Vous êtes sur la page 1sur 12

ISS E LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS1

Rogério Roberto Gonçalves de Abreu2

No exame das diversas funções e atribuições outorgadas constitucionalmente


à União, aos Estados e aos Municípios, não raro estará o cientista jurídico a se
deparar com o problema das receitas e despesas públicas, principalmente
considerando que o efetivo desempenho de tais atribuições depende do aporte de
recursos financeiros aos cofres estatais, recursos estes posteriormente canalizados
para destinações regularmente definidas mediante lei orçamentária anual. Daí dizer,
com propriedade, RICARDO LOBO TORRES (2003:03), que ―os fins e objetivos
políticos e econômicos do Estado só podem ser financiados pelos ingressos na
receita pública‖. De fato, o aprofundamento do estudo das funções do Estado gera,
inexoravelmente, para o jurista, a necessidade de abordar a questão das receitas e
despesas públicas.

Embora a amplitude do presente trabalho não permita um aprofundamento


nas diversas classificações aceitas pela doutrina, aponta-se, com RÉGIS
FERNANDES DE OLIVEIRA e ESTEVÃO NORVATH (2002:35), classificação das
receitas públicas (baseada em sua origem), pelo qual podem ser enquadradas como
originárias, derivadas ou transferidas. As originárias decorreriam da exploração, pelo
ente estatal, de seus próprios bens, enquanto que as derivadas proviriam ―do
constrangimento sobre o patrimônio do particular‖. As transferidas seriam oriundas
de outros entes estatais. O tributo, como principal fonte de recursos financeiros aos
cofres públicos, perfaz espécie de ingresso público da segunda classe, ou seja,
receita derivada, nitidamente compulsória.

1
Última atualização: maio/2004.
2
Mestre em direito econômico pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialista em direito
fiscal e tributário pela Universidade Cândido Mendes (UCAM/RJ). Juiz federal substituto na Paraíba.
Professor de direito penal do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ).
2

O próprio Código Tributário Nacional fornece o conceito de tributo que,


universalmente aceito pela doutrina, é reiteradamente repetido nas obras. Assim
dispõe o art. 3.º do CTN: ―Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em
moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito,
instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.‖

Não sendo objetivo deste trabalho o estudo sistemático do conceito de tributo,


importa apreender que a Constituição Federal definiu as linhas mestras da repartição
de receitas tributárias, outorgando a cada um dos entes estatais dotados de
autonomia legislativa a chamada competência tributária que, na linguagem sempre
autorizada de ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA (2003:437), ―é a possibilidade de
criar, in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de
incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas
alíquotas‖, salientando o autor que ―a competência tributária esgota-se na lei‖. Tal
pensamento encontra coro na abalizada lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA
(1995:657), para quem a competência tributária ―compreende a competência
legislativa plena, e é indelegável, salvo as funções de arrecadar ou fiscalizar tributos,
ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária
e outras de cooperação entre essas entidades públicas‖.

Conferiu a CF/88, assim, aos municípios, através de seu artigo 156, a


competência tributária para a instituição de impostos e, dentre estes, para a
tributação dos ―serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II,
definidos em lei complementar‖ (CF, art. 156, II). A partir do texto acima transcrito,
tem-se que a Constituição Federal haveria outorgado aos municípios competência
legislativa para a tributação dos serviços de qualquer natureza, restringindo,
contudo, seu espectro de abrangência nos termos do art. 155, II, da CF e, outrossim,
prescrevendo, como forma de completar a definição dos fatos geradores tributáveis,
sua respectiva definição em lei complementar. Hodiernamente, faz as vezes de tal lei
complementar o Decreto-Lei n.º 406/68 — eis que nascida sob a égide de
ordenamento constitucional que não previa a existência de tal espécie normativa
como necessária para a disciplina da matéria —, o qual traz em seu bojo uma lista
de serviços tributáveis mediante o ISS municipal.
3

HUGO DE BRITO MACHADO (2003:362), de forma bastante esclarecedora,


afirma que ―da mesma forma que a União Federal não pode tributar as grandes
fortunas sem que a lei complementar defina os que como tal se há de entender,
também os Municípios não podem tributar os serviços de qualquer natureza que não
tenham sido definidos em lei complementar.‖ Pode-se afirmar, em outros termos,
que a validade de eventual descrição abstrata, em lei tributária municipal, de
determinado serviço como fato gerador de ISS afigura-se condicionada a sua
anterior inclusão na mencionada lista de serviços.

