o q u e a s s i m m e c h a m e m q u a n d o m e f o d e m , p a r a
que meu prazer atinja o auge.
E U G Ê N I A - C o m p r e e n d o , q u e r i d a . Ta m b é m e u , e m b o r a l o n g e d e m e r e c e r t a l t í t u l o , n ã o f i c a r i a z a n g a d a s e o
portasse. Não crê, porém, que a virtude nos proíbe de assim nos comportarmos? Não a ofendemos com
todos os atos que aqui temos praticado?
D O L M A N C É - Re n u n c i e d e v e z à v i r t u d e , E u g ê n i a ! H a v e r á ja m a i s u m s ó s a c r i f í c io i m p o s to po r e s s a f a l s a
divindade que valha um minuto dos prazeres fruídos quando a ultrajamos? A virtude é uma quimera cujo
culto consiste em perpétuas imolações e sacrifícios, em revoltas sem número contra tudo quanto o nosso
temperamento exige. Como poderiam ser naturais semelhantes impulsos? Como poderia a natureza
aconselhar que agíssemos contra todas as suas regras? Eugênia, nunca. seja vítima dessas mulheres que se
d i z e m v i r t u o s a s . Ta l v e z e l a s n ã o s i r v a m à s m e s m a s p a i x õ e s q u e n ó s , s e r v e m , p o r é m , a p a i x õ e s m a i s
desprezíveis e mais baixas; a ambição, o orgulho, os interesses particulares e mais frequentemente um
t e m p e r a m e n t o g l a c i a l q u e n a d a e x i g e . Pa r a q u e , p o i s , c o p i a r m o s s e m e l h a n t e c r i a t u r a s ? Po r q u e r a z ã o h á
de ser mais honesto fazer sacrifícios no altar do egoísmo do que no altar da paixão? Elas obedecem
apenas, cegamente, o amor de si próprias... Creio, pois, que entre essas duas paixões uma não pode ser
inferior a outra, escutemos a voz da natureza que tem sempre razão, é a única. que vem do fundo do
n o s s o s e r, e n q u a n t o a o u t r a é b o b a g e m e p r e c o n c e i t o . U m a s ó g o t a d e p o r r a q u e m i n h a p i c a e j a c u l a ,
Eugênia, é mais preciosa para mim do que os atos mais sublimes duma
v i r t u d e q u e e u d e s p r e z o . ( Po u c o a p o u c o n o s s o s p e r s o n a g e n s s e a c a l m a m , a s m u l h e r e s v e s t e m n o v a m e n t e
as túnicas e deitam-se no canapé, enquanto Dolmancé senta-se numa poltrona).
EUGÊNIA - Há, porém, virtudes de várias espécies. Que me dizem, por exemplo, da piedade?
DOLMANCÉ - Ora, pequena, que significa essa virtude para quem não tem religião? E quem pode crer em
r e l i g i ã o? Re f l it a u m po u c o: n ã o s e c h a m a r e l i g i ã o o pa c to q u e l i ga o h o m e m ao s e u c r i a do r e q u e o
s o l i c i t a a l h e t e s t e m u n h a r, p o r u m c u l t o , o r e c o n h e c i m e n t o q u e t e m p e l a e x i s t ê n c i a r e c e b i d a d e s s e
sublime autor de seus dias?
EUGÊNIA - Não pode haver melhor definição.
D O L M A N C É - Po i s b e m . D e s d e q u e d e m o n s t r e m o s q u e o h o m e m s ó d e v e s u a e x i s t ê n c i a a o s c a p r i c h o s
irresistíveis da natureza, tão antigos sobre o globo como o próprio globo, o homem é, como o leão, o
carvalho, os minerais que se acham nas entranhas da terra, uma produção indispensável à existência
desse globo e não deve sua existência a ninguém mais. Desde que demostrem que esse Deus que os
imbecis olham como autor e produtor de tudo quanto vemos, não passa do "nec plus ultra" da razão
humana, não passa dum fantasma criado no momento em que a razão sossobra; se demonstrarmos que a
existência desse Deus é impossível, que a natureza sempre agindo, sempre em movimento, tira de si
própria o que os idiotas lhe querem dar gratuitamente; se é certo que, supondo que esse ser exista, seria
o mais ridículo de todos, pois que teria servido apenas um dia e estaria em desprezível inatividade há
milhares de séculos; supondo que existisse, como as religiões no-lo descrevem, seria o mais detestável de
t o d o s o s s e r e s , p o i s p e r m i t i r i a s o b r e a t e r r a t o d o o m a l q u e e s t á n a s s u a s m ã o s t o d o - p o d e r o s a s i m p e d i r.
Se tudo isso fosse provado, como incontestavelmente o é, crê então, Eugênia, que a piedade que liga o
homem a esse Criador imbecil, insuficiente, feroz e desprezível, fosse virtude necessária?
EUGÊNIA a Madame - Então, querida amiga, também acha que a existência de Deus é quimera?
MADAME - E das mais desprezíveis, sem dúvida.
DOLMANCÉ - Só os imbecis podem crer nessas balelas. Deus é ora criado pelo medo, ora pela fraqueza.
Fantasma abominável, inútil ao sistema terrestre. Só poderia ser nocivo à vida: se a sua vontade fosse
justa, nunca se poderia estar de acordo com as injustiças essenciais às leis da natureza. Deus deveria
desejar somente o bem e a natureza só o deseja apenas como compensação do mal que está ao serviço das
suas leis. Deus deveria agir continuamente e a natureza, cuja ação constante é lei fundamental, não
poderia concorrer com ele em perpétua oposição. Dirão talvez: Deus e a natureza são a mesmo coisa. Que
absurdo! Como pode a coisa criada ser igual à criadora? Como pode um relógio ser igual ao relojoeiro?
Dirão ainda: a natureza não é nada e Deus é tudo. Outro absurdo: como negar que há necessariamente
duas coisas no universo, o agente criador e o indivíduo criado? Ora, qual o agente criador? Eis a única
d i f i c u l d a d e a r e s o l v e r, a ú n i c a p e r g u n t a à q u a l é n e c e s s á r i o r e s p o n d e r. S e a m a t é r i a a g e , m o v e - s e p o r
combinações que desconhecemos, se o movimento é inerente à natureza, se só ela pode, enfim, em razão
d e s u a e n e r g i a , c r i a r, p r o d u z i r, c o n s e r v a r, m a n t e r, m o v e r n a s p l a n í c i e s i m e n s a s d o e s p a ç o t o d o s o s
planetas cuja órbita uniforme nos surpreende, nos enche de respeito e admiração. Qual a necessidade de
procurar um agente estranho a tudo isso, se essa faculdade ativa somente se encontra na própria natureza
que não é outra coisa senão a matéria que age? A quimera desta virá esclarecer o mistério? Desafio que
a l g u é m m e p o s s a p r o v a r. S u p o n d o q u e e u m e e n g a n e s o b r e a s f a c u l d a d e s i n t e r n a s d a m a t é r i a , p e l o m e n o s
só terei uma dificuldade. Que farei eu com o Deus que me oferecem? É apenas uma dificuldade a mais.
Como querem que eu admita, para explicar o que não compreendo, uma coisa que compreendo ainda
m e n o s ? Po r m e i o d o s d o g m a s d a r e l i g i ã o c r i s t ã , c o m o p o s s o e x a m i n a r, c o m o p o s s o r e p r e s e n t a r v o s s o
horrível Deus? Ve j a m o s como essa religião nô-lo descreve... O Deus desse culto infame deve ser
inconsequente e bárbaro: cria hoje um mundo de cuja
construção se arrepende amanhã. É tão fraco que jamais consegue imprimir no homem o cunho que
deseja. O homem, dele emanado, domina-o, pode ofendê-lo e por isso merecer eternos suplícios. Que
Deus fraco! Como pôde criar tudo quanto vemos, se não conseguiu criar o homem à sua imagem! Dirão
talvez: se ele tivesse criado o homem perfeito, o homem não teria mérito. Que chatice! Que necessidade
tem o homem de merecer alguma coisa de seu Deus? Se ele o tivesse criado perfeito, o homem nunca
poderia praticar o mal e só então essa obra teria sido digna dum Deus. Deixar ao homem a escolha é
tentá-lo. Deus, na sua infinita paciência, sabia o resultado disso; em conseqüência, foi de propósito que
ele perdeu a criatura por ele mesmo formada. Que Deus horrível esse, que monstro! Que celerado, digno
do nosso ódio, da nossa implacável vingança! E não contente com o que fez, ainda para convertê-lo,
condena-o ao batismo, maldizendo-o, queimando-o no fogo eterno... Mas nada disso modifica o homem.
U m s e r m a i s p o d e r o s o d o q u e D e u s , o D i a b o , c o n s e r v a r á s e m p r e s e u i m p é r i o , d e s a f i a o C r i a d o r, e
consegue, por suas seduções, debochar o rebanho que o Eterno tinha reservado para si mesmo. Nada
vencerá jamais o poder do demônio sobre o homem. Então o Deus horrível, louvado pelos idiotas, imagina
coisa mais horrível ainda: tem um filho, um único filho que lhe nasceu não sabemos como, pois o homem
fode e quis que Deus também fodesse ilegalmente e separasse do céu essa parte de si mesmo. Imagina-se
talvez que essa descida do céu se fizesse num raio celeste entre um cortejo de anjos, à vista do Universo
inteiro... Nada disso: foi no seio duma puta judia, e numa pocilga, que o Deus redentor dos homens
apareceu entre eles! Sua honrosa missão será melhor que o lugar em que nasceu? Sigamos um instante
esse personagem. Que diz que faz? Que missão sublime dele recebemos? Que mistério nos revela? Que
dogma nos prescreve? Em que atos transparece sua grandeza? Infância ignorada, serviços certamente
libertinos prestados pelo moleque aos padres do templo de Jerusalém. Em seguida, desaparece durante
quinze anos, aproveitados para se envenenar com todas as demências da escola do Egito, que ele
transporta para a Judéia. Assim que reaparece, a loucura começa a se manifestar: declara-se filho de
Deus, igual a seu pai, associa a essa aliança um outro fantasma que chama de Espírito Santo, e essas três
pessoas, assegura ele, formaram um só Deus verdadeiro. Quanto mais esse mistério assusta a razão, tanto
mais ele assegura que há mérito em adotá-lo, perigo em repudiá-lo! Foi por todos nós, afirma o imbecil,
q u e e l e s e e n c a m o u , e m b o r a s e n d o D e u s , n o s e i o d u m a m u l h e r. O u n i v e r s o s e c o n v e n c e r á d i s s o , à v i s t a d o s
i n c r í v e i s m i l a g r e s q u e v a i r e a l i z a r. N u m j a n t a r d e b ê b a d o s , d i z e m q u e o s a f a d o m u d o u a á g u a e m v i n h o ;
no deserto alimentou alguns celerados com provisões escondidas pelos seus secretários; um dos seus
camaradas finge que morreu para que ele o ressuscite; transportou-se a uma montanha onde, diante de
dois ou três apenas de seus partidários, faz umas mágicas das quais se envergonharia hoje um péssimo
p r e s t i d i g i t a d o r. A m a l d i ç o a n d o c o m f u r o r t o d o s o s q u e n ã o a c r e d i t a m n e l e , o s a f a d o p r o m e t e o c é u a t o d o s
os idiotas que lhe prestam ouvidos. Nada escreve, pois é ignorante; fala pouco, pois é burro; age ainda
menos, pois é fraco. Cansa os magistrados que se impacientam ao ouvir seus discursos sediosos, embora
espaçados. O charlatão acaba morrendo numa cruz depois de ter assegurado aos vilões que o seguem que,
cada vez que for invocado, descerá de novo entre eles. Deixa-se suplicar sem que seu pai, o Deus sublime
d o q u a l a f i r m a d e s c e n d e r, l h e d ê o m e n o r s o c o r r o ; é t r a t a d o c o m o o ú l t i m o d e t o d o s o s c e l e r a d o s d o q u a l
era realmente digno de ser o chefe. Seus satélites reúnem-se: "Estamos perdidos, dizem, e nossas
esperanças malogradas, se não conseguirmos salvá-lo de maneira brilhante. Embriaguemos os guardas que
lhe cercam o túmulo, roubemos-lhe o corpo, publiquemos que ressuscitou; é um meio seguro. Assim
conseguiremos que acreditem nessa farsa, nossa religião ficará apoiada, será propagada no mundo
inteiro... trabalhemos!..." A farsa se propala; a ousadia e a tenacidade tomam o lugar do verdadeiro
mérito; o corpo é roubado, os bobos, as mulheres, as crianças gritam que é um milagre, mas na própria
cidade onde tão grandes maravilhas se operam, na cidade regada pelo sangue dum Deus, ninguém crê
nesse Deus, ninguém se converte. Mais ainda: o fato é tão pouco digno de nota que nenhum historiador a
e l e s e r e f e r e . T ã o s o m e n t e o s d i s c í p u l o s , o s c u m p l i c e s d e s s e i m p o s t o r, p e n s a m e m t i r a r p a r t i d o d a f r a u d e ,
mas não imediatamente. Essa consideração é essencial. Deixam correr vários anos a fim de melhor usar o
insigne disfarce; só então erigem sobre ele o edifício combalido de tão nojenta doutrina. Os homens
gostam de qualquer mudança. Cansados do despotismo dos imperadores, estavam loucos por uma
revolução. Ouvem os hipócritas e o progresso dos discípulos é rápido: eis a história dos maiores erros
deste mundo. Os altares de Vênus e de Marte transformam-se nos de Jesus e Maria, publica-se a vida do
impostor; esse romance absurdo encontra crédulos; inventam que o Cristo disse mil coisas que nem sequer
pensou. Algumas dessas imbecilidades formam a base da sua moral. Como a maior parte dos adeptos
fossem pobres, a caridade tomou-se a primeira das virtudes. Instituíram-se ritos bizarros sob o nome de
"sacramentos". O mais digno e criminoso de todos é o seguinte: um padre coberto de crimes, em virtude
dumas palavras magicas, tem o poder de criar um Deus dentro do pão! Não duvide: esse culto, desde o seu
a l b o r, t e r i a s i d o d e s t r u í d o i n e x o r a v e l m e n t e s e o p o v o t i v e s s e e m p r e g a d o c o n t r a e l e o d e s p r e z o , ú n i c a
arma que merecia; mas uns imbecis o perseguiram, intensificando-o por esse meio infalível. Mesmo hoje,
s e o c o b r í s s e m o s d e r i d í c u l o e l e c a i r i a . Vo l t a i r e , o p e r s p i c a z , n u n c a e m p r e g o u o u t r o m é t o d o ; é d e t o d o s
os escritores o que se pode gabar de ter obtido maior número de prosélitos. Em uma palavra, Eugênia, tal
é a h i s t ó r i a d e D e u s e d a s u a r e l i g i ã o . S ã o f á b u l a s q u e n ã o m e r e c e m c r é d i t o : v e j a c o m o p r e t e n d e a g i r.
EUGÊNIA - A escolha não é difícil;. Desprezo essas nojentas fantasias; o próprio Deus, ao qual somente me
l i g a v a m a f r a q u e z a e a i g n o r â n c i a , n ã o é p a r a m i m s e n ã o o b j e t o d e h o r r o r.
MADAME - Jure-me então nunca mais pensar nele, não mais o invocarem momento algum de sua vida, e
nunca voltar para ele.
E U G É N I A , l a n ç a n d o - s e n o s b r a ç o s d a a m i g a - É n o s s e u s b r a ç o s q u e f a ç o s o l e n e j u r a m e n t o . Ve j o q u e é p a r a
m e u b e m q u e v o c ê e x i g e i s s o , n ã o q u e r q u e t r i s t e s r e m i n i s c ê n c i a s v e n h a m p e r t u r b a r m e u p r a z e r, m i n h a
tranqüilidade.
MADAME - Que outro motivo poderia eu ter?
EUGÉNIA - Ainda uma última pergunta a Dolmancé. Foi a análise das virtudes que nos conduziu à analise
da religião; não haveria nessa religião, por mais ridícula que ela seja, algumas virtudes que pudessem
contribuir para nossa felicidade?
D O L M A N C É - Va m o s e x a m i n a r. S e r i a p o r a c a s o a c a s t i d a d e ? Vo c ê é d e u m a t a l b e l e z a q u e p a r e c e a i m a g e m
da castidade, mas ao vê-Ia ninguém mais desejaria ser casto! Acha digna de veneração a idéia de
combater os mais naturais impulsos, sacrificando-os à honra ridícula e vã de não ter tido jamais uma
fraqueza? Seja justa, linda, amiga: alguém poderia achar nessa absurda e perigosa pureza d'alma todos os
prazeres do vício que lhes é oposto?
EUGÊNIA - Não, confesso. A castidade não me seduz; as minhas inclinações lhe são contrárias. Mas a
caridade e a beneficência, não poderiam infundir paz e alegria às almas sensíveis?
DOLMANCÉ - Longe de nós, Eugênia, as virtudes que provocam a ingratidão! Nunca se engane, cara amiga.
A beneficência é antes orgulho do que virtude. Só movido pelo prazer o homem auxilia a seus
semelhantes, nunca ele tem o desejo de fazer a boa ação e ficaria danado se essa ação não tivesse toda a
publicidade; ele só faz o bem para que os outros o saibam. Nem creia que essa boa ação terá bons
efeitos; a caridade é a maior das hipocrisias, acostuma o pobre a um socorro que lhe mata a energia; não
trabalha mais, à espera da esmola, e quando esta lhe falta, toma-se ladrão ou assassino. Ouço de todos os
lados pedidos para que se suprimam a mendicância, entretanto, continuam fazendo todo o possível para
que ela se alastre. Se não quiser atrair moscas, não espalhe mel. Quer suprimir de verdade os pobres da
França? Que nunca mais ninguém dê esmolas e sejam fechados todos os asilos de caridade. O indivíduo
nascido na pobreza, vendo-se privado desses perigosos recursos, encher-se-à de coragem e empregará
todos os meios que recebeu da natureza para sair do estado em que nasceu. Não mais importunará os
ricos. É preciso destruir sem piedade todas essas abomináveis casas onde se têm a audácia de esconder os
frutos da libertinagem do pobre; cloacas horrendas que vomitam diariamente no seio da sociedade um
n o j e n t o e n x a m e d e n o v a s c r i a t u r a s á v i d a s d e n o s s a b o l s a . Pa r a q u e c o n s e r v a r c u i d a d o s a m e n t e e s s e
r e b o t al h o ? Re c e i a m po r a ca s o o d e s p o v o a m e n to d a F r a n ç a? Re c e io i d i ot a ! U m d o s m a io r e s v í c io s d o
governo é consentir numa população demasiadamente numerosa. O supérfluo não dá lucro algum ao
Estado. Esses seres extranumerários são como ramos parasitas que vivem à custa do troco e acabam por
e x t e n u á - l o . To d a s a s v e z e s q u e , e m q u a l q u e r p a í s , a p o p u l a ç ã o f o r s u p e r i o r a o s m e i o s d e s u b s i s t ê n c i a ,
esse país perecerá. Examinemos bem a França: o resultado é o que se vê. O chinês, sabiamente, impede
que a população cresça; nada de asilos para os frutos vergonhosos do deboche, da devassidão; esses
frutos são abandonados como o vômito duma indigestão. Nesse país nunca houve asilos para mendigos;
todos trabalham, todos são felizes, nada altera a energia do pobre e cada um ali pode dizer como Nero:
"Quid est pauper?"
EUGÊNIA a Madame - Cara amiga, meu pai pensa exatamente como este senhor e nunca praticou na vida
uma só "boa obra". Ralha sempre com minha mãe, que se abandona a essas práticas, pertencendo a todas
as associações filantrópicas e maternais. Meu pai forçou-a a deixar tudo isso, afirmando que lhe reduziria
a pensão mensal se ela insistisse em tais asneiras ou nelas recaísse.
MADAME - Nada mais ridículo e ao mesmo tempo mais perigoso do que tais associações. A elas, às escolas
g r a t u i t a s e à s c a s a s d e c a r i d a d e d e v e m o s a c a t á s t r o f e n a q u a l n o s e n c o n t r a m o s . Pe ç o - l h e q u e j a m a i s d ê
uma esmola, querida.
EUGÊNIA - Não tenha receio, já o prometi há muito tempo a meu pai. A caridade tenta-me pouco e não o
desobedecerei, seguindo facilmente seus desejos e meu coração.
DOLMANCÉ - Não dividamos a porção de sensibilidade que recebemos da natureza; dividi-la é diminuí-Ia.
Que me podem importar as desgraças alheias? Não me bastarão as minhas para que me sobrecarregue com
as de estranhos? Que nossa sensibilidade fique toda reservada aos prazeres! Sejamos sensíveis tão
somente ao que fala aos nossos sentidos, à nossa volúpia; esqueçamos o resto inflexivelmente. Desse
estado resulta uma espécie de crueldade que tem suas delícias. Nem sempre é possível fazer o mal,
e n t r e t a n t o . P r i v a d o s d e s s e p r a z e r, t e n h a m o s a o m e n o s a s e n s a ç ã o a g r a d á v e l e p i c a n t e d e n u n c a f a z e r o
bem!
EUGÊNIA - Suas lições extasiam. Creio que preferiria morrer a praticar uma boa ação.
MADAME - E se uma ação má se apresentasse, estaria pronta a praticá-la?
EUGÊNIA - Cale-se, sedutora amiga... Só responderei quando estiver completamente instruída.
Re c a p i t ul a n d o : D ol m a n c é e x p l i co u q u e n a d a t e m i m p o rt â n c i a n a t e r r a , n e m b e m n e m o m a l ; d e v e m o s t ão
somente escutar nossos desejos, nossos gostos e seguir nosso temperamento. Não é assim?
DOLMANCÉ - Não duvide, Eugênia, as palavras vício e virtude são idéias puramente locais. Não há ação,
p o r m a i s s i n g u l a r q u e p a r e ç a , q u e s e j a v e r d a d e i r a m e n t e c r i m i n o s a , n e n h u m a r e a l i d a d e v i r t u o s a . Tu d o e s t á
na razão de nossos costumes e do clima em que vivemos. O que aqui se chama crime será virtude mais
além; as virtudes dum outro hemisfério podem ser crimes aqui. Não há horror que não possa ser
divinizado, nem virtude que não possa ser impugnada. Dessas diferenças puramente geográficas nasce o
pouco caso que devemos fazer da estima ou do desprezo dos homens, sentimentos ridículos e frívolos
a c i m a d o s q u a i s n o s d e v e m o s c o l o c a r. Pr e f i r a m o s s e m t e m o r o d e s p r e z o d o s h o m e n s , s o b r e t u d o q u a n d o f o r
m o t i v a d o p o r a q u i l o q u e n o s e n c h e d e v o l ú p i a o u p r a z e r.
EUGÊNIA - Mas não haverá ação bastante perigosa, suficiente malvada em si própria, que possa ser
considerada criminosa e punida no universo inteiro?
MADAME - Nenhuma, querida, nem mesmo o roubo, o incesto, o assassínio, o parricídio.
EUGÊNIA - Como? Há na terra algum lugar onde se possa desculpar esses crimes?
D O L M A N C É - Tu d o i s s o j á f o i h o n r a d o , d e c a n t a d o , c o r o a d o , c o n s i d e r a d o e x c e l e n t e , e n q u a n t o e m o u t r o s
lugares a humanidade, a candura, a beneficência, a castidade, todas as virtudes enfim, foram
consideradas monstruosas.
E U G Ê N I A - E x p l i q u e - m e m e l h o r, n ã o e n t e n d o b e m . E x i j o u m a c u r t a a n á l i s e d e c a d a u m d e s s e s c r i m e s .
Comece por me dizer algo sobre a libertinagem das moças e em seguida sobre o adultério das mulheres
casadas.
MADAME - Ouça-me, Eugênia. É absurdo dizer que, mal uma moça sai do seio da mãe, deve se tomar vítima
da vontade dos pais e assim permanecer até o último suspiro. Não é num século em que a extensão dos
direitos do homem é cuidadosamente ampliada que as moças devem continuar na escravidão da família,
pois o poder da família é uma quimera. Ouçamos a voz da natureza sobre coisa tão interessante; que os
animais (que dela muito mais se aproximam) nos sirvam de exemplo. Neles, os deveres paternos não vão
além das primeiras necessidades físicas. Assim que podem andar e comer sozinhos gozam de toda a
liberdade, de todos os direitos e não mais reconhecem os autores dos seus dias nem o débito para quem
o s p ô s n o m u n d o . Po r q u e e n t ã o , a r a ç a h u m a n a d e v e p e r m a n e c e r a c o r r e n t a d a a o u t r o s d e v e r e s , f u n d a d o s
t ã o s o m e n t e n a a v a r e z a e a m b i ç ã o d o s p a i s ? Po r q u e u m a m o ç a q u e c o m e ç a a r e f l e t i r e a s e n t i r t e m q u e
ser dominada pelo freio paterno? Não foi apenas um preconceito imbecil que criou tais cadeias? Haverá
coisa mais ridícula do que uma menina de quinze ou dezesseis anos, consumida por desejo que é obrigada
a c o n t e r, e s p e r a n d o e m t o r m e n t o s i n ú t e i s , p i o r e s q u e o s d o i n f e r n o , q u e s e u s p a i s c o n s i n t a m , d e p o i s d e
lhe ter estragado a mocidade, em associá-la a um marido que não é do seu gosto, que ela não pode amar
pois nada tem de amável, que tudo tem para ser odiado e para importunar e desmanchar todos os prazeres
d a s u a i d a d e m a d u r a ? N ã o , t a i s l a ç o s n ã o p o d e m d u r a r, é n e c e s s á r i o l i b e r t a r a m o ç a d a c a s a p a t e r n a d e s d e
a idade da razão. A educação devia ser dada pelo governo e aos quinze anos todas as mulheres deviam ser
senhoras do seu nariz e do seu destino, livres para cair até mesmo no vício. Os serviços que a mulher
p o d e p r e s t a r, c o n s e n t i n d o e m f a z e r a f e l i c i d a d e d e t o d o s q u a n t o s s e d i r i j a m a e l a , s ã o i n f i n i t a m e n t e m a i s
importantes dos que ela pode prestar isolando-se e servindo apenas a um marido. O destino das mulheres
é o da loba, o da cadela, deve pertencer a todos quantos a desejem. Encadeá-las no laço absurdo de um
himeneu solitário é ir contra a destinação que a natureza lhes impõe. Esperamos que um dia os olhos se
abram, que a liberdade de todos os indivíduos seja assegurada sem esquecer a das pobres moças. Se elas
forem esquecidas, que ao menos não sejam idiotas; coloquem-se acima dos preconceitos, dos usos e
costumes; que calquem aos pés os grilhões, triunfando ao hábito e à opinião. O homem se tornará mais
ajuizado por que será mais livre, sentirá a injustiça de desprezar as mulheres que assim agissem, cedendo
aos impulsos sagrados da natureza só julgados criminosos entre os povos cativos e jamais entre os livres.
Pa r t a , p o i s , d a l e g it i m i d a d e d e s s e s p r i n c í p i o s , E u g ê n i a , q u e b r e a s a l g e m a s a t o do e q u a l q u e r c u s t o ,
despreze os conselhos vãos de uma mãe imbecil, à qual só deve votar desprezo e ódio. Se seu pai, como
bom libertino, quiser gozá-la, consinta, mas sem se tornar sua escrava; revolte-se contra o jugo se ele
q u i s e r a s s e n h o r e á - l a ; m u i t a s f i l h a s a s s i m p r o c e d e m . Vo c ê s ó e s t á n e s t e m u n d o p a r a g o z a r, o ú n i c o l i m i t e
ao prazer deve ser o limite da sua força, da sua resistência física, da sua vontade. Não faça exceção
alguma quanto a tempo, lugar ou pessoa, todas as horas são propícias, todos os locais, todos os homens
podem servir de instrumentos à
sua volúpia. A continência é a mais impossível virtude, é contra a natureza, e esta, violada nos seus
direitos, castiga-nos logo de mil modos, por mil desgraças. Enquanto as leis forem imbecis como as de
hoje, temos que usar de certos véus, constrangidos pela opinião pública, mas vinguemo-nos em silêncio da
c r u e l c a s t i d a d e q u e s o m o s f o r ç a d o s a f i n g i r e m p ú b l i c o . To d a s a s m o ç a s d e v e m p r o c u r a r u m a a m i g a l i v r e
que frequente a sociedade e lhe faça secretamente experimentar todos os prazeres do amor; se isso for
impossível, que ela trate de seduzir os Argus que a cercam, pedindo-lhes que a prostituam, nem que seja
p r e c i s o p a g a r - l h e s c o m o d i n h e i r o q u e e l a v a i r e c e b e r. H á t a m b é m c e r t a s m u l h e r e s q u e s e c h a m a m
"alcoviteiras" e que lhes podem prestar os mesmos serviços. Que enganem toda a família, irmãos, primos,
p a r e n t e s , s e f o r n e c e s s á r i o , q u e d u r m a c o m t o d o s a q u e l e s q u e p o s s a m e s c o n d e r s u a c o n d u t a . Pa r a s e
p r o s t i t u i r, q u e f a ç a o s a c r i f í c i o m e s m o d e s e u s g o s t o s e d e s u a s o p i n i õ e s . Á s v e z e s a m o ç a c a i n u m a
intriga que não lhe agrada mas que, mais tarde, a conduzirá aos braços de quem a poderá cumular de
gozo, e ei-la "colocada". Que ela nunca mais volte aos tolos preconceitos da infância: ameaças,
exortações, deveres, virtudes, religião, conselhos, devem ser desdenhados. Que ela repudie e despreze
tudo que a possa ligar de novo aos velhos vínculos, tudo aquilo que não a conduzir diretamente ao seio de
impudicícia e da volúpia. Não há maior extravagância do que as predições dos pais contra os caminhos da
libertinagem; em todas as carreiras há espinhos, mas rosas só desabrocham onde há vício, e nunca
ninguém as colherá nas sendas enlameadas da virtude. O único rochedo a temer na estrada libertina é a
opinião do mundo, mas com pouco de espírito e reflexão quem não se alçará acima da desprezível opinião
pública? Os prazeres que nos proporciona a estima são apenas morais e convém a poucas pessoas, os da
foda agradam a todos, tais são seus atrativos que tornam fácil desprezar a opinião pública, desafiá-la
como fizeram tantas mulheres inteligentes para as quais isso até se torna um incentivo. Eugênia, seu
corpo é a coisa que mais lhe pertence na terra, você tem pleno direito de gozá-lo e de fazer gozar a
q u e m b e m l h e p a r e c e r. A p r o v e i t e o m e l h o r t e m p o d a v i d a , s ã o t ã o c u r t o s o s a n o s f e l i z e s d a j u v e n t u d e !
Quem não os perde, colhe as mais deliciosas recordações, que bastam para preencher e divertir a velhice!
Quem perde a mocidade nunca se consolará; remorso, e pesares inúteis consumir-lhe-ão a velhice, juntar-
s e - ã o a o s a c h a q u e s e o f u n e s t o a p r o x i m a r d o f é r e t r o s e r á p r e c e d i d o d e l á g r i m a s . Te n h a a l o u c u r a d a
imortalidade, cultive-a, Eugênia! É desprezando a opinião dos homens que você permanecerá na
l e m b r a n ç a d e l e s . Q u e m j a m a i s e s q u e c e r á Te o d o r a e M e s s a l i n a , q u e f o r n e c e m a t é h o j e a s s u n t o s p a r a
longas conversas? Como não havemos de preferir um tal partido que nas coroa a vida de flores , àquele
q u e s ó n o s d e i x a a e s p e r a n ç a d o c u l t o d o a l é m - t u m u l o ? Pa r a q u e h a v e m o s d e v e g e t a r e s t u p i d a m e n t e n a
terra, e ser esquecidos ao fechar os olhos?
EUGÊNIA - Ah, querida amiga, esse discurso encantador me inflama e seduz! Nem poderei exprimir o
estado em que me encontro. Quero conhecer algumas dessas mulheres que me poderão ajudar no caminho
da prostituição, sim, querida?
M A D A M E - Po r e n q u a n t o , a t é q u e t e n h a m a i s e x p e r i ê n c i a , e u s o z i n h a m e e n c a r r e g a r e i d e t u do , t o m a n d o
todo o cuidado e precaução para impedir excessos. Meu irmão e este amigo fiel serão os primeiros aos
quais você se entregará, depois encontraremos outros felizardos. Não tema, querida, você passará de
p r a z e r e m p r a z e r, s e r á m e r g u l h a d a n u m m a r d e r o s a s , m e u a n j o , a t é s e f a r t a r !
EUGÊNIA, abraçando-a, querida, adoro-a, você jamais terá discípula mais dócil. Mas você não me disse
que é difícil uma mulher atirar-se à libertinagem e depois casar sem que o marido perceba que ela já
gozou muito?
MADAME -É verdade até certo ponto, mas conheço segredos que fecham todas as brechas. Hei de ensiná-
los e quando quiser se casar estará tão virgem como no dia em que nasceu.
EUGÊNIA - Deliciosa amiga! Continue. Diga-me qual deve ser a conduta da mulher quando se casa?
M A D A M E - Q u a l q u e r q u e s e j a o e s t a d o d u m a m u l h e r, s o l t e i r a , c a s a d a o u v i ú v a , e l a d e v e t e r u m a s ó
preocupação, um só desejo: ser fodida desde manhã até a noite; somente para isso ela está no mundo.
Pa r a cumprir tal missão é preciso esmagar todos os preconceitos da infância: deve desobedecer
formalmente às ordens da família, desprezar os conselhos dos parentes, romper todos os freios e
sobretudo o do casamento. A moça, apenas saída da casa paterna ou do colégio, nada conhece e sem
experiência alguma é obrigada a passar aos braços dum marido que nunca viu, ao qual é obrigada a jurar
o b e d i ê n c i a e f i d e l i d a d e . C o i s a i n j u s t a e a b s u r d a p o i s q u e , n o f u n d o d ' a l m a , j á i m a g i n a b e m q u e v a i f a l t a r,
que deseja faltar ã sua palavra. Não há mais triste sorte; uma vez ligada para sempre, quer o marido lhe
agrade quer não, quer seja temo ou grosseiro, a honra da mulher depende desses juramentos: perde-a se
o s i n f r i n g e e p a r a n ã o a p e r d e r t e m q u e s u p o r t a r o j u g o a t é m o r r e r d e d o r. N ã o , E u g ê n i a , n ã o é p a r a i s s o
que nascemos, não nos devemos submeter a leis absurdas que os homens fizeram. Nem o divórcio
conseguirá melhorar nada, pois quem está certo de achar num segundo vínculo o que não encontrou no
primeiro? V i n g u e m o - n o s e m s e g r e d o s d e s s a s p e i a s a b s u r d a s , c e r t a s d e q u e n o s s o s e x c e s s o s d e a m o r, p o r
m a i o r e s q u e s e j a m , l o n g e d e u l t r a j a r a n a t u r e z a , s ã o a m a i s s i n c e r a h o m e n a g e m q u e l h e p o s s a m p r e s t a r.
Ceder aos desejos lúbricos é obedecer suas leis. O adultério que os homens consideram crime, que ousam
p u n i r a t é m a t a n d o , é u m d i r e i t o q u e n e n h u m d e s s e s t i r a n o s j a m a i s c o n s e g u i r á e v i t a r. O s m a r i d o s a c h a m
h o r r í v e l a c a r i c i a r c o m o f i l h o s o s p r o d u t o s d e o u t r a s l i g a ç õ e s , é a o b j e ç ã o d e Ro u s s e a u ; c o n v e n h o q u e é a
ú n i c a q u e t e m c e r t o f u n d a m e n t o . M a s é p o s s í v e l s e r l i b e r t i n a e n ã o c o n c e b e r, e , s e a i m p r u d ê n c i a d u m a
g r a v i d e z a c o n t e c e r, é t a m b é m p o s s í v e l d e s t r u i r - l h e o s f r u t o s . H e i d e v o l t a r a o a s s u n t o ; a g o r a v a m o s a o
mais profundo da questão. Esse argumento que parece especial não é senão quimérico. Em primeiro lugar:
enquanto a mulher dormir com o marido e sentir-lhe o sêmen dentro da matriz, mesmo que ela tenha
relações com outros dez homens, ninguém poderá provar que o filho não seja do marido. Seja ou não seja,
também colaborou e não deve desprezar uma criatura para cuja existência contribuiu. Se um homem se
considerar infeliz por tão pouco, ele o será mesmo que sua mulher seja uma vestal, pois é absolutamente
i m p o s s í v e l r e s p o n d e r p e l a v i r t u d e d u m a m u l h e r. M e s m o a q u e f o i p u r í s s i m a d u r a n t e d e z a n o s , p o d e m u d a r
num só instante. Se o homem for desconfiado, nunca se julgará realmente pai do filho que está beijando;
e se é sempre desconfiado, que mal pode haverem tomar realidade essa desconfiança? Ele seria tão infeliz
a n t e s c o m o d e p o i s d o f a t o c o n s u m a d o . M e s m o s e e l e b e i j a r o f r u t o d a l i b e r t i n a g e m d e s u a m u l h e r, q u e
mal há nisso? Se os bens são comuns, a criança que goze duma parte deles! Mas, dirão, enganar um marido
é uma falsidade atroz. Não, é apenas fazer justiça, pois foi a mulher a primeira a sofrer os vínculos
f o r ç a d o s q u e n ã o q u e r i a . V i n g a - s e , e i s t u d o . M a s é u m u l t r a j e à h o n r a d o m a r i d o ! Pr e c o n c e i t o ! O s e r r o s
s ã o p e s s o a i s e e m n a d a p o d e m d e s o n r a r o m a r i d o . Pr e c o n c e i t o s d o s é c u l o p a s s a d o . H o j e , o s e r r o s d a
mulher não degradam o marido como os dele não podem degradar a mulher; poderia foder com o mundo
inteiro sem lhe fazer um arranhão. De duas coisas uma: ou o marido é bruto e ciumento ou é homem
sensível. No primeiro caso, o melhor a fazer é vingar-se. No segundo, eu não poderia ofendê-lo e se ele é
honesto e bom ficará contente vendo-me gozar a vida. Um homem delicado goza vendo gozar a mulher que
ama. Mas se o ama, gostará que ele faça o mesmo? Claro! Só uma idiota pode ser ciumenta. A mulher deve
se contentar com o que dá o marido sem exigir mais; senão tornar-se-á logo por ele detestada. Se a
mulher tem juízo nunca se amolará com o deboche do marido. Cada um que faça o que quiser e reinará
p a z n o l a r. R e s u m i n d o : q u a l q u e r q u e s e j a o e f e i t o d o a d u l t é r i o , m e s m o q u e i n t r o d u z a n a c a s a u m f i l h o q u e
não seja do marido, basta que o seja da mulher para ter direito a .uma parte do dote desta. O marido
d e v e c o n s i d e r á - l o c o m o f i l h o d u m c a s a m e n t o p r e c e d e n t e d a m u l h e r. S e e l e o i g n o r a n ã o s o f r e r á , e s e o
adultério não tiver outra consequência, nenhum jurisconsulto o poderá p r o v a r. O adultério é
completamente indiferente para um marido que ignore; perfeitamente bom para a mulher que com ele se
deleitou, e se o marido descobre, o adultério não é um mal, pois não o era antes e não poderia ter
mudado de natureza. O mal é a descoberta e não a coisa em si. Esse mal só provém do marido que o
descobriu, sua mulher não tem nisso culpa alguma. Os que outrora puniam o adultério eram carrascos,
tiranos, invejosos; só pensavam em si mesmos. Bastava alguém os ofender para serem criminosos como se
uma injúria pessoal pudesse jamais ser considerada crime, como se fosse possível chamar crime um ato
que, longe de ultrajar a natureza e a sociedade, só pode ser útil a ambas. Há um caso em que o
a d u l t é r i o , f á c i l d e p r o v a r, t o m a - s e m a i s c a c e t e p a r a a m u l h e r s e m s e r p o r i s s o c r i m i n o s o : é q u a n d o o
marido é impotente ou tem gostos sexuais contrários à reprodução. Como a mulher goza e o marido não,
este fica ainda mais zangado. Mas, que tem ela com isso? A única precaução que deve tomar é não
c o n c e b e r, o u e n t ã o p r o v o c a r a b o r t o . Q u a n d o o m a r i d o t e m g o s t o s a n t i n a t u r a i s e e l a c o m p l a c e n t e m e n t e s e
presta a eles, é mais que justo pagar as complacências da mulher permitindo que se satisfaça com outros,
s e n ã o l h e p o d e d a r p r a z e r. A s i m p l e s r a z ã o d e v e c o n c e d e r - l h e a m p l a l i b e r d a d e . O m a r i d o r e c u s a o u
consente; se consente, como fez o meu, a gente se põe a gozar a vida redobrando para com ele o carinho
e a condescendência aos seus caprichos; se recusa, a gente se envolve discretamente em espessos véus e
fode na sombra com maior gosto ainda! Se o marido é impotente, a gente se separa dele mas sem deixar
d e f o d e r c o m q u e m b e m n o s p a r e c e r, p o i s n ã o n a s c e m o s p a r a o u t r o f i m ; é a l e i d a n a t u r e z a . I r c o n t r a e l a
só seria digno de desprezo. Os vínculos idiotas do casamento não devem impedir a mulher de se entregar
a todos os amores, só a tola recearia a gravidez, o ultraje ao marido, ou a macula (mais vã ainda) à sua
r e p u t a ç ã o . J a m a i s s e d e v e i m o l a r, E u g ê n i a , a o s p r e c o n c e i t o s i m b e c i s , à s d e l í c i a s d a v i d a , à s u p r e m a
v e n t u r a . A m u l h e r t e m q u e f o d e r, d e v e f o d e r i m p u n e m e n t e . A g l ó r i a p a s s a g e i r a d a b o a f a m a e u m a f r í v o l a
esperança religiosa não podem compensá-la do sacrifício da renúncia. Virtude e vício têm o mesmo cheiro
no caixão. Ao cabo de poucos anos, quem se lembra do vício ou da virtude? A desgraça que viveu sem
p r a z e r, e x p i r a s e m r e c o m p e n s a s .
EUGÊNIA - Anjo querido, como sabe persuadir e triunfar de todos os preconceitos! Como sabe destruir os
falsos princípios que uma mãe tola me tinha inculcado! Quisera casar-me amanhã para pôr logo em prática
suas sábias máximas; sedutoras e verdadeiras e que tanto me agradam. Só uma coisa ainda me inquieta,
n ã o c o m p r e e n d o o q u e s e u m a r i d o f a z e q u e n ã o a p o d e e n g r a v i d a r. E x p l i q u e - m e , s i m ?
MADAME - Meu marido já era velho quando se casou. Desde a noite de núpcias avisou-me das suas
fantasias, assegurando-me logo que me deixaria fazer tudo quanto desejasse. Jurei obediência e desde
então vivemos ambos na mais deliciosa liberdade. O gosto de meu marido consiste no seguinte: quer ser
chupado. Assim fazemos: enquanto eu me curvo sobre ele, coloco minha bunda sobre o seu rosto. Ao
mesmo tempo que sugo com ardor a porra dos culhões devo cagar-lhe na boca. Ele engole tudo!
EUGÊNIA - Mas que extraordinária fantasia!
D O L M A N C É - To d a s a s f a n t a s i a s s e e n c o n t r a m n a n a t u r e z a . C r i a n d o o s h o m e n s , e l a f e z o g o s t o d e c a d a u m
tão diverso quanto o rosto. Nunca nos devemos admirar dessa diversidade, nem da extravagância infinita
que ela colocou nas nossas predileções. A fantasia que Madame acaba de descrever está muito em moda,
sobretudo entre homens de certa idade. Se um deles exigisse isso, Eugênia, você recusaria?
EUGÊNIA, enrubescendo - Segundo as máximas que me são ensinadas aqui, devo por acaso recusar alguma
coisa? Só peço perdão pela surpresa que tudo isso me causa, é a primeira vez que ouço falar em tanta
l u b r i c i d a d e . Pr e c i s o u m i n s t a n t e d e r e f l e x ã o p a r a c o n c e b ê - l a s , m a s , d a s o l u ç ã o d o p r o b l e m a à e x e c u ç ã o
do processo, creio que meus mestres podem estar seguros: só haverá a distancia que eles mesmos
exigirem. Em todo o caso foi tendo essa complacência que minha amiga conseguiu a liberdade dentro do
matrimônio?
M A D A M E - L i b e r d a d e c o m p l e t a , E u g ê n i a . Te n h o f e i t o t u d o q u a n t o q u e r o s e m e n c o n t r a r o b s t á c u l o s , m a s
nunca tive um amante: amo demais o prazer para ter uma só afeição séria. A mulher que ama é uma
infeliz, um amante pode fazer sua desgraça, enquanto as cenas de libertinagem podem ser repetidas
diariamente mas se desvanecem na noite do silêncio assim que são consumadas, só deixando a deliciosa
l e m b r a n ç a . R i c a , p o s s o p a g a r t o d o s o s j o v e n s q u e * m e f o d e m s e m s a b e r d e q u e m s e t r a t a . Te n h o c r i a d o s
e s c o n d i d o s , a o s q u a i s p o s s o c o n c e d e r p r a z e r e s i n f i n i t o s s e s o u b e r e m c a l a r, e q u e s e r ã o d e s p e d i d a s à
primeira palavra indiscreta. Nem pode você imaginar a torrente de delícias na qual, desse maneira,
mergulhei; essa é a conduta que aconselharei a todas as mulheres. Há doze anos que me casei, e já fui
possuída por mais de dez ou doze mil indivíduos... e na sociedade passo por santa. Outra qualquer que
tenha amantes está perdida no segundo ano.
EUGÊNIA - É realmente o melhor caminho: vou segui-lo. Quero, como você, desposar um homem rico e
cheio de fantasias. E seu marido, nunca exigiu outra coisa?
M A D A M E - N e m u m d i a s e q u e r, e m d o z e a n o s , s o m e n t e q u a n d o e s t o u m e n s t r u a d a s o u s u b s t i t u í d a p o r u m a
b o n i t a m o ç a q u e é m i n h a e m p r e g a d a . Tu d o c o r r e à s m a r a v i l h a s .
EUGÉNIA- Mas isso não lhe bastará certamente. Outros objetos exteriores devem concorrer para variar
seus prazeres, não?
DOLMANCÉ - Claro, Eugênia, o marido da nossa amiga é um dos maiores libertinos do século, gasta
anualmente mais de cem mil escudos nesses prazeres obscenos.
M A D A M E - Pa r a d i z e r a v e r d a d e , c o n f e s s o q u e n ã o a c r e d i t o n i s s o , ma s p o u c o m e i m po r t a . O q u e e u q u e r o é
gozar tranquilamente dos meus prazeres.
E U G É N I A - Q u e r o s a b e r t o d a s a s m i n ú c i a s q u e i m p e d e m u m a j o v e m , c a s a d a o u n ã o , d e e n g r a v i d a r. C o n f e s s o
q u e t e n h o h o r r o r a i s s o , s e j a c o m o m a r i d o , s e j a n a c a r r e i r a d a l i b e r t i n a g e m . Vo c ê m e d e s c r e v e u o m o d o
pelo qual seu marido goza. Acredito que isso pode ser delicioso para ele, mas não para a mulher que
c h u p a . Q u e r o q u e m e d i s c o r r a s o b r e o g o z o i n t e n s o d a m u l h e r, i s e n t o d o s p e r i g o s d a g r a v i d e z .
MADAME - A mulher só se arrisca a engravidar quando mete pela boceta. Basta evitar esse modo de gozar;
que ela acabe oferecendo a mão, a boca, os seios, ou o orifício anal. De qualquer modo ela consegue
p r a z e r, m a s t o m a n d o n o c u e s t e s e r á i n t e n s í s s i m o . C o m a m ã o v o c ê j á v i u h á p o u c o ; a g e n t e s a c o d e o
membro e ao fim de alguns movimentos o esperma jorra. Enquanto isso o homem a enche de carícias e
b e i j o s , r e g a n d o o l u g a r d o c o r p o q u e v o c ê q u i s e r. Pa r a r e c e b ê - l o e n t r e o s s e i o s a m u l h e r s e e s t e n d e n o
leito com o membro bem no meio; no fim de alguns instantes está tudo inundado até o rosto. Esse modo
só pode servir para mulheres experientes, cujos seios adquiriram a flexibilidade necessária para
comprimir o membro. O gozo pela boca é delicioso para ambos; o melhor meio é deitar-se um contra o
outro em sentido inverso, o homem introduz o membro na boca da mulher e a língua na boceta, chupando-
lhe o clitóris. Enquanto isso, reciprocamente, um agarra a bunda do outro, titilando o orifício, carícia
que sempre causa infinito prazer e é necessária para o gozo completo. Os amantes ardorosos engolem
toda secreção que lhes entra na boca e ficam reciprocamente irrigados por esse precioso licor da vida,
roubado ao seu destino normal.
DOLMANCÉ - É um processo delicioso, experimente logo, Eugênia. Assim fazemos perder à porra o direito
de propagar a vida, enganando o que os idiotas chamam leis da natureza. As coxas e o sovaco também
s e r v e m d e d o c e a s i l o a o m e m b r o v i r i l , s e m q u e a m u l h e r s e a r r i s q u e a e n g r a v i d a r.
MADAME - Algumas mulheres introduzem esponjas na vaginas, a esponjas fecha o colo do útero como o
gargalo dum frasco e recebe todo o esperma. Mas qual, não há nada que se compare a tomar no cu! Quem
lhe poderá descrever vivamente um prazer pelo qual daria a vida é justamente Dolmancé.
DOLMANCÉ - Confesso o meu fraco. Não há gozo que se lhe possa comparar! Amo-o num e noutro sexo, mas
confesso que o cu de um rapazinho dá-me ainda maior prazer que o de uma moça; chamam de anormais os
m o ç o s q u e t o m a m n o c u . Pe n e t r a r o d a s m u l h e r e s é a p e n a s m e t a d e d o v í c i o i n c o m p a r á v e l ; e s s a f a r i t a s i a
deve ser praticada com homens, é assim que o preferem os verdadeiros amadores. Que absurdo dizer que
i s s o d e g r a d a o h o m e m , q u e u l t r a j a a n a t u r e z a ! Pe l o c o n t r á r i o , n e s s e a t o o h o m e m s e r v e à n a t u r e z a t a l v e z
mais santamente. A propagação da espécie é apenas sequência das suas primeiras intenções, se a espécie
fosse destruída, novas construções inventadas pela natureza se tornariam primordiais.
M A D A M E - Po r e s s e s i s t e m a D o l m a n c é p ro v a r á q u e a e x t i n ç ã o t o t a l d a ra ç a h u m a n a s e r i a u m s e r v i ç o
prestado à natureza.
D O L M A N C É - E q u e m o p o d e d u v i d a r, s e n h o r a ?
MADAME - Então as guerras, a peste, a fome, o assassínio seriam apenas acidentes necessários às leis da
natureza? O homem, agente ou paciente dessas causas não mais seria nem o criminoso nem a vítima?
DOLMANCÉ - Vítima é o homem toda vez que se submete aos golpes do destino; criminoso nunca...
Falaremos nisso mais tarde. Agora passemos a analisar o gozo sodomita. A melhor postura para a mulher
que deseja ser enrabada é deitada sobre o ventre na beira da cama, as nádegas bem abertas e a cabeça
mais baixa. O felizardo depois de contemplar o lindo eu que lhe é apresentado, dá-lhe tapinhas, beijos,
mordidas, depois umedece com a língua o lindo orifício que vai perfurar e prepara a introdução com
saliva ou com uma pomada. Com uma mão conduz o membro, com a outra afasta as nádegas, e assim que
sente o membro entrar deve prosseguir com coragem, sem medo de perder terreno; nesse instante a
m u l h e r j o v e m e i n e x p e r i e n t e s e n t e d o r e s q u e s e t r a n s f o r m a r ã o l o g o e m p r a z e r. É p r e c i s o n ã o r e c u a r, p e l o
c o n t r á r i o , e m p u r r a r g r a d a t i v a m e n t e a t é q u e o p ê l o d o m e m b r o a c a r i c i e o s r e b o r d o s d o o r i f í c i o . To d o s o s
espinhos foram já colhidos, agora restam só rosas: para que tudo se mude em prazer é necessário que o
fodedor acaricie a frente do fodido, se é um rapaz deve punheteá-lo até que ele ejacule, se é mulher
deve titilar o clitóris. Nesse momento, o fodido sente tal prazer que o cu se contrai, aumentando assim o
p r a z e r d o f o d e d o r, q u e c u m u l a d o d e v o l ú p i a n ã o t a r d a a e s p o r r a r a b u n d a n t e m e n t e , p o r c a u s a d e t ã o
l ú b r i c a s m i n ú c i a s . H á o u t r o s q u e n ã o p e r m i t e m q u e o p a c i e n t e g o z e : é o q u e v a m o s e x p l i c a r.
M A D A M E - Pe r m i t a u m i n s t a n t e, Do l m a nc é q u e e u s e j a s u a d i s c í p u l a . E m q u e e s t a do é p r e c i s o q u e s e
encontre, para completamento dos prazeres do agente, o cu do paciente?
D O L M A N C É - C l a r o q u e d e v e e s t a r b e m c h e i o e c o m v o n t a d e d e d e f e c a r. A g l a n d e d e v e a t i n g i r o t r o ç o ,
mergulhar nele afim de esporrar bem quente. Isso enche o paciente de tanto ardor e alegria.
M A D A M E - Pe n s e i q u e a s s i m o p a c i e n t e n ã o g o s t a s s e .
D O L M A N C É - É u m e r r o . E s s e g o z o é t a l q u e n a d a o p o d e d i m i n u i r, o p a c i e n t e é t r a n s p o r t a d o a o s é t i m o
céu. Nenhum gozo lhe é comparável, quem o atingiu nunca mais poderá preferir outro. Esses são, Eugênia,
os processos de gozar sem temer a gravidez, pois mais delicioso ainda que o gozo real é tudo que prepara
o g o z o : l a m b i d a s , m o r d i d a s , p u n h e t a s , c h u p a d a s . . . A i m a g i n a ç ã o a c o s s a o p r a z e r, d e l a é q u e p r o v é m a s
mais picante volúpias.
MADAME - Certo. Mas, Eugênia, tome cuidado, a imaginação só se aquece quando desprezamos os
p r e c o n c e i t o s ; u m s ó d e l e s b a s t a p a r a t u d o a r r u i n a r. E s s a c a p r i c h o s a p a r t e d o n o s s o e s p í r i t o é d e u m a
libertinagem que nada pode conter; seu maior triunfo consiste em romper todos os freios. É inimiga da
regra, idolatra a desordem e tudo quanto se aproxima do crime. Daí proveio a resposta duma mulher cheia
d e i m a g i n a ç ã o q u e s e u m a r i d o f o d i a f r i a m e n t e - " Po r q u e t a n t a f r i e z a ? " p e r g u n t o u - l h e . - " Po r q u e v o c ê s ó
conhece o que é simples demais".
EUGÉNIA - Adoro essa resposta! Estou completamente disposta a conhecer os arroubos da mais desregrada
i m a g i n a ç ã o ! Vo c ê s e s t ã o l o n g e d e i m a g i n a r t o d a s a s i d é i a s v o l u p t u o s a s q u e m e u e s p í r i t o a c a r i c i a n e s t e
p o u c o s m o m e n t o s e m q u e o s e s t o u c o n h e c e n d o m e l h o r. . . C o m o c o m p r e e n d o a g o r a o m a l ! C o m o o d e s e j o d o
fundo do coração!
MADAME - Nunca se espante, querida, dos mais odiosos crimes, do que houver de mais sujo, mais infame,
mais proibido: é isso justamente que aquece a imaginação e nos faz gozar completamente até o espasmo
supremo.
EUGÊNIA - Eu só imagino o que você tem feito na vida! Conte-me tim-tim por tim-tim!
DOLMANCÉ, beijando-a e bolinando-a - Linda Eugênia, prefiro mil vezes fazê-la sentir tudo e não perder o
tempo em vãs palavras...
EUGÉNIA - Acha que eu devo permitir que você me faça sentir tudo?
M A D A M E - N ã o s e i q u e c o n s e l h o l h e d a r, E u g ê n i a .
E U G Ê N I A - Po s s o d i s p e n s a r D o l m a n c é d e o u t r a s m i n ú c i a s , ma s e x i j o q u e m i n h a a m i g a m e c o n t e t o d a s a s
coisas extraordinárias da sua vida amorosa.
MADAME - Já fodi sozinha com quinze homens ao mesmo tempo, já fui fodida, em vinte e quatro horas,
n o v e n t a v e z e s . Q u a n t o s m e t r o s d e p i c a t r a g u e i ! Tu d o i s s o p e l a f r e n t e e p o r d e t r á s .
EUGÉNIA - Mas isso são apenas provas de resistência! Imagino que conhece coisas mais singulares.
MADAME - Sim, já estive num bordel.
EUGÉNIA - Que quer dizer bordel?
MADAME - São casas públicas onde, mediante pagamento, cada homem escolhe moças ou mulheres prontas
a satisfazer todos os seus caprichos e paixões.
EUGÊNIA - E lá você se entregou?
MADAME -Como a última das putas. Durante uma semana inteira satisfiz a toda a casa, encontrando as
m a i s s i n g u l a r e s i n c l i n a ç õ e s . Po r p r i n c í p i o de libertinagem, c o m o Te o d o r a , a imperatriz, mulher de
Justiniario¹ forniquei no canto das ruas, nos passeios públicos, arriscando depois na loteria o dinheiro
assim ganho.

