A necessidade de se ensinar o conhecimento leva à necessidade de
modificá-lo. Essa modificação chamamos de transposição didática. A transposição didática é o estudo das transformações por que passam os conteúdos de matemática.
A transposição didática ocorre permanentemente, por exemplo, quando:
- o conteúdo é selecionado ou recortado de acordo com que o professor considera relevante para constituir as competências na proposta pedagógica; - alguns aspectos ou temas são mais enfatizados, reforçados ou diminuídos; - o conhecimento é dividido para facilitar a compreensão e depois o professor volta a estabelecer relação entre aquilo que foi dividido; - distribui-se o conteúdo no tempo para organizar uma seqüência, um ordenamento; - determina-se uma forma de organizar e apresentar os conteúdos, como por meio de textos, gráficos, entre outros.
Fazer a transposição didática implica em algumas competências que é
preciso desenvolver e isto deverá estar contemplado no plano de educação continuada da escola, da região ou do sistema de ensino: - saber fazer recortes na sua área de especialidade de acordo com um julgamento sobre relevância, pertinência, significância para o desenvolvimento das competências escolhidas que vão garantir a inserção do aluno no mundo moderno; - saber selecionar quais aspectos daquele conhecimento são relevantes; - saber relacionar o conhecimento em questão com os de outras áreas; - saber como contextualizar esse conhecimento; - dominar estratégias de ensino eficazes para organizar situações de aprendizagem que efetivamente promovam no aluno as competências que se quer desenvolver.
O fenômeno da transposição didática põe em evidência o fato que a
disciplina escolar não é o conhecimento científico, mas uma parte dele modificada. O conhecimento surge dentro de um campo científico, porém, para que possa ser ensinável, precisa passar por transformações que o vão “moldando”, tornando-o assimilável por parte dos alunos. Assim, o saber passa por, pelo menos, três tipos distintos de transposição até se constituir em conteúdo alcançado pelos alunos: o saber científico, o saber a ensinar e o saber ensinado.
O SABER CIENTÍFICO
O saber científico é aquele produzido pelos cientistas.
O saber científico não pode ser ensinado como é em seu estado nascente, isto é, em linguagem científica, mas tem de ser publicado em linguagem acessível e por pessoas que não são os seus criadores. Nesse momento, ele começa a passar por algumas transformações, a sofrer a transposição didática, para que possa ser elaborado de forma didática e se constituir em saber a ensinar. O saber científico torna-se público através de publicações em revistas especializadas e após, mais tarde, de livros didáticos, que nas escolas os professores utilizam como auxílio a sua prática pedagógica. O saber científico é validado por parâmetros internos da ciência e é apresentado ao meio científico através da publicação em forma de artigos, teses, relatórios ou livros. O SABER A ENSINAR
O saber a ensinar é o que é estabelecido para ser ensinado nas
Instituições escolares. O saber a ensinar é encontrado na forma de livros didáticos, cartilhas, softwares e outros materiais de apoio ao professor.
O SABER ENSINADO
O saber ensinado é o resultado do planejamento da aula e do ato
pedagógico. O saber ensinado não é só aquilo que foi planejado no momento de preparar o plano de aula; na verdade, é o resultado final, desde a sua elaboração no planejamento da aula, na definição do conteúdo, na metodologia aplicada pelo professor para transmitir ou trabalhar esse conteúdo específico de ensino até o resultado final obtido. O saber ensinado está diretamente ao programa de ensino. Isso leva a pensar na importância de se estar atento ao que se apresenta ao aluno no início como programa de ensino, pois muitos se esquecem do plano logo em seguida e só o lembram quando se encerra o ano letivo. Torna-se interessante também lembrar a importância da interação e do diálogo entre professor e aluno, pois essa troca entre os pares leva ao desenvolvimento, além de levar o professor a refletir sobre o método utilizado e o que os alunos aprenderam.
ALGUNS ELEMENTOS DA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA.