Neste passo, adentra-se no cerne da questão objeto das considerações ora


propostas. Consta do Decreto-Lei n.º 406/68, em seu item 79, como serviço
legitimamente tributável pelos Municípios através do imposto sobre serviços de
qualquer natureza (ISSQN), a ―locação de bens móveis, inclusive arrendamento
mercantil‖, atribuindo o legislador, pois, à locação de bens móveis, de maneira
expressa, a qualificação de serviço tributável. Exemplo dos mais esclarecedores e,
frise-se, de freqüente discussão doutrinária e judicial acerca da plena validade da
disposição legal em questão encontra-se na tributação, mediante ISS, das locações
de veículos a particulares.

Em torno da constitucionalidade da inclusão da locação de bens móveis no rol


de serviços tributáveis pelo ISS gerou-se na doutrina, com posterior aporte aos
tribunais, incisiva controvérsia jurídica, defendendo parte expressiva dos autores a
tese de que a tributação das locações de bens móveis seria inconstitucional,
servindo-lhe de carro-chefe o argumento da impossibilidade de conceituar a locação
como sendo um serviço. A forçada alteração da qualificação jurídica da locação,
para que se a compreendesse como se serviço fosse, infringiria princípios
constitucionais como legalidade, tipicidade, segurança jurídica, dentre outros,
concluindo tais autores que a tributação, v.g., das locações de veículos a
particulares, mediante ISS municipal, seria flagrantemente inconstitucional.

Os partidários da tese acima exposta, por outras palavras, defendem que a


inclusão da locação de bens móveis na lista de serviços tributáveis do Decreto-Lei
n.º 406/68 seria inconstitucional ante a não efetiva caracterização de tal atividade
como serviço. A artificial inclusão, na lista de atividades tributáveis, de item que não
configura serviço consistiria indevida ampliação da hipótese de incidência tributária a
4

lindes não pretendidos pelo legislador constituinte e, assim, manifestamente


inconstitucional seria a cobrança do tributo tendo por fato gerador a locação de bens
móveis.

Analisando-se detidamente a matéria, tem-se que o cerne da questão versa,


determinantemente, sobre a correta fixação da natureza jurídica da atividade de
locação de bens móveis, respondendo-se à instigante questão de ser ou não uma
espécie de serviço.

Em bem elaborada construção, atacam os autores o entendimento que atribui


à locação de bens móveis, a exemplo de veículos automotores, a natureza jurídica
de serviço, alegando que não encerraria, em verdade, uma obrigação de prestar
(característica dos serviços), mas apenas uma obrigação de dar. Afirmam que tal
aspecto retiraria à locação de bens móveis o principal caráter de um típico serviço, o
qual se identifica com uma prestação (praestare) e não com uma dação (dare).

O exame da questão merece profunda reflexão. Em primeiro lugar, pode-se


encontrar em MARIA HELENA DINIZ (2002:203), citando CLÓVIS BEVILÁQUA, o
conceito do contrato de locação como sendo:

(...) o contrato pelo qual uma das partes, mediante remuneração


paga pela outra, se compromete a fornecer-lhe, durante certo lapso
de tempo, o uso e gozo de uma coisa infungível, a prestação de um
serviço apreciável economicamente ou a execução de alguma obra
determinada.

Identificam-se, portanto, ab initio, três possíveis objetos de um contrato de


locação, quais sejam, uma coisa, um serviço, e a realização de uma obra.