( 1 ) Ve r a s h i s t o r i e t a s d e Pr o c ó p i o .
EUGÉNIA - Agora que a conheço bem imagino coisas ainda mais arriscadas...
MADAME - Seria possível?
EUGÉNIA - Sim, sim, eis o que penso: você não me disse que as mais deliciosas sensações morais vêm da
imaginação?
MADAME - Disse sim.
E U G É N I A - Po i s b e m . D e i x a n d o v a ga r e s s a i m a g i n a ç ã o , da n d o - l h e l i b e r d a d e d e t ra n s p o r o s ú l t i mo s l i m i t e s
da religião, da decência, da humanidade, da virtude, de todos os nossos supostos deveres, enfim, não é
verdade que os desvarios da imaginação seriam prodigiosos?
MADAME - Sem dúvida alguma.
EUGÉNIA - Não é na razão da imensidade de tais desvarios que ela mais se excita?
MADAME - Nada mais verdadeiro.
E U G É N I A - S e a s s i m é , q u a n t o m a i s n o s a g i t a r m o s , m a i s d e s e j a r e m o s e m o ç õ e s v i o l e n t a s . Te m o s q u e d a r
asas à nossa imaginação sobre as coisas as mais inconcebíveis, nosso gozo se aperfeiçoará na medida em
que o caminho da imaginação tiver sido percorrido.
DOLMANCÉ, beijando Eugênia - Criatura deliciosa!
MADAME - São incríveis os progressos que fez em poucas horas! Encantadora! Sabe que irá
longe nessa carreira?
EUGÉNIA - É justamente o que pretendo. Sem freio algum, que larga meta!
MADAME - É capaz de chegar aos crimes mais negros, mais tremendos.
E U G É N I A , e m v o z b a i x a e e n t r e c o r t a d a - Vo c ê m e d i s s e q u e o s c r i m e s n ã o e x i s t e m . . . S 6 q u e r o a r q u i t e t á -
l o s n a c a b e ç a , s e m o s e x e c u t a r.
DOLMANCÉ - Mas haverá coisa melhor do que executar aquilo que se concebeu?
E U G É N I A , e n r u b e s c e n d o - Po i s b e m , e x e c u t a r e i . . . Te r ã o v o c ê s a c o r a g e m d e m e p e r s u a d i r q u e n ã o
executaram tudo quanto delinearam?
MADAME - Claro que muita coisa executei.
EUGÉNIA - Então, eu bem dizia.
DOLMANCÉ - Que cabeça, hein? Que aluna!
EUGÉNIA - Eis o que quero saber: o que planejou? O que executou?
MADAME, balbuciando - Eugênia, um dia lhe contarei toda a minha vida, mas neste momento vamos
continuar nossas aulas, senão receio dizer coisas...
E U G Ê N I A - Ve r i f i c o q u e v o c ê n ã o é s u f i c i e n t e m e n t e m i n h a a m i g a p a r a m e a b r i r s u a a l m a ; e s p e r a r e i a i n d a
até que me julgue à altura. Agora, diga-me: qual o feliz mortal a quem entregou sua virgindade?
MADAME - Foi a meu irmão que me adorava desde pequenina. Em criança já brincávamos de amor sem o
p o d e r r e a l i z a r. Pr o m e t i - l h e q u e m e e n t r e g a r i a q u a n d o m e c a s a s s e e c u m p r i m i n h a p a l a v r a . Te v e t o d a s a s
primícias pois meu marido nunca me tocou na cama. Continuamos a gozar juntos sem nos importunarmos
reciprocamente, nunca desdenhamos todos os mais divinos excessos de libertinagem e mutuamente nos
ajudamos; eu arranjo-lhe mulheres, ele apresenta-me homens.
EUGÉNIA - Que ótimo arranjo! Mas o incesto não é um crime?
DOLMANCÉ - Como considerar como tal uma das mais doces uniões da natureza, por ela mesmo prescrita e
aconselhada! Ora, Eugênia, como foi que a espécie humana, depois de grandes catástrofes do nosso globo,
p ô d e r e f a z e r - s e e r e p r o d u z i r ? Pe l o i n c e s t o ! Te m o s e x e m p l o e p r o v a n o s l i v r o s m a i s r e s p e i t a d o s p e l o
cristianismo. Como as famílias de Adão ¹ e de Noé se puderam reproduzir senão pelo incesto? Examine e
compulse os costumes universais, em toda parte verá o incesto autorizado, olhado como lei sábia, feita
para cimentar os laços da família. Se o amor nasce da semelhança, poderá ser mais perfeito do que entre
irmão e irmã, entre pai e filha? Uma política mal compreendida, proveniente do temor de torrar certas
famílias superpoderosas, interdiz o incesto nos hábito modernos, mas não sejamos tolos de tomar como lei
natural o que é ditado apenas pelo interesse e pela ambição. Consultemos nossos corações (sempre mando
os pedantes moralistas consultarem esse órgão sagrado) e reconheceremos que nada há mais delicado do
que a união carnal na família. Não nos enganemos sobre os sentimentos que ligam o irmão à irmã, o pai à
f i l h a . Tu d o i s s o é a p e n a s d i s f a r ç a d o s o b o v é u d a t e r n u r a l e g í t i m a ; o m a i s v i o l e n t o a m o r o s i n f l a m a , p o s t o
pela natureza dentro dos corações. Dupliquemos, tripliquemos sem temor o delicioso incesto, quanto mais
parente nosso, mais
d e l i c i o s o s e r á o o b j e t o d o n o s s o d e s e j o . Te n h o u m a m i g o q u e v i v e a g o r a c o m a f i l h a q u e e n g e n d r o u c o m a
própria mãe. Há oito dias desvirginou um rapazinho de treze anos, fruto de seus amores com a filha, e
seu maior desejo é que esse rapazinho, dentro de poucos anos, foda com sua mãe. Como ainda é jovem,
e s p e r a t e r o u t r o s f i l h o s d a p r ó p r i a f i l h a p a r a d e p o i s f o d ê - l o s . Ve j a , E u g ê n i a , e s s e m e u p o b r e a m i g o
quantos crimes teria praticado se isso fosse considerado tal! Só um preconceito estúpido pode se opor a
semelhantes e deliciosas ligações. Sobre todas essas coisas eu só parto dum princípio: se a natureza
realmente proibisse o gozo sodomita, o incesto, as poluções, etc, como poderia ela permitir que eles nos
dessem tão incomparável prazer? A natureza nunca admite aquilo que realmente a ofende.
(1) Adão foi, como Noé, um restaurador do gênero humano. Um terrível transtorno deixou Adão sozinho
sobre a terra, da mesma forma como aconteceu com Noé; mas a tradição de Adão se perdeu, enquanto a
de Noé ao conservou.

EUGÊNIA - Oh, mestres adoráveis, bem vejo que, segundo vocês, não há crimes sobre a terra, que poderei
ouvir todas as vozes da luxúria por mais singulares que pareçam aos imbecis, idiotas a quem tudo alarma,
tudo ofende e que tomam as instituições sociais por leis divinas da sábia natureza. Entretanto, não
haverá certas ações absolutamente revoltantes e decididamente criminosas, embora ditadas pela
natureza? A natureza é tão singular nas suas produções quanto variada nas inclinações, e às vezes nos
conduz a atos cruéis. Se, entregues à depravação, atentassemos à vida de um semelhante, tal ação não
seria crime?
DOLMANCÉ -Qual, Eugênia, sendo a destruição uma das primeiras leis da natureza, tudo que destrói não
p o d e s e r c r i m e . O q u e t ã o b e m s i r v a à n a t u r e z a n ã o a p o d e o f e n d e r. A l i á s e s s a d e s t r u i ç ã o q u e l i s o n j e i a o
homem é uma quimera, o assassínio não é destruição; o assassino apenas varia a forma, faz voltar à
natureza elementos dos quais ela se serve para recompensar outros seres. Aquele que mata prepara um
gozo para a natureza, dando-lhe ocasião de criar; esses materiais, a natureza os emprega incontinenti e o
assassino adquire um mérito a mais aos olhos desse agente universal. Só o nosso orgulho erigiu o
a s s a s s i n a t o e m c r i m e . Pe n s a m o s s e r a s m a i s i m p o r t a n t e s c r i a t u r a s d o u n i v e r s o e i m a g i n a m o s q u e d e s t r u i r
tão sublime criatura deve ser um crime enorme; pensamos que a natureza pereceria se nossa espécie
desaparecesse da terra; a inteira destruição da nossa espécie, restituindo à natureza a faculdade
criadora que ela dispendeu conosco, lhe daria uma energia que lhe tiramos com a propagação da espécie.
Um soberano ambicioso pode, sem escrúpulo, destruir todos os inimigos nocivos aos seus projetos de
grandeza; leis cruéis, arbitrárias, imperiosas, podem do mesmo modo assassinar em cada século milhões
de indivíduos, e nós, fracos particulares, não poderemos sacrificar um ou alguns seres à nossa vingança e
ao nosso capricho? Nada mais bárbaro, mais ridículo. Sob o véu do mistério devemos nos vingar dessa
inépcia!¹

(1) Este assunto agirá extensamente desenvolvido mais adiante; a momento nos
contentarmos em resumir as bases do sistema que será, em breve, objeto de longa
dissertação.

EUGÊNIA - Como não? Aprecio sua moral, Dolmancé. Mas por quem é, confesse que você já
assim procedeu!
DOLMANCÉ - Não me force a revelar minhas faltas; são tão numerosas e tão graves que me deixaram
ruborizado. Um dia lhe contarei minuciosamente.
MADAME - Dirigindo a espada da lei, o celerado, muitas vezes, pôs essa espada ao serviço das próprias
paixões.
DOLMANCÉ - Se eu pudesse só ter essas culpas...
MADAME, saltando-lhe ao pescoço - Homem divino, adoro-o. Quanto espírito e coragem são necessários
para gozar a vida como você a entende! Somente ao homem de gênio é dado romper os freios da
i g n o r â n c i a e d a e s t u p i d e z ! D ê - m e u m b e i j o , q u e r i d o ! Vo c ê é u m e n c a n t o .
DOLMANCÉ - Seja franca, Eugênia, nunca desejou a morte de ninguém?
E U G Ê N I A - C o m o n ã o ? Ve j o d i a r i a m e n t e u m a a b o m i n á v e l c r i a t u r a c u j a m o r r e m e f a r i a f e l i z .
MADAME - Creio que advinho quem seja... Sua mãe...
EUGÊNIA - Deixe-me esconder a cabeça no seu seio. Que vergonha!
D O L M A N C É - Vo l u p t u o s a c r i a t u r a , t a m b é m e u q u e r o m o s t r a r, p e l o a r d o r d a s m i n h a s c a r í c i a s , q u a n t o
aprecio a sua energia e o seu caráter! (Dolmancé beija-a pelo corpo inteiro, dá-lhe tapinhas no cu e fica
de pau duro. Madame agarra e sacode o membro de Dolmancé, oferecendo-lhe a bunda que ele apalpa com
delícias. Um tanto mais tranqüilo, depois de alguns minutos, o moço continua).
D O L M A N C É - Po r q u e n ã o h a v e m o s d e p ô r e m p r á t i c a a i d é i a s u b l i m e d e E u g ê n i a ?
MADAME - Detestei minha mãe como você detesta a sua, e não hesitei.
EUGÊNIA - Faltam-me os meios.
MADAME - Diga que lhe faltou a coragem.
E U G Ê N I A - Pe r d ã o , e u e r a t ã o m o ç a a i n d a
DOLMANCÉ - Mas agora, Eugênia, teria a coragem necessária, não é assim?
E U G Ê N I A - Tu d o o u s a r i a . B a s t a q u e v o c ê s m e f o r n e ç a m o s m e i o s . Ve r ã o !
DOLMANCÉ - Fornecerei todos os meios, só com uma condição, Eugênia.
EUGÊNIA - Que condição? Bem sabe que estou pronta a aceitar qualquer uma!
D O L M A N C É - Ve n h a a o s m e u s b r a ç o s , l i n d a c e l e r a d a ! N ã o a g u e n t o m a i s ! Q u e s e u l i n d o c u s e j a o m e u
prêmio, que um crime pague o outro! Ou antes, venham ambas, extingamos com jorros de porra o fogo
divino que nos inflama e acende!
M A D A M E - P r o c e d a m o s c o m o r d e m n a s n o s s a s o r g i a s . A o r d e m n ã o d e v e f a l t a r, n e m n o
delírio, nem na infâmia.
DOLMANCÉ - Nada mais simples. Quero esporrar dando a essa moça o maior prazer possível. Enterrarei no
seu cu, Eugênia, todo o meu membro, enquanto, curvada nos seus braços, Madame lhe fará uma punheta.
N a p o s i ç ã o e m q u e a c o l o c a r e i v o c ê l h e r e s t i t u i r á a m e s m a c a r í c i a . Po d e m a t é b e i j a r - s e r e c i p r o c a m e n t e
as babaquinhas róseas e assanhadas. Depois variaremos o quadro, eu enrabarei Madame enquanto você,
tendo a cabeça entre suas pemas, me oferecerá o clitóris para chupar; assim ela gozará pela segunda vez.
Eu me colocarei então no seu ânus; Madame me apresentará o cu em lugar da boceta que você
apresentava. Madame terá assim sua cabeça entre as pemas; eu sugarei seu orifício como suguei o seu
clitóris. Madame e eu gozaremos ao mesmo tempo enquanto minha mão, titilando-lhe o clitóris, fará com
que você tenha mais um espasmo.
MADAME - Mas uma coisa deliciosa lhe faltará.
DOLMANCÉ - É verdade, uma boa pica dentro do meu cu.
MADAME - Não faz mal, se você não a tem esta manhã, terá de noite. Meu irmão aqui estará para nos
p r e s t a r a u x í l i o e n o s s o s p r a z e r e s c h e g a r ã o a o a u g e . Va m o s à o b r a !
DOLMANCÉ - Eugênia, faça-me uma boa punheta (ela obedece). Assim, mais depressa, queridinha, deixe
sempre bem nua essa cabecinha cor de rosa, nunca a cubra. A ereção é tanto mais forte quanto mais o
f r e i o e s t i v e r d i s t e n d i d o ; n u n c a s e d e v e c o b r i r o m e m b r o q u e s e p u n h e t e i a . - Vo c ê m e s m o d e v e p r e p a r a r c o m
a m o r o p ê n i s q u e a v a i p e r f u r a r. Ve j a c o m o e l e e s t á a n i m a d o ; d ê - m e s u a l í n g u a , s a f a d i n h a ; c o l o q u e a s
nádegas sobre minha mão direita enquanto a esquerda titila seu clitóris.
MADAME - Eugênia, você quer lhe dar todo o gozo possível
EUGÊNIA - Sem dúvida. Quero fazer tudo para agradá-lo.
M A D A M E - Po i s e n t ã o po n h a - l h e a b o c a n o p ê n i s e c h u p e b e m .
EUGÊNIA, obedecendo - Assim? Está bem?
DOLMANCÉ - Ó deliciosa boca, incomparável calor! É tão boa que vale o melhor dos cus! Mulheres
voluptuosas e hábeis, nunca recusei uma boca sequiosa a um pênis mais sequioso ainda. Isso prende para
sempre um amante!
MADAME - Quanta blasfêmia, meu amigo!
DOLMANCÉ - Dê-me o cu, Madame, quero beijá-lo enquanto Eugênia me chupa. Não se incomode com minha
blasfêmia; é uma delícia injuriar a Deus de pica dura! Nesse instante meu espírito exaltado, melhor
aborrece e despreza essa nojenta quimera. Quisera encontrar expressões novas para melhor ultrajá-la!
Quero ressuscitar esse fantasma para mais execrá-lo. Faça como eu, mulher encantadora, e verá que seu
g o z o a u m e n t a r á . Po r m a i s g o s t o s a q u e s e j a s u a b o c a , c h e g a , E u g ê n i a , s e n ã o g o z a r e i d e n t r o d e l a . Va m o s ,
coloquese em posição, quero executar meu plano, que nos mergulhará na mais divina embriaguez dos
sentidos. (Arranjam-se como Dolmancé determinou).
E U G Ê N I A - Re c e i o q u e n ão s e j a p o s s í v e l , a d e s p r o p o r ç ão é c ol o s s a l .
DOLMANCÉ - Qual nada, eu sodomizo diariamente muitos meninos. Ainda ontem um de sete anos foi
enrabado por este membro em três minutos. Coragem, amiga!
E U G Ê N I A - Vo c ê m e a r r e b e n t a !
M A D A M E - C u i d a d o , D o l m a n c é , p o u p e - a , c o i t a d i n h a . Pe n s e n a m i n h a r e s p o n s a b i l i d a d e .
D O L M A N C É - F a ç a u m a p u n h e t a f o r t e q u e e l a s e n t i r á m e n o s d o r. . D e r e s t o t u d o v a i b e m . Ve j a ! J á p e n e t r e i
até tocar-lhe o cu com meus pelos.
EUGÊNIA - Ai, céus, não foi sem grande custo e sem grandes dores; nunca senti tanto, veja
como o suor goteja-me na testa!
M A D A M E - E n f i m , j á e s t á d e s v i r g i n a d a p e l a m e t a d e . J á é m u l h e r e e s s a g l ó r i a v a l e b e m a l g u m a d o r, q u e
minha titilação acalmará.
E U G Ê N I A - S e m e l a c r e i o q u e n ã o p o d e r i a r e s i s t i r, f a ç a m a i s c ó c e g a s , m e u a n j o , p a r a t r a n s f o r m a r a d o r e m
p r a z e r. D o l m a n c é , e m p u r r e m a i s , s e n ã o m o r r o !
D O L M A N C É - A i , c a r a l h o ! M u d e m o s . N ã o r e s i s t o m a i s a s e u c u , s e n h o r a . Po r f a v o r, v a m o s n o s c o l o c a r c o m o
p l a n e j e i . ( A r r a n j a m - s e e D o l m a n c é c o n t i n u a ) . A i , a q u i p o s s o m e c o n t e r m e l h o r. C o m o m e u p a u p e n e t r a !
Nem por isso é um cu menos delicioso, madame.
EUGÊNIA - Estou bem nesta posição, Dolmancé?
DOLMANCÉ - As mil maravilhas, essa linda babaquinha virgem deliciosamente se me oferece! Sou culpado,
talvez, mas não resisto, tais atrações não são feitas para os olhos, quero dar a essa criança as primeiras
l i çõ e s d e c om p l e t a v ol ú p i a . Q u e r o v ê - Ia c a n s a d a. ( Tit i l a o cl i tó r i s , e c h u p a lo u c a m e n t e ).
E U G Ê N I A - Vo c ê m e f a z m o r r e r d e g o z o ! N ã o a g u e n t o m a i s , n ã o r e s i s t o !
MADAME - Ai, estou gozando! É agora, Dolmancé, ai, ai!
EUGÊNIA - Eu também, querida, como ele chupa gostoso, ó delícia!
MADAME - Blasfeme um pouco, putinha, sim? Quero ouvi-Ia blasfemar!
E U G Ê N I A - Po r r a , c o m o e s t o u g o z a n do , q u e d el i c i o s a e m b r i a g u e z !
D O L M A N C É - Po n h a - s e d e n o v o n o s e u l u g a r z i n h o , E u g ê n i a . ( E l a o b e d e c e ) . E i s - m e d e n o v o n o s e u c u d i v i n o ;
enquanto isso, madame, mostre-me o seu, quero chupá-lo todo. Como é gostoso a gente beijar o cu que
acabou de penetrar! Quero lambê-la loucamente enquanto esporro bem no fundo do cu de Eugênia. Desta
segunda vez penetrei com facilidade, ai como ela sabe apertar o cu! Que prazer! Não aguento mais, estou
esporrando, morro!
EUGÊNIA - E me faz morrer também, asseguro-lhe, minha amiga.
MADAME - Safada, como goza, como se habituou logo!
DOLMANCÉ - Quantas moças conheço que não querem gozar de outro modo. Só a primeira vez custa um
pouco, depois não querem outra coisa... Estou esgotado, deixem-me repousar ao menos alguns minutos!
MADAME - Assim são os homens, querida, apenas nos olham e se saciam. Quase nos desprezam depois de
satisfeitos seus desejos...
DOLMANCÉ - Que injustiça, que injúria! (Abraça ambas). As duas são feitas para as mais calorosas
homenagens, em qualquer estado que me encontre!
MADAME - Consolemo-nos, Eugênia. Se eles têm o direito de nos desprezar quando satisfeitos, nós faremos
a m e s m a co i s a , ob r i g a d a s po r e l e s . S e Ti b é r i o e m C a p r i s a c r i f ic a v a a s c r i a t u r a s q u e s e r v i a m ao s e u g o z o¹ ,
também Zíngua, rainha africana, imolava seus amantes²
DOLMANCÉ - Esses excessos tão simples, que eu tão bem compreendo, não devem entretanto ter voga
e n t r e n ó s , p o i s o p r o v é r b i o b e m o d i z : " o s l o b o s n ã o s e d e v o r a m e n t r e s í " . Po r m a i s t r i v i a l q u e p a r e ç a , é
justo. Não temam, amigas, farei com que vocês causem muitos males, mas nunca lhes causarei mal algum.

( 1 ) Ve r S u e t ô n i o e D i o n C a s s i o d e N i c é i a .
( 2 ) Ve r a H i s t ó r i a d e Z í n g u a , r a i n h a d e A n g o l a .

EUGÊNIA - Ouso responder; Dolmancé nunca abusará dos direitos que lhe damos sobre nós. Creio que ele
t e m a p r o b i d a d e d o s v e l h a c o s , é a m e l h o r. M a s v o l t e m o s a o s n o s s o s p r i n c í p i o s , a o p l a n o q u e n o s i n f l a m a v a
q u a n d o c o m e ç a m o s a n o s a c a l m a r.
M A D A M E - A c a r v a l h i n h a d e n a d a s e e s q u e c e . Pe n s e i q u e f o s s e a p e n a s d i v a g a ç ã o .
EUGÊNIA - Nada disso, é o mais certeiro impulso de minha alma. Não sossegarei enquanto não consumar
esse desígnio.
MADAME - Não será melhor perdoá-la? Lembre-se de que é sua mãe.
EUGÊNIA - Que grande título!
DOLMANCÉ - E ela tem toda a razão. Essa mãe pensou em Eugênia, quando a pôs no mundo? A safada se
d e i x a v a f o d e r p o r q u e n i s s o e n c o n t r a v a p r a z e r, m a s p o u c o p e n s a v a n a f i l h a , q u e d e v e a g i r n e s s e p o n t o
c o m o b e m l h e p a r e c e r. E m q u a l q u e r e x c e s s o q u e c a i a , n u n c a s e t o m a r á c u l p a d a d e n e n h u m m a l .
EUGÊNIA - Detesto-a, abomino-a. Mil razões legitimam este ódio. Hei de tirar-lhe a vida, custe o que
c u s t a r.
D O L M A N C É - Po i s b e m . J á q u e s u a s r e s o l u ç õ e s s ã o i n a b a l á v e i s , a s s e g u r o q u e f i c a r á s a t i s f e i t a . M a s a n t e s d e
a g i r, é p r e c i s o q u e l h e d ê c o n s e l h o s ú t e i s : q u e s e u s e g r e d o j a m a i s l h e e s c a p e d o p e i t o , q u e a j a s o z i n h a ;
nada mais perigoso do que um cumplice. É preciso desconfiar mesmo daqueles com os quais melhor
contamos. Maquiavel bem o disse: "Urge não ter nenhum cúmplice, ou matá-lo desde que ele nos tenha
servido". E não basta: num projeto como o seu, o fingimento é indispensável. Aproxime-se da vítima antes
d e a i m o l a r, a g r a d e - a , c o n s o l e - a , p a r t i l h e d e s u a s d o r e s , j u r e - l h e q u e a a d o r a , m a i s a i n d a ; p e r s u a d a - a d o
s e u a m o r. N e s s e c a s o j a m a i s a f a l s i d a d e s e r i a e x c e s s i v a . N e r o a c a r i c i a v a A g r i p i n a n a b a r c a q u e d e v i a l e v á -
l a a o f u n d o d o m a r : i m i t e e s s e e x e m p l o , u s e t o d a s a s i m p o s t u r a s q u e o s e u e s p í r i t o l h e s u g e r i r. A m e n t i r a
é s e m p r e a a r m a f e m i n i n a , s o b r e t u d o q u a n d o h á n e c e s s i d a d e d e e n g a n a r.
EUGÊNIA - Essas lições preciosas serão retidas e empregadas oportunamente. Aprofundemos agora o seu
conselho às mulheres: a falsidade é essencial na sociedade?
DOLMANCÉ - Não há virtude mais necessária na vida, verdade certa que por si s6 prova sua
i n d i s p e n s a b i l i d a d e . To d a g e n t e a e m p r e g a ; b a s t a i s s o p a r a q u e u m i n d i v í d u o s i n c e r o , s e n d o ú n i c o ,
sossobre no meio duma sociedade em que só há gente falsa! Se é verdade, como pretendem, que as
virtudes sejam de alguma utilidade na vida civil, como quer você que a pessoa sem vontade, nem poder ou
d o m d e v i r t u d e ( o q u e a c o n t e c e c o m a m a i o r p a r t e ) p o s s a d e i x a r d e s e r h i p ó c r i t a e o b r i g a d a a f i n g i r, p a r a
o b t e r, p o r s u a v e z , u m p o u c o d a p o r ç ã o d e f e l i c i d a d e q u e s e u s c o n c o r r e n t e s l h e r o u b a m ? D e f a t o , é
seguramente a virtude, ou a aparência da virtude, que se toma necessária ao homem da sociedade? Não há
a menor duvida: basta a aparência. O homem que possui essa aparência possui tudo; no mundo, as pessoas
apenas roçam de leve o homem, por isso basta uma casquinha. A prática da virtude é útil tão somente ao
homem que a possui, os outros nada aproveitam dela; basta parecer virtuoso, é inútil sê-lo. A falsidade é
o melhor meio para obter êxito, quanto mais falso mais o homem sobe, tudo obtém deslumbrando os
restantes com falsas aparências. Os que se enganam com os falsos nem se queixam para não dar o braço a
torcer; o falso tem sempre razão, ele avançará na vida deixando para trás os sinceros; enriquecerá à
custa alheia, cativará a opinião pública e se alguém falar mal dele ninguém acreditará. Que a mais
insigne falsidade seja continuadamente nosso empenho; ela é a chave de todas as graças, favores,
reputações, riquezas. Ser canalha é um prazer incomparável, que de tudo nos consolará.
MADAME - A matéria está perfeitamente explicada. Eugênia, convencida, encorajada, tranquila, pode agir
q u a n d o b e m l h e a p r o u v e r. Va m o s c o n t i n u a r a g o r a n o s s a s d i s s e r t a ç õ e s s o b r e a l i b e r t i n a g e m ; . é p r e c i s o
p e r c o r r e r t o d o e s s e v a s t o c a m p o s e m n e g l i g e n c i a r, n e m a t e o r i a , n e m a p r á t i c a .
DOLMANCÉ - As minúcias das paixões do homem são pouco suscetíveis de servir de instrução a uma moça
q u e , c o m o E u g ê n i a , c e r t a m e n t e s e c a s a r á . E l a n ã o s e r á d e s t i n a d a a o o f i c i o d e m u l h e r p ú b l i c a ; s e c a s a r,
há probabilidades de que o marido não tenha essa inclinação e, s e a t i v e r, é preciso que ela o
c o m p r e e n d a e t o l e r e . E m r e c o m p e n s a d i s s o p o d e r á s e r f a l s a q u a n t o q u i s e r. E s s a p a l a v r a e n c e r r a t u d o . S e
Eugênia deseja conhecer melhor a libertinagem masculina, resume-se em três palavras: a sodomia, as
fantasias sacrílegas e os gostos cruéis. A primeira é hoje universal; divide-se em duas classes, ativa e
passiva. O homem que enraba, seja um rapaz ou uma rapariga, comete sodomia ativa; é passivo quando se
deixa foder ou e n r a b a r. Discutem muito para saber qual desses dois modos dará maior prazer: é
certamente o modo passivo pois, nesse caso, se reúnem as duas sensações, a da frente e a de trás. É tão
gostoso mudar de sexo, arremedando as putas, entregando-se a um macho que nos trata como se fosse
m u l h e r, s e n t i n d o - n o s c o m o u m a a m a n t e n o s b r a ç o s d o s e u a m a n t e ! Q u e v o l ú p i a i n e f á v e l !
Agora, Eugênia, alguns conselhos para as mulheres que gostam de se metamorfosear em homens e querem,
a n o s s o e x e m p l o , g o z a r d e s s e d e l i c i o s o p r a z e r. A t a q u e i - a d e r i j o , E u g ê n i a , e v e j o q u e v o c ê f a r á c a r r e i r a :
percorra essa estrada como uma das mais deliciosas do país de Citera. Mais uns conselhos essenciais: é
indispensável que quem a estiver sodomizando não se esqueça de bem esfregar-lhe o clitóris; não vá ao
bidê, nem se limpe para melhor deixar o rego aberto; para prolongar o prazer esqueça os cuidados da
limpeza. Evite também os ácidos; inflamam as hemorróidas e tomam a introdução dolorosa. Não deixe,
porém, vários homens gozarem sucessivamente dentro do ânus; essa mistura de espermas, embora
v o l u p t u o s a , é n o c i v a à s a ú d e ; é p r e c i s o p ô r p a r a f o r a c a d a e j a c u l a ç ã o à m e d i d a q u e e l a s e e f e t u a r.
E U G Ê N I A - E q u a n d o f o r n a b o c e t a ? Po s s o g u a r d a r v á r i a s e j a c u l a ç õ e s c o n s e c u t i v a s ?
MADAME - Mas também não haverá mal algum se você exercer o coito sem deixar que o esperma tome o
caminho natural. A propagação da espécie não é o alvo da natureza, mas apenas uma tolerância; quando
n ã o p r o c r i a m o s s e r v i m o - l a m e l h o r. E u g ê n i a , s e j a i n i m i g a f i g a d a l d a r e p r o d u ç ã o , p o n h a f o r a e s s e p é r f i d o
licor que só serve para nos e m p r e n h a r, estragar nossa cintura fina, nossos lindos seios, que nos
envelhece, nos fana, diminui a sensação voluptuosa! Que seu marido saiba conduzi-Ia por outros
c a m i n h o s ; d i g a - l h e q u e v o c ê d e t e s t a c r i a n ç a s e n ã o a s q u e r f a b r i c a r. C u i d a d o , e u t e n h o d i s s o t a l n o j o q u e
d e i x a r i a d e s e r s u a a m i g a n o i n s t a n t e e m q u e v o c ê e n g r a v i d a s s e . S e e s s a d e s g r a ç a l h e a c o n t e c e r, a v i s e - m e
nos dois primeiros meses que tudo arranjarei. Não receie o infanticídio, crime imaginário; nós temos o
direito de destruir o que se encontra dentro de nós. É a mesma coisa que tomar um bom purgante quando
temos algo a expelir dos intestinos.
EUGÊNIA - E se o feto já chegou ao nove meses.
MADAME - Mesmo que já tivesse nascido, seriamos ainda senhoras de destruí-lo. Não há no mundo direito
mais seguro que o da mãe sobre seus filhos; verdade fundada sobre a razão, reconhecida por todos os
povos.
DOLMANCÉ - Direito incontestável da natureza. A extravagancia do sistema deísta foi a fonte de todos
esses erros crassos: os imbecis que acreditam em Deus, persuadidos de que ele nos concede a existência,
acham que uma alma, dele emanada, vem incontinenti habitar o embrião. Esses idiotas consideram um
crime destruir uma coisa que pertence a Deus. Depois que o facho da filosofia dissipou essas imposturas,
depois que a quimera divina foi esmagada, depois que, melhor instruídos nos segredos da física,
desenvolvemos o princípio da geração e vimos que esse mecanismo nada oferece de mais admirável que a
geração de um grão de trigo, voltamos para a natureza. Desenvolvendo nossos direitos, reconhecemo-nos
perfeitamente livres de retomar àquilo que só tínhamos dado, de má vontade ou por acaso; não se pode
exigir de ninguém que se tome pai ou mãe sem desejá-lo. Uma criatura a mais ou a menos na terra não
tem menor consequência; somos senhores dela antes e depois de nascida, podemos eliminá-la como a unha
que cortamos dos dedos, o excesso de digestão que tiramos dos intestinos, pois tudo isso é nosso, nos
pertence, e disso podemos dispor à nossa vontade. Já lhe expliquei que um assassínio não tem a menor
importância; a mesma coisa se dá com o infanticídio, mesmo que a criança já tivesse a idade da razão.
Sua inteligência, Eugênia, vale ainda mais do que as provas que lhe ofereço: a leitura da história dos
costumes de todos os povos da terra lhe mostrará que o infanticídio é um costume universal. Só os tolos
ainda condenam tão simples
ocorrência.
EUGÊNIA a Dolmancé - Estou inteiramente persuadida. (A Madame): já se serviu do remédio
que me aconselha para destruir interiormente o feto?
MADAME - Duas vezes e com inteiro êxito. Foi no começo da gravidez, mas conheço mulheres que o
e m p r e g a r a m d e p o i s d e v á r i o s m e s e s c o m o m e s m o r e s u l t a d o . Po d e c o n t a r c o m i g o , m a s o m e l h o r a i n d a é
n ã o e n g r a v i d a r. C o n t i n u e , D o l m a n c é , c h e g a m o s a g o r a à s f a n t a s i a s s a c r í l e g a s .
DOLMANCÉ -Suponho que Eugênia esteja agora completamente libertada da estupidez religiosa. Saiba que
jamais terão consequência os atos que zombarem de tudo quanto constitui o culto dos imbecis. Essas
fantasias aquecem as cabecinhas jovens para as quais toda a violação de freios é um gozo; volúpias que se
t o m a m f r i a s q u a n d o j á s e t e v e t e m p o d e e s t u d a r, d e s e i n s t r u i r, d e s e c o n v e n c e r d a n u l i d a d e d e s s e s í d o l o s
q u e e s c a r n e c e m o s . Pr o f a n a r r e l í q u i a s , i m a g e n s d e s a n t o s , a h ó s t i a , o c r u c i f i x o , t u d o i s s o a o s o l h o s d o
f i l ó s o f o é o m e s m o q u e d e g r a d a r e s t á t u a s d o p a g a n i s m o . To d a e s s a b a b o s e i r a s ó d e v e m e r e c e r n o s s o
d e s p r e z o ; s ó d e v e m o s u s a r a b l a s f ê m i a , e m b o r a n e m e s s a t e n h a s e r v e n t i a . Po i s , d e s d e q u e D e u s n ã o
existe, o que adianta insultá-lo? Mas é essencial e agradável pronunciar nomes sujos e fortes para
a u m e n t a r a e m b r i a g u e z d o p r a z e r, p a r a a u x i l i a r a i m a g i n a ç ã o , n ã o p o u p e m o s c o i s a a l g u m a p a r a e s s a
f i n a l i d a d e , t e n h a m o s o l u x o d e e x p r e s s õ e s q u e e s c a n d a l i z e m o m a i s p o s s í v e l . É t ã o d o c e e s c a n d a l i z a r. . .
Tr i u n f o d o o r g u l h o q u e n ã o s e d e v e d e s p r e z a r ! É u m a d a s m i n h a s s e c r e t a s v o l ú p i a s ; h á p o u c o s p r a z e r e s
morais que influam mais na minha imaginação. Experimente, Eugênia e verá o resultado: ostente a mais
prodigiosa impiedade quando em companhia de moças de sua idade, ainda envoltas nas trevas da
superstição, ostente o deboche; a libertinagem; porte-se como puta, mostre os peitos, levante as saias se
forem juntas à privada, ponha à mostra as partes mais secretas do seu corpo e exija reciprocidade. É
preciso seduzi-Ias, fazer-lhes sermão ridicularizando os seus preconceitos. Induza-as ao que se chama
erradamente de mal, blasfeme como um carroceiro, agarre-as à força, corrompa-as por conselhos e
exemplos, perverta-as, seja extremamente livre com os homens, fale de irreligião, de safadagem,
c o n c e d a t u d o q u a n t o a d i v i r t a s e m a c o m p r o m e t e r, m a s t u r b e e s e j a m a s t u r b a d a , e m p r e s t e - l h e s o c u . U m a
vez casada, não tenha amante, pague criados jovens e discretos, assim tudo ficará secreto. Sua reputação
continuará intacta, ninguém suspeitará. Eis a arte de fazer tudo quanto nos apraz. Continuemos. Os
p r a z e r e s d a c r u e l d a d e s ã o o s t e r c e i r o s q u e p r o m e t e m o s a n a l i s a r. M u i t o c o m u n s e n t r e o s h o m e n s d e h o j e ,
eis os argumentos dos quais se servem para legitimá-los: o alvo das pessoas que se entregam à volúpia é
ficarem excitadas; queremos nos excitar por meios mais ativos; assim sendo, pouco nos importa se nossos
procedimentos agradarão ou não ao objetivo que serve; só se trata de pôr em movimento a massa dos
n o s s o s n e r v o s p e l o c h o q u e m a i s v i o l e n t o p o s s í v e l . O r a , c o m o a d o r a f e t a m a i s v i v a m e n t e q u e o p r a z e r, o
choque resultante dessa
sensação produzida sobre o parceiro será de vibração mais vigorosa e repercutirá mais energicamente em
nós; o espírito animal entrará em circulação e inflamará os órgãos da volúpia predispondo-os ao mais
i n t e n s o p r a z e r. O r a , o s e f e i t o s d o p r a z e r s ã o m a i s d i f í c e i s n a m u l h e r, u m h o m e m f e i o o u v e l h o j a m a i s
l o g r a r á p r o d u z i - l o s ; p o r i s s o p r e f e r e m a d o r, c u j a s v i b r a ç õ e s s ã o m a i s a t i v a s . O b j e t a r ã o c e r t a m e n t e : o s
homens que têm essa mania não refletem que é falta de caridade fazer sofrer o próximo, sobretudo para
obter maior gozo? É que, nesse ato, os canalhas só pensam em si próprios, seguem o impulso da natureza
e d e s d e q u e g o z e m b a s t a n t e o r e s t o n ã o l h e s i m p o r t a , n u n c a s e n t i m o s a s d o r e s a l h e i a s . Pe l o c o n t r á r i o ,
v e r s o f r e r, é u m a g r a n d e s e n s a ç ã o . Pa r a q u e p o u p a r u m i n d i v í d u o c o m o q u a l n ã o n o s i m p o r t a m o s ? E s s a d o r
n ã o n o s c u s t a r á u m a s ó l á g r i m a e n o s o c a s i o n a r á u m p r a z e r. H a v e r á n a n a t u r e z a u m s ó i m p u l s o q u e n o s
aconselhe preferir o próximo a nós mesmo? Cada um de nós não é para si mesmo o mundo inteiro, o centro
do universo? Nem me falem na voz quimérica que diz "não façais aos outros o que não quereis que se vos
faça". Grandes imbecis! A natureza não nos aconselha outra coisa senão que gozemos, que nos divirtamos;
não conhecemos outro impulso, outra aspiração. Nunca devemos nos incomodar com o que pode suceder
aos outros... A natureza é a nossa mãe e só nos fala de nós mesmos, sua voz é a mais egoísta. O mais
c l a r o c o n s e l h o q u e n o s d á é q u e t r a t e m o s d e g o z a r, d e n o s d e l e i t a r, m e s m o a c u s t o d e q u e m q u e r q u e
seja! Os outros nos podem fazer o mesmo, é verdade, mas o mais forte vencerá. A natureza nos criou para
o estado primitivo de guerra, de destruição perpétua, único estado em que devemos permanecer para
realizar seus fins. Eis, querida Eugênia, como raciocinam os libertinos; acrescento por experiência, por
estudos particulares, que a crueldade, longe de ser um vício, é o primeiro sentimento que a natureza
imprime no homem. A criança quebra seus brinquedos, morde o mamilo da ama, e estrangula pássaros
m u i t o a n t e s d e a t i n g i r a i d a d e d a r a z ã o . To d o s o s a n i m a i s r e s p i r a m c r u e l d a d e , p o i s n e l e s a s l e i s d a
natureza são ainda mais fortes que no homem, assim como nos selvagens elas falam mais alto ainda do
q u e n o h o m e m d a c i d a d e . N a s c e m o s c o m u m a d o s e d e c r u e l d a d e q u e s ó a e d u c a ç ã o c o n s e g u e m o d i f i c a r,
mas a educação nada tem a ver com a natureza, pelo contrário, é nociva a ela como a cultura é nociva às
árvores. Compare nos nossos pomares a árvore que cresce livre com as árvores podadas e cuidadas
artisticamente. Qual a mais bela, a que oferece melhores frutos? A crueldade é a energia do homem que a
c i v i l i z a ç ã o a i n d a n ã o c o r r o m p e u , é , p o r t a n t o , u m a v i r t u d e e n ã o u m v í c i o . Ti r e m o s a s l e i s , o s u s o s , e a
crueldade não terá mais efeitos perigosos, nunca agirá sem poder ser afastada pelas mesmas
armas. Só é perigosa no estado de civilização porque o ser lesado não tem força, ou meios, para vingar a
injúria. No estado de incivilização, se ela age sobre o forte será por ele sobrepujada, se age sobre o
fraco não tem o menor inconveniente, pois o fraco deve ceder ao forte pelas leis dessa mesma natureza.
Não analisaremos a crueldade nos prazeres lúbricos do homem. Ve r á , linda Eugênia, os diferentes
excessos aos quais ele se entregou; sua imaginação ardente compreenderá logo que, nas almas fortes e
e s t ó i c a s , e s s a c r u e l d a d e n ã o d e v e t e r l i m i t e s . N e r o , Ti b é r i o e H e l i o g á b a l o i m o l a v a m m e n i n o s p a r a f i c a r e m
d e pa u d u r o; o m a r e c h a l d e Re t z , C h a ro l a i s , o t i o d e C o n d é c om e t e r a m a s s a s s í n i o s e m l ú b r i ca s o r g i a s . O
primeiro confessou no seu interrogatório que não conhecia volúpia mais deliciosa do que supliciar
c r i a n ç a s d e a m b o s o s s e x o s ; a c h a r a m m a i s d e o i t o c e n t a s , i m o l a d a s n o s s e u s c a s t e l o s d a B r e t a n h a . Tu d o
i s s o s e c o n c e b e p e r f e i t a m e n t e , c o m o a c a b e i d e d e m o n s t r a r. N o s s a c o n s t i t u i ç ã o , n o s s o s ó r g ã o s , o c u r s o d o s
h u m o r e s , a e n e r g i a d o s e s p í r i to s a n i m a i s , e i s a s ca u s a s , f í s i ca s q u e c r i a r a m Ti to s o u N e ro s , a s Me s s al i n a s
ou as Chantal. Não há motivo algum da gente se orgulhar da virtude, nem de se arrepender do vício, assim
como é inútil acusar a natureza de ter criado um justo ou um facínora; ela terá agido segundo seus planos
a o s q u a i s n o s d e v e m o s s u b m e t e r. E x a m i n e m o s a c r u e l d a d e d a s m u l h e r e s , b e m m a i s a t i v a q u e a d o s
homens, em razão do poder excessivo da sensibilidade de seus órgãos. Nós distinguimos, em geral, duas
espécies de crueldade: a que nasce da estupidez que, sem razão e sem análise, assimila o indivíduo às
feras, não produz prazer algum; é apenas uma inclinação natural; as brutalidades por ela causadas não
são perigosas, pois é fácil delas nos defendermos. A outra. espécie de crueldade, fruto da extrema
sensibilidade dos órgãos, não é conhecida senão pelos seres extremamente delicados; é uma delicadeza
e x t r e m a e r e f i n a d a q u e p õ e e m m o v i m e n t o t o d o s o s r e c u r s o s d a m a l d a d e . Po u c a s p e s s o a s p o d e m p e r c e b e r
tais diferenças, poucas a podem sentir; entretanto, elas existem. É este segundo gênero de crueldade que
mais se encontra entre as mulheres; são conduzidas por excesso de sensibilidade, a força do espírito
torna-as ferozes; por isso mesmo são encantadoras, fazem todos perderem a cabeça por elas. Infelizmente
a r i g i d e z a b s u r d a d o s n o s s o s c o s t u m e s d e i x a p o u c o t e r r e n o a e s s a c r u e l d a d e , o b r i g a n d o - a s a s e e s c o n d e r,
a d i s s i m u l a r, a c o b r i r s u a s i n c l i n a ç õ e s n a t u r a i s p o r a t o s o s t e n s i v o s d e b e n e f i c ê n c i a q u e e l a s n o f u n d o
odeiam. É apenas veladamente, com precaução, auxiliadas por amigos certos, que conseguem satisfazer
seus desejos, coitadinhas! Se quisermos conhecê-las será preciso vê-Ias assistindo a um duelo, um
i n c ê n d i o , u m c o m b a t e , u m a b a t a l h a ; m a s t u d o i s s o é p o u c o p a r a e l a s e a s c o i t a d a s t ê m q u e s e c o n t e r.
Falemos de algumas mulheres desse gênero: Zíngua¹, rainha de Angola, a mais cruel das mulheres, imolava
seus amantes logo depois de gozá-los; assistia combates entre guerreiros, entregando-se ao vencedor;
para se distrair fazia moer num pilão todas as mulheres que tivessem engravidado antes dos trinta anos'.
Zoé, mulher dum imperador chinês, não sentia prazer maior do que assistir à execução de criminosos; se
não os houvesse, imolava escravas enquanto era fodida, e tanto mais gozava nesse instante quanto mais
as infelizes sofriam; foi inventora da famosa coluna de bronze oca que fazia aquecer em brasa. depois de
a í t e r e n c e n a d o a v í t i m a . Te o d o r a , m u l h e r d e J u s t i n i a n o , a d o r a v a p r e s e n c i a r à c a s t r a ç ã o d o s e u n u c o s .
Messalina se fazia punhetar enquanto, pelo processo da masturbação, seus escravos extenuavam vários
homens diante dela. As floridianas faziam engrossar o membro dos maridos colocando sobre a glande
pequenos insetos venenosos, amarravam-nos para essa operação e reuniam-se em grupo para efetuar essa
operação mais rapidamente. Quando os espanhóis chegaram a esse país, elas próprias agarravam os
m a r i d o s p a r a q u e f o s s e m a s s a s s i n a d o s p e l o s c o n q u i s t a d o r e s . L a Vo i s i n , L a B r i n v i l l i e r s , e n v e n e n a v a m
a p e n a s p o r p r a z e r. A h i s t ó r i a f o r n e c e m i l h a r e s d e e x e m p l o s d a c r u e l d a d e f e m i n i n a , a c h o q u e p o r i s s o e l a s
se deixavam ser flageladas, o que causa grande prazer ao homem. Seria uma válvula natural à crueldade
das mulheres, e a sociedade com isso
ganharia, pois não podendo expandir-se desse modo, elas inventam mil outros modos piores para derramar
o veneno que as habita, fazendo o desespero dos pobres maridos e da família inteira. A maior parte delas
recusa sempre a fazer uma boa ação quando se apresenta a ocasião de socorrer algum infortúnio, mas essa
válvula não chega para tanta maldade. Elas precisam exercer maldades maiores. Haveria, sem dúvida,
outros meios para lhes contentar a malvadez inata, mas não sei se eu poderia aconselhá-lo... Que tem
você, menina? Em que estado está!