A TEXTUALIZAÇÃO DO SABER
A textualização do saber é um processo de preparação prévia por que
passa o conteúdo a ser ensinado na escola, e sua realização ocorre sob o controle de certas regras que visam a estruturação de uma forma didática: - divisão da teoria em várias áreas e bem delimitadas. - separação do saber de qualquer contexto pessoal. - estabelecimento de uma programação de aprendizagem progressiva e racional. - a definição explícita do que deverá ser ensinado.
Na textualização do saber devemos destacar duas variáveis
fundamentais : o tempo didático e o tempo de aprendizagem.
O tempo didático é aquele marcado nos programas escolares e nos
livros didáticos em cumprimento a uma exigência legal. O tempo de aprendizagem é aquele que está mais vinculado com rupturas e conflitos do conhecimento, exigindo uma permanente reorganização de informações, e que caracteriza toda a complexidade no ato de aprender. È o tempo necessário para o aluno superar os bloqueios e atingir uma nova posição de equilíbrio. Trata-se de um tempo que não é seqüencial e nem pode ser linear na medida em que é sempre necessário retomar uma concepção para poder transformá-la. Cada sujeito tem o seu próprio tempo de aprendizagem.
AS NOÇÕES PARAMATEMÁTICAS
As noções paramatemáticas são idéias que se caracterizam como
ferramentas auxiliares à atividade matemática. Essa noções não são ensinadas de forma explícita e também são excluídas de uma avaliação direta. Elas são concebidas como idéias possíveis de serem aprendidas no transcorrer da própria aprendizagem. São sempre necessárias ao ensino como à aprendizagem matemática. As noções de equações, sistemas, definição, demonstrações, fatoração, variáveis são exemplos de noções paramatemáticas. Sempre se pede ao aluno para resolver uma equação ou demonstrar um teorema, mas quase nunca se pergunta o que é uma equação, uma demonstração ou uma definição matemática.
UM EXEMPLO DE TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA
ESTUDO DE FUNÇÕES
1- ORIENTAÇÕES DOS PCN PROMOVENDO A TRANSPOSIÇÃO
DIDÁTICA NO ESTUDO DE FUNÇÕES.
É importante destacar a ação do Ministério da Educação do Brasil em
desenvolver um trabalho em prol da qualidade da educação escolar. Esse trabalho, que contou com a experiência e estudos de diversos educadores brasileiros, foi analisado e debatido por professores de diferentes graus de ensino, por especialistas da educação e de outras áreas, além de instituições governamentais e não-governamentais, resultando num projeto que visa uma revisão nos currículos que orientam o trabalho realizado pelos professores no Brasil e propôs um novo currículo que tenha vínculo com os diversos contextos de vida dos alunos e não mais apenas um acúmulo de informações. Assim foi entregue ao Sistema Educacional Brasileiro Os Parâmetros Curriculares Nacionais, (PCNs ), para servirem como mais uma ferramenta de apoio ao educador no momento do planejamento de suas aulas. Os PCNs ressaltam a importância do ensino da matemática para que o aluno possa estruturar o pensamento e o raciocínio dedutivo e considera sua compreensão uma ferramenta que serve para a vida cotidiana e para muitas tarefas específicas em quase todas as atividades humanas. Especificamente no estudo de funções, que é o alvo de nossa análise, os PCNs destacam que o seu ensino isolado como vem ocorrendo não permite a exploração do seu caráter integrador. Segundo os PCNs, a compreensão do conceito de funções é de extrema importância para a interpretação e construção de gráficos do comportamento de certos fenômenos, do cotidiano e de áreas específicas do conhecimento, como a Física, Geografia ou Economia, por exemplo. Deve-se, conforme orientam, estar atento também para a sua relação com outros temas da matemática. Os PCNs enumeram uma série de relações entre funções e outros tópicos da matemática, a título de exemplificação, conforme transcrito abaixo: “...uma parte importante da Trigonometria diz respeito às funções trigonométricas e seus gráficos. As seqüências, em especial progressões aritméticas e progressões