Conceituando especificamente o contrato de locação de coisa, diz a autora


citada ser ―o contrato pelo qual uma das partes (locador) se obriga a ceder à outra
(locatário), por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa infungível,
mediante certa retribuição‖. CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA, em suas Instituições
(2003:272), acentuando restringir-se às coisas, define a locação como o ―contrato
pelo qual uma pessoa se obriga a ceder temporariamente o uso e o gozo de uma
coisa não fungível, mediante certa remuneração.‖ Citando CAIO MÁRIO DA SILVA
PEREIRA, a locação de serviços é conceituada por MARIA HELENA DINIZ
5

(2003:259) como ―o contrato em que uma das partes se obriga para com a outra a
fornecer-lhe a prestação de uma atividade, mediante remuneração.‖

Examinando todos esses conceitos, tem-se que o diferencial entre a locação


de coisas e a locação de serviços está no objeto jurídico do contrato: a cessão
temporária de um bem no primeiro caso e a prestação de uma atividade concreta no
segundo.

À primeira vista, apenas pelo exame superficial e posterior contraposição dos


conceitos, já se teria estabelecido diferença suficientemente incisiva em direção ao
reconhecimento da procedência da tese da inconstitucionalidade. Contudo, o
trabalho de investigação científica sobre o caso presente apenas começa. Dês que a
análise acima efetivada introduz na discussão um elemento não ventilado pelos
autores, qual seja, que a locação, por si, é uma prestação, começa-se a vulnerar a
tese da inconstitucionalidade em suas próprias bases, dado que se batem pela
peremptória negativa da associação locação/serviço.

Analisar significa estudar um dado objeto a partir de seus componentes para,


posteriormente, reunidas as partes dissociadamente estudadas, compreender-se o
todo. O desmembramento dos elementos constantes dos conceitos acima
apresentados revela, em primeiro lugar, que na locação de bem móvel o objeto
jurídico do contrato não é o bem, mas a atividade do locador em manter com o
locatário o uso e gozo do bem em questão. Tal raciocínio joga completamente por
terra o argumento de que seria apenas a fria compreensão do vocábulo atividade o
diferencial necessário a extremar ambos os contratos de locação, com a simples e
unilateral oposição entre os conceitos de locação e serviço.

No contrato de locação de serviço, a atividade do locador é a disponibilização


da prestação de um serviço, por tempo determinado ou não, mediante remuneração.
Entretanto, há de se tem em mente que a prestação de serviço pode ser, em vez de
locada, gratuitamente cedida, o que descaracterizaria a atividade como locação,
embora um serviço ainda fosse prestado ao destinatário (que não mais seria um
locatário, mas apenas um cessionário a título gratuito).
6

O que se apreende da explanação supra é que tanto na locação de serviços


como na locação de bens móveis existe efetivamente uma prestação por parte do
locador, sendo tal prestação o objeto jurídico do contrato, diferençando-se ambas
apenas pelo seu objeto material, eis que, no primeiro caso, trata-se de um serviço e,
no segundo, de determinado bem móvel.

Não se pode compreender como válido o argumento de que no contrato de


locação haveria uma obrigação de dar e, destarte, descaracterizada estaria tal
locação como serviço, eis que, no serviço típico, seria possível identificar apenas
uma obrigação de prestar.

Com efeito, a obrigação de dar revela, ordinariamente, no que pertine ao bem


objeto da avença, a potencial inversão do título de propriedade, inexistente no
contrato de locação. A obrigação de dar encontra-se ínsita em negócios jurídicos
como compra e venda, doação, permuta, dação em pagamento, além de outros em
que se tem autêntica transferência de propriedade, com exaurimento instantâneo da
atividade do alienante. O salientado aspecto revela que a obrigação de dar um
determinado bem tem exaurimento instantâneo e, mesmo quando se celebra
contrato de fornecimento contínuo, a obrigação referente a cada um dos itens
fornecidos se exaure com sua entrega (inversão da propriedade), não decorrendo
para o alienante obrigações diferidas no tempo (embora possam decorrer para o
adquirente, em caso de pagamento em prestações).