( 1 ) Ve r a H i s t ó r i a d e Z í n g u a r a i n h a d e A n g o l a , p o r u m M i s s i o n á r i o .

EUGÊNIA, masturbando-se - É o efeito de todas essas suas histórias!


DOLMANCÉ - Ajude-nos, senhora, não é possível que ela goze sem que a auxiliemos!
M A D A M E - R e a l m e n t e , s e r i a i n j u s t o ! Ve n h a a o s m e u s b r a ç o s , d e l i c i o s a e s e n s í v e l c r i a t u r a . E c o m o f i c a
linda no momento de gozar!
DOLMANCÉ - Ocupe-se da vanguarda, Madame, eu tratarei do cu, enfiando a língua no orifício róseo e
d a n d o - l h e u n s t a p i n h a s . A s s i m p o d e d e s c a r r e g a r n a n o s s a m ã o u m a s s e t e o u o i t o v e z e s . Va i v e r q u e l i n d o !
EUGÊNIA, quase gozando - Sei que não me será difícil!
DOLMANCÉ - Na posição em que se encontram, cada uma de vocês pode me chupar o membro
alternadamente, assim excitado procederei com muito mais ardor e aumentarei o prazer da nossa jovem e
talentosa discípula.
E U G Ê N I A - Q u e r i d a , d i s p u t o - l h e a h o n r a d e s u g a r t ã o l i n d a p i c a ! ( Pe n d u r a - s e n e l a ) .
D O L M A N C É - Q u e d e l í c i a , q u e v o l u p t u o s o c a l o r. E u g ê n i a , p o r t e - s e b e m n o m o m e n t o e m q u e e u e s p o r r a r,
ouviu?
MADAME - Sim, ela vai engolir tudo, respondo por ela. Se negligenciasse os deveres impostos pela luxúria
veria...
DOLMANCÉ, animadíssimo - Nem há duvida, não a perdoaria, que castigo exemplar havia de receber! Creio
q u e a c h i c o t e a r i a a t é s a i r s a n g u e . Pr o n t o , e s t o u e s p o r r a n d o , c o m o e s c o r r e . . . E n g u l a , n ã o p e r c a u m a g o t a ,
querida, assim... Madame, entrego-lhe meu cu, cuide bem dele, está todo escancarado o danadinho,
boceja anelante. Enfie os dedos assim até o pulso. Ai, esta menina encantadora chupou-me como um anjo
e engoliu tudo!
EUGÊNIA - Querido e adorado mestre, sim, não perdi uma só gota de sua porra! Beije-me agora que ela
está no fundo das minhas entranhas.
DOLMANCÉ - Que deliciosa menina! Com que abundancia descarregou!
MADAME - Está completamente inundada. Mas, céus, o que ouço? Estão batendo! Quem ousará nos
interromper? É meu irmão, que imprudência!
EUGÊNIA - Mas, minha querida, isso é uma traição!
D O L M A N C É - Tr a i ç ã o s e m e x e m p l o ! Po r é m , n a d a t e m a , E u g ê n i a , n ó s s ó b u s c a m o s s e u m a i o r p r a z e r.
MADAME - Ela ficará logo convencida disso. Aproxime-se, querido irmão, e ria-se desta menina que se
esconde para que você não a veja.
I V. Q U A R T O D I Á L O G O

Madame, Eugênia Dolmancé e Mirvel.

M I RV E L - N a da r e c e i e , p eç o - l h e. M i n h a d i s c r i ç ã o é co m p l e t a, b e l a E u g ê n i a ; m e u a m i g o e m i n h a i r m ã
podem testemunhar o que afirmo.
DOLMANCÉ - Eis o melhor meio de terminar logo as apresentações. Estamos educando esta moça,
a c o s t u m a n d o - a a o s p r a z e r e s s e n s u a i s . Pa r a q u e e l a s a i b a t u d o e f i q u e c o m p l e t a m e n t e i n s t r u í d a , u n i m o s a
teoria à prática. Agora chegamos ao capítulo em que ela precisa ver um membro a esporrar; sirva-nos de
modelo, sim?
M I RV E L - C o mo r e c u s a r tã o l i s o n j e i r a p r o po s t a ? A s e n h o r i t a t e m at r a t i v o s q u e p r e c i p it a r ã o o s e f e i to s
desejados.
M A D A M E - Va m o s ! M ã o s à o b r a , i m e d i a t a m e n t e !
EUGÉNIA - Não acham que abusam demasiadamente da minha juventude? Que pensara de mim o cavalheiro?
M I RV E L - Pe n s a r e i q u e é a m a i s e n c a n t a d o r a d a s m u l h e r e s , E u g ê n i a , a ma i s a do r á v e l c r i a t u r a q u e a t é h o j e
e n c o n t r e i . ( B e i j a - a a c a r i c i a n d o - l h e t o d o o c o r p o ) . Tu d o é l i n d i n h o , g o s t o s o , a t r a e n t e , a p e t i t o s o !
D O L M A N C É - F a l e m e n o s , c a v a l h e i r o , e a j a m a i s ! Vo u d i r i g i r a c e n a , é m e u d i r e i t o . Q u e r e m o s q u e E u g ê n i a
aprecie bem o fenômeno da ejaculação. Sendo difícil observar tal fenômeno de sangue frio, vamos nos
colocar os quatro bem em frente um do outro. Madame, punheteie Eugênia, eu me encarregarei de Mirvel;
q u a n d o s e t r a t a d e f a z e r e s p o r r a r u m h o m e m a j o m e l h o r d o q u e u m a m u l h e r. S e i o q u e l h e c o n v é m , p o r
isso dirijo melhor o homem... Coloquemo-nos (Obedecem todos).
M A D A M E - Pa r e c e - m e q u e e s t a mo s j u n t o s d e m a i s , n ã o ?
D O L M A N C É , a g a r r a n d o M i r v e l - N ã o , é b e m p e r t i n h o q u e d e v e m o s e s t a r, q u e r o q u e o s s e i o s d e E u g ê n i a
fiquem inundados de porra, das provas da virilidade de seu irmão; é o que se chama "descarregar no
nariz". Senhor da bomba, dirigirei o fluxo de modo a que ela fique completamente inundada. Enquanto
isso, faça-lhe uma boa punheta, titilando-a em todos as partes mais sensíveis do corpo. Eugênia, não
pense noutra coisa senão no prazer libertino; vai ver um dos seus mistérios patenteados aos seus olhos.
D e s p r e z e o s ú l t i m o s r e s t o s d o p u d o r, q u e j a m a i s f o i v i r t u d e ; a n a t u r e z a n o s c r i o u n u s p o r q u e j a m a i s
entendeu que devêssemos estar cobertos; vestir-se é contrário às suas leis. As crianças que ignoram o
sexo e, por conseguinte, a necessidade de o tomar mais apetitoso pela modéstia, mostram tudo possuem.
H á a i n d a c a s o s m a i s s i n g u l a r e s : e m c e r t o s p a í s e s a s c r i a t u r a s a n d a m c o b e r t a s c o m o n o Ta i t i , m a s a s
mulheres levantam as saias e se despem ao menor sinal.
M A D A M E - O q u e a d o r o e m D o l m a n c é é q u e e l e n ã o p e r d e t e m p o , v a i f a l a n d o e a g i n d o . Ve j a c o m o e x a m i n a
o s o b e r b o e u d o m e u i r m ã o ; c o m q u e h a b i l i d a d e e v o l ú p i a o p u n h e t e i a . Va m o s , E u g ê n i a , a t e n ç ã o ! O t u b o
d a b o m b a j á e s t á n o a r, l o g o n o s i n u n d a r á c o m o b e n é f i c o l i c o r.
E U G Ê N I A - A i , q u e r i d a a m i g a , q u e m e m b r o m o n s t r u o s o ! N e m o p o s s o a b a r c a r. N ã o h á m a i o r !
DOLMANCÉ - O meu é bem menor; uma pica dessas é temível para uma donzela, não a perfuraria sem
perigo iminente...
EUGÊNIA, bem punheteada por Madame - Mas eu enfrentaria qualquer um para gozar!
DOLMANCÉ - E tem toda a razão; uma boa pica jamais deve intimidar uma mulher; a natureza é cúmplice,
e a torrente de prazer que a inunda faz esquecer todas as pequenas dores precedentes. Já vi donzelas
mais jovens que você agüentarem picas maiores ainda. Com coragem e paciência todos os obstáculos são
vencidos. É loucura imaginar que se deve tirar o cabaço com membros pequenos; pelo contrário: penso
que uma virgem deve entregar-se a uma pica possante e grossa, assim a membrana do hímen é rasgada de
uma só vez, e a sensação de prazer virá mais depressa. É verdade que, uma vez conhecendo as grandes,
ela não mais se contentará com as pequenas, mas se uma mulher é bela, rica e jovem sempre achará uma,
d o t a m a n h o q u e l h e a p e t e c e r. Q u a n d o f o r e m p e q u e n a s , d e v e s e m p r e m e t ê - l a s n o c u .
M A D A M E - S e m d ú v i d a , e s e r á ai n d a m a i s f el i z q u a n d o s e s e r v i r d e a m b a s ao m e s m o t e m p o . Re c e b e n d o n a
babaca as agitações voluptuosas de uma pica, você precipitará o espasmo da outra que lhe estará enfiada
n o c u . I n u n d a d a p e l o e s p e r m a d e a m b a s , m o r r e r á d e p r a z e r.
DOLMANCÉ (não interrompendo o gozo durante o diálogo) - Ainda há lugar para mais duas ou três picas. A
mulher que Madame descreve pode agarrar uma em cada mão, e ter ainda outra dentro da boca.
M A D A M E - Ta m b é m p o d e r i a t e r m a i s d u a s s o b a s a x i l a s , o u t r a s n o s c a b e l o s , u m a q u a n t i d a d e e m r e d o r d e l a .
Nesses momentos nunca as há em demasia. Que delícia tocá-las todas, devorá-las, chupá-las, só ter picas
em redor de si, ser inundada por todas conjuntamente no instante em que a gente também ejacula!
Dolmancé, por mais libertino que seja, desafio-o nesse campo. É impossível que alguém me sobrepuje nos
deliciosos combates da luxúria. Nesse gênero já fiz tudo quanto é possível fazer neste mundo.
EUGÊNIA, sempre punheteada pela amiga, como Mirvel o é por Dolmancé - Ai, querida, como a invejo,
como quero gozar todos esses prazeres, entregar-me a todos os machos gostosos e potentes. Ó deliciosa
d e u s a d o p r a z e r, q u e p u n h e t a ! E e s t a p i c a c o m o e s t á t ú r g i d a ! Q u e c a b e ç a m a j e s t o s a e r u b i c u n d a !
D O L M A N C É - E l e e s t á q u a s e a a c a b a r.
M I RV E L - E u g ê n i a . .. m i n h a i r m ã. . . a p ro x i m e m - s e , ai q u e s e i o s d i v i n o s , q u e c o xa s m ac i a s e ro l i ça s !
Acabem, acabem, que minha porra se reunira ao vosso gozo... Eis que me escorre toda, vejam queridas
(Dolmancé tem o cuidado de dirigir o jato sobre as duas mulheres, principalmente sobre Eugênia, que fica
toda inundada).
EUGÊNIA - Que lindo espetáculo, que nobreza, que majestade! Eis-me toda inundada! Algumas gotas
entraram-me até nos olhos!
M A D A M E - Va m o s c o l h e r e s s a p r e c i o s a g e m a , p é r o l a d o a m o r. C o m e l e e s f r e g a r e i s e u c l i t ó r i s e i s s o
apressará e aumentará seu gozo.
EUGENIA - Sim, querida, que grande idéia, vou gozar nos seus braços.
MADAME - Divina criatura! Beije-me mil vezes, chupe-me a língua, quero respirar seu sopro cálido,
a b r a s a d o p e l o p r a z e r a m o r o s o . A i , e s t o u p a r a d e s c a r r e g a r ! M e u i r m ã o , a j u d e - m e , p o r f a v o r.
D O L M A N C É - Va m o s , M i r v e l , f a ç a u m a g o s t o s a p u n h e t a e m s u a i r m ã .
M I RV E L - Pr e f i r o f o d ê - l a , v e j a c o mo a i n d a e s t o u r i j o , e c h e io d e t e s ã o .
DOLMANCÉ - Muito bem! Foda-a e dê-me seu cu ao mesmo tempo; assim foderei durante esse voluptuoso
i n c e s t o . E u g ê n i a , a r m a d a c o m e s t e g o d e m i c h é c o n s o l a d o r, m e e n r a b a r á . D e s t i n a d a a r e p r e s e n t a r t o d o s o s
papéis na luxúria, tem que se aplicar nestas lições para ser digna delas, para ficar à altura de todos eles.
E U G Ê N I A , a r m a n d o - s e d o c o n s o l a d o r - C o m t o d o o p r a z e r. N u n c a m e e n c o n t r a r ã o i n d i f e r e n t e o u r e l a p s a
quando se tratar do deboche. Ele é de hoje em diante meu único Deus, minha única regra de conduta,
única base de todas as minhas ações. (Enraba Dolmancé). É assim, caro mestre? Sou boa discípula?
DOLMANCÉ - Ótima, isso mesmo, safada, sabe enrabar como um macho. Enfim, estamos os quatro ligados
p e l a c a d e i a d o a m o r ! Va m o s , g o z a n d o !
M A D A M E - E s t o u p a r a m o r r e r, n u n c a m e a c o s t u m a r e i à s d e l i c i o s a s s a c u d i d e l a d a g o s t o s a p i c a
fraterna! É mesmo deliciosa!
D O L M A N C É - Ó , c u e n c a n t a d o r, p r ó d i g o e m p r a z e r e s ! Va m o s , a c a b e m o s o s q u a t r o a o m e s m o t e m p o ! A i ,
morro, expiro, não aguento... Está gozando, Mirvel ?
M I R V E L - Ve j a e s s a b a b a c a c h e i a d a m i n h a p o r r a !
DOLMANCÉ - Ai, amigo, quem me dera tanta no cu!
MADAME - Quero descansar um pouco para não morrer de gozo!
DOLMANCÉ, beijando Eugênia - Esta deliciosa menina fodeu-me como um Deus da foda!
E U G Ê N I A - E , n a v e r d a d e , t a m b é m t i v e p r a z e r.
D O L M A N C É - A u m v e r d a d e i r o l i b e r t i n o t o d o s o s e x c e s s o s c a u s a m p r a z e r. É p r e c i s o i n v e n t á - l o s , m u l t i p l i c á -
los, até o impossível!
MADAME - Já coloquei quinhentos luíses num tabelião para premiar o indivíduo capaz de me ensinar um
vício que eu desconheça, ou de acordar no meu peito volúpia que eu já não tivesse experimentado.
D O L M A N C É , e n q u a n t o t o d o s a c a l m a d o s s 6 p e n s a m e m c o n v e r s a r - To m a r e i n o t a d e s s a i d é i a b i z a r r a . C r e i o
p o r é m q u e o s i n g u l a r d e s e j o q u e v o c ê p e r s e g u e n ã o s e c o m p a r a à s d e l í c i a s q u e a c a b a d e g o z a r, m a s q u e
me parecem bem insignificantes.
MADAME - Como assim?
DOLMANCÉ - Confesso que nada conheço tão fastidioso quando o gozo pela boceta. A senhora, que sabe o
que significa tomar no cu, não deveria mais foder pela frente.
MADAME - São velhos hábitos. No meu caso o que quero é ser fodida, seja qual for o orifício pelo qual se
introduza uma respeitável pica. Entretanto, também sou dessa opinião: todas as mulheres de forte
temperamento preferirão sempre ser enrabadas a serem fodidas pela boceta. Que elas ouçam a minha voz,
a voz da mulher mais fodida de toda a Europa! Certifico que não há comparação; quem conhece o prazer
pelo cu sempre o preferirá ao prazer pela babaca.
M I RV E L - N ão p e n s o do m e s m o mo d o . E m b o r a m e p r e s t e a t u do q u a n t o m e p e d i r e m , p r e f i r o s e m p r e o a l ta r
n a t u r a l q u e a n a t u r e z a i n d i c o u p a r a f o d e r.
D O L M A N C É - Po i s e s s e a l t a r é o c u . Pe r s c r u t e c u i d a d o s a m e n t e a s l e i s d a n a t u r e z a : e l a n ã o i n d i c o u o u t r o
a l t a r, e e m b o r a p e r m i t a o r e s t o , f e z p a r a i s t o o c u . S e t a l n ã o f o s s e s u a i n t e n ç ã o c o m o p o d e r i a t e r c r i a d o
esse orifício tão de acordo com o nosso membro, redondinho como ele? S6 um inimigo do bom senso
poderia imaginar um buraco oval feito para o membro rotundo... Os sacrifícios realizados na frente s6
servem para multiplicar a propagação da espécie à qual a natureza se opõe, e apenas tolera, mas que a
desagrada. Continuemos porém a educação de Eugênia. Depois de ter sido iniciada nos mistérios da
ejaculação, é preciso que aprenda agora a dirigir o jato.
MADAME - Não será agora, no estado em que você e Mirvel se encontram...
DOLMANCÉ - De acordo, mas não haverá na sua casa algum jovem robusto que pudesse nos servir de
manequim, e sobre o qual pudéssemos demonstrar nossas teorias?
M A D A M E - Te n h o j u s t a m e n t e a c r i a t u r a d a q u a l p r e c i s a m o s .
DOLMANCÉ - Não será por acaso o jovem jardineiro, de dezoito a vinte anos, e de belo porte, que vi há
pouco trabalhando no seu pomar?
MADAME - Agostinho? Ele mesmo. Dono dum membro de treze polegadas de comprimentos sobre oito e meia
de circunferência!
DOLMANCÉ - Que monstro! E fica bem duro? E esporra em abundância?
M A D A M E - É u m a t o r r e n t e d e e s p e r m a . Vo u c h a m á - l o .
V. Q U I N T O D I Á L O G O

Dolmancé, Mirvel, Agostinho, Eugênia e Madame,

M A D A M E , t r a z e n d o A g o s t i n h o - E i s o m o ç o d o q u a l l h e s f a l e i . Va m o s n o s d i v e r t i r : q u e s e r i a a v i d a s e m a
l u x ú r i a ? Ve n h a , t o l i n h o . Pa r e c e i n c r í v e l q u e h á s e i s m e s e s t r a b a l h o p a r a e n s i n á - l o a s e r d e s e m b a r a ç a d o e
ainda não o consegui!
AGOSTINHO - Qual o que! Madame já me disse que eu começo a entender do riscado. Já me prometeu dar
trabalho em todas as charnecas que aparecerem...
DOLMANCÉ - Que engraçado! É tão fraco e natural quanto jovem e ingênuo! (Mostrando Eugênia). Esta
charneca é coberta de flores, quer trabalhar nela?
A G O S T I N H O - A i , s e n h o r, u m a g o s t o s u r a d e s s a s n ã o é p a r a o m e u b i c o . . .
D O L M A N C É - Va m o s , E u g ê n i a .
EUGÊNIA - Incrível! Creio que estou com vergonha...
D O L M A N C É - R e p u d i e s e n t i m e n t o t ã o p u s i l â n i m e . To d o s o s n o s s o s a t o s , s o b r e t u d o o s d a l i b e r t i n a g e m , s ã o
inspirados pela natureza e não há do que ter vergonha. Eugênia, seja a puta desse jovem, provoque-o
como pede a natureza. Só é digna do seu sexo a mulher que se prostitui ao nosso. Assim como você nasceu
d e u m a f o d a , s ó p e l a f o d a d e v e v i v e r, s ó a s s i m m e r e c e t e r v i s t o a l u z d o d i a . Vo c ê m e s m a d e v e t i r a r a s
calças desse lindo jovem, levantar-lhe a camisa; assim, a frente e o cu (que ele tem tão bonito) ficarão
ambos à sua disposição. Que uma de suas mãos lhe agarre a vasta manjuba que, sob suas carícias, vai
inchar até lhe causar medo, e que a outra lhe faça cócegas nas nádegas e no orifício anal, assim, veja...
D e s c u b r a b e m e s s a g l a n d e r u b r a , n u n c a a d e i x e f i c a r c o b e r t a . O f r e i o e s t á t e s o q u a s e a s e r o m p e r. E
você, tolo, não fique de mãos desocupadas, veja os tesouros que se lhe oferecem; passeie as mãos sobre
os peitos e as nádegas da moça.
AGOSTINHO - Gostaria de cobrir de beijos essa moça que tanto prazer me dá!
M A D A M E - Po i s b e i j e ! F a ç a c o m e l a o q u e v o c ê f a z c o m i g o q u a n d o do r m i m o s j u n t o s .
A G O S T I N H O - A i q u e b o c a f r e s c a ! Pa r e c e q u e e s t o u c h e i r a n d o a s r o s a s d o m e u j a r d i m . Ve j a o e f e i t o q u e
produz em mim (mostra o enorme membro entesado).
EUGÉNIA - Meu Deus, está enorme, até dá medo.
DOLMANCÉ - Que seus movimentos se tornem regulares, Eugênia, e mais enérgicos. Olhe, ceda-me o lugar
u m m o m e n t o , v e j a c o r n o p r o c e d o : m a i s f i r m e e a o m e s m o t e m p o m a i s s u a v e m e n t e . To m e , n ã o c u b r a a
g l a n d e ; p r o n t o , a g o r a e s t á e m t o d a a s u a e n e r g i a . Ve j a q u a n t o é m a i o r q u e o d e M i r v e l .
E U G É N I A - N e m h á d ú v i d a , n ã o o p o s s o a b a r c a r.
DOLMANCÉ, medindo-o - A medida é exata, treze por oito e meio! Nunca vi mais grosso! É o que se pode
chamar de "soberbo". E Madame o aguenta?
M A D A M E - Re g u l a r m e n t e , to d a s a s n o i t e s , q u a n d o e s t o u n e s t a m i n h a p r o p r i e d a d e .
DOLMANCÉ - Mas na boceta, no cu não é possível.
M A D A M E - Re c e b o - o m a i s f r e q ü e n t e m e n t e n o c u do q u e n a bo c e t a.
DOLMANCÉ - Como é libertina! Confesso que não sei se o agüentaria...
MADAME - Deixe de prosa, ele entraria tão bem no seu cu como entra no meu.
D O L M A N C É - Ve r e m o s l o g o , e s p e r o q u e A g o s t i n h o s e d i g n e a l a n ç a r - m e u m p o u c o d e e s p e r m a n o c u ; e u l h e
p a g a r e i a g e n t i l e z a . Va m o s , E u g ê n i a , a s e r p e n t e v a i l a n ç a r s e u v e n e n o ; p r e p a r e - s e , c o n t e m p l e a c a b e ç a
deste membro sublime! Quando se aproximar o momento da ejaculação, ficará ainda mais rubro e mais
grosso. Que seus movimentos se tornem mais vivos e apressados, que seus dedos se enfiem pelo ânus!
A b a n d o n e - s e p o r c o m p l e t o ! Pr o c u r e - l h e a b o c a , m o r d a - l h e o s b e i ç o s , q u e t o d o s o s e n c a n t o s d a s u a
mocidade corram a encontrar-lhe a porra... Está gozando, Eugênia, eis o instante do seu triunfo total.
AGOSTINHO - Ai, ai, não posso mais, mais forte e depressa! Assim... Que porra!
D O L M A N C É - Re do b r e d e c u i d a do s , E u g ê n i a , n ã o o p o u p e , e s t á e m b r i a g a d o d e g o z o. Q u e a b u n d â n c i a d e
esperma! Que jato! Com que vigor foi lançado a mais de dez pés! O quarto está inundado. Nunca vi tanta
porra. E a senhora diz, Madame, que esta noite ele a fodeu?
M A D A M E - U m a s n o v e o u d e z v e z e s . H á m u i t o t e m p o q u e d e i x a m o s d e c o n t a r. . .
M I RV E L - A b e la E u g ê n i a e s t á co m p l e ta m e n t e i n u n d a d a d e po r r a .
EUGÊNIA - Quisera estar por ela coberta e submersa! Meu mestre, está satisfeito?
DOLMANCÉ - Está indo muito bem para uma estréia, mas há ainda algumas minúcias que você negligenciou.
MADAME - Ora, espere um pouco, tudo virá com a prática. Pe l a minha parte, confesso que estou
contentíssima com a discípula, tem as mais felizes disposições e merece gozar agora dum maravilhoso
espetáculo. Que ela veja os efeitos de um caralho no cu. Dolmancé, ofereço-lhe o meu: estarei nos braços
de meu irmão que me meterá na boceta, enquanto você me enraba. Eugênia terá a honra de preparar seu
membro, de colocá-lo no meu cu, de regularizar-lhe os movimentos e de tudo observar afim de que se
f a m i l i a r i z e c o m e s t a o p e r a ç ã o , à q u e s e d e v e e m s e g u i d a s u b m e t e r, t r a g a n d o o e n o r m e m e m b r o d e
Agostinho.
DOLMANCÉ - Estou encantado ao pensar que esse lindo cu, quase virginal, será logo dilacerado pela
sacudidela enérgica do valente Agostinho. Aprovo sua idéia, senhora, mas ainda há uma cláusula:
Agostinho, que eu deixarei novamente de pau duro com alguns passes da minha mão, há de me enrabar
enquanto eu estiver sodomizando a senhora.
MADAME - Aprovo essa cláusula da qual aproveitarei; para a nossa discípula são duas excelentes lições em
vez de uma.
D O L M A N C É , a g a r r a n d o A g o s t i n h o - Ve n h a c á , q u e r o r e a n i m á - l o . C o m o é l i n d o ! B e i j e - m e , q u e r i d o a m i g o .
Está ainda banhado em porra e é porra que eu peço! Quero fazer-lhe uma punheta enquanto lhe enfio os
dedos no olho do cu.
M I R V E L - A p r o x i m e - s e , q u e r i d a i r m ã . A n u i n d o a o s s e u s d e s e j o s v o u d e i t a r - m e n e s t e s o f á . Vo c ê s e d e i t a r á
n o s b r a ç o s e x p o n d o a s l i n d a s n á d e g a s e a b r i n d o a s p e m a s o m a i s p o s s í v e l . A s s i m , p o d e m o s c o m e ç a r.
DOLMANCÉ - Não ainda, espere, primeiro tenho que enrabar Madame, s6 depois é que você e sua irmã se
casarão, meus dedos vão ligá-los. Cuidemos de todas as minúcias; não esqueçamos que uma principiante
nos observa e que lhe devemos dar as mais escrupulosas lições. Eugênia, venha punhetear-me enquanto
procedo à ereção deste membro descomunal. Sustente minha ereção esfregando-me sua bunda.
EUGÊNIA, obedecendo - Assim está bem?
DOLMANCÉ - É preciso mais energia nos seus movimentos e apertar mais forte o membro que se punheteia,
Eugênia. A masturbação é agradável justamente porque a mão que nela coopera pode se tomar mais
apertada do que todos os orifícios naturais. Afaste o mais possível as coxas para que todos os movimentos
de minha pica lhe toquem o olho do eu, assim, enquanto isso, que Mirvel punheteie bem sua irmã, e logo
e s t a r e m o s t o d o s p r o n t o s . A g o s t i n h o j á e s t á d e p i c a d u r a . . . Va m o s , p r e p a r e m - s e ! M a d a m e , a b r a e s s e c u
s u b l i m e a o m e u i m p u r o a r d o r. E u g ê n i a , g u i e o d a r d o , q u e s u a m ã o o c o n d u z a p a r a a b r e c h a , q u e o f a ç a
p e n e t r a r. A s s i m q u e e l e e s t i v e r d e n t r o a g a r r e n o d e A g o s t i n h o e e n f i e e s s a g r a n d e m a s s a d e n t r o d a s
minhas entranhas. Cumpra bem com todos os seus deveres de noviça. Enquanto isso, você está se
instruindo; por isso é que deve fazer tudo o melhor possível.
MADAME - Meu cu se abre inteiramente. Ah, meu anjo, se soubesse há quanto tempo e com que ardor
desejo ser enrabada por um sodomita!
DOLMANCÉ - Seus desejos vão ser satisfeitos, senhora, mas tenha paciência. Quero parar um instante aos
pés do ídolo antes de penetrar no sacrário; quero admirar esse eu divino, beijá-lo e lambê-lo mil vezes!
Sente, safada, como penetro?
M A D A M E - A h , q u e r i d o , e n f i e - m e t o d o , a t é o f u n d o d a s e n t r a n h a s . Vo l ú p i a s u a v e , q u e i m p é r i o
exerce sobre mim! Ó delícia! Enfie tudo!
D O L M A N C É - Ó c u d i g n o d e G a n i m e d e s . N u n c a p e n e t r e i u m m e l h o r ! Va m o s , E u g ê n i a , n ã o p e r c a t e m p o , f a ç a
que Agostinho me penetre neste mesmo instante.
EUGÉNIA - Ei-lo, já vem. Agostinho, meu anjo, aproxime-se do buraco, perfure duma vez.
AGOSTINHO - Estou vendo, obedeço já. Aqui há mais lugar do que no seu. Chupe meus beiços, beije-me
b a s t a n t e p a r a e u e n t r a r m e l h o r.
E U G Ê N I A - B e i j a r e i t a n t o q u a n t o v o c ê q u i s e r, m i n h a r o s a f r e s c a e o r v a l h a d a . j á e n t r o u t o d a a e n o r m e
c a b e ç a . C r e i o q u e n ã o t a r d a r á m u i t o e m e s p o r r a r.
DOLMANCÉ - Enfie mais, amigo, dilacere-me, rasgue-me se for preciso. Como meu cu agradece e goza. Que
massa! Nunca traguei igual. Quanto ficou para fora, Eugênia?
EUGÊNIA - Apenas duas polegadas.
DOLMANCÉ - Então já engoli onze, que delícia, onze polegadas dentro do cu! Mas agora não aguento mais
a r r e b e n t o ! Va m o s , M i r v e l , e s t á p r o n t o ?
M I RV E L - A p a l p e - m e e d i g a - m e o q u e ac h a .
DOLMANCÉ - Então, meus filhos, vou casá-los, coopero com toda a alma para esse divino incesto. (Introduz
a pica de Mirvel na babaca da irmã).
M A D A M E - I n s t a n t e d i v i n o , f o d i d a p e l o s d o i s l a d o s , n a f r e n t e e n o t r a s e i r o ! Pr a z e r s u b l i m e , i n i g u a l á v e l
neste mundo. Ai, como tenho dó da mulher que jamais o experimentou! Sacuda bastante, Dolmancé, que a
violência de seus movimentos me precipite no gládio de meu irmão. Eugênia, olhe bem, contemple-me,
v e j a u m a m u l h e r c o m p l e t a m e n t e f e l i z n o v í c i o . To m e m e u e x e m p l o , a p r e n d a a s e r f o d i d a c o m t r a n s p o r t e ,
a s a b o r e a r u m a f o d a c o m d e l í c i a s . . . Ve j a , m e u a m o r, v e j a t u d o q u a n t o c o n s i g o f a z e r a o m e s m o t e m p o :
e s c â n d a l o , s e d u ç ã o , m a u e x e m p l o , i n c e s t o , a d u l t é r i o e s o d o m i a ! Ó , L u c i f e r, ú n i c o D e u s q u e a d o r o ,
inspira-me algo mais, oferece a meu coração novos vícios e verás como neles mergulharei encantada!
DOLMANCÉ - Ó voluptuosa criatura que aumenta a minha porra pelo extremo calor desse cu, pela força
m á g i c a d e t ã o l i n d a s p a l a v r a s ! Vo u g o z a r, n ã o a g u e n t o E u g ê n i a , a u m e n t e a c o r a g e m d o m e u f o d e d o r,
entreabra suas nádegas! Vo c ê agora conhece a arte de acordar os mais vacilantes desejos. Sua
proximidade empresta maior energia ao membro que me penetra, sinto que as sacudidelas são mais fortes.
Safada, tenho que reconhecer que devo à sua benéfica. influência, o que eu só queria dever ao meu
próprio cu. Espere, Mirvel, espere vamos descarregar toda a porra ao mesmo tempo, gozar todos
juntinhos, é a melhor felicidade, a única neste mundo!
MADAME - Ó porra, gozem quanto quiserem que eu não aguento mais. Merda para o Deus que eu fado,
estou acabando! Inundem-me, amigos, inundem esta puta! Lancem-me as ondas dessa espumante porra até
o fundo de minha alma abrasada, que só existe para receber porra e mais porra. O excesso da minha
volúpia é incrível, eu morro! Eugênia, quero beijá-la, devorá-la, lamber seu líquido, enquanto esparjo o
m e u . Ve n h a , q u e r i d a ! ( A g o s t i n h o , M i r v e l , f a z e m c ô r o ; s ó o r e c e i o d e m e t o r n a r m o n ó t o n o i m p e d e - m e d e
continuar a transcrever as impressões que nesse momento se assemelham todas).
DOLMANCÉ - Eis uma das melhores sensações amorosas da minha vida. Agostinho cumulou-se de porra, mas
eu me vinguei em Madame.
MADAME - Nem me fale, inundou-me.
E U G Ê N I A - S ó e u n ã o p o s s o d i z e r o m e s m o ( a b r a ç a n d o a a m i g a ) . Vo c ê s e g a b a d e t e r c o m e t i d o t a n t o s
pecados e eu ainda não comecei. Não aguento mais a espera.
MADAME, numa gostosa gargalhada - Que criatura rara!
D O L M A N C É - R e a l m e n t e e n c a n t a d o r a ! Ve n h a c á , m e n i n a , q u e r o a ç o i t á - l a . ( D á - l h e t a p a s n a n á d e g a s ) . A g o r a
b e i j e - m e . . . S u a v e z v a i c h e g a r. .
MADAME - Agora é preciso que nos ocupemos somente dela. Meu irmão, examine esta presa, que lhe vai
pertencer; contemple esse cabaço.
EUGENIA - Só lhe pertencerei pelo cu como aconteceu há pouco, na frente ainda não.
MADAME - Menina ingênua e deliciosa, como oferece com prazer aquilo que tão dificilmente se obtém das
outras, sobretudo das noviças...
E U G Ê N I A - N ã o f o i s e m r e m o r s o s . Te n h o o u v i d o d i z e r t a n t o s h o r r o r e s d e s s e e n o r m e c r i m e , s o b r e t u d o
quando praticado entre homens, como fizeram há pouco Dolmancé e Agostinho. Que meu mestre me fale
filosoficamente desse horrível delito...
D O L M A N C É - N a d a é h o r r í v e l e m l i b e r t i n a g e m . Tu d o é v o z d a n a t u r e z a . O s a t o s q u e m a i s p a r e c e m c h o c a r e
ferir todas as instituições humanas (pois jamais falo do céu, que não existe) são justificados pela
natureza. A sodomia deu origem a uma fábula no medíocre romance da Escritura, compilação fastidiosa
dum judeu ignorante no cativeiro da Babilônia. Sodoma e Gomorra estavam colocadas em crateras de
a n t i g o s v u l c õ e s e p e r e c e r a m c o m o H e r c u l a n o e Po m p é i a , n a I t á l i a , e n g u l i d a s p e l o Ve s ú v i o . E i s t o d o o
milagre! Entretanto, partiram dum evento simplicíssimo para inventar barbaramente o suplício do fogo
contra os pobres mortais que se abandonavam, numa parte da Europa, a essa fantasia que, confessemos
entre nós, é tão gostosa quanto natural...
EUGÊNIA - Oh, natural...
DOLMANCÉ - Sim, natural, eu o sustento: a natureza não tem duas opiniões, uma a se opor à outra
diariamente, e é absolutamente certo que não é da natureza que os homens possuídos por essa mania
recebem as impressões que a ela os conduz. Os que querem afastar ou condenar este gosto pretendem que
ele prejudica o desenvolvimento da população. Como são cacetes estes imbecis que não têm outra idéia
na cabeça e que só vêem crime em tudo que deles discorda? Está por acaso demonstrado que a natureza
tenha tal necessidade dessa população como nos querem fazer acreditar? Será certo que nos ultrajamos
toda vez que prejudicamos esta estúpida propagação? Ouçamos um instante, para nos convencermos disso,
suas leis e sua marcha. Se a natureza criasse constantemente e se nunca destruísse nada, eu poderia
a c r e d i t a r, como esses fastidiosos sofistas, que não haveria nada mais sublime que trabalhar
incessantemente em favor desse desenvolvimento. Po d e r i a , mesmo, concordar em que a recusa de
contribuir para isso fosse um crime. Mas, a mais ligeira visão das operações da natureza não prova, ao
contrário, que a destruição é tão necessária aos seus planos como a criação? Que uma e outra dessas
operações estão tão intimamente ligadas que é impossível a uma agir sem que a outra igualmente
intervenha? Nada nasceria, nada regeneraria, se não houvesse destruição. A destruição é, pois, uma das
leis da natureza, como a criação. Admitindo este princípio, como poderia eu ofender a natureza
recusando-me a criar? Aliás, ainda que admitindo um mal nessa recusa, ele seria muito menor que o de
d e s t r u i r e , n o e n t a n t o , a d e s t r u i ç ã o e s t á n a s l e i s c o m o a c a b o d e p r o v a r. S e , p o i s , d e u m l a d o , e u a d m i t o
a inclinação que a natureza me deu para esse desperdício e, se de outro, eu vejo que ele lhe é necessário
e que eu, simplesmente, me submeto a ela quando o pratico, onde estaria o crime? Mas, vos objetam os
idiotas ou os adeptos do povoamento, o que, aliás é sinônimo: este esperma fecundante não pode estar
c o n t i d o e m v ó s p a r a o u t r o u s o q u e n ã o o d a p r o p a g a ç ã o ; d e s v i á - l o s e r i a u m a o f e n s a . E u a c a b o d e p r o v a r,
ao contrário, que esta perda nem sequer equivaleria a uma destruição e que a própria destruição, muito
m a i s i m p o r t a n t e , n ã o r e p r e s e n t a r i a u m c r i m e . E m s e g u n d o l u g a r, é f a l s o q u e a n a t u r e z a d e s t i n e e s t e l i c o r
espermático exclusivamente à reprodução, pois se assim fosse, ela não permitiria que ele se derramasse
em outra ocasião, como a experiência nos prova; pois nós o perdemos quando queremos e onde queremos.
Ela se oporia ainda a que essas perdas se verificassem sem coito como acontece quer nos sonhos, quer nos
resultados de uma simples evocação. Ela não permitiria que a vara de um licor tão precioso se derramasse
senão no vaso da propagação, e nos recusaria o gozo, com que então nos coroa, quando nós não o
v e r t ê s s e m o s s o b r e e l e . Po i s , n ã o s e r i a r a z o á v e l a c r e d i t a r q u e e l a c o n s e n t i s s e e m n o s o f e r e c e r t a n t o
prazer exatamente quando nós estivéssemos a ultrajá-la ao máximo? Mas vamos além; se as mulheres só
t i v e s s e m n a s c i d o p a r a r e p r o d u z i r, s e e s t a r e p r o d u ç ã o f o s s e a s s i m t ã o c a r a à n a t u r e z a , c o m o a c o n t e c e r i a
que, durante toda sua vida, por mais longo que seja e somando-se todos os períodos, somente sete anos
ela seja apta a criar um seu semelhante? Como? Então a natureza é ávida de propagação; tudo o que a
isso não tende lhe é ofensivo e, durante cem anos de vida, o sexo destinado a produzir só o conseguirá
durante sete anos? A natureza não visa senão à propagação e a semente que para isso dá ao homem perde-
se na medida em que agrada ao homem! E ainda; ele goza o mesmo prazer com o desperdício e com o
emprego útil?... Deixemos, meus amigos, deixemos de acreditarem tais absurdos, eles fazem enrubescer o
bom senso. Ah, longe de ultrajar a natureza, convençamo-nos bem de que o sodomita e a tríbade servem-
na, ao se recusar decididamente a uma conjunção da qual só resulta uma prole fastidiosa para ela. Esta
propagação, não nos enganemos, nunca foi uma de suas leis, mas, no máximo, uma tolerância, já lhes
disse. Que lhe importa que a raça dos homens se extinga e acabe sobre a terra! Ela se ri certamente de
nosso orgulho quando queremos nos convencer de que tudo terminaria se isto acontecesse. Ela nem sequer
se aperceberia disso.. Será que nunca houve o caso de uma raça que se extinguisse totalmente? Buffon
refere-se a várias delas, e a natureza, silenciosa diante de uma perda tão preciosa, talvez nem a
p e r c e b e s s e . . . To d a a e s p é c i e p o d e r i a s e a c a b a r e , e s t e j a i s c e r t o s , n e m p o r i s s o o a r s e r i a m e n o s p u r o , o s
astros menos brilhantes e a marcha do universo menos exata. Quanta imbecilidade, entretanto, seria
necessária para acreditar que nossa espécie é tão útil ao mundo que, aquele que não trabalhasse para a
p r o p a g a r, o u q u e p e r t u r b a s s e e s s a p r o p a g a ç ã o , s e t o m a r i a n e c e s s a r i a m e n t e u m c r i m i n o s o ! A b r a m o s o s
olhos a esse respeito e que o exemplo de povos mais razoáveis nos sirva para que nos convençamos de
nossos erros. Não há um só lugar sobre a terra onde esse pretenso crime de sodomia não tenha tido
t e m p l o s e f i é i s . O s g r e g o s q u e d e l e f a z i a m , p o r a s s i m d i z e r, u m a v i r t u d e , e r i g i r a m - l h e u m a e s t á t u a s o b o
n o m e d e V ê n u s C a l i p í g i a ; Ro m a f o i i n s p i r a r - s e e m A t e n a s e d e l á t r o u x e e s s e d i v i n o p r a z e r. E q u e
progressos não o vemos fazer sob os imperadores? Ao abrigo das águias romanas ele se estende de um
extremo ao outro da terra e, com a destruição do império, se refugia aos pés da coroa; acompanha as
artes na Itália e só chega até nós quando nos civilizamos. Descubramos um novo hemisfério e aí
encontraremos fatalmente a sodomia. Cook mergulha em um novo mundo; ela aí reina. Se nossos balões
t i v e s s e m e s t a d o n a l u a , e l a a í t e r i a s i d o i g u a l m e n t e e n c o n t r a d a . Pr a z e r d e l i c i o s o , f i l h o d a n a t u r e z a e d o
gozo, deveis estar em todo lugar onde os homens se encontrarem e aí onde estiverdes vos elevarão
altares! Ó amigos meus, pode haver maior extravagância do que imaginar que um homem se transforma em
um monstro digno de perder a vida somente porque prefere em seu prazer o orifício de um cu ao de uma
b o c e t a ? Po r q u e , à u m a m u l h e r q u e s ó l h e p r o p o r c i o n a u m p r a z e r, e l e p r e f e r e u m r a p a z i n h o c o m q u e m
consegue dois: o de enrabar e ser enrabado? Seria ele porventura um celerado, um monstro, por ter
q u e r i d o e x e r c e r a f u n ç ã o d e u m s e x o q u e n ã o é o s e u ? E a f i n a l ? Po r q u e a n a t u r e z a o t e r i a f e i t o s e n s í v e l a
este prazer? Examinai sua conformação; vós observareis uma completa diferença relativamente aos
homens que não nasceram com este gosto: suas nádegas serão mais brancas, mais arredondadas, nenhum
p ê l o s e q u e r s o m b r e a r á o a l t a r d o p r a z e r, c u j o i n t e r i o r, r e v e s t i d o d e u m a m e m b r a n a m a i s d e l i c a d a , m a i s
sensual, mais acariciante, oferecerá positivamente os mesmos atrativos que o interior da vagina de uma
m u l h e r. O c a r á t e r d e s t e h o m e m , a i n d a , s e r á d i f e r e n t e d o s o u t r o s ; t e r á m a i s s u a v i d a d e , m a i s f l e x i b i l i d a d e ;
vós nele encontrareis, certamente, quase todos os vícios e virtudes das mulheres. Mesmo a fraqueza que
lhes é própria vós encontrareis nesses tipos; eles terão suas manias e qualquer coisa de feminino em sua
fisionomia. Será, pois, possível que a natureza, assimilando-os desta maneira às mulheres, possa irritar-
se porque eles tenham seus gostos? Não é claro que eles constituem uma classe diferente de homens e que
a natureza os criou assim para diminuir essa propagação cujo excessivo aumento a prejudicaria
infalivelmente? Ah, minha querida Eugênia, se você soubesse como se goza deliciosamente quando um
g r o s s o c a r a l h o l h e e n c h e o e u , q u a n d o , m e r g u l h a d o a t é o s c u l h õ e s e l e a í s e a g i t a c o m t o d o a r d o r. . .
Quando, engolido desde o prepúcio, ele penetra até o pentelho... Não! Não! Não existe no mundo inteiro
um gozo que equivalha a este; é o dos filósofos, é o dos heróis e seria o dos deuses se os únicos deuses
que nós devêssemos adorar não fossem exatamente os órgãos que nos permitem esse divino prazer¹.