geométricas, nada mais são que particulares funções. As propriedades de retas e parábolas estudadas em Geometria Analítica são propriedades dos gráficos das funções correspondentes. Aspectos do estudo de polinômios e equações algébricas podem ser incluídos no estudo de funções polinomiais, enriquecendo o enfoque algébrico que é feito tradicionalmente.” (PCNs E.M., p.255) Tais conexões entre os temas devem ser observadas e exploradas pelo professor no momento do planejamento para que o ensino se torne mais dinâmico e significativo. É, também importante que não seja esquecido o aspecto da contextualização, que possibilitará ao aluno uma visão ampla e científica da realidade. Logo, de acordo com os PCNs, o ensino de Matemática deve propiciar ao aluno um nível de compreensão que o permita trabalhar com o conceito de função na resoluções de situações–problemas tanto em Matemática como em outras disciplinas. Sendo a Transposição Didática um conjunto de ações que visam favorecer o desenvolvimento de uma atividade didática que contribua efetivamente para um aprendizado significativo, a elaboração dos PCNs pode ser considerada uma dessas ações de valiosa contribuição.
2- A TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA DO ESTUDO DE FUNÇÕES PELOS
LIVROS DIDÁTICOS.
Na análise de relevante amostragem de livros didáticos brasileiros
adotados em escolas públicas e particulares entre o período de 1970 à 2006, observamos que alguns trazem a definição de função descrita por Leonard Euler no século XVIII. Desses, a maioria a apresenta como noção intuitiva para em seguida apresentar a definição formal. Convém lembrar que a definição de Euler revela a idéia de relação entre grandezas e a preferida dos autores brasileiros é a definição de função como um conjunto de pares ordenados. Para facilitar a compreensão dessa definição comum aos livros didáticos, alguns trazem antecedendo, outros, como introdução ao capítulo de função, o estudo de produto cartesiano, relações, diagrama de flechas, gráfico cartesiano, etc. Esses conceitos e suas operações são utilizados para se chegar a idéia de função para depois apresentar a definição formal. É oportuno destacar a forma como são encontradas as definições acima citadas. A primeira, que relaciona grandezas e que traz a idéia descrita por Euler e é encontrada em alguns livros didáticos na seguinte forma: • quando duas grandezas x e y relacionadas de tal modo que para cada valor de x fica determinado um único valor de y, dizemos que y é função de x. A segunda que relaciona conjuntos, é encontrada na maioria dos livros examinados e tem a seguinte apresentação: • dados dois conjuntos não vazios A e B, uma função de A em B e uma relação que a cada elemento x de A faz corresponder um único elemento y de B. Outra forma de enunciar a mesma idéia é encontrada no livro O Cálculo com Geometria Analítica: “Uma função é um conjunto de pares ordenados de números (x, y), sendo que dados dois pares ordenados distintos, nenhum deles terá o mesmo primeiro número. O conjunto de todos os valores admissíveis de x é chamado de domínio da função e o conjunto de todos os valores resultantes de y é chamado a imagem da função”. (LEITHOLD, 1994, p.32) Alguns livros que, embora tenham sua indicação para o ensino médio, são utilizados por poucas escolas atualmente, (sendo mais utilizados no ensino superior, provavelmente por conta de sua apresentação formal dos conceitos), trazem a definição formal de função como primeira apresentação para o estudo desse conceito. Em edições recentes de livros indicados para o Ensino Médio, encontramos aplicações ilustradas, dando um visual mais moderno, estimulando o aluno ao conhecimento e trabalhando alguns conceitos matemáticos, como preliminares ao estudo de funções. Desses, alguns se preocupam em apresentar resolução de problemas envolvendo situações do cotidiano, problemas relacionando outras disciplinas ou mesmo fatos de interesse científico onde possa ser demonstrado a utilização desse tópico matemático. Dos livros de ensino médio examinados, inclusive