Relembrando serem os três clássicos poderes inerentes ao domínio o uso, o


gozo e a disposição, torna-se oportuno frisar que no contrato de locação, não
existindo a possibilidade de inversão do título de propriedade — eis que apenas se
concedem o uso e o gozo de um certo bem móvel, permanecendo a disposição,
ainda, com o proprietário locador —, descaracterizada está a locação como criadora
de uma simples obrigação de dar, com exaurimento instantâneo da atividade. O que
existe, de fato, é uma avença cujos efeitos e obrigações persistem por determinado
lapso temporal para ambos os contraentes, enquanto vigente o contrato, consistindo,
pois, uma atividade contínua, de vigência diferida no tempo.

E em que consistiria tal atividade? Basta considerar que o locador coloca em


poder do locatário um bem para que dele se utilize conforme permitido no
7

instrumento contratual, garantindo-lhe plena utilização do bem enquanto vigente o


contrato. Outrossim, espera receber, em razão de tal atividade, uma contraprestação
pecuniária e, ao fim do contrato, o próprio bem locado, no mesmo estado em que se
encontrava. Existe, pois, a prestação, pelo locador, de uma utilidade ao locatário,
concretizada no uso e gozo de um bem móvel, pelo qual espera receber uma
contraprestação pecuniária comutativa.

O que realmente ataca a doutrina negativista é a colocação dos contratos de


locação de bens móveis na lista de serviços tributáveis do Decreto-Lei n.º 406/68,
taxando-a de inconstitucional ante a suposta modificação do conceito de serviço
para abranger a locação de móveis e, assim ampliar a incidência do imposto sobre
serviços. Entretanto, já posteriormente ao ingresso no ordenamento jurídico da
Magna Carta de 1988, atribuiu o legislador infraconstitucional a qualificação de
serviço à locação de bens móveis, de modo que não se pode argumentar com a
não-recepção do Decreto-Lei n.º 406/68 nessa parte, uma vez ter sido expresso o
legislador em imputar a tal espécie de atividade (locação) o qualificativo técnico-
jurídico de serviço.

Eis como define serviço a Lei Federal n.º 8.666/93 (Lei de Licitações e
Contratos Administrativos):

Art. 6.º - Para os fins desta Lei, considera-se:

..........

II – Serviço – toda atividade destinada a obter determinada utilidade


de interesse para a Administração, tais como: demolição, conserto,
instalação, montagem, operação, conservação, reparação,
adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade,
seguro ou trabalhos técnico-profissionais; (GRIFADO).

Embora seja clara a mencionada lei, no caput de seu artigo 6.º, em restringir
os conceitos por si utilizados para seus próprios efeitos, não se pode negar haver
guardado total coerência com o entendimento acima apresentado referentemente à
natureza jurídica da locação como serviço. O contrato de locação, dessa maneira,
em termos genéricos, seria aquele através do qual o locador garante ao locatário a
fruição de uma certa utilidade material, por tempo determinado ou não, mediante
contraprestação remuneratória. Esta garantia de fruição perfaria o objeto jurídico
8

imediato de todo contrato de locação, diferençando-se suas espécies de acordo com


o respectivo objeto mediato, qual seja, uma coisa, um serviço ou uma obra.

Em arrimo ao pensamento acima sustentado, oportuna a transcrição de dois


arestos dos tribunais superiores, com franco posicionamento pela
constitucionalidade da tributação.