(1) Como esta obra nos promete, mais adiante, uma dissertação bem mais externa sobre
este assunto, nos restringimos aqui a uma breve analise.

E U G Ê N I A , a n i m a d í s s i m a - Q u e m e e n r a b e m , m e u s a m i g o s ! Pe g a i , t o m a i a m i n h a b u n d a , e u v o s o f e r e ç o . . .
Fodei-me ! Eu não aguento mais... (Ela cai, ao pronunciar estas palavras, nos braços de Madame de Saint-
Ange, que a segura e oferece o traseiro da menina a Dolmancé).
M A D A M E - D i v i n o p r o f e s s o r, p o d e r i a v o c ê r e s i s t i r a e s t a t e n t a ç ã o ? N ã o l h e t e n t a r á e s t e s u b l i m e t r a s e i r o ?
Ve j a c o m o e l e t r e m e e s e e n t r e a b r e . . .
D O L M A N C É - Pe r d ã o , m i n h a b e l a E u g ê n i a ; n ã o s e r e i e u , s e m e p e r m i t e , q u e m e e n c a r r e g a r e i d e e x t i n g u i r o
f o g o q u e a t i c e i . Vo c ê t e m , m i n h a c r i a n ç a , o g r a n d e d e f e i t o d e s e r m u l h e r. B e m q u e q u i s e s q u e c e r t o d a
prevenção para colher as suas primícias; mas permita que eu fique por aqui. Nosso amigo Cavalheiro que
se encarregue do trabalho. Sua irmã, armada com este consolo, desferir-lhe-à no cu os mais valentes
golpes e, ao mesmo tempo, oferecerá o lindo traseiro a Agostinho que a enrabará; eu o foderei ao mesmo
tempo. Há mais de uma hora, eu vos confesso, que a bunda deste tipo me tenta e é preciso que eu lhe
pague o que me fez.
EUGÊNIA-Está bem, Dolmancé, eu aceito a troca. Mas, francamente, a franqueza da opinião não lhe
diminui a impolidez.
DOLMANCÉ - Mil perdões, senhorita, mas nós, os invertidos, nos orgulhamos da nossa franqueza e da
exatidão de nossos princípios.
MADAME - Não é, entretanto, esta reputação de franqueza que costumam ter os que, como você, estão
acostumados a gozar apenas por detrás...
D O L M A N C É - U m t a n t o h i p ó c r i t a s , s i m , u m p o u c o f a l s o . . . Po d e l h e s p a r e c e r. Po i s b e m , M a d a m e , e u j á
demostrei que este caráter era indispensável na sociedade. Condenados a viverem companhia de gente
que tem o maior interesse em se esconder de nós, em disfarçar os próprios vícios para só nos mostrar
virtudes, que, aliás, nunca incensaram, correríamos o maior perigo se quiséssemos ser francos, pois,
assim, lhes daríamos uma vantagem que eles nos recusam e, com isso, tomariam evidente nossa estupidez.
A d i s s i m u l a ç ã o e a h i p o c r i s i a s ã o - n o s i m p o s t a s p e l a s o c i e d a d e . Po r q u e r e s i s t i r ? Pe r m i t a - m e , M a d a m e , q u e
eu me ofereça, por um instante, como exemplo: não há ninguém no mundo mais corrompido que eu; pois
bem, meus contemporâneos enganam-se redondamente; perguntem-lhes o que pensam de mim e dirão, sem
dúvida, que sou um homem honesto e, entretanto, não há um só crime em que eu não tenha encontrado
um prazer e uma delícia.
M A D A M E - Po i s b e m , a p e s a r d e t u do , v o c ê n ã o m e c o n v e n c e r á d e q u e t e n h a p r a t i c a do e s t a s a t r o c i d a d e s .
DOLMANCÉ - Atrocidades... Ora, Madame, eu cometi horrores...
M A D A M E - E s t á b e m . Vo c ê é c o m o o t a l q u e d i z i a a o c o n f e s s o r : i n ú t i l e n t r a m o s e m p o r m e n o r e s , s e n h o r e s ,
fora o roubo e o assassínio pode estar seguro que tudo mais eu cometi.
DOLMANCÉ - Sim, madame, eu diria o mesmo, incluindo a exceção...
M A D A M E - C o m o ? Vo c ê s e p e r m i t i u , l i b e r t i n o . . .
D O L M A N C É - Tu d o , M a d a m e , t u d o . Po d e - s e l á r e c u s a r a l g u m a c o i s a c o m o m e u t e m p e r a m e n t o e o s m e u s
princípios?
M A D A M E - F o d a m o s ! F o d a m o s ! J á n ã o a g u e n t o e s t a p r o s a , d e i x e m o - l a p a r a m a i s t a r d e . Pa r a d a r f é à s s u a s
confissões quero ouvi-Ias quando estivermos com a cabeça fria. No meio da farra você gosta de dizer
horrores e, com certeza, está nos apontando como verdadeiras as fantasias libertinas de sua imaginação
inflamada. (Enquanto isso os parceiros tomam posição).
D O L M A N C É - E s p e r a , C a v a l h e i r o , e s p e r a ; e u m e s m o v o u a j u d á - l o a i n t r o d u z i r, m a s a n t e s d i s s o , q u e a b e l a
Eugênia me perdoe, é preciso que ela me deixe fustigá-la um pouco como preparação... (Ele a fustiga).
EUGÊNIA - Eis uma cerimônia completamente inútil, Dolmancé. Confesso que ela satisfaz à sua luxúria mas
não fique convencido, ao bater-me, de que eu esteja gozando alguma coisa.
D O L M A N C É ( C o n t i n u a n d o a f u s t i g a r ) - E s p e r e u m p o u c o e e n t ã o v o c ê m e d i r á . Vo c ê n ã o c o n h e c e a
i m p o r t â n c i a d e s s a p r e l i m i n a r. . . Va m o s ! Va m o s , m i n h a s e m - v e r g o n h a , e e u s u r r a r e i a t é s a n g r a r !
E U G É N I A - O h , m e u D e u s c o m o e l e b a t e ! M i n h a s n á d e g a s e s t ã o e m f o g o ! Vo c ê m e m a c h u c a d e v e r d a d e !
M A D A M E - Vo u v i n g á - l a , m e u b e m , v o u p a g a r - l h e n a m e s m a m o e d a . ( F u s t i g a D o l a m a n c é ) .
DOLMANCÉ - Oh! Sinceramente! Eu só peço a Eugênia que me deixe fustigá-la tão fortemente quanto eu
mesmo quero sê-lo. Vê que eu me submeto ã lei da natureza. Mas esperem um pouco, vamos arranjar isto:
que Eugênia a cavalgue, Madame, e agarre em seu pescoço como essas crianças cujas mães as carregam
nas costas: assim terei dois cus ao alcance da mão e os maltratarei ao mesmo tempo. Agostinho e o
Cavalheiro me devolverão juntos essas pancadas, fustigando minhas nádegas a um só tempo. Assim! Assim!
Conseguimos! Ai, meu Deus, que delícia...
MADAME - Não poupem esta pequena. Eu exijo. Eu não reclamo nenhum favor e, por isso, não admito que o
tenha com ela.
EUGÊNIA - Ai! Ai! Ai! Acho que meu sangue está escorrendo!
MADAME - Ele tomará mais bonitas suas nádegas, colorindo-as... Coragem, meu anjo, coragem; lembre-se
d e q u e é p e l o s o f r i m e n t o q u e s e a t i n g e o p r a z e r.
EUGÉNIA - De fato, já não me aguento...
DOLMANCÉ (Pára um minuto para contemplar sua obra e depois recomeça) - Umas sessenta, ainda Eugênia;
s i m , u m a s s e s s e n t a s a i n d a s o b r e c a d a b u n d a ! A h ! C o m o v o c ê s g o z a r ã o a g o r a a o f o d e r, s u a s p â n d e g a s !
(Desfaz-se o grupo).
MADAME (Examinando as nádegas de Eugênia) - Ah, a pobrezinha... Como está ensanguentado seu traseiro!
Celerado, que prazer você têm em beijar assim os vestígios de sua crueldade?
DOLMANCÉ (Lambuzando-se) - Sim, eu não o escondo; e meus beijos seriam mais ardentes se os vestígios
fossem mais cruéis.
E U G Ê N I A - Vo c ê é u m m o n s t r o !
DOLMANCÉ - Concordo...
M I RV E L - E l e t e m bo a f é , p e lo m e n o s .
D O L M A N C É - Va m o s , s o d o m i z e - a , C a v a l h e i r o .
M I RV E L - L e v a n t e - l h e o t r a s e i r o e e m t r ê s te m p o s el a e s t a r á e n r a b a d a .
E U G É N I A - O h ! C é u s ! O s e u é m a i o r q u e o d e D o l m a n c é , C a v a l h e i r o , v o c ê m e r a s g a r á . . . Te n h a p e n a d e
mim, peço-lhe.
M I R V E L - I m p o s s í v e l , m e u a n j o . Te n h o q u e i r a t é o f i m . L e m b r e - s e d e q u e e s t o u s e n d o o b s e r v a d o p e l o m e u
mestre; é preciso que eu seja digno de suas lições.
D O L M A N C É - Ó t i m o ! A h ! C o m o e u g o s t o d e v e r u m p e n t e l h o r o ç a r a s p o r t a s d e u m â n u s . . . Va m o s , M a d a m e ,
enrabe seu irmão... O caralho de Agostinho já está pronto para se introduzir em você e quanto a mim,
f i q u e c e r t a d e q u e n ã o p o u p a r e i s e u f o r n i c a d o r. . . A h ! Q u e b o m ! j á m e e n d u r e c e u a c a b e ç a d o p a u ,
p e n s e m o s s o m e n t e e m d e s c a r r e g a r. . .
MADAME - Examinai esta pequena, como ela vibra, a miserável.
E U G Ê N I A - E e u t e n h o c u l p a ? E u m o r r o d e p r a z e r. . . E s t a f l a g e l a ç ã o . . . E s t e i m e n s o c a r a l h o e e s t e a m á v e l
cavalheiro que me masturba ao mesmo tempo... Meu bem, meu bem, eu não aguento mais!
MADAME - Caramba! Já a deixarei em paz, estou acabando...
DOLMANCÉ - Esperem um pouco, ainda um pouco de conjunto, meus amigos! Se me dão dois minutos eu os
alcançarei e acabaremos juntos.
M I RV E L - N ão a d i a n t a; m i n h a po r r a c o r r e j á n o c u d e E u g ê n i a .. . E u m o r r o. . . A h , m e u D e u s , q u a n t o p r a z e r !
DOLMANCÉ - Eu também, meus amigos, eu também os acompanho: o gozo me cega igualmente!
AGOSTINHO - E eu? E eu?
MADAME - Que cena!... Este fanchona me encheu o cu...
M I RV E L - A o b i d é , s e n h o r a s , ao b i d é !
MADAME - Nada disso, eu gosto de sentir o cu cheio de porra, não a jogo fora nunca.
EUGÊNIA - Já não me aguento. De fato! Digam-me, meus amigos, se uma mulher deve aceitar sempre uma
proposta para ser fodida assim...
MADAME - Sempre, minha cara, sempre. Ela deve fazer ainda mais: como esta maneira de foder é
deliciosa, ela deve exigi-Ia daqueles a quem serve; mas se depende daquele com quem se está divertindo,
se ela espera dele conseguir presentes, obséquios, ou outros favores, que se faça de rogada, que se
valorize... Não existe um homem, com esta inclinação, que nesse caso não se arruíne por uma mulher que
s e j a b a s t a n t e h á b i l p a r a n ã o r e c u s a r, c o m o o b j e t i v o d e o e x c i t a r a i n d a m a i s . E l a c o n s e g u i r á t u d o s e
possuir a arte de só conceder aos pouquinhos o que lhe pedem...
DOLMANCÉ - Então, meu anjinho, já se converteu? já não acredita que a sodomia seja um crime?
EUGÊNIA - E mesmo que fosse, que me importa? Já me foi demonstrado que o crime não existe! Bem
poucas ações parecem, agora, criminosas, a meus olhos.
DOLMANCÉ - Não há crime em relação a nada, minha filha, em relação a coisa alguma. A mais monstruosa
das ações não tem sempre um lado pelo qual nos é propícia?
EUGÊNIA - Quem duvida?
D O L M A N C É - Po i s b e m ! S e a s s i m é , e l a c e s s a d e s e r u m c r i m e . Po i s , s e a q u i l o q u e é ú t i l a u m ,
prejudicando a outro, fosse um crime, seria preciso demonstrar que o ser prejudicado era mais precioso à
natureza que o favorecido; ora, se todos os indivíduos são iguais aos olhos da natureza, esta predileção é
impossível; logo, a ação que favorece a um, prejudicando a outro, é absolutamente indiferente aos olhos
da natureza.
EUGÊNIA - Mas, e se a ação prejudicasse uma enorme quantidade de indivíduos e só nos desse uma
p e q u e n a q u a n t i d a d e d e p r a z e r, n ã o s e r i a c o n d e n á v e l p r a t i c á - l a ?
D O L M A N C É - A b s o l u t a m e n t e ! N ã o h á c o m p a r a ç ã o e n t r e o q u e s e n t e m o s o u t r o s e o q u e n ó s s e n t i m o s . Po r
maior que seja o sofrimento alheio, nós não sentimos nada, ao passo que por menor que seja o prazer que
desfrutamos, ele é sempre nosso; logo, nós devemos, a qualquer preço, preferir esse pequeno prazer que
n o s s a t i s f a z à e s s a i m e n s a s o m a d e d e s g r a ç a s a l h e i a s c o m a q u a l n a d a t e m o s a v e r. M a s s e a c o n t e c e , a o
contrário, que a singularidade de nossos órgãos nos leve a sentir prazer com as desgraças alheias - como
costuma, aliás, acontecer - quem duvidará que devemos incontestavelmente preferir esta dor alheia, que
nos diverte, à ausência de um sofrimento que seria uma privação para nós? A fonte de todos os erros da
moral vem da admissão ridícula deste liame de fraternidade que os cristãos inventaram em sua época de
infortúnio e miséria. Obrigados a mendigar a piedade dos outros, eles trataram de estabelecer que todos
eram irmãos. Como deixar de socorrer os outros, admitida tal hipótese? Mas é impossível admitir esta
doutrina. Não nascemos todos isolados? Ainda mais, todos inimigos uns dos outros, num perpétuo estado
de guerra recíproco? Ora, eu vos pergunto se isto aconteceria, na suposição de que as virtudes exigidas
por essa pretensa rede de fratemidade existissem realmente na natureza? Se sua voz as inspirassem aos
homens, eles as possuiriam desde o nascimento. Desde então a piedade, a benevolência, a humanidade,
seriam virtudes naturais de que seria impossível nos livrarmos, tomando, este estado primitivo do homem,
q u e a c a b a m o s d e v e r, e m c o i s a c o m p l e t a m e n t e d i f e r e n t e .
EUGÊNIA - Mas, se como você diz, a natureza faz nascer os homens isolados, todos independentes uns dos
outros, concorde ao menos que as necessidades, ao aproximá-los, estabelece certas ligações entre eles:
p o r e x e m p l o , a s d o s a n g u e , q u e s u r g e m d e s u a a l i a n ç a r e c í p r o c a ; a s d o a m o r, a s d a a m i z a d e , d o
reconhecimento, etc. Ao menos estas você respeita, espero?
DOLMANCÉ - Na verdade, não mais do que a outras. Mas analisemo-las, Eugênia, rapidamente. Diria você,
p o r e x e m p l o , q u e a n e c e s s i d a d e q u e t e n h o d e m e c a s a r, q u e r p a r a v e r m i n h a r a ç a p r o l o n g a r - s e , q u e r p a r a
obter fortuna, deve levar-me ao estabelecimento de laços indissolúveis ou sagrados com o objeto ao qual
me alio? Não seria um absurdo sustentar isto, pergunto? Enquanto dura o ato do coito eu posso, sem
dúvida, ter necessidade deste objeto para completá-lo, mas logo que me satisfaça, o que restará, diga-
me, entre ele e eu? Que obrigação real resultará deste coito que me prenda a mim ou a ele? Estes últimos
laços foram os frutos do medo que tiveram os pais de se verem abandonados na velhice, e os cuidados
interesseiros que nos dispensam durante nossa infância só nos proporcionam para merecer depois as
mesmas atenções, na velhice. Não nos deixemos enganar a este propósito: nós nada devemos aos nossos
pais. E como não foi por nós que trabalharam, é nos permitido não só detestá-los como, mesmo,
desfazermos-nos deles se seu procedimento nos irrita. Nós só devemos amá-los quando eles se portam bem
p a r a c o n o s c o , e e s s a t e r n u r a n ã o d e v e s e r m a i o r d o q u e a q u e t e r í a m o s p a r a c o m u m a m i g o q u a l q u e r,
porque os direitos do nascimento não estabelecem nada, não fundamentam coisa alguma. Analisando-os
com sabedoria e reflexão nós só encontraríamos, seguramente, razão para odiar aqueles que, só se
preocupando com seus prazeres, nos deram uma existência quase sempre desgraçada ou malsã. Fala-me
d o s l a ç o s d o a m o r, E u g ê n i a ? P u d e s s e v o c ê n u n c a o s c o n h e c e r ! Q u e u m t a l s e n t i m e n t o , p e l o b e m q u e l h e
quero, não se aproxime jamais de seu coração! O que é o amor? Só podemos considerá-lo como o efeito
que causam as qualidades de um belo objeto sobre nós; estes efeitos nos transportam, nos inflamam. Se
possuímos este objeto, eis-nos contentes; se nos é impossível conseguí-lo nos desesperamos. Mas qual é a
base deste sentimento? O desejo. Quais são as consequências deste sentimento? A loucura. Firmemo-nos
p o i s n o m o t i v o e l i v r e m o - n o s d o s e f e i t o s . O m o t i v o é p o s s u i r o o b j e t o ? Po i s b e m , p r o c u r e m o s c o n s e g u í - l o ,
mas com sabedoria. Se o obtemos, gozamos dele. Consolemo-nos, caso contrário; mil outros objetos
s e m e l h a n t e s , e m u i t a s v e z e s m e l h o r e s , n o s c o n s o l a r ã o d a p e r d a . To d o s o s h o m e n s , t o d a s a s m u l h e r e s s e
assemelham, e não existe amor que resista aos efeitos de uma sã reflexão. Oh Como é falsa esta
embriaguez que, absorvendo os resultados das sensações, mete-nos num tal estado que nós não
enxergamos mais, que não existimos mais senão para este objeto loucamente adorado! É isto, viver? Não
s e r á , a n t e s , u m a p r i v a ç ã o v o l u n t á r i a d e t o d a s a s d o ç u r a s d a v i d a ? N ã o s e r á p e r m a n e c e r, v o l u n t a r i a m e n t e ,
nas garras duma febre arrasadora que nos devora e nos absorve, sem deixar outra felicidade que os gozos
metafísicos tão semelhantes aos efeitos da loucura? Se nós devêssemos amar para sempre este objeto
adorável, se fosse certo que nunca viéssemos a abandoná-lo, isto seria já uma extravagância, sem dúvida,
mas, pelo menos escusável. É isto que acontece, porém? Há, por acaso muitos exemplos destas ligações
e t e r n a s , n u n c a d e s m e n t i d a s ? A l g u n s m e s e s d e p r a z e r, r e c o l o c a n d o l o g o o o b j e t o e m s e u v e r d a d e i r o l u g a r,
fazem-nos envergonhar do incenso que queimamos sobre seus altares e, muitas vezes, chegamos a não
compreender que ele tivesse nos seduzido a tal ponto. Oh, jovens voluptuosas, entreguem, pois, seus
c o r p o s t a n t o q u a n t o p u d e r e m ! F o d a m , d i v i r t a m - s e , e i s o e s s e n c i a l . M a s f u j a m c u i d a d o s a m e n t e d o a m o r.
Nele não há de bom senão o físico, dizia o naturalista Buffon, e não foi apenas sobre isto que ele refletiu
como bom filósofo. Divirtam-se, repito; mas não arpem. Não se escravizem aos seres. Não se extenuem em
lamentações, em suspiros, em doces olhares, em escrever suaves bilhetes. Fodam, multipliquem e
troquem constantemente de parceiro. Oponham-se, sobretudo, fortemente, a que um só as cative, porque
sua única finalidade, ao ligar-se a vocês, será impedi-Ias de se entregar a outro, egoísmo cruel que se
tornará logo fatal para seus prazeres. As mulheres não foram feitas para um só homem: foi para todos que
a natureza as criou. Não ouvindo senão esta voz sagrada que elas se entreguem indiferentemente a todos
os que as desejem. Putas sempre, jamais amantes; fugindo do a m o r, adorando o p r a z e r, elas só
e n c o n t r a r ã o r o s a s n o c a m i n h o d a e x i s t ê n c i a . Pe r g u n t e , E u g ê n i a , p e r g u n t e à e n c a n t a d o r a m u l h e r q u e
gentilmente se encarregou de sua educação, o que deve fazer com o homem de que já gozou? (Falando
b a i x o d e m a n e i r a a n ã o s e r o u v i d o p o r A g o s t i n h o ) . Pe r g u n t e - l h e s e l e v a n t a r i a u m a p a l h a c o n s e r v a r e s t e
A g o s t i n h o q u e h o j e f a z s u a s d e l í c i a s ? N a h i p ó t e s e d e q u e o d e s e j a s s e m r o u b a r, e l a t o m a r i a u m o u t r o e n ã o
pensaria mais nele. Logo, cansada de novo, ela o imolaria em dois meses se novos prazeres pudesse
conseguir deste sacrifício.
MADAME - Esteja certa, Eugênia, de que Dolmancé revela aqui meu coração, e o de todas as mulheres
como se nós lhe tivéssemos aberto inteiramente.
DOLMANCÉ - A última parte de minha análise refere-se aos laços da amizade e do reconhecimento.
Re s p e i t e m o s o s p r i m e i r o s , c o n s i n t o, e n q u a n t o n o s s ão ú t e i s . Co n s e r v e m o s n o s s o s a m i g o s e n q u a n t o n o s
servem, esqueçamo-los desde que não possamos mais tirar proveito deles. É só pensando no próprio bem
que devemos amar aos outros; amá-los por eles mesmos não passa de estupidez. A natureza nunca inspirou
aos homens movimentos ou sentimentos que não lhes servissem para alguma coisa; nada é tão egoísta
como a natureza, sejamo-lo também se quisermos obedecer suas leis. Quanto ao reconhecimento, Eugênia,
é, sem duvida, o mais fraco de todos os liames. É pensando em nós que os homens procedem de modo a
obrigar-nos ao reconhecimento? Não acreditemos, minha cara. É por ostentação, por orgulho. Não é, pois,
humilhante tornarmonos o joguete do amor próprio dos outros? Não o será ainda mais mostrarmo-nos
agradecidos? Nada pesa tanto como favor recebido. Nada de meio-termo; ou o devolvemos, ou ele nos
aviltará. As almas valorosas não suportam o peso dum favor; este pesa sobre elas tão violentamente que o
ú n i c o s e n t i m e n t o q u e e l a s p o d e m e x p r e s s a r é o d e ó d i o p e l o s e u b e n f e i t o r. Po r é m , q u a i s s e r ã o , n a s u a
opinião os laços que compensam o isolamento em que nos criou a natureza? Quais os que estabelecem as
relações entre os homens? Como os amaremos, se preferimos a nós mesmos? Com que direito aliviaremos
seus infortúnios? Onde estará, agora, em nossas almas o berço das belas e inúteis virtudes, da
beneficência, da humanidade, da caridade; inscritas no código absurdo de algumas religiões imbecis, que,
pregadas por impostores ou por mendigos tiveram, necessariamente, que aconselhar o que podia sustentá-
los ou tolerá-los? Ora bem, Eugênia, admite você, ainda, a existência de qualquer coisa sagrada entre os
h o m e n s ? Po d e c o n c e b e r a l g u m a r a z ã o p a r a n ã o n o s p r e f e r i r a o s o u t r o s ?
EUGÊNIA - Estas lições, que vêm de encontro ao meu coração, agradam-me demais para que meu espírito
as recuse.
MADAME - Elas estão na natureza, Eugênia. A aprovação que você lhes dá prova-o. Como poderiam ser
oriundas da corrupção se nascem, espontaneamente, de um espírito ainda virgem?
EUGENIA - Mas, se todos os erros que você preconiza são naturais, por que é que as leis se opõem a eles?
D O L M A N C É - Po r q u e a s l e i s n ã o s ã o f e i t a s p a r a o p a r t i c u l a r, m a s p a r a o g e r a l , o q u e a s c o l o c a e m
perpétua contradição com o interesse pessoal, visto que o interesse pessoal está sempre em oposição ao
geral. Mas as leis, boas para a sociedade, são péssimas para os indivíduos que a compõem pois, para cada
vez que os protejam ou os garantam, elas os escravizam e dominam três quartas partes de sua vida. O
homem sábio, desprezando-as, tolera-as, como faz com as serpentes e víboras que, embora firam e
envenenem, servem, algumas vezes, à medicina. Ele se defenderá das leis como se defende destes animais
venenosos: garantir-se-à com precauções e mistérios, coisas fáceis à riqueza e à prudência. Se sua alma
inflamar-se, Eugênia, e a fantasia levá-la a cometer algum crime, fique certa de que poderá cometê-lo
em paz diante de nós.
EUGÊNIA - Ah! Esta fantasia já se apossou de meu coração.
MADAME - Que capricho a agita, Eugênia? Diga-nos com toda confiança.
EUGÊNIA, exaltada - Eu queria uma vítima.
MADAME - De que sexo desejaria que ela fosse?
EUGÊNIA, ainda exaltada - Do meu.
DOLMANCÉ - E então, Madame, está contente com a sua aluna? Seus progressos são suficientemente
rápidos?
EUGÊNIA, no mesmo estado de espírito - Uma vítima, meu bem, uma vítima! Oh! Meu Deus, isto faria a
minha felicidade!
MADAME - E que faria você dela?
E U G Ê N I A - Tu d o . . . Tu d o . . . Tu d o o q u e p u d e s s e t o r n á - l a a m a i s d e s g r a ç a d a d a s c r i a t u r a s . O h ! M e u b e m ,
minha adorada, tenha piedade de mim, não aguento mais!
D O L M A N C É - C a r a m b a , q u e i m a g i n a ç ã o ! Ve n h a , E u g ê n i a , v o c ê é d e l i c i o s a . Ve n h a , q u e r o b e i j á - l a u m m i l h ã o
d e v e z e s ! ( Re t o ma - a n o s b r a ço s ) . Ol h e , M ad a m e , v e j a c om o e s t a l i b e r t i n a go z a s e m q u e a t o q u e m , d e p u r a
imaginação... Eu enrabarei ainda uma vez, de qualquer maneira.
EUGÊNIA - E em seguida, terei o que peço?
DOLMANCÉ - Sim, maluca, eu respondo por isso.
E U G Ê N I A - E i s m e u c u , q u e r i d o , f a ç a d e l e o q u e q u i s e r.
DOLMANCÉ - Espere, quero gozar este prazer do modo mais requintado. Agostinho, estenda-se sobre a
b e i r a d e s t a c a m a . E u g ê n i a d e i t a r - s e - á e m s e u s b r a ç o s e n q u a n t o e u a s o d o m i z a r. A c a r i c i a r e i s e u c l i t ó r i s
c o m a s o b e r b a c a b e ç a d o p a u d e A g o s t i n h o q u e , p a r a e c o n o m i z a r s u a p o r r a , f a r á p o r n ã o a c a b a r. O
querido Cavalheiro, que se masturba silenciosamente enquanto nos ouve, colocar-se-á sobre os ombros de
Eugênia, expondo suas belas nádegas aos meus beijos. Eu o masturbarei por baixo e assim, conservando
m e u e n g e n h o n o c u d e E u g ê n i a , a c a r i c i a r e i d o i s m e m b r o s . M a d a m e , d e p o i s d e t e r s i d o m i n h a m u l h e r, s e r á
meu macho. Coloque um de seus consolos, senhora! (Madame abre uma caixinha cheia deles e o nosso
herói escolhe o maior). Bem, este, diz o número, tem quatorze polegadas de comprimento e dez de
g r o s s u r a . A m a r r e - o b e m n a c i n t u r a , M a d a m e . Pe n e t r e - m e c o m t o d a f o r ç a .
M A D A M E - Vo c ê e s t á l o u c o , D o l m a n c é , e u v o u e s t r o p i á - l o .
DOLMANCÉ - Não tenha medo. Empurre, penetre, meu anjo! Não enrabarei sua querida Eugênia senão
quando seu enorme membro estiver bem no fundo de meu cu... Chegou, chegou, meu Deus! Ah, você me
e l e v a à s n u v e n s ! N ã o t e n h a p i e d a d e , m i n h a b e l a . Av i s o - a d e q u e v o u e n r a b á - l a s e m n e n h u m a p r e p a r a ç ã o . . .
Ah, meu Deus, que lindo rabo!
E U G Ê N I A - Vo c ê m e r a s g a , m e u a m i g o . . Pr e p a r e p e l o m e n o s o c a m i n h o . . .
DOLMANCÉ - Não, não o faria nunca. A gente perde a metade do prazer com estes cuidados idiotas.
Lembre-se de nossos princípios, Eugênia. Eu trabalho para mim; você será a vítima por um momento, meu
anjo. O seu dia chegará... Ah, meu Deus, como ele entra!
E U G Ê N I A - Vo c ê m e m a t a !
D O L M A N C É - Po r r a , e s t o u a c a b a n d o !
E U G Ê N I A - F a ç a o q u e q u i s e r, a g o r a . E l e e n t r a ! A i , c o m o e u g o z o !
DOLMANCÉ - Como é gostoso esfregar este caralho sobre o grelo duma virgem! Vira-me este rabo,
Cavalheiro... Está boa esta punheta libertino? Foda, Madame, foda esta sua puta. Sim, eu sou uma puta,
e u q u e r o s e r u m p u t a ! A c a b e E u g ê n i a , a c a b e , m e u a n j o . A g o s t i n h o , s e m q u e r e r, e n c h e - m e d e p o r r a . O
Cavalheiro também... Eu mesmo estou a acabar! Não aguento! Eugênia, mexa este rabo, que teu ânus
aperte-me o pau. Quero lançar no fundo de suas entranhas esta porra candente que se exala. Eu morro!
(Dolmancé se retira. O conjunto se desfaz). Olhe, Madame, veja esta pequena como está coberta de
porra. Acaricie seu grelo ainda molhado de esperma: não há nada mais delicioso.
E U G Ê N I A , p a l p i t a n t e - O h , m e u b e m , c o m o v o c ê m e f a z g o z a r ! M e u a m o r, e u a r f o d e l u b r i c i d a d e !
DOLMANCÉ - Cavalheiro, tendo sido escolhido para deflorar esta linda menina, junte-se à sua irmã para
fazê-la gozar até que desmaie em seus braços. Mas que o faça de maneira a apresentar-me o rabo; quero
Mê-lo enquanto Agostinho me enraba.
M I RV E L - E s t á b e m , a s s i m , n e s t a p o s i ç ão ?
D O L M A N C É - L e v a n t e o c u u m p o u c o , m e u a m o r. A s s i m . . . Q u e r q u e o p r e p a r e , C a v a l h e i r o ?
M I R V E L - C o m o q u i s e r. S ó q u e r o g o z a r e s t a d e l i c i o s a g a r o t a . ( B e i j a - a e m a s t u r b a - a , e n f i a n d o - l h e u m d e d o
na boceta, enquanto Madame ajuda-o, titilando o clitóris de Eugênia).
D O L M A N C É - Po i s e u , m e u c a r o , s i n t o m u i t o m a i s p r a z e r c o m v o c ê , e s t e j a s e g u r o , d o q u e c o m E u g ê n i a . H á
tanta diferença entre o cu de um rapaz e o de uma garota!... Enrabe-me, Agostinho! Que é que está
esperando?
AGOSTINHO - Como? O senhor quer que meu pau, depois de regar a pombinha desta beleza, fique duro
diante de seu cu? Se ele ao menos fosse tão bonito como essa babaquinha...
D O L M A N C É - I m b e c i l ! Pa r a q u e q u e i x a r - s e ? A s s i m é a n a t u r e z a : c a d a u m r e z a a s e u s a n t o . Va m o s , p e n e t r e -
me, Agostinho! Quando você tiver mais experiência me dirá então se os cus não valem tanto como as
b o c e t a s . . . E u g ê n i a , d e v o l v a a o C a v a l h e i r o o q u e l h e d e v e . Vo c ê s ó s e o c u p a d e s i m e s m a , m i n h a l i b e r t i n a ,
e tem razão; mas, no interesse de seus próprios prazeres, masturbe-o. Ele vai colher suas primícias.
E U G Ê N I A - P o i s b e m , e u o m a s t u r b a r e i , b e i j a r e i . . . Pe r c o a c a b e ç a . . . A i , a i , m e u s a m i g o s , e u n ã o a g u e n t o
mais, tenham pena de mim. Eu morro, eu acabo! Meu Deus, estou fora de mim!
DOLMANCÉ - Quanto a mim, sei o que faço. Só queria me entesar neste belo cu; guardo para Madame de
Saint-Ange a porra que acumulei. Nada me diverte tanto como começar num cu a operação que terminarei
e m o u t r o . E n t ã o , C a v a l h e i r o , e s t a m o s p r o n t o s ? Va m o s o u n ã o d e s c a b a ç á - l a ?
E U G Ê N I A - O h c é u s ! N ã o q u e r o s e r d e s v i r g i n a d a p o r e l e . E u m o r r e r i a . S e u p a u é m e n o r, D o l m a n c é ; q u e s e j a
a você que eu deva esta operação.
DOLMANCÉ - Não é possível, meu anjo. Nunca penetrei uma boceta em minha vida e, não será na minha
i d a d e q u e v á c o m e ç a r. S u a s p r i m í c i a s p e r t e n c e r ã o a o C a v a l h e i r o , s ó e l e é d i g n o , a q u i , d e c o l h ê - l a s . N ã o
lhe roubemos seus direitos.
M A D A M E - Re c u s a r u m c a ba ç o. . . Tã o f r e s c o , t ã o l i n d o. . . D e s a f i o q u e m d i g a q u e E u g ê n i a n ão é a m a i s li n d a
m e n i n a d e Pa r i s . Do l m a n c é , e i s o q u e s e p o d e c h a ma r d e e x c e s s i v o a p e g o a p r i n c í p i o s !
DOLMANCÉ - Nem tanto, Madame, pois muitos de meus iguais não chegariam nunca a enrabá-la. Eu já o fiz
e o repetirei. Isto não é ser fanático.
M A D A M E - Va m o s , e n t ã o , a i s t o , C a v a l h e i r o . M a s p r e p a r a i - a a n t e s , v e j a c o m o é p e q u e n o o e s t r e i t o q u e v a i
a t r a v e s s a r. N ã o h á n e n h u m a p r o p o r ç ã o e n t r e o c o n t e ú d o e o c o n t i n e n t e .
E U G Ê N I A - M o r r o ! É i n e v i t á v e l . . . M a s o a r d e n t e d e s e j o d e s e r f o d i d a m e f a z a r r i s c a r t u d o s e m n a d a t e m e r.
Pe n e t r e , m e u c a ro , a ba n d o n o - m e a v o c ê .
M I R V E L , s e g u r a n d o o p a u , q u e v i b r a - S i m Po r r a ! Vo u f i s g á - l a . M i n h a i r m ã . . . D o l m a n c é , a b r a m - l h e a s
pemas. Meu Deus, que aventura! Sim, sim, fosse ela rasgada, estraçalhada... É preciso, afinal, que ela
passe por isso.
E U G Ê N I A - D e v a g a r, m e u b e m , d e v a g a r, e u n ã o a g u e n t o . . . ( E l a g r i t a , a s l á g r i m a s c o r r e m - l h e p e l a s f a c e s ) .
S o c o r r o , m i n h a a m i g a ! ( E l a s e d e b a t e ) . N ã o , n ã o ; n ã o q u e r o q u e e l e e n t r e . Pe d i r e i s o c o r r o s e v o c ê
continuar!
M I R V E L - G r i t e q u a n t o q u i s e r, c a n a l h i n h a ! E l e e n t r a r i a m e s m o q u e v o c ê t i v e s s e q u e m o r r e r m i l v e z e s .
EUGÉNIA - Que bárbaros!
D O L M A N C É - Po r r a , n i n g u é m p o d e s e r d e l i c a d o q u a n d o f o d e !
M I R V E L - S e g u r e m - n a ! J á v a i i n d o . . . J á v a i i n d o . . . Po r r a ! F o i p a r a o d i a b o e s t e c a b a ç o . O l h e m o s a n g u e
como corre.
E U G Ê N I A - B a n d i d o . . . C a r n i c e i r o . . . E s t r a ç a l h e - m e a g o r a s e q u i s e r, p o u c o m e i m p o r t o . B e i j e - m e , c a r r a s c o ,
beije-me; eu o adoro... Ah, não se sente mais nada quando ele entra, passam todas as dores. Desgraçadas
das jovens que se defendem dum tal ataque! Quantos prazeres elas perdem por recear uma dorzinha
atoa... Enfie, enfie, Cavalheiro; eu acabo, regue com sua porra as feridas que me abriu. Empurre até a
m a t r i z ! A h ! A d o r c e d e a o p r a z e r. . . E u d e s f a l e ç o ! ( O C a v a l h e i r o e s p o r r a . D u r a n t e e s t e t e m p o D o l m a n c é
acariciou-lhe o cu e os culhões, e Madame de Saint-Ange titilou o grelo de Eugênia. A postura se desfaz).
DOLMANCÉ – Eu acho que, enquanto o caminho estiver aberto, esta pandega deve ser fodida por Agostinho.
E U G É N I A - P o r A g o s t i n h o . . . U m c a r a l h o d a q u e l e t a m a n h o . . . A s s i m e m s e g u i d a . . . Vo c ê s m e q u e r e m m a t a r ?
Eu ainda sangro.
M A D A M E - M e u a m o r. . . B e i j e - m e , t e n h o p e n a d e v o c ê . . . M a s a s e n t e n ç a f o i d a d a e n ã o t e m a p e l o . N ã o
fuja, coração!
A G O ST I N H O - J á e s to u p ro n t o . E u v i r i a d e Ro ma a p é pa r a f o d e r e s t a m e n i n a.
M I R V E L , e m p u n h a n d o o e n o r m e m e m b r o d e A g o s t i n h o - Ve j a , E u g ê n i a , c o m o e l e s e a g i t a , c o m o é d i g n o d e
m e s u b s t i t u i r.
E U G E N I A - J u s t o s c é u s , q u e s e n t e n ç a ! Vo c ê s q u e r e m m e m a t a r. . .
AGOSTINHO, agarrando Eugênia - Não, senhorita, isto nunca matou ninguém.
DOLMANCÉ - Um momento, meu filho, um momento. Quero ver-lhe o cu enquanto você a fode. Assim!
Aproxime-se, Madame, prometi que a enrabaria e mantenho a palavra. Mas coloque-se de maneira que, ao
f o d ê - l a , e u p o s s a f u s t i g a r E u g ê n i a . Po r s e u l a d o , q u e o C a v a l h e i r o m e a ç o i t e e n q u a n t o i s s o . ( A r r a n j a m -
se).
E U G Ê N I A - P o r r a , e l e m e m a t a ! D e v a g a r, s e u f i l h o d a p u t a . A i c o m o p e n e t r a . . . F o i a t é o f u n d o . . . E u m o r r o !
D o l m a n c é , c o m o v o c ê m e b a t e . . . E u a r d o d o s d o i s l a d o s . Vo c ê m e d e i x a o r a b o e m f o g o .
D O L M A N C É , f u s t i g a n d o c o m f o r ç a - To m e , t o m e , c a n a l h a ! Vo c ê g o z a r á c o m m a i s d e l í c i a . Q u e b e l a p u n h e t a
você lhe faz Saint-Ange, como este dedo ligeiro deve suavizar as dores que Agostinho e eu lhe causamos!
Seu cu se aperta, Madame, vamos acabar juntos... Ah, que divino é estar assim entre o irmão e a irmã!
MADAME - Foda, meu sol, foda! nunca tive tanto prazer!
M I R V E L - Tr o q u e m o s d e l u g a r, D o l m a n c é . Pa s s e d e p r e s s a d o c u d e m i n h a i r m ã p a r a o d e E u g ê n i a p a r a f a z ê -
la conhecer o prazer da troca. Eu enrabarei minha irmã que, enquanto isso, oferecerá o rabo aos
chicotes, até sair sangue, como você fez com Eugênia.
DOLMANCÉ, obedecendo - Está bem... veja, meu amigo, pode-se lá fazer uma troca mais rápida?
EUGÊNIA – Os dois em cima de mime Não sei mais quem me fole... Já bastava esse filho da puta! Ah,
quanto me vai custar este duplo gozo! Estou toda molhada! Se não fosse isso já estaria morta... E então,
q u e r i d a , v o c ê m e i m i t a ! C o m o a l a p r a g u e j a e s t a c a n a l h a . . A c a b e , D o l m a n c é , a c a b e , m e u a m o r. . . E s t e
Agostinho me inunda... Meu licor se mistura aos vossos. Ah, meus caros fornicadores... Os dois juntos?
Que é isso? Estou arrasada! (A postura se desfaz). Então, minha cara, está contente com sua aluna? Já sou
b a s t a n t e p u t a ? Vo c ê s m e p u s e r a m n u m e s t a d o . . . N u m a a g i t a ç ã o . . . E u l h e s j u r o q u e , n u m a e m b r i a g u e z
como esta eu iria, se fosse preciso, fazer-me foder no meio das ruas!
DOLMANCÉ - Como ela está linda assim...
EUGÊNIA - Detesto-o, você me recusou!
D O L M A N C É - Po d e r i a e u c o n t r a r i a r m e u s d o g m a s ?
EUGÊNIA - Está bem, eu o perlou-o. Devo respeitar até os princípios que conduzem ao erro. Como poderia
repudiá-los se desejo viver no crime? Sentemo-nos e conversemos um pouco; não aguento mais. Continue
minha instrução, Dolmancé e diga-me alguma coisa que me console dos excessos a que me entreguei.
Extinga-me os remorsos, encoraje-me!
M A D A M E - Pe r f e i t o , é p r e c i s o q u e u m p o u c o d e t eo r i a s u c e d a à p r á t i c a . É o p r o c e s s o pa r a c h e g a r à
perfeição.
D O L M A N C É - Po i s b e m , E u g ê n i a , s o b r e q u e q u e r v o c ê q u e e u a e n t r e t e n h a ?
EUGÊNIA - Queria saber se os costumes são de fato necessários num país, se sua influência pesa sobre o
gênio de uma nação?
D O L M A N C É - Ó t i m o , a o s a i r h o j e d e m a n h ã , c o m p r e i n o Pa l á c i o d a I g u a l d a d e u m a b r o c h u r a q u e , a o
acreditar-se no título, responde exatamente a sua pergunta. Acaba de vir à luz.
M A D A M E - Ve j a m o s ! ( E l e l ê : " F r a n c ê s e s , m a i s u m e s f o r ç o s e q u e r e i s s e r r e p u b l i c a n o s " ) . . . E i s u m t í t u l o
singular; ele promete. Cavalheiro, você que possui uma boa garganta, leia isto.
DOLMANCÉ - Ou estou muito enganado, ou isto responde perfeitamente à pergunta de Eugênia.
EUGÊNIA - De fato.
MADAME - Vá-se embora, Agostinho, isto não foi feito para você. Fique por perto, no entanto. Se
precisarmos de você, tocarei a campainha.
M I RV E L - C o m e ço .

"Franceses, mais um esforço se quereis ser republicanos".


VI. A RELIGIÃO

Eu venho vos oferecer grandes idéias; elas serão ouvidas e sobre elas se refletirá. Ainda que
todas não agradem, algumas, ao menos, ficarão e eu terei contribuído para o progresso humano e estarei
contente. Não o escondo; é com tristeza que vejo a lentidão com que caminhamos, e com inquietude
p e r c e b o q u e e s t a m o s n a v é s p e r a d e f r a c a s s a r m a i s u m a v e z . Pe n s a m q u e e s t e f i m s e r á a t i n g i d o q u a n d o n o s
t i v e r e m d a d o l e i s i d e a i s ? N ã o o a c r e d i t e i s . Q u e f a r í a m o s n ó s d a s l e i s s e m a r e l i g i ã o ? Pr e c i s a m o s d e u m
culto, e de um culto feito para o caráter de um republicano; porém bem diferente daquele que houve em
Ro m a. N u m s é c u l o e m q u e e s t a m o s t ão c o n v e n c i d o s d e q u e a r e l i g i ão d e v e s e ap o i a r s o b r e a m o r al e n ão a
moral sobre a religião, precisamos de uma religião que se eleve sobre os costumes, que seja um
desenvolvimento seu, uma consequência necessária e que possa, elevando a alma, sustentá-la
perpetuamente à altura desta liberdade preciosa que é hoje seu único ídolo. ora, eu vos pergunto se é
p o s s í v e l s u p o r q u e a r e l i g i ã o d e u m e s c r a v o d e Ti to o u d e u m v i l h i s t r i ão d a J u d é i a p o s s a co n v i r a u m a
nação livre e guerreira que acaba de se regenerar? Não, meus compatriotas, não, vós não o acreditais. Se
desgraçadamente, o francês mergulhasse ainda uma vez nas trevas do cristianismo, o orgulho, a tirania, o
despotismo dos padres, de um lado, - vícios aliás sempre renovados nesta horda impura -e a baixeza, as
insignificâncias, as chatices dos dogmas e dos
mistérios desta indigna e enganosa religião, de outro, embotando a energia de sua alma republicana levá-
l o - i a m , i m e d i a t a m e n t e , a s u b m e t e r - s e d e n o v o a o j u g o q u e s u a e n e r g i a a c a b a d e q u e b r a r.
Não nos esqueçamos que essa pueril religião era uma das melhores armas nas mãos de nossos
tiranos: um de seus primeiros dogmas era: "Dar a César o que é de César"; mas nós destronamos César e
não queremos mais dar-lhe coisa alguma. Franceses, seria vã presunção acreditar que espírito de um clero
juramentado fosse diverso do de um clero refratário. Há vícios de constituição que não se corrigem. Em
menos de dez anos, através da religião cristã, de sua superstição, de seus preconceitos, vossos padres, a
despeito dos juramentos, a despeito da pobreza, retomariam sobre as almas o antigo domínio; eles vos
escravizariam de novo aos reis, pois que o poder dos reis e o da religião são uma e mesma coisa e, então,
vosso edifício republicano se desmoronaria por falta de bases.
Ó vós que empunhais a foice, desferi o golpe de misericórdia na árvore da superstição; não vos
contenteis com podar os ramos, desenraizai de uma vez uma planta cujos efeitos são tão contagiosos.
Convencei-vos perfeitamente de que vosso sistema de liberdade e de igualdade contraria demasiado os
ministros dos altares de Cristo, para que possa existir um só deles que o adote de boa fé ou não procure
abalá-lo se consegue readquirir qualquer domínio sobre as consciências. Qual o padre que, comparando o
estado atual com o que gozava antigamente, não fará tudo o que de si depender para recobrar a confiança
e autoridade perdidas? E quantos seres fracos e pusilânimes não se tornarão novamente escravos desse
c o r o i n h a a m b i c i o s o ? Po r q u e n ã o i m a g i n a r q u e t a i s i n c o n v e n i e n t e s n ã o p o d e m r e n a s c e r ? N a i n f â n c i a d a
igreja cristã os padres não estavam exatamente na situação em que hoje estão? Vós vistes até onde
chegaram. Quem, entretanto, os conduziu até lá? Não teriam sido os meios que a sua própria religião lhes
fornece? Cara, se vós não proibis absolutamente esta religião, os que a pregam, dispondo sempre dos
mesmos meios, atingirão sem dificuldade os mesmos resultados.
Aniquilai pois para sempre tudo o que pode destruir um dia vossa obra. Lembrei-vos que o fruto
de vossos trabalhos, estando reservados para vossos netos, é de vosso, d e v e r, depende de vossa
probidade, não deixar subsistir esses germes perigosos que poderia fazê-los mergulhar de novo no caos do
qual com tanto esforço saímos. Já começam a se dissipar nossos preconceitos, o povo começa a abjurar os
abusos católicos; ele próprio suprimiu os templos e ídolos. Convencionou-se que o casamento não é mais
do que um ato civil, os confessionários quebrados alimentam as ladeiras públicas; os pretensos fiéis,
desertando do banquete apostólico, deixam para os ratos os deuses de farinha. Não pareis, francêses.
To d a a E u r o p a , j á c o m u m a d a s m ã o s n a v e n d a q u e l h e c e r r a o s o l h o s , e s p e r a d e v ó s q u e a a j u d e i s a
a r r a n c á- l a . A p r e s s a i - v o s : n ã o d e i x a i s q u e a "S a n t a Ro m a" , q u e s e a g it a e m to do s o s s e n t i d o s p a r a r e p r i m i r
vossa energia, tenha tempo sequer para conservar alguns prosélitos. Golpeai decididamente sua cabeça
orgulhosa e vivaz e que, em menos de dois meses, a árvore da liberdade, sombreando os destroços do
t r o n o d e S ã o Pe d r o , c u b r a c o m s e u s r a m o s v i t o r i o s o s t o d o s e s s e s d e s p r e z í v e i s í d o l o s d o c r i s t i a n i s m o ,
elevados, vergonhosamente, sobre as cinzas dos Catões e dos Brutos.
Eu vos repito, francêses: a Europa espera que vós a liberteis uma só vez, do cetro e do turíbulo.
L e m b r a i - v o s d e q u e l h e s é i m p o s s í v e l l i v r á - l a d a t i r a n i a r e a l s e m q u e a f a ç a i s q u e b r a r, a o m e s m o t e m p o ,
os freios da superstição religiosa; os liames que as unem são tão íntimos que, se deixardes subsistir uma
d e l a s , v ó s r e c a i r e i s i m e d i a t a m e n t e s o b r e o d o m í n i o d a q u e n e g l i g e n c i a r d e s d e d e s t r u i r. N ã o é d i a n t e d e
um ser imaginário ou de um vil impostor que um republicano deve se inclinar; seus únicos deuses devem
s e r a g o r a a " c o r a g e m " " e a " l i b e r d a d e " . Ro m a d e s a p a r e c e u d e s d e q u e l á s e p r e g o u o c r i s t i a n i s m o e a
França estará perdida se aqui o reverenciam ainda. Examinemos com atenção os dogmas absurdos, os
mistérios assustadores, as cerimônias monstruosas, a moral impossível dessa desagradável religião e ver-
s e - á s e e l a p o d e c o n v i r a u m a R e p ú b l i c a . Po d e i s a c r e d i t a r, d e b o a f é , q u e e u m e d e i x a s s e d o m i n a r p e l a
opinião de um homem que eu acabasse de ver aos pés de um imbecil sacerdote de Jesus? Não,
absolutamente; esse homem, irremediavelmente vil, estará sempre ligado às atrocidades do antigo regime
e, desde que se submete às cretinices de uma religião tão vulgar como a que tínhamos a loucura de
a c e i t a r, n ã o p o d e r á m a i s , n e m m e d i t a r l e i s n e m m e e s c l a r e c e r. N ã o o v e j o s e n ã o c o m o u m e s c r a v o d o s
preconceitos e da superstição.
Pa r a n o s c o n v e n c e r m o s d e s t a v e r d a d e l a n c e m o s o s o l ho s s o b r e o p e q u e n o n ú m e r o d e i n d i v í d u o s
que permanecem fiéis ao culto insensato de nossos pais, e veremos então se são todos eles inimigos
irreconciliáveis do atual sistema; veremos se não é em seu seio que se enumera toda esta casta,
justamente desprezada, dos realistas e aristocratas. Que o escravo de um bandido coroado se dobre, se
deseja, aos pés de um ídolo de barro; um tal objeto é feito para sua alma de lama: quem pode servir aos
reis pode adorar aos deuses. Mas nós, Franceses, nós, meus compatriotas, humilharmo-nos rasteiramente
sob freios tão desprezíveis! Não! Antes morrer mil vezes do que nos escravizar de novo. Se acharmos que
é necessário um culto, imitemos o dos romanos: as ações, as paixões, os heróis, eis os seus respeitáveis
o b j e t o s . Ta i s í d o l o s e l e v a r a m a a l m a , e l e t r i z a v a m - n a . F a z i a m m a i s , c o m u n i c a v a m - l h e a s v i r t u d e s d o s s e r e s
respeitados. O adorador de Minerva desejava ser prudente. A coragem residia no coração daquele que era
visto ajoelhar-se aos pés de Marte. Nenhum dos deuses desses grandes homens era privado de energia;
todos transmitiam o fogo que os abrasava à alma de quem os venerava. E como havia a esperança de ser
um dia adorado como um Deus, cada um aspirava tomar-se, pelo menos, tão grande como aquele que
tomava por modelo. Que vemos, pelo contrário, nos deuses vãos do cristianismo? Que vos oferece,
p e r g u n t o v o s , e s t a r e l i g i ã o i m b e c i l ¹ ? O v u l g a r i m p o s t o r d e N a z a r é f a z n a s c e r, p o r v e n t u r a , g r a n d e s i d e a i s ?
Sua vil e enfadonha mãe, a impudica Maria, vos inspira alguma virtude? Encontrais entre os santos, que
guarnecem seu Eliseu, algum modelo de grandeza, de heroísmo ou de virtude? É tão verdadeiro que esta
estúpida religião não se harmoniza com as grandes idéias que nenhum artista pode empregar seus
a t r i b u t o s n o s m o m e n t o s q u e e l e v a . N a p r ó p r i a R o m a a m a i o r i a d o s e n f e i t e s e o r n a m e n t o s d o Pa l á c i o d o s
p a p a s i n s p i r a - s e n o p a g a n i s m o , e , e n q u a n t o o m u n d o s u b s i s t i r, s ó e l e i l u m i n a a m e n t e d o s g r a n d e s
homens.

(1) Se alguém examinar com atenção esta religião, verificará que suas características originam-se, em
parte, da ferocidade e da inocência dos judeus e, em parte, da indiferença e da confusão dos gênios. Em
lugar de se apropriar do que os povos da antiguidade podem oferecer de bom, os aparecem haver formado
sua religião da mistura dos vícios que em toda parte encontraram.

Seria, por outro lado, no teísmo puro, que nós viríamos a encontrar mais motivos de grandeza e
elevação? Será que a adoção de uma quimera, dando à nossa alma esse grau de energia essencial às
virtudes republicanas, levará o homem a desejá-las e a praticá-las? Não o acreditemos; abandonemos este
f a n t a s m a e , p r e s e n t e m e n t e , o a t e í s m o é o ú n i c o s i s t e m a d a q u e l e s q u e s a b e m r a c i o c i n a r. A m e d i d a e m q u e
o homem se foi esclarecendo, começou a perceber que o movimento, sendo inerente à matéria, o agente
necessário deste movimento não passaria de um ser ilusório e que, se tudo que existia devesse, por
essência, estar em movimento, o motor inicial seria inútil. Sentiu, também, o homem, que este Deus
quimérico, prudentemente inventado pelos primeiros legisladores, não passava entre suas mãos de mais
um meio para aprisioná-lo e que, reservando-se o direito de fazer falar este fantasma saberiam sempre
fazê-lo dizer unicamente aquilo que lhes conviesse, em apoio das leis ridículas que nos escravizavam.
Licurgo, Numa, Moisés, Jesus Cristo, Maomé, todos estes grandes patifes, todos estes déspotas de nossas
idéias, souberam associar as divindades que fabricavam à própria e desmesurada ambição e, certos de
dominar os povos com a sanção destes deuses tiveram, como sabemos, a constante preocupação de só
interrogá-los na ocasião própria e de fazê-los responder
exclusivamente o que julgassem poder servi-los. Confundamos, pois, hoje, no mesmo desprezo, não só o
Deus vão que certos impostores pregam, como todas as sutilezas religiosas que decorrem de sua ridícula
adoção. Os homens livres não se deixam mais embair com brinquedos como este. Que a extinção total dos
cultos conste pois dos princípios que propagamos por toda a Europa. Não nos contentemos em quebrar os
cetros; pulverizemos para sempre os ídolos. Entre a superstição e a realeza só houve, sempre, um passo¹.
Isto tem sido assim, pois uma das principais cláusulas da sagração dos reis foi, sempre, a manutenção da
religião dominante como uma das bases políticas para a sustentação do trono. Mas já que abatemos este
trono, já que o destruímos, felizmente, para sempre, não receiemos extirpar também tudo aquilo que
constituía seu apoio.

(1) Acompanhai a história de todos os povos: vós vereis que nunca nenhum deles trocou o primitivo
governo por um governo monárquico senão em conseqüência do próprio embrutecimento ou superstição
vereis sempre os reis apoiarem a religião e a religião sangrar os reis. E conhecida a história do
i n t e n d e n t e e d o c o z i n h e i r o : Pa s s a i - m e a p i m e n t a , q u e e u l h e p a s s a r e i a m a n t e i g a . D e s g r a ç a d o g ê n e r o
humano, estareis sempre destinado a ocupar o lugar do patrão destes velhacos.

Sim, cidadão, a religião é incoerente com o sistema da liberdade, vós já o percebeste. Nunca um
homem livre se curvará diante dos deuses do cristianismo, nunca os seus dogmas, seus ritos, seus
mistérios ou sua moral convirão a um republicano. Ainda um esforço! Se é que trabalhais para destruir
todos os preconceitos, não deixes que subsista nenhum, pois que basta um só para fazer retomar todos. E
como poderíamos ter dúvidas sobre seu retomo se aquele que deixais viver é, positivamente, o berço, a
o r i g e m , d e t o d o s o s o u t r o s ! D e i x e m o s d e a c r e d i t a r q u e a r e l i g i ã o p o s s a s e r ú t i l a o h o m e m . Te n h a m o s b o a s
l e i s e p o d e r e m o s d i s p e n s a r, p e r f e i t a m e n t e , a r e l i g i ã o . M a s , e s e f ô r n e c e s s á r i a u m a p a r a o p o v o ; s e e l a o
distrai e o contém? Ora bem; dêem-nos neste caso a única que convêm a homens livres, dêem-nos os
d e u s e s d o p a g a n i s m o . A d o r a r e m o s d e b o a v o n t a d e J ú p i t e r, H é r c u l e s o u Pa l a s , m a s n ã o q u e r e m o s m a i s
saber do fabuloso autor dum universo que se move a si mesmo, não queremos mais saber de um Deus sem
extensão e que, entretanto, enche tudo com sua imensidade, dum Deus todo poderoso e que nunca
executa os seus desejos, dum ser soberanamente bom que só cria a descontentes, dum ser amigo da ordem
e em cujo domínio tudo é desordem. Não, não mais queremos um Deus que desorganiza e que é o pai da
confusão, e que conduz o homem mesmo quando este pratica horrores. Um Deus como este faz-nos tremer
d e i n d i g n a çã o e n ó s d e i x a mo s pa r a . s e m p r e n o e s q u e c i m e n to d o n d e o i n f a m e Ro b e s p i e r r e q u i s t i rá - l o² .

( 2 ) To d a s a s r e l i g i õ e s c o i n c i d e m n o e x a l t a r a s a b e d o r i a e o p o d e r d a d i v i n d a d e , m a s d e s d e o
momento que elas nos expõem sua conduta nós só encontramos nela a imprudência a fraqueza e loucura.
Deus, diz-se, criou o mundo por ai mesmo e, entretanto até agora não conseguiu fazer-se adorar
convenientemente por suas criaturas Deus nos faz adorá-lo e nós passamos os dias a nos rir dele. afinal
que pobre coitado que é este Deus...

F r a n c ê s e s , s u b s t i t u a m o s e s t e i n d i g n o f a n t a s m a p e l a s i m p o n e n t e s f i g u r a s q u e f i z e r a m d e Ro m a a
dominadora do universo; tratemos todos os ídolos cristãos como fizemos com os dos reis. Nós recolocamos
os emblemas da liberdade sobre as bases que sustinham antigamente os tiranos; reergamos igualmente a
efígie dos grandes homens sobre os pedestais destes vadios que o cristianismo adora.³ Cessemos de temer
os efeitos do ateísmo em nossas mulheres. os próprios camponeses não sentiram a necessidade de
aniquilar o culto católico, tão contraditório com os verdadeiros princípios da liberdade? Não assistiram
e l e s , s e m n e n h u m m e d o o u d o r, a d e s t r u i ç ã o d e s e u s a l t a r e s e p r e s b i t é r i o s ? Po d e i s a c r e d i t a r q u e e l e s
renunciarão igualmente a este Deus ridículo. As estátuas de Marte, de Minerva e da Liberdade serão
colocadas nos lugares de destaque de suas habitações. Celebrar-se-à todos os anos uma festa e, nela, será
entregue uma coroa cívica ao cidadão que mais tiver merecido o reconhecimento da pátria. A entrada de
u m b o s q u e s o l i t á r i o , V ê n u s , H í m e n e o A m o r, e r g u i d o s s o b u m t e m p l o a g r e s t e , r e c e b e r ã o a h o m e n a g e m d o s
amantes; ali a beleza coroará a constância pela mão das graças. Não será suficiente apenas amar para
merecer esta coroa, será preciso ter sabido ser digno de ser amado. Heroísmo, talento, humanidade,
grandeza de alma, um civismo a toda prova, eis os títulos que o amante será obrigado a colocar aos pés
de sua adorada. Ele valerão pelos títulos do nascimento e da riqueza que um orgulho imbecil exigia
a n t i g a m e n t e . Pe l o m e n o s a l g u m a s v i r t u d e s b r o t a r ã o d e s t e c u l t o e n q u a n t o q u e a p e n a s c r i m e s s u r g e m
d a q u e l e q u e t i v e m o s a f r a q u e z a d e p r a t i c a r. E l e s e a l i a r á c o m a l i b e r d a d e q u e s e r v i m o s , e l e a a n i m a r á ,
sustentá-la-á, abrazá-la-á, ao passo que o teísmo é, pela sua essência e natureza, o mais mortal dos
inimigos da liberdade.

( 3 ) Tr a t a m - s e a q u i , d a q u e l e s h o m e n s c u j a r e p u t a ç ã o é r e c o n h e c i d a d e s d e m u i t o t e m p o .
Correu por acaso, uma só gota de sangue quando os ídolos pagãos foram destruídos no Baixo-
Império? A revolução preparada pela estupidez dum povo tomado novamente escravo operou-se sem o
menor obstáculo. Como poderemos temer que a obra da filosofia seja mais difícil que a do despotismo?
São apenas os padres que mantêm ainda aos pés de seu quimérico Deus este povo que vós tendes tanto
m e d o d e e s c l a r e c e r. A f a s t a i - o d e l e s e o v é u t o m b a r á n a t u r a l m e n t e . A c r e d i t a i q u e e s t e p o v o , m u i t o m a i s
sábio do que pensais, libertado dos ferros da tirania, sê-lo-á imediatamente dos da superstição. Vós o
temeis sem este freio? Que extravagância! Ah, acreditai-me, cidadãos; aquele que o gládio material das
leis não retêm, não cera retido pelo medo moral dos suplícios do infamo, de que se mofa desde a
i n f â n c i a . Vo s s o t e í s m o , e m u m a p a l a v r a , f e z c o m e t e r m u i t o s c r i m e s m a s n ã o i m p e d i u n e n h u m , j a m a i s . S e
é verdade que as paixões cegam, que elas fazem erguer-se um véu sobre nossos olhos, que nos escondem
os perigos de que se cercam, como poderemos supor que aquilo que está longe de nós, como as punições
anunciadas pelo vosso Deus, possa dissipar esta nuvem que o próprio
gládio da lei, sempre suspenso sobre as paixões, não consegue desfazer? Se fica pois provado que este
f r e i o s u p l e m e n t a r, i m p o s t o p e l a i d é i a d e u m D e u s , r e s u l t a i n ú t i l , s e e s t á d e m o n s t r a d o q u e e l e é m e s m o
perigoso pelos seus outros efeitos, eu pergunto: para que poderá ele servir e que razões poderiam valer
para prolongar-lhe a existência? Dir-me-ão que o tempo não está ainda maduro para que consolidemos
nossa revolução com tal brilho. Ah, meus concidadãos; o caminho que percorremos desde 89 foi muito
mais difícil do que o que nos resta completar e nós precisaremos trabalhar muito menos a opinião, neste
sentido, do que fizemos naquele período, desde a tomada da Bastilha. Acreditemos que um povo, bastante
sábio, bastante corajoso para conduzir um monarca imprudente do cume de suas grandezas aos pés do
cadafalso, que em tão poucos anos soube vencer tantos preconceitos, quebrar tantos freios ridículos, sê-
lo-á bastante para imolar à prosperidade da república um fantasma muito mais ilusório ainda do que
poderia ser o de um rei.
Frangi, vós desferireis os primeiro golpes: vossa educação nacional fará o resto. Mas trabalhai
prontamente, esta é uma de vossas tarefas mais importantes. Que ela tenha sobretudo por base esta
moral essencial, tão negligenciada na educação religiosa. Substitui as imbecilidades teístas, com que
fatigais os jovens órgãos de vossas crianças, por excelentes princípios sociais. Que, em lugar de aprender
a recitar preces fúteis, que se orgulharão de ter esquecido, aos dezesseis anos, elas estejam instruídas
em seus deveres para com a sociedade. Ensinai-lhes a admirar aquelas virtudes de que lhes faláveis
antigamente e que, dispensando vossas fábulas religiosas, bastam-lhe para sua felicidade pessoal. Fazei
que eles percebam que esta felicidade consiste em fazer os outros tão felizes quanto nós mesmos
d e s e j a m o s s e r. Se assentais estas verdades sobre essa quimera cristã, como antigamente tínheis a
l o u c u r a , d e f a z e r, v o s s o s a l u n o s s e a p e r c e b e n d o d a f u t i l i d a d e d a s b a s e s , b o t a r ã o a b a i x o o e d i f í c i o t o d o e
se tonarão verdadeiros celerados somente por acreditar que a religião os proibia de sê-lo. Fazendo-os
s e n t i r, a o c o n t r á r i o , a n e c e s s i d a d e d a v i r t u d e , u n i c a m e n t e p o r q u e a s u a p r ó p r i a f e l i c i d a d e d e p e n d e d e l a ,
eles serão honestos por egoísmo e, como este domina todos os homens, ela estará assentada em bases
solidíssimas. Que se evite, pois, com o maior cuidado, misturar qualquer fábula religiosa a esta educação
nacional. Não esqueçamos nunca que são homens livres que desejamos formar e não vis admiradores de um
D e u s q u a l q u e r. Q u e u m f i l ó s o f o s i m p l e s i n s t r u a e s t e s n o v o s a l u n o s s o b r e a s u b l i m e i n c o g n o s c i b i l i d a d e d a
natureza; que ele lhes prove que o conhecimento de um Deus, muitas vezes perigoso aos homens, nunca
serviu à sua felicidade e que eles não serão mais felizes, admitindo como causa do que não compreendem,
algo que eles compreendem ainda menos; que é muito menos importante compreende. a natureza do que
respeitar-lhes as leis e saber utilizá-las a seu favor; que estas leis são tão sábias quanto simples; que
estão inscritas no coração de todos os homens e que basta interrogar este coração para perceber-lhes o
s e n t i d o . S e e l e s d e s e j a r e m , d e q u a l q u e r m a n e i r a , q u e v ó s f a l e i s d e u m c r i a d o r, r e s p o n d e i - l h e s q u e , t e n d o
sido as coisas sempre aquilo que são, não tendo nunca tido começo e não devendo jamais ter fim, é tão
inútil quando impossível ao homem remontar a uma origem imaginária, que nada explicaria e nada
acrescentaria. Dizei-lhes que é impossível aos homens terem idéias verdadeiras sobre um ser que não age
s o b r e n e n h u m d e n o s s o s s e n t i d o s . To d a s n o s s a s i d é i a s s ã o r e p r e s e n t a ç õ e s d e o b j e t o q u e n o s i m p r e s s i o n a m .
Como poderemos representar a idéia de Deus, que, evidentemente, é uma idéia sem objeto? Uma tal
idéia, ajuntai, não será tão impossível como um efeito sem causa?
Uma idéia sem protótipo pode ser outra coisa que uma simples quimera? Alguns doutores,
continuareis, asseguram que a idéia de Deus é inata e que os homens já a possuem no ventre materno.
M a s i s t o é f a l s o , a j u n t a r e i s . To d o p r i n c í p i o é u m j u í z o , t o d o j u í z o é o e f e i t o d e u m a e x p e r i ê n c i a e a
experiência só se adquire exercitando os sentidos; donde se segue que os princípios religiosos não se
fumam sobre nada e, portanto, não são inatos. Como se pode, continuareis, persuadir a seres razoáveis
que a coisa mais difícil a compreender era a mais essencial para eles? É que os aterrorizaram, é que,
quando se tem medo cessa-se de raciocinar; é que, quando chega a ser recomendado que se desconfie da
razão e quando o cérebro é pertubado, crê-se em tudo e não se examine nada. A ignorância e o medo, dir-
lhes-ei ainda, eis as duas bases de todas as religiões. A incerteza que domina o homem relativamente a
Deus, eis precisamente o motivo que o prende ã sua religião. Nas trevas o homem tem medo, tanto física
quando moralmente; torna-se habitual e transforma-se, mesmo, em necessidade: ele acreditará faltar
alguma coisa se não tiver mais nada a esperar ou a temer; retomai, em seguida, à utilidade da moral:
fornecei-lhes sobre este importante assunto mais exemplos que lições, mais provas que livros, e deles
fareis bons cidadãos, bons guerreiros, bons pais e bons esposos; fareis deles homens tanto mais ligados à
liberdade do próprio país quanto a idéia de servidão não poderá mais apresentar-se ao seu espírito,
quando o terror religioso não pertubará seu gênio. Então, o verdadeiro patriotismo brilhará em todas as
almas; reinará aí com toda sua força e com toda sua pureza, porque será o único sentimento dominante e
nenhuma idéia estranha diminuir-lhe-à a energia. Então vossa Segunda geração estará garantida e vossa
obra, consolidada por ela, tornar-se-á a lei do universo. Mas, se por medo ou pusilanimidade estes
conselhos não forem ouvidos e se deixar subsistir as bases do edifício que se acredita ter destruído, que
a co n t e c e r á ? Re c o n s t r u i r - s e - á s o b r e e s t a s ba s e s e , s o b r e e l a s , s e e r g u e r ã o o s m e s m o s co lo s s o s co m a c r u e l
diferença que, desta vez, eles serão cimentados tão fortemente que nem a vossa geração, nem as que a
seguirem, conseguirão jamais destruí-los.
Que não se tenham dúvidas sobre serem as religiões a base do despotismo. O primeiro déspota foi
u m pa d r e ; o p r i m e i r o r e i e o p r i m e i r o i m p e r a d o r d e Ro m a, N u m a e A u g u s t o , a s s o c ia r a m - s e am b o s a o
sacerdócio; Constantino e Clóvis foram mais bispos que soberanos; Heliogábalo foi um sacerdote devasso.
Em todos os tempos, em todos os séculos houve, entre o despotismo e a religião, uma tal conexão que
fica mais que demonstrado que, ao destruir-se um, solapa-se o outro, pela simples razão de que o
primeiro servirá sempre de lei ao segundo. Não proponho, entretanto, nem massacres, nem deportações;
estes horrores estão bem longe de minha alma para que os ouse conceber sequer um minuto. Não, não
assassinarei, não deportarei. Estas atrocidades, são próprias dos reis e dos celerados que os incitaram.
Não será imitando-os que vós fareis que eles sejam execrados; não empregueis a força senão com os
ídolos; usai o ridículo com que os servem. Os sarcasmos de Juliano fizeram mais mal à religião cristã que
todos os suplícios de Nero. Sim, destruamos, destruamos para sempre toda idéia de Deus e transformemos
seus sacerdotes em soldados; já alguns o são, e que permaneçam nesta ocupação tão nobre para um
republicano. Mas que eles não nos falem mais nem desse ser quimérico nem de sua religião fabulosa,
único objeto de nosso desprezo. Condenemos a ser vaiado, ridicularizado, coberto de lama em todas as
esquinas das maiores cidades da França, o primeiro abençoado charlatão que nos vier falar ainda de Deus
ou de religião: prisão perpétua será a pena para aquele que cair duas vezes no mesmo erro. Que as mais
insultuosas blasfêmias, os livros mais ateus, sejam plenamente autorizados, afim de extirpar do coração e
da memória dos homens estes temíveis brinquedos de nossa infância. Que se organize um concurso para a
obra mais capaz de esclarecer os europeus sobre uma matéria tão importante e que um prêmio
considerável, conferido pela nação, seja a recompensa daquele que, tendo dito tudo, tudo demonstrado
sobre esta matéria, não deixe mais nada para seus compatriotas que uma foice para aniquilar estes
fantasmas e um coração pronto a odiá-los. Em seis meses tudo estará acabado; vosso infame Deus estará
no nada e isto sem que deixemos de ser justos, ciumentos da estima alheia; sem que deixemos de temer o
g l á d i o d a s l e i s e d e s e r m o s h o n e s t o s . Po r q u e n o s t e r e m o s a p e r c e b i d o d e q u e o v e r d a d e i r o a m i g o d a p á t r i a
n ã o d e v e , c o m o e s c r a v o d o s r e i s , d e i x a r - s e c o n d u z i r p o r q u i m e r a s . Po i s q u e n ã o é , a f i n a l , n e m a f r í v o l a
e s p e r a n ç a d e u m m u n d o m e l h o r, n e m o r e c e i o d e m a i o r e s m a l e s d o q u e a q u e l e s q u e n o s e n v i a a n a t u r e z a ,
que devem conduzir um republicano, cujo único guia é a virtude, cujo único freio é o remorso.
VII. OS COSTUMES

Depois de haver demonstrado que o teísmo não convém, absolutamente, a um governo


r e p u b l i c a n o , p a r e c e - m e n e c e s s á r i o p r o v a r, t a m b é m , q u e o s c o s t u m e s f r a n c ê s e s n ã o l h e s ã o , i g u a l m e n t e ,
convenientes. Este ponto é tanto mais essencial quanto são, exatamente, os costumes, que vão servir de
motivo para as leis a serem promulgadas. Franceses, vós sois demasiadamente esclarecidos para que não
sintais que um governo vai precisar de novos costumes. É impossível que o cidadão dum Estado livre se
conduza como o escravo de um déspota. A diferença de seus interesses, de seus deveres, de suas mútuas
relações, determinam, essencialmente, uma maneira completamente diversa de se c o m p o r t a r. Uma
multidão de pequenos erros, de pequenos delitos sociais, considerados como extremamente importantes
sob o governo dos reis, obrigados a impor freios e restrições para se fazerem respeitar pelos súditos,
torna-se inútil aqui. Outros delitos, conhecidos sob o nome de regicído ou de sacrilégio, devem,
igualmente, desaparecer num Estado republicano, que não reconhece mais nem rei nem religião. Ao
conceber a liberdade de consciência e de imprensa, lembrai-vos, cidadãos, que para sermos coerentes
d e v e r í a m o s c o n c e b e r, i g u a l m e n t e , a d e a g i r, e q u e , a f i n a l , e x c l u í d o s a q u e l e s q u e a f e t a m d i r e t a m e n t e a s
p r ó p r i a s b a s e s d o E s t a d o , r e s t a r - v o s - á b e m p o u c o s c r i m e s p a r a p u n i r. Po r q u e , d e f a t o , h á p o u q u í s s i m a s
ações que possam ser consideradas criminosas numa sociedade que se erga sobre a liberdade e a
i g u a l d a d e . Pe n s a n d o e e x a m i n a n d o b e m a s c o i s a s , n ã o é c r i m i n o s o s e n ã o a q u i l o q u e a l e i r e p r o v a , p o r q u e
a natureza impondo-nos igualmente os vícios e as virtudes, em razão de nossa organização ou, mais
filosoficamente ainda, em razão da necessidade que ela tem de um e de outro, só nos daria um critério
muito pouco seguro para distinguirmos com precisão o bem do mal. Mas, para melhor desenvolver minhas
idéias sobre um objeto tão essencial, vamos classificar as diferentes ações da vida do homem que até
aqui se tinha convencionado chamar de criminosas e as compararemos, em seguida, com os verdadeiros
deveres de um republicano.Em todos os tempos os deveres do homem foram classificados das três
seguintes e diversas maneiras:

1°) Aqueles que sua consciência e sua credulidade lhe impõem relativamente ao Ser Supremo;
2°) Aqueles que ele é obrigado a cumprir relativamente a seus irmãos;
3°) Enfim, aqueles que se relacionam consigo mesmo.

A certeza que devemos ter de que nenhum Deus se preocupa conosco e que, criaturas fracas da
natureza, como as plantas e os animais, nós só estamos aqui porque seria simplesmente impossível que
aqui não estivéssemos; esta certeza, sem dúvida, aniquila, como se vê, imediatamente, a primeira parte
desses deveres: aqueles em relação aos quais nos julgamos responsáveis em face de Deus. Com eles
desapareceram todos os delitos religiosos, todos os conhecidos sob a designação vaga e indefinida de
impiedade, de sacrilégio, de blasfêmia, de ateísmo, etc., todos esses, enfim, que Atenas puniu com tanta
injustiça em Alcebíades e a França no infortunado La Barre. Se há algo de extravagante do mundo é ver-se
q u e o s h o m e n s q u e s ó c o n h e c e m s e u p r ó p r i o D e u s , o u o q u e e l e p o s s a e x i g i r, s e g u n d o s u a s l i m i t a d a s
vistas, querem, entretanto, decidir sobre a natureza do que contenta ou desgosta este ridículo fantasma
d e s u a i m a g i n a ç ã o . E u n ã o g o s t a r i a q u e s e l i m i t a s s e m a p e r m i t i r, i n d i f e r e n t e , o e x e r c í c i o d e t o d o s o s
cultos; desejaria que se fosse livre para ridicularizar a todos e rir de todos. Que aqueles que se
r e u n i s s e m n u m t e m p l o q u a l q u e r, p a r a i n v o c a r o e t e r n o s e g u n d o s u a f a n t a s i a , f o s s e m v i s t o s c o m o s i m p l e s
c o m e d i a n t e s s o b r e u m p a l c o , d i a n t e d o q u a l é p e r m i t i d o r i r, a q u e m q u e r q u e s e j a . S e v ó s n ã o e n c a r a r d e s
as religiões sob este aspecto, elas recuperarão a solenidade que as toma respeitáveis. Elas conquistarão
com facilidade a opinião pública e, quando menos nos apercebemos, já não nos será possível discutir as
religiões porque estaremos discutindo a religião¹. A igualdade será destruída pela preferência ou pela
proteção atribuída a uma delas e desaparecerá em seguida do governo. A teocracia, reedificada, fará logo
renascer a aristocracia. Eu não me cansarei de repetir: acabai com os deuses, franceses, acabai com os
deuses, se não quereis que seu funesto império vos mergulhe de novo em todos os horrores do despotismo.
Mas só será pelo ridículo que os destruiremos; todos os perigos que eles trazem consigo ressurgirão aos
m i l h a r e s s e l h e s d a i s i m p o r t â n c i a e s e o s c o m b a t e i s c o m f u r o r. N ã o d e r r u b e i s c o m c ó l e r a s e u s í d o l o s ;
pulverizai-os brincando e seu prestígio cairá por si só.