TRIBUTÁRIO – ISS – LOCAÇÃO DE VEÍCULOS – BENS MÓVEIS –


SERVIÇOS NÃO PRESTADOS PELA DEVEDORA TRIBUTÁRIA –
REEMBOLSOS DE IMPORTÂNCIAS QUE NÃO SE ENQUADRAM
COMO SERVIÇOS PRESTADOS – NÃO INCIDÊNCIA – 1. A Autora,
como locadora de automóveis, aluga seus veículos com o tanque de
combustível cheio, sendo contratado que o locatário deve restituir o
carro no prazo combinado igualmente com o tanque cheio. Quando
isto não ocorre na devolução do veículo, a Autora providencia a
reposição do combustível gasto e realiza a cobrança do locatário, à
parte, destacando na Nota Fiscal que referida receita não é tributada
pelo ISS, pois não integra o preço do serviço, que é a base de
cálculo do imposto. 2. O mesmo procedimento é adotado pela Autora
com relação a despesas com franquias de seguros. Quando o
veículo locado sofre qualquer tipo de abalroamento, a empresa
seguradora da Autora cobre as despesas e emite cobrança de uma
franquia, a qual posteriormente é cobrada do Locatário responsável,
como reembolso de despesas, conforme previsto no contrato de
locação. Da mesma forma que ocorre com relação às demais
despesas, a Autora não recolhe o ISS sobre esta quantia, visto que a
mesma não integra o preço do serviço. 3. A base de cálculo de
incidência, in specie, face à natureza da atividade da locadora, é a
locação de veículos, pura e simplesmente, e não serviços correlatos,
mas não afins, que não fazem parte da espécie de serviços
prestados pela locadora. 4. Os reembolsos que se pretende façam
parte dos serviços não podem vingar, simplesmente porque são
serviços prestados por terceiros, sem qualquer relação direta com a
atividade principal exercida pela locadora, que é a locação de
veículos. 5. Os serviços referidos não são, propriamente, receita da
locadora. Os que estão sujeitos à base tributária, in casu, são os
locativos, tão apenas estes, os que, verdadeiramente, constituem a
receita propriamente dita do locador. 6. Recurso improvido. (STJ –
REsp 224813 – SP – 1ª T. – Rel. Min. José Delgado – DJU
28.02.2000 – p. 57) — grifado.

ISS – LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS, EXPRESSAMENTE INCLUÍDA


NO ITEM 52 DA LISTA DE INCIDÊNCIA – INEXISTÊNCIA DE
INCONSTITUCIONALIDADE – Conceito de serviços. Art. 24, II, da
Constituição Federal não violado. Textos não prequestionados.
Cabimento pela alínea c indemonstrado. (STF – RE 115.103 – SP –
1ª T. – Rel. Min. Oscar Correa – DJU 29.04.1988) — grifado.

Ademais, vale a pena salientar, a norma constitucional que atribui aos


municípios a competência para instituição e cobrança de seus impostos (art. 156)
9

diz, textualmente, em seu inciso III, competir aos municípios a instituição de


―serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei
complementar‖, motivo pelo qual se há de entender que o Decreto-Lei n.º 406/68
fora recepcionado pela Constituição Federal de 1988, atribuindo-se-lhe o status de
lei complementar federal, a exemplo do Código Tributário Federal que, editado na
origem segundo o processo legislativo ordinário, apresenta, desde o advento da
novel Carta Federal, status de lei complementar em razão da matéria tratada.

A mesma Constituição Federal, em seu artigo 146, III, “a”, determina caber à
Lei Complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
especialmente sobre definição de tributos e suas espécies, bem como, em relação
aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores,
bases de cálculo e contribuintes.

O argumento de que estaria o Decreto-Lei n.º 406/68, ao atribuir à locação de


bens móveis a qualidade de serviço tributável, incidindo em inconstitucionalidade
não prevalece diante de uma crítica mais rigorosa em sede constitucional ou, mais
perfeitamente dizendo, de controle de constitucionalidade sobre falsa hierarquia de
normas. De fato, a apontada “inconstitucionalidade” se alicerça no artigo 110 do
CTN, o qual dispõe que

(...) a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o


alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado,
utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal,
pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito
Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências
tributárias.

Assim sendo, eventual lei ordinária que viesse ampliar o conceito de qualquer
instituto oriundo do direito privado com fim de majorar o âmbito de incidência do fato
gerador abstrato estaria incidindo em flagrante inconstitucionalidade, eis que,
alterando norma geral sobre fato gerador, apresentar-se-ia como pretensa norma
modificativa do Código Tributário Federal, o qual só por lei complementar federal
pode ser alterado. Decorreria, desse modo, inconstitucionalidade formal ante o
conflito de normas (lei ordinária x lei complementar) e material por via reflexa, diante
da tentativa de expedição de lei ordinária sobre matéria constitucionalmente definida
como própria de lei complementar. Saliente-se a natureza reflexa da
10

inconstitucionalidade, uma vez que seria derivada de uma anterior ilegalidade:


afrontando o Código Tributário Nacional, agride, reflexamente, a Constituição
Federal.