( 1 ) C a d a p o v o p r e t e n d e q u e s u a r e l i g i ã o s e j a a m e l h o r e s e a p o i a , p a r a n o s p e r s u a d i r, s o b r e u m a
infinidade de provas não só fintes entre si, mas quase todas contraditórias. Na profunda ignorância em
que nos encontramos, qual é aquela que poderia agradar a Deus, se é que existe um Deus? Se quisermos
ser sábios devemos acatá-las todas ou recusarmos todas; o mais certo será recusá-las posto que a certeza
moral nos garante serem todas as religiões apenas imposturas, na medida em que não podem agradar
mais, ou menos, a um deus que não existe.
Eis o bastante, espero, para demonstrar que não deve ser votada nenhuma lei contra os delitos
religiosos porque quem ofende uma quimera não ofende nada, e porque seria a última das inconseqüências
punir os que ultrajam ou desprezam o culto cuja prioridade sobre os outros nada prova; isto seria,
justamente, adotar um partido e influenciar em conseqüência a balança de igualdade; primeira lei de
vosso governo.
Pa s s e m o s a o s s e g u n d o s d e v e r e s d o h o m e m , o s q u e o l i g a m a o s s e u s s e m e l h a n t e s . E s t a c l a s s e é a
mais extensa, sem dúvida.
A moral cristã, excessivamente vaga sobre as relações do homem com seus semelhantes,
estabelece bases tão cheias de sofismas que nos é impossível admiti-las porque, quando se quer construir
princípios, é preciso evitar dar-lhes sofismas por base. Ela nos diz, esta moral absurda, que devemos
amar nosso próximo como a nós mesmos. Nada seria tão sublime seguramente se fosse possível ao que é
falso possuir as características da beleza. Não se trata de amar seus semelhantes como a si mesmo, pois
que isto é contrário a todas as leis da natureza e apenas seus órgãos devem dirigir todas as ações de
n o s s a v i d a . Tr a t a - s e d e a m a r n o s s o s s e m e l h a n t e s c o m o i r m ã o s , c o m o a m i g o s q u e a n a t u r e z a n o s o f e r e c e e
com os quais devemos viver tanto melhor num Estado republicano quanto a desaparição das distâncias
deve, necessariamente, estreitar os laços que unem os homens. Que a humanidade, a Fraternidade, a
Benevolência, nos prescrevam, segundo esses princípios, nossos deveres recíprocos; cumpramo-los
individualmente com o grau de energia que para isso nos tenha dado a natureza, sem condenar e,
sobretudo, sem punir os que, mais frios, ou mais atrabilários, não encontram nesses vínculos, agora tão
s e d u t o r e s , t o d a s a s d o ç u r a s q u e n ó s n e l e s e n c o n t r a m o s . Po r q u e , t o d o s c o n v i r ã o , s e r i a um absurdo
p a l p á v e l d e s e j a r p r e s c r e v e r, a p r o p ó s i t o , l e i s u n i v e r s a i s . E s t e p r o c e d i m e n t o s e r i a t ã o r i d í c u l o q u a n t o o d e
um general que desejasse que todos os seus soldados fossem vestidos com fardas do mesmo tamanho. É de
uma horrorosa injustiça exigir que homens de caráter desiguais se submetam a leis iguais; o que serve
para um, não serve para outro. Estou de acordo em que não se pode fazer tantas leis quantos são os
homens, mas elas podem ser tão doces, em tão pequeno número que todos os homens, qualquer que seja
s e u c a r á t e r, p o s s a m f a c i l m e n t e s e s u b m e t e r a e l a s . E x i g i r i a a i n d a q u e e s t e p e q u e n o n ú m e r o d e l e i s f o s s e
de natureza a poder adaptar-se facilmente a todos os diferentes caracteres. Aquele que as aplicasse,
preocuparse-ia em fazer variar seu rigor segundo os indivíduos. Está provado que há certas virtudes cuja
prática é impossível a certos homens, assim como existem certos remédios que não podem convir senão a
certos temperamentos. Que injustiça cometereis se punísseis com o rigor da lei a quem estivesse
impossibilitado de se submeter a ela! A iniquidade que cometeríeis, no caso, não seria igual a que
praticaríeis se obrigasse um cego a discernir as cores? Destes primeiros princípios decorre a necessidade
de fazer leis suaves e, sobretudo, de aniquilar para sempre a atrocidade da pena de morte, porque a lei
que atenta contra a vida de um homem é impraticável, injusta, inadmissível.
Não que não haja uma infinidade de casos, como logo mostrarei, em que, sem ultrajar a
natureza, os homens possam atentar contra a vida uns dos outros. É impossível que a lei possa obter o
mesmo privilégio porque, fria por sua própria natureza, ela não poderia ser acessível às paixões que
p o d e m l e g i t i m a r, n o h o m e m , a p r á t i c a c r u e l d o a s s a s s í n i o . O h o m e m r e c e b e d a n a t u r e z a a s i m p r e s s õ e s q u e
podem tomar perdoável esta ação, mas a lei, ao contrário, sempre em oposição à natureza e não
recebendo nada dela, não pode estar autorizada às mesmas práticas Não tendo os mesmos motivos é
impossível que ela tenha os mesmos direitos. Eis uma dessas distinções sábias e delicadas que escapam a
muita gente porque muito pouca gente reflete; mas elas serão acolhidas pelas pessoas instruídas a quem
eu me dirijo e influirão, espero, sobre o novo código que estão a preparar para nós.
A segunda razão porque se deve extinguir a pena de morte é que ela jamais reprimiu o crime: ele
é praticado, diariamente, aos pés do cadafalso. Em um palavra, deve-se suprimir esta pena porque não há
cálculo mais errado do que fazer morrer um homem por ter feito morrer um outro, pois que,
evidentemente, deste procedimento resulta que, em lugar de um homem a menos teremos dois. Uma tal
aritmética somente pode ser familiar aos carrascos e aos imbecis. Quaisquer que sejam os delitos que nós
possamos cometer contra. nossos irmão, eles poderão se reduzir a quatro principais: a calúnia, o roubo,
a q u e l e s p r o v o c a d o s p e l a i m p u r e z a q u e p o d e m a t i n g i r, d e f o r m a d e s a g r a d á v e l , o s o u t r o s , e o a s s a s s í n i o .
To d a s e s s a s a ç õ e s , c o n s i d e r a d a s c a p i t a i s s o b u m g o v e r n o m o n á r q u i c o , s e r ã o i g u a l m e n t e g r a v e s
num Estado republicano? É o que nós vamos analisar sob o facho da filosofia, porque só sob a sua luz pode
ser compreendido um tal exame. Que não me acusem de ser um perigoso inovador; que não me digam que
é perigoso extirpar o remorso da alma dos malfeitores, como farão certamente estes escritos, e que há o
maior perigo em aumentar pela doçura de minha moral a inclinação que estes mesmos malfeitores têm
pelos crimes. Eu afirmo aqui, formalmente, não ter em vista nenhum desses objetivos perversos. Exponho
as idéias com as quais me identifiquei desde a idade da razão e a cuja difusão o infame despotismo dos
t i r a n o s o p ô s - s e d u r a n t e t a n t o s s é c u l o s . Pi o r p a r a a q u e l e s q u e e s t a s g r a n d e s i d é i a s p u d e s s e m c o r r o m p e r ;
pior para aqueles que só sabem extrair o mal das opiniões filosóficas; suscetíveis de se deixar corromper
por qualquer coisa, certamente eles se infeccionariam lendo Sêneca e Charron! Não é a este, entretanto
q u e e u f a l o ; e u m e d i r i j o a o s q u e s ã o c a p a z e s d e m e e n t e n d e r, a o s q u e , s e m p e r i g o , m e l e r ã o .
Confesso, com a mais extrema franqueza, que nunca pude acreditar que a calúnia fosse um mal,
sobretudo num país como o nosso, onde todos os homens, mais ligados, mais próximos uns dos outros,
têm, evidentemente, um maior interesse em se conhecer perfeitamente. De duas uma: ou a calúnia diz
respeito a um homem verdadeiramente perverso, ou atinge a um indivíduo virtuoso. Convir-se-à que, no
primeiro caso, é quase indiferente que se diga mal um pouco mais de alguém que seja conhecido por
praticá-lo abundantemente. É possível até que o mal que não existe possa esclarecer o que realmente
e x i s t e e , e n t ã o , t e r e m o s c o n h e c i d o m e l h o r o m a l f e i t o r.
S e r e i n a , a d m i t a m o s , e m H a n ô v e r, u m a i n f l u ê n c i a m a l s ã ; a i n d a q u e e u n ã o c o r r e s s e o u t r o r i s c o ,
e x p o n d o - m e a e s t a i n c l e m ê n c i a d o a r, d o q u e a d q u i r i r u m a c e s s o d e f e b r e , p o d e r i a m e i n d i s p o r c o n t r a
alguém que, para me impedir de ir até lá, me tivesse dito que eu morreria apenas chegasse aquela
cidade? Não, absolutamente, porque, ao me assustar com um grande mal ele me terá impedido de sofrer
u m p e q u e n o . V i s e , a o c o n t r á r i o , a c a l ú n i a , u m h o m e m v i r t u o s o . . . Q u e e l e n ã o s e a l a r m e . To d o o v e n e n o
do caluniador recairá sobre ele mesmo, apenas seja identificado. A calúnia para tais pessoas será uma
p r o v a d e p u r a d o s d e q u e s u a v i r t u d e s e r á a i n d a m a i s b r i l h a n t e . Po d e r á a t é r e s u l t a r d i s s o u m a v a n t a g e m
para a massa, que daquela virtude se aproveitará melhor; este homem virtuoso e sensível, revoltado com
a i n j u s t i ç a q u e v e m d e s o f r e r, a p l i c a r - s e - à e m m e l h o r p r o c e d e r a i n d a ; d e s e j a r á d e s m e n t i r e s t a c a l ú n i a
que acreditava não merecer e suas boas ações aumentarão; assim, no primeiro caso o caluniador terá
produzido apreciáveis benefícios exagerando os vícios do homem perigoso e, no segundo, não terá
produzido menores, ao fazer com que a virtude se revele por inteiro. Ora, eu vos pergunto agora, por que
razão devemos temer o caluniador num país onde é tão essencial conhecer os maus e aumentar a energia
dos bons? Que se evite, pois, estabelecer qualquer penalidade contra a calúnia; consideremo-la sob o
duplo aspecto de um farol e de um estimulante e, em todos os casos, como algo extremamente útil. O
l e g i s l a d o r, c u j a s i d é i a s d e v e m s e r t ã o e l e v a d a s c o m o a o b r a a q u e s e d e d i c a , n ã o d e v e n u n c a e s t u d a r o
e f e i t o d o c r i m e q u e c a u s e d a n o a p e n a s a o s i n d i v í d u o s ; é s e u e f e i t o e m m a s s a q u e e l e d e v e e x a m i n a r. E
quando ele observar desta maneira os efeitos que resultam da calúnia, eu o desafio a que aí encontre
algo que deva ser punido. Desafio-o a emprestar sequer uma sombra de justiça à lei que a puniria. Ele se
t o r n a r á , a o c o n t r á r i o , o m a i s j u s t o d o s h o m e n s e o m a i s í n t e g r o s e a f a v o r e c e r o u a r e c o m p e n s a r.
O roubo é o segundo dos delitos morais cujo exame nós nos propusemos.
Se percorremos a antiguidade veremos o roubo permitido, recompensado, em toda as repúblicas
da Grécia; Esparta e a Lacedemônia o favoreciam abertamente. Alguns outros povos consideraram-no como
uma virtude guerreira. É certo que ele alimenta a coragem, a força, a habilidade, todas as virtudes, numa
palavra, úteis a um governo republicano e por conseqüência ao nosso. Agora, eu ousaria perguntar se o
roubo, cujo efeito é nivelar as riquezas, é um mal para um governo cujo objetivo é a igualdade? Não, sem
d ú v i d a . Po r q u e s e d e u m l a d o el e m a n t é m a i g u a l da d e , d e o u t r o e l e e n s i n a m e l h o r a c o n s e r v a r s e u s b e n s .
Havia um povo que, em vez de punir o ladrão, castigava aquele que se deixava roubar porque isso lhe
ensinaria a cuidar de suas posses. Isso nos leva a raciocínios mais profundos.
Não que eu queira aqui atacar ou destruir o juramento de respeito às propriedades que a nação
acaba de pronunciar mas, que ao menos me seja permitido dizer alguma coisa sobre a injustiça deste
juramento. Qual pode ser o espírito de um juramento pronunciado por todos os indivíduos de uma nação?
Não será o de assegurar uma perfeita igualdade entre os cidadãos, de submetê-los igualmente à lei
protetora da propriedade comum? Ora, eu vos pergunto se pode ser justa a lei que ordena a quem nada
tem que respeite quem tem tudo? Quais são os elementos do pacto social? Não consistem eles em ceder
um pouco de sua liberdade e de suas propriedades para assegurar e manter o que se conserva de uma e de
outra?
To d a s a s l e i s s e a s s e n t a m s o b r e e s t a s b a s e s ; e l a s s ã o o m o t i v o d a s p u n i ç õ e s q u e s e i n f l i g e m
àqueles que abusam de sua liberdade, elas justificam o imposto. O que faz com que um cidadão não
reclame quando lhe exigem isto, é saber que, através do que concede, está conservando o que lhe resta.
Mas, ainda uma vez, por que razão aquele que nada tem se submeteria a um pacto que s6 protege aquele
q u e t e m ? S e p r a t i c a i s u m a t o d e e q u i d a d e a o c o n s e r v a r, p e l o v o s s o j u r a m e n t o , a s p r o p r i e d a d e s d o r i c o ,
não estareis fazendo uma injustiça ao exigir este juramento daquele que nada tem? Que interesse pode
este terem vosso juramento? E por que haveis de querer que ele prometa uma coisa unicamente favorável
a quem é tão diferente dele pelas suas posses? Nada há, seguramente, mais injusto: um juramento deve
ter igual efeito para todos os que o pronunciam, é impossível que ele possa obrigar a quem nenhum
interesse tenha em sua manutenção, pois, neste caso, não seria o pacto de um povo livre. Seria antes a
arma do forte sobre o fraco, contra a qual este deveria revoltar-se imediatamente. Ora, é o que acontece
c o m o j u r a m e n t o d e r e s p e i t o à s p r o p r i e d a d e s q u e a n a ç ã o a c a b a d e e x i g i r. Po r e l e s ó o p o b r e s e o b r i g a ; s 6
o rico tem interesse neste juramento que o pobre pronuncia tão inconscientemente sem ver que, por ele,
extorquido à sua boa fé, se obriga a fazer algo que a outra parte não poderá jamais fazer em retribuição.
C o n v e n c i d o s , c o m o d e v e i s e s t a r, d e s t a b á r b a r a d e s i g u a l d a d e , n ã o a g r a v e i s v o s s a i n j u s t i ç a p u n i n d o
a q u e l e q u e n a d a t e m , p o r t e r r o u b a d o q u a l q u e r c o i s a d e q u e m t u d o p o s s u i . Vo s s o i n j u s t o j u r a m e n t o d á - l h e
este direito; levando-o ao perjúrio em face deste juramento absurdo, vós legitimais todos os crimes que,
e m c o n s e q u ê n c i a , p r a t i c a r. N ã o t e n d e s o d i r e i t o d e p u n i r a q u i l o a q u e d e s t e s c a u s a . N a d a m a i s d i r e i p a r a
acentuar a horrível crueldade que se pratica ao punir os ladrões. Imitai a sábia lei do povo de que acabo
d e v o s f a l a r, p u n i o h o m e m n e g l i g e n t e q u e s e d e i x a r o u b a r, m a s n a d a d e i m p o r p e n a s a o q u e r o u b a .
L e m b r a i - v o s q u e v o s s o j u r a m e n t o o a u t o r i z a a i s t o e d e q u e e l e n a d a m a i s f e z , a o r o u b a r, d o q u e o b e d e c e r
ao primeiro e mais sábio dos impulsos da natureza; o de conservar sua própria existência a todo custo. Os
delitos que devemos examinar nesta segunda classe dos deveres do homem para com seus semelhantes
consistem nas ações que podem dar origem à libertinagem, entre os quais destacam-se, particularmente,
como as mais atentatórias aos deveres recíprocos e comuns, a prostituição, o adultério, o incesto o
estupro e a sodomia. Não duvidemos um momento que tudo o que chamamos crimes morais, isto é, todas
a s a ç õ e s d a e s p é c i e q u e a c a b a m o s d e c i t a r, s ã o a b s o l u t a m e n t e i n d i f e r e n t e s p a r a u m g o v e r n o c u j o ú n i c o
d e v e r c o n s i s t e e m c o n s e r v a r, p o r q u a l q u e r m e i o , a f o r m a e s s e n c i a l à s u a e x i s t ê n c i a . E i s a ú n i c a m o r a l d o
governo republicano.
Ora, como ele é sempre combatido pelos déspotas que o cercam, não se poderia conceber que os
meios de que lance mão sejam meios unicamente morais pois ele só se conservará pela guerra e nada é
m e n o s m o r a l d o q u e a g u e r r a . Pe r g u n t o - v o s a g o r a : c o m o é q u e s e c o n s e g u i r i a d e m o n s t r a r q u e , n u m E s t a d o
imoral, pelas suas obrigações fosse essencial que os indivíduos agissem moralmente? Nada mais digo. É
preciso que eles ajam contra a moral. Os legisladores da Grécia tinham perfeitamente sentido a
importante necessidade de gangrenar os membros para que sua dissolução moral, agindo sobre todo o
organismo social, provocasse a insurreição, sempre indispensável num governo que, perfeitamente feliz
como o governo republicano, deve necessariamente excitar o ódio e a inveja de todos os que o cercam. A
insurreição, pensavam estes sábios legisladores, não é um estado moral, entretanto, ela deve ser o estado
permanente de uma república. Seria pois tão absurdo como perigoso exigir que aqueles que devem manter
o contínuo movimento imoral da máquina fossem, eles mesmos, extremamente morais, porque o estado
moral é um estado de paz e de tranqüilidade, ao passo que o estado imoral é um estado de perpétuo
movimento que se aproxima da insurreição necessária, na qual é preciso que o republicano mantenha
sempre o governo de que faz parte.
E s m i u c e m o s t u d o i s s o ; c o m e c e m o s p e l a a n á l i s e d o p u d o r, e s t e i m p u l s o c r e t i n o q u e c o n t r a r i a a s
afecções impuras. Se estivesse nas intenções da natureza que o homem fosse pudico ela, seguramente,
não o teria feito nascer nu. Uma infinidade de povos, menos degradados que nós pela civilização, vivem
nus e disso não têm a menor vergonha. Estejamos certos de que o uso de vestimentas teve por única base
a inclemência do ar e a coqueteria das mulheres; elas se aperceberam que perderiam logo todos os
a t r a t i v o s d o d e s e j o s e n ã o o s e s c o n d e s s e m e m l u g a r d e o s d e i x a r a p a r e c e r. E l a s s e n t i r a m q u e , c o m o a
natureza não as criou sem defeito, elas se assegurariam bem mais facilmente de todos os meios de
a g r a d a r, d i s f a r ç a n d o e s t e s d e f e i t o s c o m e n f e i t e s ; a s s i m , o p u d o r, l o n g e d e s e r u m a v i r t u d e , s ó é u m d o s
primeiros efeitos da corrupção, um dos primeiros meios da coqueteria das mulheres. Licurgo e Solon,
convencidos de que os resultados do impudor mantêm o cidadão num estado imoral indispensável às leis
d o g o v e r n o r e p u b l i c a n o , o b r i g a r a m a s m o ç a s a s e a p r e s e n t a r e m n u a s n o s t e a t r o s ² . Ro m a l o g o i m i t o u e s t e
exemplo: dançava -se nus nos jogos de Flora; a maior parte dos mistérios pagãos se celebravam assim. A
nudez foi mesmo considerada como virtude em alguns povos. De qualquer maneira, do impudor nascem as
inclinações luxuriosas e o que resulta destas inclinações compõem os pretensos crimes que analisamos e
cujo primeiro efeito é a prostituição. Agora, que a propósito disto tudo nós nos libertamos da multidão de
erros religiosos que nos cativava e que, mais próximos da natureza, em conseqüência da enorme
q u a n t i d a d e d e p r e c o n c e i t o s q u e a c a b a m o s d e a n i q u i l a r, s ó e s c u t a m o s s u a v o z ; a g o r a , q u e e s t a m o s c e r t o s
de que maior crime seria resistir aos impulsos que a natureza nos inspira do que obedecê-los, saibamos
que, sendo a luxúria uma consequência desses impulsos, devemos nos preocupar não com extinguí-la, mas
c o m o s m e i o s d e s a t i s f a z ê - l a e m p a z . Tr a t e m o s , p o i s , d e r e g u l a r t u d o i s t o e g a r a n t i r a m a i o r s e g u r a n ç a a
fim de que o cidadão, que deseje estar próximo dos objetos da luxúria, possa entregar-se, com esse
o b j e t o s , a t u d o o q u e s u a s p a i x õ e s l h e i n s p i r e m , s e m n u n c a e n c o n t r a r o b s t á c u l o . Po r q u e , n ã o h á u m a
paixão que exija maior liberdade que esta. Diversos locais, saudáveis, vastos, mobiliados com cuidado e,
sob todos os aspectos seguros, se erguerão em todas as cidades. Aí, todos os sexos, todas as idades, todas
as criaturas possíveis, se oferecerão aos caprichos dos libertinos que as procurem.
A mais completa subordinação será exigida; a menor recusa será punida arbitrariamente pelo que
a t i v e r s o f r i d o . D e v o e x p l i c a r i s t o m e l h o r, r e l a c i o n a n d o t u d o c o m o s c o s t u m e s r e p u b l i c a n o s . Pr o m e t i
examinar tudo com a mesma lógica, manterei minha palavra.

(2) Já foi dito que a intenção desses legisladores era, enfraquecendo as paixões que os homens
experimentavam diante das mulheres nuas, tornar mais ativas aquela que eles experimentavam por seu
próprio sexo. Esses sábios exibiam o que causava repugnância e ocultavam o que irava os mais doces
desejos; em todo caso, não atingiam as objetivas que acabamos de apresentar Como vimos, eles
precisavam da Imoralidade para manter os costumes republicanos.

S e , c o m o a c a b o d e d i z e r, n e n h u m a p a i x ã o t e m m a i s n e c e s s i d a d e d a m a i s e x t e n s a l i b e r d a d e q u e
e s t a , n e n h u m a é t a m b é m m a i s d e s p ó t i c a . É n o t e r r e n o d a l u x ú r i a q u e o h o m e m m a i s g o s t a d e c o m a n d a r,
de ser obedecido, de cercar-se de escravos constrangidos a satisfazê-lo. Ora, todas as vezes que
deixardes de possibilitar ao homem a libertação da dose de despotismo que a natureza lhe colocou no
f u n d o d o c o r a ç ã o , e l e a e x e r c e r á s o b r e o s o b j e t o s q u e o c e r c a m , e l e p e r t u r b a r á j á o g o v e r n o . Pe r m i t i , s e
quiserdes evitar este perigo, uma livre expansão a estes desejos tirânicos que, contra sua própria
vontade, o torturam incessantemente. Contente em ter podido exercer sua pequena soberania sobre o
harém de escravos ou de sultanas que os vossos cuidados e o seu próprio dinheiro lhe proporcionem, ele
estará satisfeito e não desejará mais perturbar o governo que lhe garante, com tal complacência, todos
os meios de satisfazer sua concupiscência. Usai, ao contrário, processos diferentes, imponde sobre estes
objetos da luxúria pública os ridículos entraves inventados pela tirania ministerial e pela lubricidade de
nossos Sardanápalos:' o homem, irritando-se imediatamente contra vosso governo, invejoso do despotismo
que vos vê exercer sozinho, sacudirá o jugo a que vós o submeteis e, cansado de vossa maneira de o
g o v e r n a r, m o d i f i c á - l a - à , c o m o , a l i á s , a c a b a d e f a z ê - l o .

(1) É sabido que o infame e celerado Sartine informava Luís XV sobre os meios da luxúria, através
d a s l e i t u r a s f e i t a s p e l a D u b a r r y, t r ê s v e z e s p o r s e m a n a . a b o r d a n d o d e t i d a v i d a p r i v a d a q u e e l e a d o r n a v a
c o m t u d o o q u e s e p a s s a v a n o s p i o r e s a n t r o s d e Pa r i s . E s s a p r á t i c a l i b e r t i n a d o N e r o f r a n c ê s c u s t a v a t r ê s
milhões ao Estado!

Ve d e como os legisladores gregos, compenetrados destas idéias, tratavam o deboche na


L a c e d e m ô n i a e e m A t e n a s . L o n g e d e o p r o i b i r, i n d u z i a m o s c i d a d ã o s a p r a t i c á - l o ; n e n h u m g ê n e r o d e
lubricidade era proibido. Sócrates, declarado pelo oráculo o mais sábio dos filósofos da terra, ao passar
indiferentemente dos braços de Aspásia para os de Alcibíades, não deixava de ser considerado a glória da
G r é c i a . Vo u m a i s l o n g e a i n d a : e m b o r a m i n h a s i d é i a s s e j a m c o n t r á r i a s a n o s s o s a t u a i s c o s t u m e s , c o m o m e u
objetivo é provar que devemos nos apressar em substituir esses costumes se desejamos conservar o
governo adotado, vou tentar convencê-los de que a prostituição das mulheres chamadas honestas não é
mais perigosa que a dos homens. Não somente devemos associá-las às luxúrias praticadas nas casas
referidas, como devemos mesmo criar outras para uso delas, para seus caprichos e necessidades de
temperamento, tão ardente quanto o nosso; de modo que elas possam se satisfazer com todos os sexos.
Com que direito supondes que a mulher é uma exceção à cega submissão que a natureza impõe aos
homens, sujeitando-os aos seus caprichos? E ainda, com que direito pretendeis condenar a mulher a uma
continência impossível para seu físico e absolutamente inútil à sua honra?
Vo u t r a t a r s e p a r a d a m e n t e e s t a s d u a s q u e s t õ e s .
É certo que, no estado de natureza, as mulheres nascem vulgívagas, isto é, gozando das
v a n t a g e n s d a s o u t r a s f ê m e a s e s e e n t r e g a n d o , c o m o e l a s , e s e m n e n h u m a e x c e ç ã o , a t o d o s o s m a c h o s . Ta i s
foram, sem nenhuma dúvida, não só primeiras leis da natureza, como as únicas instituições dos primeiros
grupos humanos. O interesse, o egoísmo e o amor degradaram estas bases tão simples e naturais. Nós
pensamos nos enriquecer ao tomarmos uma mulher e, com ela, o dote de sua família; eis satisfeitos os
primeiros sentimentos que acabo de indicar; mais frequentemente ainda raptamos esta mulher para, em
seguida, prendermo-nos a ela; eis o segundo motivo em ação, ou, em todo caso, a injustiça. Jamais se
pode exercer um ato de posse sobre um ser livre; é tão injusto possuir exclusivamente uma mulher como
p o s s u i r e s c r a v o s . To d o s o s h o m e n s n a s c e r a m l i v r e s , t o d o s s ã o i g u a i s e m d i r e i t o , n ã o p e r c a m o s n u n c a d e
vista estes princípios. Não se pode pois admitir que seja dado a um sexo o direito de se apoderar com
exclusividade do outro; nunca um desses sexos ou uma dessas classes poderá possuir o outro
a r b i t r a r i a m e n t e . M e s m o u m a m u l h e r q u e d e s c o b r e a p u r e z a d a s l e i s d a n a t u r e z a , n ã o p o d e r á a l e g a r, p a r a
justificar a recusa de alguém que a deseje, o amor que tenha por outro. Este motivo corresponde a uma
exclusão e nenhum homem pode ser excluído do direito de possuir qualquer mulher desde que tenha
ficado claro que ela pertence a todos os homens. O ato de posse não pode se exercer senão sobre um
i m ó v e l o u u m a n i m a l , n u n c a s o b r e u m i n d i v í d u o q u e s e n o s a s s e m e l h e . To d o s o s l a ç o s q u e p o s s a m p r e n d e r
uma mulher a um homem serão tão injustos quanto quiméricos. Se é pois incontestável que nós recebemos
da natureza o direito de expressar nossos desejos a todas as mulheres, é evidente que as podemos obrigar
a se submeter aos nossos caprichos, se não definitivamente, pelo menos momentaneamente². É
incontestável que temos o direito de estabelecer leis que as obriguem a ceder aos desejos de quem as
cobice; sendo a violência um dos efeitos deste direito podemos empregá-la legalmente. A natureza não
provou que temos este direito dando-nos a força necessária para submetê-las a nossos desejos?

(2) Não venham dizer que me contradigo, aqui; é que, depois de afirmar que não fartas o direito
d e l i g a r a n ó s u m a m u l h e r, e u d e s t r u o e s s e s p r i n c í p i o s d i z e n d o q u e t e m o s o d i r e i t o d e c o n s t r a n g ê - l a ;
repito que tratamos do prazer e não da propriedade; não tenho direito de propriedade sobre uma carta
forte que encontro em meu caminho mas tenho direito de nela saciar minha sede aproveitando da água
límpida que se oferece a meu destrate; assim também não tenho direito de propriedade sobre as mulheres
m a s , e m f u n ç ã o d e m e u p r a z e r, p o s s o c o n s t r a n g ê - l a s a m e s a t i s f a z e r e m c a s o q u e i r a m s e r e c u s a r.

Em vão as mulheres invocarão, para defender-se, o pudor ou o amor por outros homens. Isto são
q u i m e r a s : n ó s v i m o s a c i m a c o m o o p u d o r é u m s e n t i m e n t o f i c t í c i o e d e s p r e z í v e l . O a m o r, q u e p o d e m o s
chamar de loucura da alma, não possui mais títulos para legitimar sua fidelidade. Não satisfazendo senão
a dois indivíduos, o ser amado e o amante, não pode fazer a felicidade dos outros, e é para a felicidade
d e t o d o s , e n ã o p a r a u m g o z o e g o í s t a e p r i v i l e g i a d o , q u e n o s f o r a m d a d a s a s m u l h e r e s . To d o s o s h o m e n s
têm, pois, um direito de gozo idêntico sobre todas as mulheres. Não há, pois, um único homem que, em
face das leis da natureza, possa ter sobre uma mulher um direito único e pessoal. A lei que as obrigará a
se prostituir quando quisermos, nas casas de deboche de que falamos, e que as obrigará a frequentá-las
caso a isso se recusem, que as punirá se faltarem um só dia, será, pois, uma lei das mais equitativas e
contra a qual não se poderá invocar nenhum motivo legítimo ou justo.
Um homem que desejar possuir uma mulher ou donzela poderá, pois, se estas justas leis
vigorarem, intimá-la a comparecer a uma destas casas e lá, sob as visitas das matronas que regerão este
t e m p l o d e V ê n u s , e l a l h e s e r á e n t r e g u e e t e r á q u e s a t i s f a z e r, c o m h u m i l d a d e e s u b m i s s ã o , t o d o s s e u s
caprichos, por mais estranhos e irregulares que possam ser; pois não há nenhum que não esteja no
s i s t e m a d a n a t u r e z a , q u e e l a n ã o a c e i t e . Te r í a m o s q u e p e n s a r n a f i x a ç ã o d a s i d a d e s , é v e r d a d e . S o u d e
opinião que não se deve estabelecer nenhum limite; seria restringir a liberdade daquele que desejasse
gozar uma menina, por exemplo. Quem tem o direito de comer o fruto de uma árvore pode, sem duvida,
colhê-lo verde ou maduro, segundo as inspirações de seu gosto. Mas, objetar-nos-ão, há uma idade em que
a saúde da jovem pode ser prejudicada pelas ações do homem. Esta consideração não tem nenhum valor:
desde que me dais o direito de propriedade do gozo, este direito é independente dos efeitos que sua
prática produz; é absolutamente indiferente que seu uso seja vantajoso ou prejudicial para o objeto que
a e l a d e v e s e s u b m e t e r. j á n ã o p r o v e i q u e é l e g a l o b r i g a r u m a m u l h e r a e s s e r e s p e i t o e q u e , a s s i m q u e e l a
desperte o desejo de ser possuída, deve submeter-se a ele, pondo de parte todo sentimento egoísta? O
mesmo acontece com sua saúde. Desde que as considerações que se tenham a esse respeito possam
d e s t r u i r o u e n f r a q u e c e r o p r a z e r d a q u e l e q u e a d e s e j e , e q u e t e m o d i r e i t o d e d e l a s e a p r o p r i a r, e s t e
cuidado com a idade se torna inútil, porque não se trata aqui, absolutamente, de saber o que sente o
objeto condenado pela natureza e pela lei à satisfação momentânea dos desejos alheios. Não se trata
neste exame senão daquilo que convém a quem deseja. Mas nós restabeleceremos a balança.
Sim, nós a restabeleceremos, nós devemos, sem dúvida, restabelecê-la. Estas mulheres que
acabamos de escravizar tão cruelmente aos desejos do homem, nós devemos indenizá-la e é nisto que vai
consistir a resposta à segunda questão que me propus.
S e a d m i t i m o s , c o m o a c a b a m o s d e f a z e r, q u e t o d a s a s m u l h e r e s d e v e m s e s u b m e t e r a n o s s o s
desejos, é justo que devemos admitir que elas satisfaçam também, integralmente, os seus. Nossas leis,
com este propósito, devem favorecer seu temperamento de fogo. É absurdo que se tenha considerado
como virtude a resistência antinatural que elas oferecem aos impulsos que nelas são ainda mais profundos
que em nós. Esta injustiça de nossos costumes é tanto maior quanto todos nós nos empenhamos em
enfraquecer esta resistência, à força de sedução, para em seguida puni-las por terem cedido aos esforços
q u e f a z e m o s p a r a p r o v o c a r - l h e s a q u e d a . To d o o a b s u r d o d e n o s s o s c o s t u m e s e s t á g r a v a d o , p a r e c e - m e ,
nesta atroz iniquidade. Esta simples exposição deveria fazer-nos sentir a extrema necessidade que temos
de trocá-los por outros mais puros.
Afirmo, pois, que tendo recebido as mulheres inclinações muito mais violentas para os prazeres
da luxúria do que nós, poderão entregar-se a eles tanto quanto queiram, livres, absolutamente de todos
os liames do hímen, de todos os falsos preconceitos do pudor; devolvidas completamente ao estado da
natureza. Quero que as leis lhes permitam entregar-se a tantos homens quanto queiram; quero que lhes
seja permitido, como aos homens, o gozo de todos os sexos e de todas as partes de seus corpos. Sob a
condição de se entregarem a todos quantos as desejem, que elas tenham a liberdade de gozar igualmente
d e t o d o s q u a n t o s e l e s j u l g u e m d i g n o s d e a s s a t i s f a z e r. Q u a i s s e r ã o , p e r g u n t o , o s p e r i g o s d e s t a l i c e n ç a ? O
nascimento de crianças que não tenham pais? Que importância terá isto, numa república onde todos os
indivíduos não devem ter outra mãe senão a pátria, onde todos os que nascem são filhos da pátria?
Quanto a amarão aqueles que, só tendo conhecido a ela, souberam desde o nascimento que só dela
deverão tudo esperar? Não imagineis conseguir bons republicanos enquanto isolardes as crianças nas
f a m í l ia s ; e l a s s ó d e v e m p e r t e n c e r à Re p ú b l ic a . D a n d o s o m e n t e a al g u n s i n d i v í d u o s a d o s e d e af e i ç ão q u e
deveria ser repartida por todos seus iguais, elas adotam inevitavelmente seus preconceitos quase sempre
perigosos. Suas opiniões, suas idéias, se isolam, e todas as virtudes de um homem de Estado tornam-se-
lhes impraticáveis. Entregando, enfim, seus corações inteiramente aos que os fizeram nascer eles não
e n c o n t r a m n e l e s l u g a r p a r a q u a l q u e r a f e i ç ã o p o r a q u e l a q u e v a i f a z ê - l o s v i v e r, a p r e n d e r e i l u s t r a r - s e ;
como se este segundo beneficio não fosse muito mais importante que o primeiro! Se há o maior
inconveniente em deixar as crianças se alimentar assim, em suas famílias, com idéias e interesses quase
sempre diferentes dos da pátria, é claro que há a maior vantagem em segará-ias dela. Esta separação se
processará naturalmente através dos meios que proponho: destruindo completamente todos os laços do
casamento, só nascerão crianças cujos pais não poderão nunca ser conhecidos. Com isto, desaparecerá a
possibilidade de se saber a que famílias pertencem e todos serão, unicamente, filhos da pátria.
Haverá, pois, casas destinadas à libertinagem feminina, sob a proteção do governo como as
destinadas aos homens; nelas haverá todos os indivíduos de um e de outro sexo que elas possam desejar;
quanto mais freqüentem estas casas, mais serão estimadas. Não há nada tão bárbaro e tão ridículo como
ter ligado a honra e a virtude das mulheres à resistência que elas ofereçam aos desejos recebidos da
natureza, e que aquecem a todo o instante os que têm a crueldade de condená-las. Desde a mais tenra
idade,¹ uma garota, livre dos laços paternais, nada mais tendo a conservar para o casamento
(absolutamente abolido pelas sábias leis que desejo), superior aos preconceitos que antigamente
e s c r a v i z a v a m s e u s e x o , p o d e r á s e e n t r e g a r a t u d o q u e s e u t e m p e r a m e n t o l h e s u g e r i r, n a s c a s a s p a r a i s t o
estabelecidas. Ela aí será recebida com respeito, satisfeita com profusão e, de volta, na sociedade,
poderá falar tão publicamente dos prazeres que ali tiver provado como faz hoje a propósito de um baile
o u d e u m p a s s e i o . S e x o e n c a n t a d o r, s e r á s l i v r e s ! G o z a r e i s d e t o d o s o s p r a z e r e s c o m o o s h o m e n s , n ã o v o s
privareis de nenhum! Deve a mais divina parte da humanidade sujeitar-se aos ferros que outra lhe
imponha? Ah! Quebrai-os! A natureza o quer: não tenhais outros freios que os de vossas inclinações,
outras leis que não os vossos desejos, outra moral que não seja a da natureza. Não vos deixeis
enlanguescer sob os bárbaros preconceitos que comprometiam vossos encantos e matavam os impulsos
divinos de vossos corações ² . Vós sois livres e a carreira dos combates de Vênus vos está aberta como
para nós; não temais censuras absurdas; o pedantismo e a superstição foram aniquilados. Ninguém vos
verá mais corar pelos mais inocentes motivos. Coroando-vos de mirtos e de rosas, nós vos daremos a
estima que merecerdes pelo prazer que nos dais.

( 1 ) N a B a b i l ô n i a , a s m e n i n a s e r a m e n c a m i n h a d a s a o Te m p l o d e V ê n u s a o s s e t e a n o s . A N a t u r e z a
indica o momento em que uma menina deve ao prostituir e assim que prova a primeira sensação de
lascívia, sem dúvida, ela deve seguir seus impulsos sem constrangimento ; se resistir ela ultraja as leis da
natureza.
(2) As mulheres não sabem a que ponto a lubricidade as embeleza! Que se comparem duas
mulheres, da mesma idade e de igual beleza, uma que vive no celibato, outra na libertinagem: veremos
como a última tem mais brilho e frescor; toda violência à natureza é um abuso; não há pessoa no mundo
q u e n ã o s a i b a c o m o a s f o d a s e m b e l e z a m u m a m u l h e r.

O que acabamos de dizer nos poderia dispensar de falarmos sobre o adultério. Lancemos-lhe,
entretanto, uma rápida vista de olhos, embora sua pouca importância depois de estabelecidas minhas leis.
A que ponto já era ridículo considerá-lo criminoso em face de nossas antigas instituições... Se havia algo
de absurdo no mundo era, sem dúvida, a eternidade dos laços conjugais. Só seria preciso examinar ou
sentir o peso deste jugo para deixar de considerar como um crime a ação que o afastasse. A natureza,
como dissemos há pouco, tendo dotado as mulheres com um temperamento mais ardente, com uma
sensibilidade mais profunda do que os indivíduos do outro sexo, fazia que o jugo de um eterno matrimônio
f o s s e m u i t o m a i s p e s a d o p a r a e l a s . M u l h e r e s t e r n a s e a b r a s a d a s p e l o f o g o d o a m o r, e x p a n d i - v o s a g o r a s e m
medo, persuadi-vos de que não há nenhum mal em seguir os impulsos da natureza! Não foi para um só
homem que ela vos criou, mas para agradar indiferentemente a todos. Que nenhum freio vos prenda;
imitai os republicanos da Grécia; nunca os legisladores que lhes fizeram as leis imaginaram fazer do
adultério um crime e quase todos autorizaram a liberdade das mulheres. Thomas Morus prova, em sua
Utopia, que é vantajoso para as mulheres entregarem-se ao deboche, e as idéias deste grande homem nem
sempre foram sonhos³.

(3) Ele mesmo aconselha que os noivos se vejam completamente nus antes do casamento. Quantos
c a s a m e n t o s n ã o s e d e s m a n c h a r i a m s e e s s a l e i fo s s e p r o m u l g a d a! Re c o n h e ç a mo s q u e o co n t r á r i o s i g n i f i c a
exatamente comprar a mercadoria sem antes tê-la visto.

Entre os Tártaros, quanto mais uma mulher se prostituía, mais era considerada: ela trazia
publicamente no pescoço as marcas de suas ações e as que não as trouxessem não eram estimadas. No
Pe r u , a s p ró p r i a s f a m íl i a s e n t r e g a m a s m u l h e r e s e a s d o n z e l a s a o s e s t r a n g e i r o s q u e p o r l á pa s s a m ;
a l u g a m - s e l á a s m u l h e r e s c o m o o s c a v a l o s o u o s v e í c u l o s . Vo l u m e s , e n f i m , n ã o b a s t a r i a m p a r a d e m o n s t r a r
q u e a l u x ú r i a n ã o f o i j a m a i s c o n s i d e r a d a c o m o c r i m e p o r n e n h u m d o s p o v o s s á b i o s d a t e r r a . To d o s o s
filósofos sabem perfeitamente que é aos impostores cristãos que nós devemos o fato dela ter sido
considerada um crime; os padres tinham seus motivos ao nos interdizer a luxúria; esta recomendação,
reservando-lhes o conhecimento e o poder de absolvição destes pecados, dava-lhes um incrível império
sobre as mulheres e lhes abria uma carneira de lubricidade cuja extensão não tinha limites. Nós sabemos
como eles conseguiram aproveitar-se disso e como ainda abusariam se seu prestígio não estivesse
absolutamente perdido.
O incesto, será mais perigoso? Não, absolutamente; ele estende os laços de família e toma por
conseguinte mais ativo o amor dos cidadãos pela pátria. Ele nos foi ditado pelas primeiras leis da
natureza, nós o experimentamos, e o gozo dos objetos que nos pertencem parece-nos sempre mais
delicioso. As primitivas instituições favorecerem o incesto; encontramo-lo na origem das sociedades; é
c o n s a g r a d o e m t o d a s a s r e l i g i õ e s . To d a s a s l e i s o f a v o r e c e m ; s e p e r c o r r e m o s o u n i v e r s o , e n c o n t r a m o s o
incesto estabelecido em todos os lugares. Os negras da Costa do Ouro e do Rio Gabão entregam suas
mulheres a seus próprios filhos; o filho mais velho do reino de Judá deve copular com a mulher de seu
pai; os povos do Chile deitam-se indiferentemente com as próprias irmãs e filhas e casam-se às vezes com
a mãe e a filha juntamente. Em uma palavra, ouso sustentar que o incesto deveria ser a lei em todo o
governo cuja base fosse a fraternidade. Como foi possível que homens razoáveis chegassem ao absurdo de
acreditar que a posse da mãe, da irmã ou da própria filha pudesse ser um crime? Não é abominável este
preconceito, pergunto-vos, que considera um crime o fato de um homem preferir gozar um objeto que o
sentimento natural aproxima dele? Isto corresponderia a sustentar que nos é proibido desejar exatamente
os indivíduos que a natureza nos leva a amar com mais calor e que, quanto mais ela nos induza a desejar
um objeto, mais nós deveremos nos afastar dele; estas contradições são absurdas, apenas os povos
embrutecidos pela superstição podem nelas acreditar ou adotá-las. Estando a comunidade das mulheres
estabelecida, levando necessariamente ao incesto, resta-nos pouco a dizer sobre um pretenso delito cuja
i n e x i s t ê n c i a e s t á s u f i c i e n t e m e n t e d e m o n s t r a d a p a r a q u e v o l t e m o s a e l a . Pa s s a r e m o s a o e s t u p r o q u e
p a r e c e s e r, à p r i m e i r a v i s t a , o m a i s g r a v e d e t o d o s o s c a s o s d e l i b e r t i n a g e m , a q u e l e c u j a l e s ã o e s t á
melhor estabelecida em razão do ultraje que causa. É, entretanto, absolutamente certo que o estupro,
a ç ã o t ã o r a r a e t ã o d i f í c i l d e p r o v a r, p r e j u d i c a m e n o s a o p r ó x i m o q u e o r o u b o . E s t a i n v a d e a p r o p r i e d a d e ,
aquele limita-se a deteriorá-la. Que podereis responder ao autor do estupro quando ele lhe provar que o
mal que praticou é, de fato, bem medíocre, pois ele não fez nada mais que colocar o objeto de que
abusou no estado em que logo seria colocado pelo casamento ou pelo amor?
Mas, e a sodomia, e este pretenso crime que atraiu o fogo do céu sobre as cidades que se tinham
entregues a ele? Não é ela uma depravação tão grande que qualquer punição pareceria sempre pequena? É
doloroso ter que censurar a nossos antepassados os assassínios judiciários que cometeram a esse pretexto.
É possível ser tão bárbaro a ponto de ousar condenar à morte um desgraçado indivíduo cujo único crime é
n ã o p o s s u i r o s n o s s o s g o s t o s ? Tr e m e m o s a o i m a g i n a r q u e , h á a p e n a s q u a r e n t a a n o s , a e s t u p i d e z d o s
l e g i s l a d o r e s c h e g a v a a i s t o . C o n s o l a i - v o s , c i d a d ã o s ! Ta i s a b s u r d o s n ã o v o l t a r ã o ! A s a b e d o r i a d e v o s s o s
legisladores é uma garantia. Inteiramente esclarecidos sobre a fraqueza de certos homens, sabemos
perfeitamente hoje que um tal erro não pode ser criminoso. A natureza não teria dado tão grande
importância ao fluído que corre em nossos rins para, em seguida, se irritar com o caminho particular que
l h e q u i s é s s e m o s d a r. Q u e c r i m e p o d e r i a h a v e r n i s s o ? N ã o s e r i a , s e g u r a m e n t e , o d e o c o l o c a r n e s t e o u
naquele lugar; a menos que se sustentasse que as partes do corpo não são todas iguais e que existem
umas puras e outras imundas. Mas, como é impossível sustentar tal absurdo? O único delito no caso seria o
da perda da semente! Ora, pergunto-vos, é lá verossímil que esta semente seja tão preciosa que não a
possamos perder sem que pratiquemos um crime? Se isto fosse verdadeiro, permitiria ela que tais perdas
se verificassem todos os dias, quer ao sonharmos, quer ao gozarmos de uma mulher gravida? É impossível
imaginar que a natureza nos desse a possibilidade de cometer crimes que a ultrajassem. Ela não pode
aceitar que os homens destruam os prazeres que a ela pertencem, pois então seríamos mais fortes do que
ela. Mergulhamos num abismo de absurdos quando abandonamos o facho da razão; tanto faz gozar uma
m u l h e r d e u m m o d o c o m o d e o u t r o ; é i n d i f e r e n t e g o z a r d e m u l h e r o u d e m a c h o . To d a s e s s a s i n c l i n a ç õ e s
f o r a m p o s t a s n a a l m a h u m a n a p e l a n a t u r e z a , e n ã o a p o d e m o f e n d e r. A s o d o m i a é u m v í c i o d e o r g a n i z a ç ã o
e em nada contribuímos para semelhante organização. Desde a mais tenra data, há meninos que sentem
essa inclinação e que nunca se corrigirão. As vezes é fruto da sociedade, mas mesmo nesse caso pertence
à natureza; sob todos os aspectos, é obra da natureza e em qualquer caso o que ela inspira deve ser
respeitado pelos homens. Se, através de um recenseamento mais exato, verificássemos que este gosto é
mais profundo que o outro, que esses prazeres são mais vivos, e por isso mesmo seus adeptos são mais
numerosos do que seus inimigos, não seria possível concluir que, longe de ultrajar a natureza, esse vício
serviria seus desígnios, e que ela pouco se importa com a reprodução como tolamente acreditam?
P e r c o r r e n d o o u n i v e r s o e n c o n t r a r e m o s n u m e r o s o s p o v o s q u e d e s p r e z a m a m u l h e r. A l g u n s s ó s e s e r v e m d e l a
quando têm absoluta necessidade de um herdeiro que os substitua. O hábito que têm os homens de
viverem juntos nas repúblicas, tornará esse vício cada vez mais comum, mas nem por isso perigoso. Os
l e g i s l a d o r e s d a G r é c i a n ã o o t e r i a m i n t r o d u z i d o n a r e p ú b l i c a s e a s s i m o j u l g a s s e m . Pe l o c o n t r á r i o ,
achavam-no necessário a um povo guerreiro. Plutarco nos fala com entusiasmo do batalhão dos amantes e
dos bem amados. Só eles defenderam com coragem a liberdade da Grécia: a pederastia cimentou a
a s s o c i a ç ã o d o s i r m ã o s d e a r m a s . O s m a i o r e s h o m e n s e r a m p r o p e n s o s a e l a . To d a a A m é r i c a , n o t e m p o e m
que foi descoberta, era povoada por homens desse gosto. Na Louisianna e no Illinois, homens vestidos de
mulheres vendiam-se como putas, prostituíam-se como cortesãs; os negros de Benguela mantinham
p u b l i c a m e n t e m a c h o s ; q u a s e t o d o s o s h a r é n s d a A r g é l i a s ã o h o j e p o v o a d o s p o r r a p a z e s ; e m Te b a s i s s o n ã o
somente era tolerado mas incentivado. O filosofo de Queonéa prescrevia-o para suavizar os costumes dos
homens.
S a b e m o s q u e e l e r e i n o u e m Ro m a: n o s l u g a r e s p ú b l i co s o s r a p a z e s s e p r o s t i t u í a m v e s t i d o s d e
fêmea e as moças vestidas de rapaz. Martial, Catulo, Título, Horácio, Virgílio, escreviam a homens como
se escreve a uma amante, e lemos em Plutarco¹ que as mulheres não devem receber nenhum amor dos
machos. Os amasianos da Ilha de Creta reptavam rapazes com as mais estranhas cerimônias; quando
amavam um rapaz, participavam aos pais o dia em que o raptariam, o rapaz resistia um pouco se o amante
não lhe aprazia, caso contrário partia com ele e o sedutor o restituía à família, quando o tinha usado,
pois nessa paixão (como nas mulheres) o interesse termina com a posse. Estrabão nos conta que nessa
mesmo ilha os haréns se enchiam de homens que publicamente se prostituíam.

(1) O b r a s m o r a i s , Tr a t a d o d o a m o r.
Querem uma última autoridade para provar quanto esse vício é útil numa república? Escutemos
J e r ô n i m o , o Pe r i p a t é t i c o : " O a m o r d o s r a p a z e s e x p a n d i u - s e p o r t o d a a G r é c i a , p o r q u e d a v a c o r a g e m e
f o r ça e s e r v a p a r a e x p u l s a r o s Ti r a n o s . A s co n s p i r a ç õ e s s e fo r m a v a m e n t r e o s am a n t e s e e l e s s e d e i x a r i a m
antes torturar a revelar seus cúmplices". O patriotismo sacrificava, assim, tudo à prosperidade do Estado;
era sabido que essas ligações consolidavam a república; declamava-se contra as mulheres; ligar-se a elas
era considerada uma fraqueza própria do despotismo. A pederastia foi sempre o vício dos povos
guerreiros: diz-nos César que os gauleses se entregavam largamente a ela. As guerras que as repúblicas
t i n h a m q u e e n f r e n t a r, l e v a n d o à s e p a r a ç ã o d o s s e x o s , c o n t r i b u í a m p a r a a d i f u s ã o d o v í c i o . Q u a n d o s e
chegou a reconhecer seus efeitos úteis ao Estado, a religião o consagrou. Sabe-se que os romanos
santificaram os amores de Júpiter e Ganimedes. Assegura-nos Sextus Empiricus que também os persas se
davam a essa fantasia. Enfim, as mulheres, ciumentas e repudiadas, ofereceram-se para prestar aos
maridos os mesmos serviços que os rapazes lhes prestavam. Alguns experimentaram e retomaram aos
antigos hábitos, não achando possível deixá-los.
Os turcas, fortemente inclinados a essa depravação, consagrada por Maomé no Alcorão,
asseguram, entretanto, que uma virgem bem jovem pode perfeitamente substituir um rapaz e, raramente,
entre eles, uma delas chega a idade adulta sem ter passado por essa prova. Sixto V e Sanches permitiram
esse deboche; o último tentou mesmo provar que ele era útil à propagação e que uma criança engendrada
d e p o i s d e s s a p r á t i c a s e r i a m u i t o m e l h o r c o n s t i t u í d a . Po r f i m , a s m u l h e r e s v i n g a r a m - s e a m a n d o - s e e n t r e
si; essa fantasia, sem dúvida, não tem maiores inconvenientes do que a outra, pois o resultado é apenas a
recusa de criar e os meios dos que tem a mania de procriar são tais que os adversários não causam mal
a l g u m . O s g r e g o s ap o i a v a m i g u a l m e n t e e s s a l o u c u r a p o r r a zõ e s d e E s t a do . Re s u l ta v a d i s s o q u e , b a s t a n d o-
se a si mesmas, suas comunicações com os homens eram menos freqüentes e elas não prejudicavam com
isso os negócios da república. Luciano nos ensina o progresso que fez essa lubricidade e não é sem
interesse que a observamos em Safo.
Não há um só perigo nessa mania, ainda que fossem mesmo mais longe; mesmo que se acariciem
monstros ou animais, como nos demonstra o exemplo de muitos povos; nestas fantasias não há
inconvenientes, pois a corrupção dos costumes, sempre útil ao governo, não poderia ser prejudicial sob
nenhum aspecto. Nós devemos esperar de nossos legisladores bastante sabedoria, bastante prudência, de
maneira a estarmos seguros de que nenhuma lei virá reprimir essas misérias, que, segundo a Constituição,
não poderiam tomar culpado aquele que a elas se entregassem.
Só nos resta examinar o assassínio na segunda classe dos delitos para com seus semelhantes. Em
seguida passaremos aos deveres que têm os homens para consigo mesmos. De todas as ofensas que o
homem pode fazer a seus semelhantes é o assassínio, sem dúvida, a mais cruel, pois a vida é o único bem
que da natureza recebemos, o único cuja perda é irreparável. Várias questões se apresentam a propósito,
julgando do prejuízo que o assassínio causa à vítima.

1. Essa ação, se considerarmos somente a lei da natureza, é na verdade criminosa?


2. Sê-lo-á relativamente às leis da política?
3 . Pr e j u d ic a r á a s o c i e d a d e?
4. Como deverá ser considerada por um governo republicano?
5. Deve o assassínio ser castigado com o assassínio?

Examinemos separadamente cada uma dessas perguntas.


E s s e p o n t o é b a s t a n t e i m p o r t a n t e p a r a q u e n o s d e t e n h a m o s . Po d e r ã o a c h a r n o s s a s i d é i a s u m t a n t o
fortes, mas que nos importa? Não temos o direito de tudo dizer? Expliquemos aos homens as grandes
verdades, eles as esperam de nós. Já é tempo de fazermos desaparecer o erro; que o obscurantismo seja
varrido como os reis. O assassínio será crime aos olhos da natureza? Eis a primeira pergunta. Sem dúvida
vamos humilhar aqui o orgulho do homem, ao rebaixá-lo ao plano de todas as outras produções da
natureza, mas o filósofo não procura acariciar as pequenas vaidades humanas. Sempre ardente na busca
da verdade, ele a distingue sobre todos os tolos preconceitos do amor próprio, atinge-a, desenvolve-a, e
mostra-a corajosamente à terra admirada.
O que é o homem, e que diferença existe entre ele e as plantas e todos os animais da terra?
Nenhuma, indiscutivelmente. Colocado fortuitamente como eles sobre o globo, nasce como eles, propaga-
se, cresce e declina como eles; como eles chega à velhice; como eles tomba no nada ao termo que a
natureza determina para cada espécie. Se essas analogias são tão exatas que tornam impossível à
observação do filosofo perceber qualquer dessemelhança, haverá igual maldade em matar um animal como
em matar um homem. Não se pode negar que tanto faz destruir um homem como um animal. Mas, a
destruição de todo o animal não será um crime, como acreditavam os pitagóricos e como acreditam os
habitantes das margens do Ganges? Antes de responder a isso, recordemos aos leitores que nós só
examinamos o problema do ponto de vista da natureza. Em seguida o examinaremos em relação aos
homens.
Ora, pergunto, para que servirão à natureza estes indivíduos que não lhe custam nem a menor
pena nem o menor cuidado? O trabalhador estima sua obra em razão do trabalho que ela lhe custa e do
tempo que emprega. Ora, custa o homem alguma coisa à natureza? De que se compõe os seres que nascem?
Os três elementos que os formam não resultam da primitiva destruição de outros corpos? Se todos os
indivíduos fossem eternos, não se tornaria impossível à natureza a criação de novos? Se pois, a eternidade
dos seres é impossível, a sua destruição se toma uma lei da natureza.
S e e l a s l h e s ã o t ã o ú t e i s a o p o n t o d e n ã o a s p o d e r d i s p e n s a r, e s e n ã o p o d e c r i a r s e m s e v a l e r d a s
massas de destruição que a morte lhe prepara, a idéia de aniquilamento que relacionamos com a morte
não será real. O que chamamos o fim de cada animal não será na verdade um fim, mas simples
transmutação que tem por base o perpétuo movimento, verdadeira essência da matéria, que todos os
filósofos modernos consideram como sua lei fundamental. A morte, segundo esses princípios irrefutáveis,
não é mais que uma mudança de forma, uma imperceptível passagem de uma existência para outra: é o
q u e Pit á g o r a s c h a m a v a m e t e m p s i c o s e .
A d m i t i d a s e s t a s v e r d a d e s , p o d e - s e s u s t e n t a r, p o r a c a s o , q u e a d e s t r u i ç ã o s e j a u m c r i m e ? O u s a r e i s
dizer que a transmutação é uma destruição? Sem duvida que não! Seria preciso, para isso, admitir um
instante de inação, um momento de repouso da matéria. Ora, jamais encontrareis tal momento; assim que
morre um animal formam-se os vermes; a vida desses vermes é um efeito necessário da morte: ousareis
d i z e r q u e u m a g r a d a m a i s à n a t u r e z a d o q u e o o u t r o ? Pa r a i s s o s e r i a n e c e s s á r i o p r o v a r u m a c o i s a
impossível, isto é, que a forma comprida ou quadrada é mais útil, mais agradável do que a oblonga ou
t r i a n g u l a r. S e r á p r e c i s o p r o v a r q u e , e m f a c e d a s p l a n o s s u b l i m e s d a n a t u r e z a , u m v a d i o q u e s e c e v a n a
inação ou na indolência é mais útil do que o cavalo, cujo serviço é tão importante, ou o boi, cujo corpo é
tão precioso. Seria necessário sustentar que a cobra venenosa é melhor do que o cão fiel.
Ora, como todos esses argumentos são insustentáveis, teremos que concordar que é impossível
aniquilar as obras da natureza, pois a única coisa que conseguimos, entregando-nos à destruição, é operar
uma variação de forma que não pode extinguir a vida. É, pois, superior às forças humanas poder provar
que existe crime na pretensa destruição de uma criatura de qualquer idade, sexo ou espécie. Conduzidos
ainda mais pela série de nossos argumentos, que se encadeiam uns aos outros, teremos que convir enfim,
que, longe de prejudicar a natureza, a ação que praticais variando as formas de suas diferentes obras, é
para ela vantajosa, pois que lhe forneceis assim a matéria prima para suas construções. Estas seriam
impossíveis se ninguém aniquilasse nada; deixai agir a natureza, me direis. De fato deixemo-la agir; mas
são os seus impulsos que o homem segue quando pratica o homicídio; é ela que o aconselha e, o homem
que destrói seu semelhante está, para a natureza, como a peste ou a fome, igualmente enviadas por ela,
que se serve de todos os meios para conseguir mais rapidamente essa matéria prima de destruição,
absolutamente necessária às suas obras.
Ocupemo-nos em iluminar um instante nossa alma com o santo archote da filosofia. Quem, senão
a natureza, nos aconselha os ódios pessoais, as vinganças, as guerras, enfim, todas as causas de perpétuo
assassínio? Ora, se ela nos aconselha é porque disso necessita. Como podemos, em conseqüência, nos
supor culpados para com ela, se não fazemos mais do que seguí-la?
Já dissemos mais do que o necessário, para convencer qualquer leitor esclarecido, de que é
impossível ultrajar a natureza com o assassínio.
Será ele, entretanto, um crime político? Sustentamos, ao contrário, que ele é uma das molas da
p o l ít i c a. Nã o fo i a c u s to d e a s s a s s í n i o s q u e Ro m a s e t o r n o u a s e n h o r a d o m u n d o e a F r a n ça é ho j e l i v r e ? É
inútil advertir que só falo aqui dos assassínios ocasionados pela guerra; não das atrocidades cometidas
pelos facciosos e desordeiros; estes, execrados pelo povo sempre que aparecem, provocam indignação
g e r a l e h o r r o r. Q u e o u t r a c i ê n c i a h u m a n a t e m m a i o r n e c e s s i d a d e d e p r a t i c a r o a s s a s s í n i o s e n ã o a q u e l a q u e
tende a aumentar um país às expensas de outros? As guerras, únicos frutos da bárbara política, servem-
lhe de alimento que o fortifica e o sacia. E o que é a guerra senão a ciência da destruição? Estranha
c e g u e i r a d o h o m e m q u e p u b l i c a m e n t e e n s i n a a a r t e d e m a t a r, q u e r e c o m p e n s a q u e m n e l a s e d e s t a c a e
q u e , e n t r e t a n t o , p u n e o s e r q u e , p o r u m a r a z ã o p a r t i c u l a r, s e d e s f a z d e s e u i n i m i g o . J á n ã o é t e m p o d e
nos libertarmos desses bárbaros erros?
Enfim, será o assassínio um crime contra a sociedade? Que importa a essa numerosa sociedade um
membro a mais ou a menos? Suas leis, seus costumes sofreriam com isso? A morte de um indivíduo influiu
alguma vez sobre a massa? Depois da perda da maior das batalhas, direi, depois da extinção da metade do
m u n d o , d e s u a t o t a l i d a d e , s e q u i s e r, o r e d u z i d o n ú m e r o d o s s o b r e v i v e n t e s v i r i a a s o f r e r q u a l q u e r
alteração material? Não. A natureza inteira nada sofreria com isso, e o estúpido orgulho dos homens, que
acreditam que tudo gira em tomo deles, surpreender-se-ia depois da total destruição da espécie humana
ao verificar que nada tinha variado na natureza e que o curso dos astros não seria sequer retardado.
Continuemos: Como encarar o assassínio em um Estado republicano e guerreiro? Haveria
seguramente o maior perigo em puni-lo. A altivez do republicano exige uma certa ferocidade. Se
f r a q u e j a r, s e p e r d e r a e n e r g i a , s e r á l o g o s u b j u g a d o . U m a s i n g u l a r í s s i m a r e f l e x ã o o c o r r e - m e a p r o p ó s i t o ;
apesar de muito ousada é verdadeira e por isso a enunciarei: uma nação que começa a ser governada como
r e p ú b l i c a s ó s e s u s t e n t a r á p e l a v i r t u d e . Po r q u e ? Po r q u e , p a r a a t i n g i r a o m á x i m o é p r e c i s o c o m e ç a r p e l o
mínimo, pela virtude. Mas uma nação velha e corrupta, que se tenha corajosamente libertado do jugo de
um governo monárquico, só se sustentará pela prática de muitos crimes. A França já teve que os praticar
e se quisesse passar por crime à virtude, isto é, de um estado violento a um pacífico, cairia numa inércia
e s u a r u í n a s e r i a f a t a l . Q u e s e r i a d a á r v o r e t r a n s p l a n t a d a d e u m t e r r e n o f é r t i l p a r a u m a c h a r n e c a ? To d a s
as idéias estão de tal maneira subordinadas à física da natureza, que as comparações subordinadas à
agricultura serão sempre válidas em moral.
Os homens mais independentes, que mais se aproximam da natureza, os selvagens, entregam-se
diariamente ao assassínio. Em Esparta, na Lacedemônia, caçavam-se os dotas, como na França as
perdizes. Em Mindanau, quem assassina é considerado bravo e premiado com um turbante; entre os
Caraguos é preciso ter matado sete para ser digno de igual prêmio; os habitantes de Bornéo crêem que
todos aqueles que por eles tiverem sido assassinados os servirão depois de mortos; os fanáticos espanhóis
f a z i a m v o t o s a S ã o T i a g o d e C o m p o s t e l a d e m a t a r d o z e a m e r i c a n o s p o r d i a ; n o r e i n o d e Ta n g u t i e s c o l h i a -
se um homem forte e vigoroso ao qual era permitido em certos dias do ano matar todos quanto
encontrasse. Haveria povo mais amigo do assassínio que o Judeu? É o que se deduz de todas as paginas de
sua história.
O imperador e os Mandarins da China tomam medidas para revoltar o povo afim de cometer
horríveis hecatombes. Que este povo efeminado se livre do jogo dos tiranos! Os assassinatos públicos são
permitidos em Gênova, Ve n e z a , Nápoles, Albânia. Em Kachau, os assassinos, vestidos de um modo
p a r t i c u l a r, e s g a n a m p u b l i c a m e n t e o s i n d i v í d u o s q u e l h e s s ã o i n d i c a d o s . O s h a b i t a n t e s d a Í n d i a t o m a m ó p i o
para ganhar c o ragem e se prec ipit am pel as ruas massac rando t udo que enco nt ram. Viaj ant es ingl eses
dizem o mesmo da Batavia.
Que povo foi ao mesmo tempo maior e mais cruel do que os romanos e que nação conservou por
mais tempo seu esplendor e sua liberdade? O espetáculo dos gladiadores provocava-lhes coragem;
tomavam-se guerreiros pelo hábito de fazer da matança um brinquedo; mil e duzentas a mil e quinhentas
vítimas diárias enchiam o circo. As mulheres, mais cruéis que os homens, exigiam que os moribundos
caíssem com graça nas convulsões da agonia. Os romanos passaram daí a outros prazeres, tais como o de
verem anões que se entre-matavam. Quando o culto cristão, sujando a terra, veio persuadir os homens
q u e s e n ã o d e v i a m a t a r, o s t i r a n o s e n c a d e a r a m e s s e p o v o . E m t o d a p a r t e a c r e d i t a v a m q u e o a s s a s s i n o , o
homem que dominava sua sensibilidade ao ponto de matar seu semelhante, que afrontava a vingança
p ú b l i c a o u p a r t i c u l a r, e r a c o r a j o s o e , p o r t a n t o , p r e c i o s o , n u m g o v e r n o g u e r r e i r o o u r e p u b l i c a n o .
O u t r a s n a ç õ e s a i n d a m a i s f e r o z e s i m o l a v a m c r i a n ç a s e i s s o f a z i a p a r t e d e s u a s l e i s . Po v o s
selvagens matam os recém-nascidos e freqüentemente, seus próprios filhos; esses atos, comuns em todo
universo, em alguns casos são incluídos nos códigos de leis desses povos. Nas margens do Orenoco, as
m ã e s m a t a m a s f i l h a s p a r a q u e s e n ã o c a s e m c o m s e l v a g e n s d e s s a r e g i ã o . N a Tr a p o b a n a e n o R e i n o d e
Sopite, as crianças disformes eram imoladas pelos pais. Em Madagascar as crianças nascidas em certos
dias da semana eram lançadas às feras. Nas repúblicas da Grécia eram imoladas as crianças não
suficientemente fortes para um dia defenderem a república: lá ninguém achava necessário erigir casas
dispendiosas para conservar a escoria e o rebotalho da humanidade ¹. Até a mudança da sede do Império,
todos os romanos que não queriam alimentar seus filhos jogavam-nos fora. Os antigos legisladores
abandonavam à morte as crianças; nenhum código reprimia os direitos que o pai se arrogava sobre a
família. Aristóteles aconselhava o aborto; esses antigos republicanos, cheios de entusiasmo e ardor pela
pátria ignoravam a compaixão individual que domina as nações modernas: amavam menos as crianças e
mais a pátria. Em todas as cidades chinesas, encontram-se cada manhã uma quantidade de crianças
abandonadas pelas ruas; são jogadas numa carroça e depois num fosso; muitas parteiras ajudam as mães
a f o g a n d o r e c é m n a s c i d o s e m t i n a s d e á g u a f e r v e n d o o u j o g a n d o - o s a o r i o . E m Pe q u i m , s ã o p a s t a s e m
cestinhos que se abandona nos canais; o famoso explorador Duhalde calcula em mais de trinta mil o
número de corpos encontrados em cada limpeza desses canais. Não se pode negar que é preciso pôr um
dique à população num governo republicano; por motivos contrários, é preciso encorajá-la numa
monarquia, onde os tiranos, sendo ricos em razão do número de escravos, têm necessidade de homens. É
preciso não multiplicar uma população em que cada ser é um soberano. As revoluções tem sempre por
motivo uma população demasiado numerosa. Se, para o esplendor de um Estado, concedeis a vossos
guerreiros o direito de destruir homens, para a conservação desse mesmo Estado concedei a cada
i n d i v í d u o o d i r e i t o d e s e d e s f a z e r d a s c r i a n ç a s q u e n ã o p o s s a m n u t r i r, o u d a s q u e n ã o p o s s a m s e r ú t e i s a o
governo. Concedei-lhes que se desfaçam sob sua própria responsabilidade, de todos os inimigos que lhe
possam ser nocivos, pois o resultado de todas essas ações será conservar a população em estado de
moderação e nunca deixar que ela cresça demasiadamente de modo a derrubar o governo. Os monarquistas
afirmam que um Estado é grande pela sua população; esse Estado será sempre pobre se a população
exceder os meios de subsistência, e, sempre florescente se, contendo-a nos justos limites, puder traficar
c o m o e x c e d e n t e ; n ã o é p r e c i s o , p a r a c o n s e r v a r o t r o n c o , p o d a r o s r a m o s s u p é r f l u o s ? To d o o s i s t e m a q u e
se afastar desses princípios será uma extravagância, cujos abusos nos conduzirão à subversão total do
edifício que construímos com tanto trabalho. Não é quando o homem já está criado que devemos destruí-
lo para diminuir a população; é injusto abreviar os dias de um indivíduo perfeito: mas não é injusto
impedir a vida de um mal-conformado. A espécie humana deve ser selecionada no berço, único meio
razoável de diminuir uma população que, por mais extensa, se tomaria perigosa. Caminhemos para a
conclusão.

(1) É preciso esperar que a nação acabe com essa despesa, a mais inútil de todas; todo indivíduo
que nasce sem as qualidades necessárias para se tomar útil à república, não tem nenhum direito a
conservar a vida e o que de melhor se há de fazer é rouba-la no momento mesmo em que ele a recebe.

O assassínio deve ser castigado com o assassínio? Não, sem dúvida. Só se deve impor ao assassino
a v i n g a n ç a q u e o s a m i g o s o u a f a m í l i a d o a s s a s s i n a d o p o s s a m t o m a r. To d a b a s e d a l e i c o n t r a o s a s s a s s i n o s
está nessas palavras sublimes de Luiz XV a Charolais, que matara um homem para se divertir: "Concedo-
lhe o perdão, mas também o concedo a quem o matar". Numa frase tão divina como esta, encontram-se
todas as bases da lei contra os assassinos ¹.

(1) A lei sálica punia o assassinato com uma simples multa, e como o culpado sempre encontrava
m e i o s d e p a gá - l a, o Re i da Á u s t r i a , d e c r e to u a p e n a d e m o rt e n ã o a o s a s s a s s i n o s , m a s àq u e l e s q u e n ão
pagavam a tal multa. A lei ripuária também só ordena, contra esse ato, o pagamento de uma muita,
proporcional ao indivíduo assassino. Era bem caro matar um padre: o assassino deveria pagar em ouro o
peso equivalente de uma túnica de chumbo que lhe servisse; caso contrário. o culpado e sua família se
tomariam escravos da Igreja.

O assassínio é um mal necessário, nunca criminoso; por isso, é preciso tolerá-lo num Estado
r e p u b l i c a n o . To d o o u n i v e r s o n o s d á u m e x e m p l o d e l e ; m a s , s e r á q u e d e v e m o s c o n s i d e r á - l o c o m o u m a a ç ã o
passível da punição de morte? Os que responderem ao dilema seguinte terão satisfeito a pergunta: o
assassínio é ou não um crime?
Se não é, para que fazer leis que o castiguem? Se é, por que bárbara e estúpida inconseqüência
deve ser punido por um crime igual?
Só nos resta falar dos deveres do homem para consigo mesmo. Como o filósofo só cumpre seus
deveres na medida em que eles contribuem para seu prazer e conservação, é inútil recomendar-lhes a
prática e mais inútil ainda castigar aqueles que não os obedecerem. O único delito que o homem pode
cometer contra si mesmo é o suicídio. Não perderei tempo aqui em provar a imbecilidade daqueles que
d i s s o fa z e m u m c r i m e . L e i a m a f a m o s a ca r t a d e Ro u s s e a u , os q u e t i v e r e m d ú v i d a s s o b r e o a s s u n t o. Q u a s e
todos os povos antigos autorizavam o suicídio pela política e pela religião. Os atenienses expunham no
a r e ó p a g o a s r a z õ e s q u e t i n h a m p a r a s e m a t a r e d e p o i s s e a p u n h a l a v a m . To d a s a s r e p ú b l i c a s d a G r é c i a
toleravam o suicídio; ele entrava no código dos antigos legislados; os indivíduos matavam-se em público,
f a z e n d o da m o r t e u m e s p e t á c u l o a p a r at o s o . A r e p ú b l i c a d e Ro m a e n c o r aj a v a o s u i c í d i o; n ã o p a s s a v a m
d i s s o o s fa m o s o s s ac r i f í c i o s p el a p át r i a . Q u a n d o Ro m a f o i t o ma d a p el o s g a u l e s e s m u i t o s s e n a d o r e s
r o m a n o s p r e f e r i r a m a m o r t e. Re to m a n d o e s s e e s p í r i t o , d e v e m o s ad o t a r s u a s v i r t u d e s . U m s ol d a d o m a to u -
se durante a campanha de 1792 por não poder seguir com os camaradas para a batalha de Jemmapes.
Incessantemente colocados à altura desses altivos republicanos, sobrepujaremos suas virtudes. É o
governo que faz o homem. Um longo hábito de despotismo tinha comprometido, depravado, nossos
c o s t u m e s ; n ó s r e n a s c e m o s . Ve r e m o s l o g o d e q u e a ç õ e s s u b l i m e s s ã o c a p a z e s o g ê n i o e o c a r á t e r f r a n c ê s
quando livres. Sustentemos ao preço de nossas fortunas e de nossas vidas esta liberdade que já nós custou
tantas vidas. Não lamentemos nenhuma se conseguirmos nosso objetivo; elas se sacrificaram
voluntariamente. Que esse sangue não seja inútil! Unamo-nos para não perder o fruto de tantas vitórias.
Fundemos leis excelentes sobre as vitórias conquistadas. Nossos primeiros legisladores, ainda escravos do
d é s p o t a q u e a c a b a m o s d e l i q u i d a r, s ó n o s t i n h a m d a d o l e i s d i g n a s d e s s e t i r a n o q u e e l e s a i n d a i n c e n s a v a m .
Re c o n s t r u a m o s - l h e s a o b r a, p e n s a n d o q u e v a mo s t r a b al h a r p a r a r e p u b l ic a n o s e fi l ó s of o s . Q u e n o s s a s l e i s
s e j a m d o c e s e s u a v e s c o m o o p o v o q u e d e v e m b e n e f i c i a r.
P a t e n t e a n d o a q u i , c o m o a c a b o d e f a z e r, a s i g n i f i c â n c i a e a i n d i f e r e n ç a d e u m a q u a n t i d a d e d e
ações que nossos antepassados olhavam como criminosas, porque seduzidos por uma falsa religião, reduzo
o nosso trabalho a pouca coisa. Façamos leis, mas que sejam boas. Não se trata de multiplicar os freios,
n ã o s e t r a t a d e d a r - l h e s u m c a r á t e r i n d e s t r u t í v e l . Pr o m u l g u e m o s l e i s q u e f a ç a m a t r a n q ü i l i d a d e e a
felicidade do cidadão assim como o brilho a república. Depois de ter escorraçado o inimigo de vossas
terras, franceses, eu não desejaria que o ardor em propagar vossos princípios vos conduzisse longe
demais; não é senão a, ferro e a fogo que podereis levá-los aos confins do universo. Antes de chegar até
l á l e m b r a i - v o s do i n s u c e s s o d a s c r u z a d a s . Q u a n d o 0 i n i m i g o e s t i v e r d o ou t r o la d o d o Re n o g u a r d a i v o s s a s
fronteiras, ficai na vossa casa; reanimai o comércio, aumentando a energia e o mercado de vossas
manufaturas, fazei reflorir as artes e a agricultura, tão necessárias num governo como o vosso, cujo
espírito deve ser fornecer tudo ao mundo sem necessidade de auxilio. Os tronos da Europa desmoronarão
por si mesmos; vosso zelo e prosperidade os destruirão sem maior esforço.
Invencíveis em vosso território, o modelo de todos os povos pela vossa polícia e pelas vossas leis,
n ã o h a v e r á g o v e r n o n o m u n d o q u e n ã o v o s q u e i r a i m i t a r, q u e n ã o s e h o n r e c o m a v o s s a a l i a n ç a . M a s s e ,
pela honra vã de levar ao longe vossos princípios, abandonardes o cuidado de vossa própria felicidade, o
despotismo, que apenas dorme, acordar-se-à, sereis dilacerados por lutas intestinas, exauridas serão
vossos soldados e vossas finanças. E tudo isto para novamente vos submeter aos ferros dos tiranos, que
vos terão subjugados durante vossa ausência; tudo o que desejais pode ser conseguido sem que seja
preciso deixar vossos lares: que os outros povos vejam que sois felizes e procurarão a felicidade seguindo
o caminho que vós lhes tiverdes traçado.

EUGÊNIA a Dolmancé - Eis o que pode chamar uma obra cheia de sabedoria: está tão de acordo com os
seus princípios, sob tantos aspectos, que sou levada a acreditar que seja de sua autoria.
D O L M A N C É - D e f a t o e s t o u d e a c o r d o c o m u m a p a r t e d e s t e s r a c i o c í n i o s . Tu d o o q u e t e n h o d i t o o p r o v a , e
esta leitura pode ter parecido até mesmo uma repetição...
E U G Ê N I A - N ã o c r e i o ; n u n c a é d e m a i s r e p e t i r v e r d a d e . Pa r e c e - m e e n t r e t a n t o , q u e a l g u n s d e s t e s p r i n c í p i o s
são um pouco perigosos.
DOLMANCÉ - No mundo só são perigosos a piedade e a benevolência. A bondade não passa de uma fraqueza
q u e a i n g r a t i d ã o e a i m p e r t i n ê n c i a d o s f r a c o s f o r ç a m s e m p r e o s q u e a p r a t i c a m a s e a r r e p e n d e r. Q u e u m
bom observador se ponha a calcular todos os perigos da piedade e os compare com os de um calmo
e g o í s m o , e v e r á l o g o a s v a n t a g e n s q u e e s t e p o d e o f e r e c e r. M a s n ó s e s t a m o s i n d o m u i t o l o n g e , E u g ê n i a .
P r o c u r e m o s r e s u m i r, p a r a s u a e d i f i c a ç ã o , n u m ú n i c o c o n s e l h o , t u d o o q u e a c a b a m o s d e v e r. N ã o o u ç a
nunca seu coração, minha criança. É o mais falso guia que a natureza nos poderia dar; fechai-o
cuidadosamente aos apelos falaciosos da ternura. Mais vale recusar aquele que de fato tenha sido feito
para interessá-la, do que arriscar-se e se entregar a um celerado, a um intrigante ou a um charlatão; uma
resultaria em bobagens, mas a outra poderia trazer os maiores inconvenientes.
M I R V E L - Q u e m e s e j a p e r m i t i d o , p e ç o - v o s , r e t o m a r o s p r i n c í p i o s d e D o l m a n c é e a n i q u i l á - l o s , s e p u d e r. . .
Como esses seriam diferentes, homem cruel, se privado desta imensa fortuna que lhe fornece
continuamente os meios de satisfazer suas paixões, fosse você obrigado a viver alguns anos sob o
acabrunhante infortúnio que seu feroz espírito reserva para os miseráveis, culpando-os, ainda, disto.
Lance um olhar de piedade sobre eles e não contrinja sua alma ao ponto de torná-la flexível aos apelos
desesperados da miséria. Enquanto seu corpo, cansado unicamente da volúpia, repousa largamente sobre o
leito macio, procure ver os deles, esgotados pelos trabalhos que lhe tomam possível essa vida, procurar
descanso sobre um punhado de palha para se defender do frio e da umidade da terra, que eles só
possuem, como os animais, a fria superfície onde se estendem. Cercado de suculentas iguarias, com as
quais todos os dias vinte discípulos de Comus despertam sua sensualidade, deite um olhar sobre estes
desgraçados que disputam aos lobos, nos bosques, a amarga raiz de um solo ressequido. Quando a
diversão, as graças e os risos conduzirem ao seu leito impuro os mais encantadores ídolos do templo de
Citéra, olhe para o miserável estendido ao lado de sua triste esposa, satisfeito dos prazeres que colhe em
meio de lágrimas, sem mesmo suspeitar da existência de outros. Olhe-o enquanto você, não se recusando
n a d a , m e r g u l h a n o s e i o d o s u p é r f l u o . Ve j a m , r e p i t o , a q u e l e q u e n ã o p o d e a t e n d e r, a c a d a p a s s o , a s
necessidades primárias da existência. Lance um olhar sobre sua família desolada; atente sobre sua
trêmula esposa, que se desdobra com ternura entre os cuidados que dedica ao marido, inerte a seus pés,
e o s q u e a n a t u r e z a i m p õ e p a r a c o m o s r e b e n t o s d e s e u a m o r. O u ç a - a s e m e s t r e m e c e r, s e o p u d e r,
reclamar-lhe este supérfluo que sua crueldade lhe recusa, ela, que está privada da possibilidade de
satisfazer os deveres mais sagrados para sua alma sensível!
Bárbaro! Não serão eles homens como você? E se são seus semelhantes, por que hás de gozar
enquanto eles fenecem? Eugênia, Eugênia, não extinga jamais em sua alma a voz sagrada da natureza: ela
a conduzirá à prática do bem a despeito de si mesma, quando você libertar seu coração do fogo das
paixões que o absorvem. Deixemos de lado os princípios religiosos, concordo, mas não abandonemos as
virtudes que a sensibilidade nos inspira. Só as praticando é que nós provaremos os mais doces e deliciosos
p r a z e r e s d a a l m a . To d o s o s d e s m a n d o s s e r ã o r e s g a t a d o s p o r u m a ú n i c a o b r a , e l a e x t i n g u i r á o s r e m o r s o s
que sua conduta lhe tenha feito sentir e criará, no fundo de sua consciência, um asilo sagrado em que
v o c ê s e r e c o l h e r á s o b r e s i m e s m a d e v e z e m q u a n d o . Vo c ê e n c o n t r a r á a í c o n s o l a ç ã o p a r a a s d e s g r a ç a s a
que seus erros a terão levado. Minha irmã, sou jovem, libertino, ímpio, capaz de todos os desregramentos
do espírito, mas tenho ainda coração. Ele é puro e é com ele, meus amigos, que eu me consolo de todos
os caprichos de minha idade.
DOLMANCÉ - Sim, Mirvel, você é jovem. Seu discurso o prova, falta-lhe experiência. Quero ouvi-lo quando
ela o tiver amadurecido; então você não falará tão bem dos homens porque os terá conhecido. Foi sua
ingratidão que secou meu coração, sua perfídia que destruiu em mim estas virtudes funestas para as
quais, quem sabe, eu teria nascido como você. Ora, se os vícios de uns tomam estas virtudes perigosas
nos outros, não se terá prestado um serviço à mocidade extinguindo-a nela o mais cedo possível? Fala-me
v o c ê d o r e m o r s o ! Po d e e l e e x i s t i r n a a l m a d e q u e m n ã o r e c o n h e c e a e x i s t ê n c i a d e c r i m e s ? Q u e s e u s
princípios os sufoquem, se teme seus aguilhões! Ser-lhe-à possível arrepender-se duma ação de cuja
indiferença esteja profundamente convencido? Desde que não acredite no mal, de que mal se poderá
arrepender?
M I RV E L - N ão é d o e s p í r i t o q u e v ê m o s r e m o r s o s , e l e s s ã o f r u to s do c o ra ç ão e ja m a i s o s s o f i s m a s
intelectuais hão de extinguir os movimentos da alma.
DOLMANCÉ - O coração engana porque expressa unicamente os falsos cálculos do espírito; que este
a m a d u r e ç a e o o u t r o c e d e r á i m e d i a t a m e n t e . S e m p r e q u e q u e r e m o s r a c i o c i n a r, a s f a l s a s d e f i n i ç õ e s n o s
afastam; por mim, não sei o que seja o coração. Dou este nome às fraquezas do espírito: uma só e única
chama arde em mim. Quando estou são e firme, ele não me engana jamais. Sou velho, hipocondríaco e
pusilânime? Ele me engana? Direi, então, que sou sensível quando, no fundo, só sou fraco e tímido? Ainda
uma vez, Eugênia; que esta pérfida sensibilidade não a domine. Ela só representa fraqueza de alma. Só
c h o r a mo s po r q u e t e m o s m e d o e p o r i s s o o s r e i s s ã o t i r a no s . Re j e i t e , d e t e s t e , p o i s , a s p é r f i d i o s c o n s e l h o s
do Cavalheiro. Aconselhando-a a abrir seu coração a todos os males imaginários dos infortúnio, ele lhe
ocasionará sofrimentos que, não lhe sendo próprios, a torturariam em pura perda. Acredite-me, Eugênia,
acredite que os prazeres que nascem da apatia valem tanto quanto as que a sensibilidade nos
proporciona. Esta só toca o coração por um lado, enquanto que a apatia o acaricia e empolga por todos os
l a d o s . Po d e m o s g o z o s p e r m i t i d o s c o m p a r a r - s e a o s q u e r e ú n e m , e m a t r a t i v o s m u i t o m a i s p i c a n t e s , o s
apreciáveis encantos da ruptura dos freios sociais e da infração de todas as leis?
E U G Ê N I A - Vo c ê t r i u n f a , D o l m a n c é , v o c ê o s o b r e p u j a ! O s d i s c u r s o s d o C a v a l h e i r o a p e n a s m e r o ç a r a m a
alma; o seu empolga e seduz. Acredite, Cavalheiro, dirija-se antes às paixões do que às virtudes, quando
q u i s e r p e r s u a d i r u m a m u l h e r.
M A D A M E , a o C a v a l h e i r o - S i m , m e u a m i g o , f o d a - n o s b e m , m a s n ã o n o s f a ç a d i s c u r s o s . Vo c ê n ã o n o s
converteria e, sim, perturbaria as lições com que desejamos alimentar a alma e o espírito desta
encantadora jovem.
E U G Ê N I A - P e r t u b a r ? O h , n ã o n u n c a ! Vo s s a o b r a e s t á c o n c l u í d a . A q u i l o q u e o s i m b e c i s c h a m a m d e
corrupção está suficientemente enraizado em mim para não deixar nenhuma esperança de que eu volte
a t r á s . Vo s s o s p r i n c í p i o s e s t ã o m u i t o b e m g r a v a d o s e m m e u c o r a ç ã o p a r a q u e o s s o f i s m a s d o C a v a l h e i r o
consigam destruí-los.
D O L M A N C É - E l a t e m r a z ã o . N ã o f a l e m o s m a i s d i s s o , C a v a l h e i r o . Vo c ê f i c a r i a c o n t r a r i a d o e , a f i n a l , n ó s
queremos que você se saia bem.
M I RV E L - E s t á b e m . Nó s e s t a m o s a q u i p a r a u m fi m m u i to d i v e r s o , s e i d i s s o , d o q u e a q u e l e q u e e u
p r e t e n d i a . Tr a t e m o s d e c h e g a r a e l e , c o n s i n t o . G u a r d a r e i m i n h a m o r a l p a r a a q u e l e s q u e , m e n o s e x a l t a d o s
que vós, estejam em condições de entendê-la.
MADAME - Sim, meu irmão, sim; nós só queremos aqui sua porra, dispensamos sua moral: ela é por demais
doce para gente de nossa espécie.
E U G Ê N I A - R e c e i o , D o l m a n c é , q u e e s t a c r u e l d a d e q u e v o c ê p r e c o n i z a c o m t a n t o c a l o r, i n f l u e n c i e s e u s
p r a z e r e s . Pa r e c e - m e m e s m o , q u e j á o p e r c e b i : v o c ê é c r u e l e m p r a z e r e s . E u m e s m a s i n t o a l g u m a
disposição para este vício. Diga-me, para me esclarecer a respeito, como encara você o objeto que serve
a seus prazeres?
D O L M A N C É - Pa r a m i m n ã o v a l e m n a d a , m i n h a c a r a . Q u e e l e s p a r t i c i p e m o u n ã o d o s m e u s g o z o s , q u e
e x p e r i m e n t e m s a t i s f a ç ã o , a p a t i a o u m e s m o d o r, s ã o - m e a b s o l u t a m e n t e i n d i f e r e n t e s , d e s d e q u e e u s e j a
feliz.
EUGÊNIA - Aliás é muito melhor que ele sofra, não é verdade?
D O L M A N C É - S e m d ú v i d a , é m e l h o r. J á l h e d i s s e : o e s p e t á c u l o d a d o r t e m u m a r e p e r c u s s ã o m a i s a t i v a
sobre nós e orienta muito mais enérgica e rapidamente os espíritos animais na direção que lhes é
necessária para atingir a volúpia. Abra os serralhos da África, os da Ásia, os da Europa meridional e veja
se os chefes destes haréns célebres se preocupam muito, quando fomicam, em proporcionar prazer aos
indivíduos que os servem. Eles ordenam? Obedecemos. Eles gozam? Não ousam responder-lhes. Saciaram-
s e ? To d o s s e a f a s t a m . H á a l g u n s d e l e s q u e p u n i r i a m c o m o u m a f a l t a d e r e s p e i t o a a u d á c i a d e p a r t i c i p a r d e
s e u p r a z e r. O r e i d e A c h e m m a n d a v a , i m p i e d o s a m e n t e , c o r t a r a c a b e ç a d a m u l h e r q u e t i v e s s e o u s a d o s e
distrair em sua presença a ponto de gozar e, quase sempre, ele mesmo lhe cortava a cabeça. Este
d é s p o t a , u m d o s m a i s s i n g u l a r e s d a A s i a , t i n h a a p e n a s m u l h e r e s c o m o g u a r d a s . Tr a n s m i t i a - l h e s o r d e n s
apenas por sinais e punia com a morte mais cruel aquelas que não o atendiam. Os suplícios eram
executados ou por sua própria mão, ou sob suas vistas.
Tu d o i s t o , m i n h a c a r a E u g ê n i a , e s t á a b s o l u t a m e n t e d e a c o r d o c o m o s p r i n c í p i o s q u e e u j á l h e
expus. Que desejamos quando estamos a gozar? Que todos aqueles que nos cercam não se ocupem senão de
nós, só pensem em nós e só cuidem de nós. Se os objetos que nos servem gozam também, ei-los, desde
l o g o , m u i t o m a i s o c u p a d o s c o n s i g o m e s m o s d o q u e c o n o s c o - e n o s s o p r a z e r é , c o n s e q u e n t e m e n t e , m e n o r.
N ã o h á u m s 6 h o m e m q u e n ã o d e s e j e s e r u m d é s p o t a q u a n d o c o p u l a . Pa r e c e q u e o p r a z e r d i m i n u i q u a n d o
os outros participam dele. Levado por um impulso muito natural de orgulho, neste instante, ele desejaria
ser único no mundo a experimentar o que sente. A idéia de ver um outro gozar como ele submete-o a uma
espécie de igualdade que prejudica os inefáveis prazeres que o despotismo) proporciona então. Aliás é
falsa, a idéia de que, ao proporcionar prazer aos outros, nós também o sintamos; isto seria servi-los e, o
homem que fode está longe de desejar ser útil aos outros.
Ao contrário, praticando o mal, ele experimenta todos os encontros que sente um indivíduo de
temperamento nervoso ao fazer uso de sua força: ele domina, ele é tirano. Que diferença para o amor
próprio! Não acreditemos que ele se cale neste caso. O ato de gozar é uma paixão que subordina a ela
t o d a s a s o u t r a s , c o n c o r d o , m a s q u e a o m e s m o t e m p o a s r e ú n e t o d a s . E s t a v o n t a d e d e d o m i n a r, n e s t e
momento, é tão forte na natureza que, mesmo entre os animais, nós a reconhecemos. Vêde se os
escravizados procriam como os que estão livres... O dromedário vai mais longe: não copula se não estiver
s ó . Te n t e i s u r p r e e n d ê - l o - r e v e l a n d o , c o m i s t o , i n t e n ç ã o d e d o m i n á - l o - e e l e f u g i r á e s e s e p a r a r á
imediatamente de sua companheira. Se fosse intenção da natureza que o homem não tivesse esta
superioridade, ela não teria feito os seres que lhe destina, para estes momentos, mais fracos do que ele.
Esta fraqueza a qual a natureza condenou as mulheres prova ser sua intenção que o homem, no gozo de
t o d a s u a f o r ç a , d e v e e x e r c ê - l a p a r a p r a t i c a r t o d a s a s v i o l ê n c i a s q u e l h e o c o r r a e , m e s m o , s e d e s e j a r,
t o d o s o s s u p l í c i o s . Te r i a o m o m e n t o c r í t i c o d a v o l ú p i a o c a r á t e r d e v i o l ê n c i a q u e p o s s u i s e a n a t u r e z a ,
esta mãe do gênero humano, não tivesse a intenção de aliar o coito e a ira? Qual será o homem bem
constituído, numa palavra, o homem dotado de órgãos vigorosos que não desejará, nesta ocasião, de uma
maneira ou de outra, fazer sofrer sua companheira? Sei perfeitamente que uma infinidade de imbecis, que
jamais percebem suas próprias sensações, não compreenderão bem o sistema que instituo; mas que
importam estes imbecis? Não é a eles que me dirijo. Deixo estes desenxabidos adoradores aos pés de suas
i n s o l e n t e s D u l c i n é i a s , à e s p e r a d o s u s p i r o q u e o s f a r á f e l i z e s . V i s e s c r a v o s d o s e x o q u e d e v e r i a m d o m i n a r,
eu os abandono ao infame prazer dos grilhões que, para obedecer a natureza, deveriam, sim, impor aos
outros. Que estes animais vegetem na baixeza que os avilta: em vão lhes esclareceríamos, mas que não
desacreditem aqueles que podem compreendê-los, e que se convençam de que quem deseja estabelecer
seus princípios de acordo com tais matérias, segundo os impulsos de uma alma vigorosa e duma
imaginação sem freios, como fazemos nós dois, a senhora e eu, devem ser os únicos a serem ouvidos, os
únicos a lhes prescreverem o comportamento e a lhes dar lições.
Po r r a ! Q u e t e s ã o ! C ha m e m A g o s t i n h o , p o r f a v o r ! É i n c r í v e l c o m o o c u s o b e r bo d e s t e b e l o j o v e m
n ã o m e s a i d a c a b e ç a d e s d e q u e c o m e c e i a f a l a r ! To d a s a s m i n h a s i d é i a s , i n v o l u n t a r i a m e n t e , s e l i g a v a m a
ele. Mostre-me esta obra prima, Agostinho... Quero beijá-la e acariciá-la ao menos um quarto de hora.
Ve n h a , m e u a m o r, v e n h a , q u e e u m e t o r n e d i g n o , p e n e t r a n d o e s t e b e l o c u , d a s c h a m a s c o m q u e S o d o m a
me abrasa! Ele tem as mais brancas, as mais belas nádegas... Gostaria que Eugênia, de joelhos, lhe
chupasse a pica, enquanto eu o enrabasse! Ela ofereceria assim o traseiro ao Cavalheiro, que a foderia, e
M a d a m e d e S a n t - A n g e , à c a v a l o e m A g o s t i n h o , m e d a r i a a b u n d a a b e i j a r. E l a p o d e r i a a i n d a , t e n h o
certeza, armada de um feixe de varas e curvando-se um pouco, fustigar o Cavalheiro, a quem esta
estimulante cerimônia não pouparia nossa discípula. (Organiza-se a postura). Sim, é assim mesmo. É um
prazer compor um quadro com vocês. Nenhum artista comporia um igual! Como este safado tem o cu
estreito... Quase que não consigo penetrá-lo. Madame, me permitiria que mordesse e beliscasse suas
belas carnes, enquanto fodo?
M A D A M E - Q u a n d o q u i s e r, m e u a m i g o . M a s a v i s o - o d e q u e n ã o o f a r e i e s p e r a r p e l a v i n g a n ç a . C a d a v e z q u e
v o c ê m e m a c h u c a r, j u r o q u e l h e s o l t a r e i u m p e i d o n a b o c a .
D O L M A N C É - P u x a , q u e a m e a ç a . . . F a r á q u e e u a m a c h u q u e m a i s a i n d a ( M o r d e - a ) . Va m o s v e r s e v o c ê
c u m p r e a p a l a v r a ! ( R e c e b e u m p e i d o n a b o c a ) . Po r r a , q u e g o s t o s o ! C o m o é d e l i c i o s o ! ( D á - l h e u m t a p a e
r e c e b e i m e d i at a m e n t e o ut r o p e i d o n a c a ra ) . O h , co m o é d i v i n o , m e u a nj o ! Re s e r v e al g u n s p a r a o mo m e n t o
d a c r i s e . . . F i q u e c e r t a d e q u e a t r a t a r e i , e n t ã o , c o m t o d a a c r u e l d a d e , t o d a a b a r b á r i e . . . Po r r a ! N ã o m e
a g u e n t o . . E s t o u a c a b a n d o . . . ( E l e a m o r d e , b a t e e e l a n ã o c e s s a d e p e i d a r ) . Ve j a c o m o a t r a t o , s a f a d a ,
c o m o a d o m i n o ! To m e m a i s e s t a . . . E m a i s e s t a . . . Q u e o ú l t i m o i n s u l t o s e j a a o p r ó p r i o í d o l o a q u e
sacrifiquei. (Morde-lhe o olho do cu. A composição se desfaz). E vocês que fizeram, meus amigos?
EUGÉNIA, expelindo a porra que tem no cu e na boca: Meu caro mestre, veja como seus alunos me
deixaram: tenho o traseiro e a boca cheios de porra, verto porra por todos os lados.
DOLMANCÉ, vivamente - Um momento... Quero receber na boca o que o Cavalheiro lhe depositou no cu.
EUGÉNIA, pondo-se em posição - Que extravagância!
DOLMANCÉ - Nada é tão gostoso como a porra que sai do fundo de um belo cu. É um manjar digno dos
d e u s e s . ( E n g o l e ) . Ve j a m c o m o f a ç o . ( A p r o x i m a n d o - s e d e A g o s t i n h o , c u j o c u b e i j a ) . Pe ç o - v o s p e r m i s s ã o ,
senhoras, para, em companhia desse jovem, passar ao gabinete vizinho.
MADAME - Será que você não pode fazer aqui mesmo, com ele, tudo o que quiser?
DOLMANCÉ, baixo e misteriosamente - Não. Há coisas que exigem segredo.
E U G Ê N I A - A o m e n o s n o s d i g a o q u e v a i f a z e r.
MADAME - Não os deixarei sair se não nos contarem.
DOLMANCÉ - Querem, mesmo, saber?
EUGÉNIA - Que dúvida...
D O L M A N C É , t r a z e n d o A g o s t i n h o - Po i s b e m , s e n h o r a s , e u v o u . . . M a s , s i n c e r a m e n t e , i s t o n ã o s e p o d e
confessar!
MADAME - Haverá alguma infâmia neste mundo que não sejamos dignas de conhecer e executar?
M I RV E L - E s c u t e , m i n h a i r m ã , e u v o u l h e d i z e r ( Fa l a b a i xo ) .
E U G Ê N I A , a p a r e n t a n d o r e p u g n â n c i a - Te m r a z ã o , é h o r r í v e l .
MADAME - Eu desconfiava.
D O L M A N C É - Ve j a m q u e e u t i n h a r a z ã o p a r a n ã o q u e r e r r e v e l a r e s t a f a n t a s i a . É p r e c i s o e s t a r s ó e n a s
sombras para se entregar a estas torpezas.
EUGÉNIA - Quer que eu lhe acompanhe? Eu o masturbarei enquanto você se divertir com Agostinho.
DOLMANCÉ - Não, não, este é um assunto de honra que só deve ser tratado por homens, uma mulher nos
atrapalharia... Até logo, senhora. (Sai, levando Agostinho).
V I I I . S E X TO D I Á L O G O