Entretanto, o Decreto-Lei n.º 406/68 não incidiu em tal inconstitucionalidade


por dois motivos muito simples: primeiro, quando de seu advento, tratava-se de
espécie normativa do mesmo grau hierárquico da lei ordinária e, portanto, do CTN (o
CTN, no nascedouro, era lei ordinária) e, assim, tinha força para modificá-la e
revogá-la, não podendo, pois, ser inconstitucional. Note-se que o CTN foi editado em
1966, enquanto que o Decreto-Lei n.º 406/68 assim o foi apenas dois anos após.
Afigurando-se como lei posterior a dispor sobre a mesma matéria de forma diversa,
e se servindo do mesmo fundamento de validade constitucional, apresenta-se
totalmente válida, inclusive com poderes de modificação e até revogação da norma
anterior, conforme dispõe o art. 2.º, § 1.º, da Lei de Introdução ao Código Civil, já
existente à época da entrada em vigor do DL n.º 406/68.

O segundo motivo está no fato de que, atualmente, o CTN (que impede a


alteração dos conceitos jurídicos privatísticos para efeitos tributários) e o Decreto-Lei
n.º 406/68 (que define a locação de bens móveis como serviço tributável) estão no
mesmo nível hierárquico normativo, apresentando ambos os diplomas, com o
advento da Constituição Federal de 1988, o status de lei complementar federal, não
podendo haver, assim, conflito de constitucionalidade pelo cotejo de ambas entre si.

O pensamento acima encontra supedâneo na doutrina sempre atual e no


magistério do ilustre SACHA CALMON NAVARRO COELHO (2002:326), o qual
afirma, em seu Manual, que ―estão a viger – por isso que recepcionados pela
Constituição de 1988, segundo o dizem dos tribunais, inclusive o do STF – o
Decreto-Lei n.º 406/68 (lei complementar rationae materiae) e a Lei Complementar
n.º 56/87.‖

Em face dos fundamentos jurídico-doutrinários acima apresentados, e de


acordo com a análise proposta com relação aos institutos jurídicos públicos e
privados oportunamente questionados e confrontados, chegou-se à inelutável ilação
de não haver fundamento na tese da inconstitucionalidade da incidência do ISS
sobre a locação de bens móveis, eis que, prevista na lista constante do Decreto-Lei
11

n.º 406/68, e havendo sido tal diploma legal recepcionado pela Constituição Federal
de 1988 com o status (nível hierárquico normativo) de lei complementar federal,
plenamente correta se mostra a instituição do tributo, pelos entes municipais, com
hipótese de incidência legalmente definida a abranger o fato gerador abstrato em
questão.

Embora reconhecendo que a presente discussão não encontrará no presente


trabalho seu termo final, apresenta o mesmo, como ponto de vista defensável,
segundo se crê, ser constitucional a tributação por via de ISS das locações de bens
móveis, a exemplo do que ocorre com as locações de veículos automotores a
particulares. Não socorre, como se viu, o argumento que pretende polarizar locação
e serviço como entes jurídicos diametralmente opostos e reciprocamente repulsivos.
Dissecados os conceitos e respectivos institutos jurídicos, logrou-se provar a perfeita
adequação entre os institutos e, uma vez repelida a tese quase maniqueísta da
incompatibilidade, exsurge clara a constitucionalidade da tributação atacada.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. São Paulo: Editora


Revista dos Tribunais, 2002.

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 19. ed. rev.
ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 9. ed. rev. São Paulo:
Saraiva, 1997.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Manual de direito tributário. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2002.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria das obrigações
contratuais e extracontratuais. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v.3.
12

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 22. ed. rev., at. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2003.

OLIVEIRA, Régis Fernandes de; HORVATH, Estevão. Manual de direito financeiro.


5. ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: contratos. 11. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2003. v.3.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 10. ed. rev. São
Paulo: Malheiros, 1995.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 10. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2003.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 3. ed. São Paulo: Atlas,
2003. v.3.

Vous aimerez peut-être aussi