Madame, Eugênia e o Cavalheiro...

M A D A M E - Re a l m e n t e , m e u i r m ão , é i m p o s s í v e l s e r m a i s li b e r t i n o d o q u e s e u a m i g o !
M I RV E L - N ão m e po d e a c u s a r d e t ê- l a e n g a n a d o: d i s s e - l h e t od a a v e r d a d e .
EUGÊNIA - É encantador! Quero encontrá-lo sempre, pois não há ninguém igual no mundo.
M A D A M E - E s t ã o b a t e n d o , q u e m s e r á ? Pr o i b i q u e m e i n c o m o d a s s e m s e n ã o p o r m o t i v o u r g e n t e . Ve j a q u e m é ,
Mirvel.
M I RV E L - L a f l e u r t r o u x e e s t a c a r ta . Nã o e s q u e c e u s u a s o r d e n s e r e t i r o u - s e o m a i s d e p r e s s a p o s s í v e l . A c h a,
porém, que este caso deve ser importante.
MADAME - Quem poderá ser? Ah, é de seu pai.
EUGÊNIA - De meu pai? Estou perdida, então!
M A D A M E - Va m o s l e r p r i m e i r o , a n t e s d e n o s d e s e s p e r a r m o s . ( L ê ) : " M i n h a i n s u p o r t á v e l m u l h e r, a l a r m a d a
pela demora de minha filha em sua casa, parte incontinenti à sua procura. Imagina coisas horríveis, que,
m e s m o q u e f o s s e m c e r t a s , s e r i a m s i m p l e s m e n t e n a t u r a i s . Pe ç o - l h e q u e c a s t i g u e m i n h a m u l h e r c o m t o d o o
r i g o r. O n t e m j á a c a s t i g u e i b a s t a n t e , m a s n a d a o b t i v e . Po d e a g i r c o m o b e m l h e p a r e c e q u e j a m a i s m e
queixarei. Há muito estou cansado de suportar essa puta, tudo quanto a senhora fizer acharei perfeito.
C o m p r e e n d a - m e . . . E s t e j a a t e n t a , q u e e l a n ã o t a r d a r á a c h e g a r. S ó s i n t o n ã o e s t a r p r e s e n t e p a r a m e l h o r
ajudar a senhora. Eugênia só deve voltar perfeitamente instruída. Concedo-lhe as primícias, mas pode
e s t a r s e g u r a d e q u e t r a b a l h o u p a r a m i m . . . " Ve j a , E u g ê n i a , n a d a t e m o s a r e c e a r, m a s q u e m u l h e r i n s o l e n t e
é sua mãe!
EUGÊNIA - Que puta! Mas desde que meu caro pai nos dá carta branca, receberemos essa imunda como
merece.
MADAME - Beije-me, querida, gosto das suas boas disposições. Fique tranquila; aqui não a pouparemos.
Desejava uma vítima, Eugênia; aqui tem uma, dada ao mesmo tempo pelo destino e pela natureza.
EUGÊNIA - Juro que gozaremos o mais possível de tal vítima!
MADAME - Estou louca para ver como Dolmancé receberá esta boa notícia.
D O L M A N C É , c h e g a n d o c o m A g o s t i n h o - Re c e b ê - l a- e i c om j u s t a a l e g r i a , s e n h o r a s . N ão e s t a v a m u i t o lo n g e
daqui e ouvi tudo. Madame Mistival não poderia chegar mais a propósito. A senhora está bem decidida a
cooperar com seu marido, não é?
MADAME - Cooperar é pouco, irei além do que me pede. Que um buraco se abra para me tragar se eu
hesitar um momento em fazer dessa puta tudo quanto vocês decidirem. Caro Dolmancé, dirija tudo isso à
sua vontade, é o que lhe suplico.
DOLMANCÉ - Deixe tudo por minha conta; só lhe peço obediência e não se arrependerá. A insolente
criatura jamais imaginou o que a espera!
M A D A M E - N u n c a h o u v e c o i s a i g u a l . Va m o s e s p e r á - l a m a i s d e c e n t e m e n t e v e s t i d o s ?
D O L M A N C É - Pe l o c o n t r á r i o , a s s i m q u e e l a e n t r a r d e v e c o m p r e e n d e r c o m o f a z í a m o s s u a f i l h a p a s s a r o
tempo. Fiquemos no maior desalinho possível.
MADAME - Ouço ruído, é ela. Coragem, Eugênia, lembre-se dos bons princípios que lhe ensinamos. Que
d e l i c i o s a c e n a v a m o s r e p r e s e n t a r, p o r D e u s !
IX. SÉTIMO E Ú LT I M O D I Á L O G O

Madame de Saint Ange, Eugênia, Mirvel, Agostinho, Dolmancé e Madame de Mistival...

M A D A M E D E M I S T I VA L a M a d a m e d e S a i n t - A n g e - Q u e i r a p e r d o a r, c h e g o s e m p r e v e n i r, m a s s o u b e q u e m i n h a
filha estava aqui. Ela não deve andar sozinha na sua idade. Vim reclamá-la, espero que não desaprovará
meu ato, minha senhora.
MADAME - Seu ato é dos mais grosseiros. Dirse-ia, ouvindo-a, que sua filha não se encontra em boa
companhia!
M A D A M E D E M I S T I VA L - S e d e v o j u l g a r p e l o q u e v e j o , t e n h o t o d a a r a z ã o p e n s a n d o d e s s e m o d o .
DOLMANCÉ - Começa mal, madame. Sem conhecer bem as laços que existem entre a senhora e Madame de
Saint-Ange, posso afamar que se fosse ela, já a teria feito arremessar pela janela afora, pelos meus
criados.
M A D A M E D E M I S T I VA L - J o g a r - m e p e l a j a n e l a ! U m a s e n h o r a d a m i n h a q u a l i d a d e ! N ã o o c o n h e ç o n e m q u e r o
saber quem seja, basta olhá-lo nesse desalinho e ouvir suas palavras loucas, para bem julgar dos seus
imundos hábitos. Siga-me, Eugênia!
E U G E N I A - Pe ç o - l h e p e r d ã o , m a da m e , m a s d e c l i n o d e s s a h o n r a e a q u i f i c a r e i .
M A D A M E D E M I S T I VA L - C o m o ? M i n h a f i l h a m e d e s o b e d e c e n d o e r e s i s t i n d o ?
D O L M A N C É - Re s i s t i r á fo r m a l m e n t e co m o e s t á v e n d o e o u v i n d o , M a d a m e . M a s n ã o s e p r e oc u p e c o m i s s o .
Quer que eu vá buscar varas de marmelo para castigar essa criança mal comportada?
E U G Ê N I A - Po d e i r b u s c á - l a s , m a s c o m e l a s f u s t i g a r e m o s M a d a m e d e M i s t i v a l .
M A D A M E D E M I S T I VA L - Q u e c r i a t u r a i n s o l e n t e , c o n t e n h a - s e , a t r e v i d a !
DOLMANCÉ, aproximando-se - Cuidado, beleza, contenha-se. Nós protegeremos Eugênia e a senhora se
arrependerá de suas ameaças.
M A D A M E D E M I S T I VA L - C o m o ? M i n h a f i l h a m e d e s o b e d e c e e n ã o h e i d e e x e r c e r o s d i r e i t o s q u e t e n h o s o b r e
ela?
DOLMANCÉ - Que direitos são esses? Quando Mistival ou qualquer outro macho lançou-lhe na vagina as
gotas de esperma que fizeram desabrochar Eugênia, a senhora estava pensando na filha ou no prazer do
m o m e n t o ? Po r q u e l h e d e v e s e r g r a t a s e a s e n h o r a a c o n c e b e u n o m o m e n t o e m q u e l h e f o d i a m a p é s s i m a ,
babaca? Nada mais ilusório do que os sentimentos dos filhos para com os pais e vice-versa. Em muitos
países é comum matar as crianças que nascem, ou matar os pais velhos e inúteis. Se os movimentos de
a m o r r e c í p r o c o f o s s e m n a t u r a i s , a v o z d o s a n g u e n ã o s e r i a u m a q u i m e r a . Pa i s e f i l h o s s e a d i v i n h a r i a m , s e
distinguiriam sem se ter jamais vistos, em meio das mais numerosas assembléias. Em vez disso, que
observamos? Ódios recíprocos e inveterados, filhos que, desde a infância, jamais puderam tolerar seus
pais; pais que mal suportam a vista e a presença de seus filhos. Claro está que tudo isso é ilusão, tolices
prescritas pelo uso e pelos costumes, hábitos contra a natureza que jamais imprimiu tal coisa nos
corações humanos. Os animais (que sempre devemos consultar) não conhecem os pais desde que deixam de
m a m a r. O s p a i s p o d e m f i c a r t r a n q ü i l o s s o b r e a s p r e t e n d i d a s i n j u s t i ç a s q u e r e c e b e m d o s f i l h o s , e s t e s n ã o
p a s s a m d e a l g u m a s g o t a s d e e s p e r m a v e r t i d a s s ó p e l o p r a z e r. O s p a i s n a d a d e v e m a o s f i l h o s e v i c e - v e r s a ,
uns e outros estão no mundo para se divertirem e nada mais.
P i e d a d e , r e c o n h e c i m e n t o , g r a t i d ã o , a m o r, t u d o i s s o n ã o p a s s a d e l o r o t a s . C a d a u m q u e t r a b a l h e
para si e que se arranje na vida. A maior das tolices seria a gente se preocupar com cuidados e socorros
que não nos devemos mutuamente, nem de pais a filhos, nem de filhos a pais. Sejam inspirações do uso ou
e f e i t o s m o r a i s d o c a r á t e r, é d e v e r a b a f a r s e m r e m o r s o s t ã o a b s u r d o s s e n t i m e n t o s l o c a i s , f r u t o s d e
costumes climatéricos que a natureza reprova e a razão elimina.
M A D A M E D E M I S T I VA L - E o s c u i d a d o s q u e l h e d i s p e n s e i , a e d u c a ç ã o q u e l h e d e i ?
DOLMANCÉ - Os cuidados são inspirados apenas pelo uso e pelo orgulho; por isso mesmo Eugênia nada lhe
deve por eles. Quanto à educação, deve ter sido bem má, pois somos obrigados a reconsiderar todos os
princípios que a senhora lhe inculcou. Não há um só deles que trabalhe para a sua felicidade, tudo é
absurdo e quimérico. A senhora lhe falou num Deus que não existe, numa virtude desnecessária, inútil; na
religião, como se todos os cultos não fossem senão o resultado da postura do forte e da imbecilidade do
fraco; de Jesus Cristo, como se esse safardana fosse alguma coisa mais do que um celerado hipócrita. A
senhora lhe disse que foder é pecado, quando foder é o ato mais delicioso da vida; a senhora quis
inculcar-lhe bons costumes como se o deboche e a imoralidade não fossem a base de toda a ventura. A
mulher é tanto mais feliz quanto mais se lançar na foda e na libertinagem. Viva aquela que desafia todos
os preconceitos e arremessa para bem longe o cuidado com a reputação! Desengane-se, senhora, nada fez
por sua filha, só tem cooperado para sua ignorância e infortúnio; Eugênia nada lhe deve senão ódio e
desprezo.
M A D A M E D E M I S T I VA L - Ó c é u s , m i n h a f i l h a e s t á p e r d i d a ! E u g ê n i a , o u ç a p e l a ú l t i m a v e z a s s ú p l i c a s d a q u e l a
q u e l h e d e u a v i d a , s ã o p r e c e s , m i n h a f i l h a , n ã o s ã o o r d e n s . Vo c ê e s t á p e r d i d a e n t r e e s s e s m o n s t r o s , f u j a
deles, siga-me! É de joelhos que lhe peço! (Atria-se de joelhos diante da filha).
DOLMANCÉ - Agora temos lágrimas ridículas... Enterneça-se, Eugênia...
EUGÊNIA, pondo-se nuazinha - Eis aqui minhas nádegas, mãezinha. Estão ao nível da sua boca, beije-as,
s u g u e - a s , é t u d o q u a n t o p o s s o f a z e r p a r a s e u b e m e s t a r. D o l m a n c é , l e m b r e - s e d e q u e s e r e i s e m p r e d i g n a
do título de sua disciplina.
M A D A M E D E M I S T I VA L , a f a s t a n d o a f i l h a c o m h o r r o r - M o n s t r o , r e n e g o - a p a r a s e m p r e !
EUGÉNIA - É pouco, junte-me sua maldição, minha querida mãe! Assim a súplica ficará mais tocante!
Continuarei na minha fleuma...
D O L M A N C É - Va m o s d e v a g a r, s e n h o r a ! A c a b a d e i n s u l t a r E u g ê n i a e j á a v i s e i q u e e l a e s t á s o b m i n h a
p r o t e ç ã o e q u e a c a s t i g a r e i . Va m o s p ô - l a n u a z i n h a p a r a q u e r e c e b a o c a s t i g o q u e s u a b r u t a l i d a d e m e r e c e .
M A D A M E D E M I S T I VA L - C o m o ? Ti r a r m i n h a r o u p a ?
DOLMANCÉ - Agostinho, você será a camareira da senhora, já que ela resiste. (Agostinho começa
brutalmente a despí-la. Ela se defende).
M A D A M E D E M I S T I VA L a M a d a m e d e S a i n t - A n g e - A s e n h o r a p e r m i t e q u e m e t r a t e m d e s s e m o d o n a s u a c a s a ?
To d o s s a b e r ã o d o s s e u s b a i x o s p r o c e d i m e n t o s !
MADAME - Duvido que a senhora chegue a poder se queixar a alguém...
M A D A M E D E M I S T I VA L - J u s t o s c é u s , p r e t e n d e m m a t a r - m e a q u i ?
D O L M A N C É - Po r q u e n ã o ? Q u e m a l h a v e r á ?
M A D A M E D E S A I N T- A N G E - U m i n s t a n t e . A n t e s d e e x p o r o c o r p o d e s s a p u d i c a b e l e z a , q u e r o a v i s a r o s a m i g o s
do estado em que se encontra. Eugênia contou-me ao ouvido que ontem o senhor Mistival deu-lhe uma boa
s o v a , p o r c a u s a d e a l g u m a s b r i g a s d o c a s a l . Ve r e m o s u m c u t r a n s f o r m a d o e m p a p e l a m a s s a d o .
DOLMANCÉ, contemplando madame nua - É verdade! Há quanto tempo não tenho 'o prazer de contemplar
carne tão maltratada, e não foi somente atrás, adiante também! Esse cu, não obstante, é bonito. (Agarra-
o e bolina-o).
M A D A M E D E M I S T I VA L - L a r g u e m - m e , o u g r i t a r e i p o r s o c o r r o !
M A D A M E D E S A I N T- A N G E , a p r o x i m a n d o - s e e a g a r r a n d o - a p e l o b r a ç o - O u ç a , p u t a , e n f i m v o u i n s t r u í - I a . Vo c ê
é uma vítima mandada pelo próprio marido; tem que sofrer e tolerar tudo. Nem sabemos ainda o que
f a r e m o s c o m v o c ê ; s e s e r á e s g a n a d a , e n f o r c a d a , e s q u a r t e j a d a , q u e i m a d a v i v a o u s u p l i c i a d a n a r o d a . Tu d o
depende de sua filha, ela pronunciará a sentença... Mas, uma cadela da sua espécie só acabará duma vez
depois de ter sofrido aos bocadinhos todas as torturas. Quanto aos gritos pode crer que serão inúteis;
ninguém ouviria ruído algum, mesmo se aqui matássemos um touro. Seu marido nos autorizou a fazermos
tudo. EUGÊNIA - E ainda somos muito complacentes e amáveis, previnindo-a de tudo.
DOLMANCÉ, apalpando-a e batendo-lhe na bunda - Vê-se que tem em Madame de Saint-Ange uma amiga
sincera e verdadeira, que lhe fala com franqueza. Eugênia, chegue aqui sua bunda junto da de sua mãe,
quero compará-las. (Eugênia obedece). Hum, seu cu é lindo, menina, mas o de sua mãe não lhe fica atrás,
ainda é potável. Quero me divertir em ambos ao mesmo tempo. Agostinho, agarre madame!
M A D A M E D E M I S T I VA L - M e u D e u s , q u e o f e n s a , q u e u l t r a j e a o p u d o r !
DOLMANCÉ, começando por enrabá-la - Qual nada, já entrou tudo, você mal o sente... Vê-se bem que não
é novidade; é caminho já trilhado por seu marido. Agora, Eugênia, ó gostosura, cu bem mais estreito, eis-
me bem preparado. Agora, um pouco de método... Madame de Saint-Ange e Eugênia que amarrem os
c o n s o l a d o r e s . . . Vo c ê s c o m e ç a r ã o a g o z a r d e s t a r e s p e i t á v e l d a m a , e n f i a n d o - l h e a l t e r n a d a m e n t e n o o l h o d o
cu e na babaca. Seu marido deu plena autorização para agirmos a nosso b e l - p r a z e r. Agora que
compreendeu bem tudo, deve estar sossegada, não é, madame? Agostinho e eu faremos o mesmo com as
n o s s a s p i c a s . Vo u c o m e ç a r e a i n d a s e r á o c u o p r i m e i r o a r e c e b e r m i n h a s h o m e n a g e n s . E n q u a n t o e l a g o z a r,
cada um de vocês lhe poderá infligir o suplício que quiser; mas devagar para que ela não morra logo.
Agostinho, encabe-me para me consolar da obrigação que me cabe de sodomizar esta vaca velha. Enquanto
i s s o , E u g ê n i a , q u e r o l a m b e r s e u l i n d o c u e a c a r i c i a r o d e M a d a m e d e S a i n t - A n g e . Pr e c i s o e s t a r c i r c u n d a d o
p o r c u s , p a r a a g ü e n t a r o q u e s o u f o r ç a d o a p e n e t r a r.
EUGÉNIA - Enquanto você esporra nesse cu velho, a que suplício a condena?
DOLMANCÉ, que já começou a flagelá-la - A coisa mais natural que há no mundo: vou arrancar-lhe os pelos
e machucar-lhe as coxas com beliscões.
M A D A M E D E M I S T I VA L - A i q u e i n f a m e , q u e d o r ! C e l e r a d o i m u n d o ! Ó C é u s !
DOLMANCÉ - Grite a vontade, o céu é surdo à sua voz, como à de todos os homens; nunca o céu poderoso
se incomodou com cu algum...
M A D A M E D E M I S T I VA L - Q u e d o r i n s u p o r t á v e l !
DOLMANCÉ - É bizarro o espírito humano; quanto mais esta vaca grita, melhor eu esporro. Com que prazer
a e s g a n a r i a , s e n ã o d e v e s s e d e i x a r a l g u m g o s t i n h o a o s o u t r o s a m i g o s . Va m o s , S a i n t - A n g e . ( M a d a m e m e t e -
lhe o consolador no cu, dá-lhe tapas, Mirvel faz o mesmo logo depois. Chega a vez de Agostinho que
também lhe dá bofetadas. Enquanto isso, Dolmancé já enfiou o membro no cu de todos os companheiros,
excitando-os com palavras e gestos).
DOLMANCÉ - Agora quero ver Eugênia foder a mãe. Atenção, primeiro na velha boceta.
E U G Ê N I A - Ve n h a c á , m i n h a l i n d a m ã e , q u e r o l h e s e r v i r d e m a c h o . E m b o r a e s t e c o n s o l a d o r s e j a d e m a i o r
calibre que o membro de meu pai, ele entrará, não duvide. Não grite enquanto sua filha estiver a fodê-la!
Enquanto isso, que Dolmancé me enrabe! Ó delícia, sou ao mesmo tempo adúltera, incestuosa, sodomita,
e tanta maravilha junta, no próprio dia em que perdi o cabaço! Quantos progressos! Não pode haver
marcha mais rápida na estrada florida do vício; estou completamente perdida! Ai, sinto que minha mãe
está gozando também, veja bem, Dolmancé, pelo olhar vê-se que está gozando. Safada, há de aprender a
ser libertina! (Aperta-lhe a garganta). Ai, Dolmancé querido, foda-me e encabe-me com mais força! Assim,
e u m o r r o d e g o z o ! ( E u g ê n i a , a o a c a b a r, a s s e n t a d e z o u d o z e m u r r o s n o s e i o e n a s c o s t a s d a m ã e ) .
M A D A M E D E M I S T I VA L - Pi e d a d e , t e n h a m d ó d e m i m . M o r r o ! ( C a i e m v e r t i g e m , M a d a m e d e S a i n t - A g e q u e r
socorrê-la, mas Dolmancé se opõe).
D O L M A N C É - Q u a l o q u ê , d e i x e m - n a a s s i m , é e x c i t a n t e v e r u m a m u l h e r d e s f a l e c i d a . Va m o s d a r - l h e u m a s
p a n c a d a s p a r a q u e r e c u p e r e o s s e n t i d o s . Ve n h a c á , E u g ê n i a , d e i t e - s e s o b r e o c o r p o d a v í t i m a ; q u e r o t i r a r
a prova da sua coragem. Mirvel vai fodê-la em cima do corpo de sua mãe, e ela há de fazer uma punheta
em Agostinho e outra em mim. Enquanto isso, Madame de Saint-Ange titilará o clitóris de Eugênia.
M I RV E L - N a r e al i d a d e , é d e m a s i a d o o q u e D ol m a n c é n o s ob r i g a a f a z e r : u l t r aj a m o s a o m e s m o t e m p o a
natureza, o céu, e as mais santas leis da humanidade.
DOLMANCÉ - Nada mais divertido do que as fumaças de virtude que, de vez em quando, atacam Mirvel.
Quem poderá vislumbrar no que estamos fazendo o menor ultraje à natureza, ao céu, à humanidade? Só os
hipócritas é que ainda falam nisso! Já expliquei mil vezes: a natureza só pode viver em equilíbrio quando
a virtude e o vício se misturam, se equivalem. Ela nos inspira o bem e o mal, pois vive desse balanço. Só
há um motor em todo o universo: a natureza que age. Os milagres, ou antes, os efeitos físicos dessa mãe
do gênero humano, diferentemente interpretados pelos homens, foram por eles deificados sob mil formas,
cada uma mais extravagante do que a outra. Os intrigantes e hipócritas, abusando da credulidade de seus
semelhantes, propagaram as mais ridículas fantasias; é a isso que Mirvel chama de céu, e que receia
o f e n d e r, h o m e m s i m p l e s e p u s i l â n i m e ; o q u e o s i m b e c i s c h a m a m d e h u m a n i d a d e é a p e n a s u m a f r a q u e z a
proveniente do temor e do egoísmo. Essa quimérica virtude só acorrenta os fracos; os estóicos, os
corajosos, os filósofos, têm o caráter bem formado e desconhecem essa baboseira. Aja sempre, Mirvel,
s e m t e m o r n e m r e c e i o . Po d e r í a m o s r e d u z i r a p ó e s t a p u t a , q u e n ã o h a v e r i a n i s s o o m e n o r c r i m e . É
impossível ao homem cometer um crime. A natureza, embora tenha dado ao homem o desejo de cometê-
los, afastou prudentemente dele as ações que pudessem prejudicar suas leis. Afirmo que tudo o mais é
permitido. Nunca a natureza seria imprudente ao ponto de conceder que a perturbemos ou a atrapalhemos
na sua marcha certeira. Somos os instrumentos cegos de sua inspiração; todos celerados da terra não
p a s s a m d e a g e n t e s d o s s e u s c a p r i c h o s . O ú n i c o c r i m e e s t a r i a e m d e s o b e d e c e r o u r e s i s t i r, m e s m o n o c a s o
d e l a n o s o r d e n a r q u e i n c e n d i á s s e m o s o u n i v e r s o . Va m o s , E u g ê n i a , d e i t e - s e s o b r e s u a m ã e . C o m o e s t á
pálida!
E U G Ê N I A , o b e d e c e n d o - E u , p á l i d a ? M a s q u e i d é i a ; b e m p o d e v e r q u e n ã o ! ( A f o d a s u p e r m a t r e t e m l u g a r.
Quando Mirvel acaba, o grupo se desfaz).
DOLMANCÉ - Que vertigem longa, a dessa puta! Depressa, tragam-se varas de marmelo! Agostinho, colha
a l g u m a s h a s t e s e s p i n h o s a s n o j a r d i m. ( D a n d o- l h e b o f e t a da s ) . Re c e i o q u e j á t e n h a m o r r i do , t ão d e p r e s s a !
E U G Ê N I A , z a n g a d a - Q u e h o r r o r ! Te r i a q u e t r a j a r l u t o n o e s t i l o , e u q u e m a n d e i f a z e r t ã o l i n d o s v e s t i d o s
leves!
M A D A M E D E S A I N T- A N G E , à s g a r g a l h a d a s - E u g ê n i a é u m m o n s t r o , q u e s a i u m e l h o r d o q u e a e n c o m e n d a .
D O L M A N C É , t i r a n d o o s e s p i n h o s d a m ã o d e A g o s t i n h o - Va m o s v e r o e f e i t o d e s t e s a n t o r e m é d i o . E u g ê n i a ,
chupe-me a pica enquanto faço o possível para lhe restituir a mãe, e que Agostinho me devolva os golpes
que desfiro. Gostaria também de ver Mirvel enrabar a irmã... Coloque-se de modo que eu possa beijar-lhe
as nádegas durante a flagelação da Mistival.
M I RV E L - O b e d e ç a m o s , p o i s n ão c o n s i g o c o n v e n c ê - lo d e q u e t u d o q u a n to n o s or d e n a é h o r r í v e l . ( O g r u p o
obedece Dolmancé. A Mistival açoitada volta à vida).
D O L M A N C É - N ã o d i s s e q u e é u m s a n t o r e m é d i o ? T i n h a c o n f i a n ç a p l e n a n o s e u p o d e r.
M A D A M E D E M I S T I VA L , a b r i n d o o s o l h o s - Po r q u e n ã o f i q u e i n o t ú m u l o ? Po r q u e v o l t a r a o s h o r r o r e s d e s t e
mundo?
D O L M A N C É , s e m p r e f l a g e l a d o - A h , m ã e z i n h a , e r a c e d o d e m a i s p a r a m o r r e r. . . É p r e c i s o q u e o u ç a s u a
s e n t e n ç a e q u e e l a s e j a e x e c u t a d a . Va m o s r o d e a r a v í t i m a , q u e s e a j o e l h a r á n o m e i o d o c í r c u l o . M a d a m e
de Saint-Ange começará. (Obedecem).
M A D A M E D E S A I N T- A N G E - C o n d e n o - a a s e r e n f o r c a d a !
Mirvel - Condeno-a a ser cortada em vinte e quatro mil pedaços, costume chinês.
AGOSTINHO - Quanto a mim, basta que a rasguemos de alto a baixo.
EUGÊNIA - Minha linda mãezinha poderia ser regada com pólvora, à qual eu poria fogo.
D O L M A N C É , e m p l e n o s a n g u e f r i o - Po i s b e m , a m i g o s n a m i n h a q u a l i d a d e d e p r e c e p t o r, c o m u t o a s e n t e n ç a ,
m a s a d i f e r e n ç a é e s t a : s u a s s e n t e n ç a s e r a m o e f e i t o d u m a m i s t i f i c a ç ã o , a m i n h a t e m q u e s e r e a l i z a r.
Te n h o u m c r i a d o , p o s s u i d o r d u m d o s m a i s b e l o s m e m b r o s q u e h á n a t e r r a , m a s q u e d e s t i l a u m v í r u s
horrendo corroído por uma das mais terríveis sífilis que se possa ver nesse mundo. Ele há de lançar seu
veneno nos dois condutos naturais dessa dama cara e amável, afim de que, enquanto durarem as
impressões dessa terrível doença, a puta se lembre de nunca mais atrapalhar as alegrias de sua filha
q u a n d o e l a f o d e r e s e e n t r e g a r à l i b e r t i n a g e m . ( To d o s a p l a u d e m , o t a l c r i a d o a p a r e c e ) .
D O L M A N C É a o c r i a d o - F o d a e s s a m u l h e r q u e t e m ó t i m a s a ú d e . Ta l v e z e s s a f o d a l h e s e j a p r o p í c i a e v o c ê
lhe passe o mal; esse remédio já deu bons resultados.
LAFLEUR - Devo fodê-la diante de todos, senhor?
DOLMANCÉ - Claro, tem receio de exibir sua pica?
L A F L E U R - C l a r o q u e n ã o ; e l a é d e s e t i r a r o c h a p é u , é l i n d a d e v e r d a d e . Va m o s , s e n h o r a , a p r o x i m e - s e .
M A D A M E D E M I S T I VA L - Q u e h o r r í v e l s u p l í c i o a q u e s o u c o n d e n a d a !
E U G Ê N I A - É m e l h o r i s s o d o q u e m o r r e r, m a m ã e . A o m e n o s a s s i m , n e s t e e s t i l o , p o r e i m e u s l i n d o s v e s t i d o s
leves...
DOLMANCÉ - Minha opinião seria que todos nós nos flagelássemos, enquanto isso Madame de Saint-Ange
faria com que Lafleur metesse com mais ardor nessa velha babaca; eu flagelaria Madame, Agostinho me
flagelaria, Eugênia flagelaria Agostinho, que será vigorosamente flagelado por Mirval. (Assim fazem.
Quando Lafleur acaba de foder na frente, o patrão ordena-lhe que o faça no traseiro).
D O L M A N C É , q u a n d o t u d o e s t á c o n s u m a d o - M u i t o b e m , L a f l e u r, t o m e l á d e z l u i z e s . E s s a i n o c u l a ç ã o é
m e l h o r q u e a s d e Tr o n c h i n !
M A D A M E D E S A I N T- A N G E - E s s e v e n e n o a s s i m i n o c u l a d o n ã o d e v e s a i r, s e r i a c o n v e n i e n t e q u e E u g ê n i a
costurasse com cuidado o cu e a boceta maternas, assim o vírus concentrado será menos sujeito a se
evaporar e calcinará os ossos mais prontamente.
EUGÊNIA - Ótima idéia, depressa! Agulha e um fio longo. Afaste as coxas, mãe; vou costurá-la para que
não me dê mais irmãozinhos. (Madame dá-lhe uma agulha grossa da qual pende um fio vermelho e
encerado. Eugênia cose).
M A D A M E D E M I S T I VA L , g e m e n d o - A i q u e d o r !
DOLMANCÉ - Idéia genial; meus parabéns! Confesso que não me teria ocorrido.
M I RV E L - A p u t i n h a n o v a f a r á s a i r s a n g u e d a p u t a v e l h a!
EUGÊNIA, dando largos pontos nos grandes lábios, na parte interna da vulva, no púbis e na
barriga - Não é nada, mamãe, é só experimentar a agulha.
D O L M A N C É , f a z e n d o - s e p u n h e t e a r - s e p o r M a d a m e d u r a n t e e s s a o p e r a ç ã o - Ve j a m s ó q u e
tesão! Eugênia, mais pontos para que os efeitos se multipliquem.
E U G Ê N I A - D a r e i d u z e n t o s s e v o c ê e x i g i r. M i r v e l , e n q u a n t o t r a b a l h o , f a ç a - m e p u n h e t a . . .
M I RV E L , co m p r a z e n d o - a - O n d e s e po d e r á e n c o n t r a r p u t i n h a ma i s d e p r a v a d a e p e r f e i t a !
E U G Ê N I A , i n f l a m a d a - B a s t a q u e m e p u n h e t e i e t a m b é m , a s i n v e c t i v a s s ã o i n ú t e i s . S e c o n t i n u a r, p i c o v o c ê
também. Não lhe resta uma mão para me titilar o cu? Ai, assim, está tão gostoso que não enxergo bem;
d a r e i o s p o n t o s a t r a v e s s a d o s . Ve j a m i n h a a g u l h a , f o g e p a r a a s c o x a s , p a r a a s m a m a s . Q u e f o d a n ç a , q u e
festança!
M A D A M E D E M I S T I VA L - C e l e r a d a , c o m o p u d e p ô r n o m u n d o s e m e l h a n t e m o n s t r o ?
E U G Ê N I A - Pr o n t o , m ã e z i n h a , j á a c a b e i .
DOLMANCÉ, em ereção completa - Eugênia, dê-me o cu, preciso dele; que seja meu!
M A D A M E D E S A I N T- A N G E - Vo c ê v a i m a r t i r i z á - l a , c o m s e m e l h a n t e e r e ç ã o .
D O L M A N C É - Po u c o m e i m p o r t a . ( J o g a a M i s t i v a l d e b r u ç o s e c o m e ç a a c o s e r - l h e o c u . E n f i a a a g u l h a o
mais possível, ouvindo-a gritar). Cale-se, diabo, demônio, senão farei uma marmelada deste cu de puta.
Eugênia, faça-me punheta, menina!
EUGÊNIA - Farei, se você der pontos mais profundos ainda. Não a poupe! (Punheteia-o).
M A D A M E D E M I S T I VA L ( g r i t a n d o ) - A i ! A i !
M A D A M E D E S A I N T- A N G E - Tr a b a l h e b e m n e s s a s n á d e g a s !
D O L M A N C É - Vo u p i c á - l a s c o m o s e f o s s e u m l o m b o d e b o i . E u g ê n i a , v o c ê j á s e e s q u e c e u d a m i n h a l i ç ã o ?
Está cobrindo o meu caralho, menina!
EUGÊNIA - As dores dessa puta de tal modo me falam à imaginação que nem sei o que estou fazendo...
D O L M A N C É - Pe r c o d e t o d o a c a b e ç a ! Q u e r o i m e d i a t a m e n t e q u e A g o s t i n h o e n r a b e M a d a m e d e S a i n t - A n g e ,
e n q u a n t o s e u i r m ã o l h e m e t e r á p e l a b o c e t a . Q u e r o v e r, c o n t e m p l a r, o b s e r v a r o s c u s e a c a b a r a s s i m . To m e ,
velha, receba mais esta... (Dá-lhe grandes agulhadas enquanto os outros se arranjam).
M A D A M E D E M I S T I VA L - A i , e s t o u m o r r e n d o . . . M o r r o ! D O L M A N C É , l o u c o d e p r a z e r - Q u e m m e d e r a a s s i m
fosse, nunca fiquei tão tesudo depois de ter gozado tantas vezes. Que tesão hercúleo!
M A D A M E D E S A I N T- A N G E , s o l i c i t a - E s t a m o s e x e c u t a n d o b e m o q u e v o c ê o r d e n o u , D o l m a n c é ?
DOLMANCÉ - Agostinho, que se volte um pouco, não lhe vejo bem o cu; que se incline para eu apreciar o
o r i f í c i o . A s s i m ! C o m o s a n g r a e s t a v e l h a p u t a ! Va m o s a m i g o s , e s t ã o p r o n t o s p a r a g o z a r ? E u v o u j á r e g a r
com o bálsamo da vida todas as chagas que abri neste cu de velha.
M A D A M E D E S A I N T- A N G E - Ta m b é m e u e s t o u g o z a n d o , c h e g a m o s à m e t a t o d o s a o m e s m o t e m p o .
D O L M A N C É - Q u e g o z a a u m e n t a n d o a s p i c a d u r a s n a b u n d a d a v í t i m a - Ve j a c o m o c o r r e a m i n h a p o r r a .
Eugênia, dirija o jato sobre as nádegas que estou martirizando! Ó que foda deliciosa! Agora não aguento
m a i s . . . Po r q u e a f r a q u e z a s u c e d e a t ã o f o r t e s s e n s a ç õ e s , a t ã o g o s t o s a s p a i x õ e s ?
M A D A M E D E S A I N T- A N G E - F o d a - m e , i r m ã o , e s t o u a c a b a n d o ! ( A A g o s t i n h o ) : M e x a - s e b e m , v a d i o , j á e s t á
farto de saber que quando eu gozo quero que penetre mais fundo no meu cu. Como é delicioso ser fodida
a o m e s m o t e m p o p o r d u a s b o a s p i c a s ! ( Te r m i n a m . )
D O L M A N C É - Tu d o e s t á c o n s u m a d o . E s t a p u t a v e l h a p o d e s e v e s t i r q u a n d o q u i s e r. E p o d e n o s a g r a d e c e r.
Saiba que estávamos autorizados, por seu marido, a fazermos tudo o que fizemos e a mais ainda se
quiséssemos. Se não acredita, leia. (Mostra a carta a Mistival). Há de se lembrar sempre que sua filha
e s t á e m i d a d e d e s e r s e n h o r a d o s e u n a r i z . G o s t a d e f o d e r, n a s c e u p a r a i s s o . S a ú d e a t o d o s , s u a p u t a n ç a !
D e j o e l h o s d i a n t e d e s u a f i l h a p e ç a p e r d ã o p o r s u a a b o m i n á v e l c o n d u t a p a r a c o m e l a . Va m o s , E u g ê n i a ,
mais duas bofetadas, e quando chegar ao lumiar da porta, dê-lhe mais dois pontapés no eu. (Eugênia
obedece). Mirvel, reconduza essa puta e não a foda mais; lembre-se de que está contaminada. (Mirvel e
Madame de Mistival saem). Agora, amigos, uma boa refeição e nos deitaremos os quatro na. mesma cama.
Eis o que podemos chamar uma linda e agradável jornada. Nunca como com tanto apetite e nunca durmo
com tanta tranquilidade do que quando me farto daquilo que os imbecis têm o mau gosto de chamar
"crimes".

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