os de edições recentes, apenas o Matemática - Ensino Médio (SMOLE; DINIZ, 2003) inicia o estudo de funções a partir da idéia original, que é a relação entre grandezas. De maneira extremamente didática atendendo às recomendações dos PCNs, utiliza as idéias intuitivas como: lei, associação, regra, correspondência, para desenvolver a noção de função. Em comentários que constam desse livro, as autoras sugerem a possibilidade de se retomar o estudo de funções de maneira mais formal em classes que seguirão estudando Matemática, com a finalidade de se demonstrar como se estrutura a argumentação nessa Ciência, através de linguagem precisa e dedução lógica. Foi observado que os livros de 8ª série do ensino fundamental que tratam do tema, apesar de não apresentarem de início uma definição formal de função, trazem gráficos e tabelas antes de trabalharem com a construção do significado do conceito de função. É importante ressaltar que, dos livros do ensino fundamental selecionados para análise, destaca-se o livro Matemática e Realidade (IEZZE; DOLCE; MACHADO, 2000) que, diferente do relato acima, introduz a noção de função associando-a com situações do cotidiano ao mesmo tempo que apresenta as grandezas, nomeando-as. O significado da notação f(x) é construído através de elucidação e exemplo, dando ao aluno maior possibilidade de compreender e associar o termo função com o seu conceito. Por fim, é apresentado uma das definições (a que relaciona duas grandezas). Esses conhecimentos vão sendo transmitidos permeados com a proposição de resolução de problemas com assuntos do cotidiano, explorando temas matemáticos já estudados. Entendemos que esse é o formato que mais atende as solicitações dos PCNs. A definição de função apresentada nesse livro que tem a mesma redação elaborada por Euler, (1748) tem sua compreensão facilitada graças as transformações ou melhor as Transposições Didáticas ocorridas na forma de apresentar a construção do conceito de função. A Transposição Didática fica evidenciada ao compararmos obras de mesmo autor, como por exemplo, Gelson Iezzi, que em seu livro Álgebra Moderna, onde juntamente com seu companheiro de autoria destacam o seu objetivo essencialmente didático, na reformulação da edição de 1982, decorrente de um curso de álgebra ministrado na PUC São Paulo a partir de 1973. Apesar do autor considerar seu texto altamente didático percebe-se que no livro Fundamentos de Matemática Elementar (MURAKAMI; IEZZI,1981), esse indicado para o ensino médio, que conta com a sua co-autoria, ocorrem transformações quanto a linguagem matemática facilitando o entendimento. Como o primeiro, esse também traz a definição como relação entre conjuntos (as duas definições estão em citações acima). Isso já não ocorre no livro Matemática e Realidade, (IEZZI; DOLCE; MACHADO, 2000) também de sua co-autoria, onde a definição adotada é a que relaciona grandezas facilitando ainda mais o entendimento pois é a que mais se aproxima da noção intuitiva.
O conceito de função, apesar de ser um dos do mais importantes na
área da Matemática, como pode ser notado, é relativamente simples e formaliza o que ao longo da história foi sendo observado pelo homem, nas relações existentes na natureza e, principalmente, nas relações de grandezas existentes em suas atividades científicas. A medida em que o homem evolui, suas necessidades e atividades vão se tornando cada vez mais complexas. O homem avança em busca de explicações e soluções e com isso o conhecimento da humanidade evolui. Com a somatória de conhecimentos, muitos desses, agregados ao saber científico, ou apenas em informações que vão enriquecendo o conhecimento na esfera individual, o homem foi tendo condições de criar, perceber relações já existentes e formalizá-las. As diversas relações ou o que, desde Leibniz, conhece-se como funções, também foram, no decorrer dos estudos matemáticos, classificadas e nomeadas. Exemplificando, pode-se citar função constante, função linear, função quadrática, função modular, função exponencial, função logarítmica, função trigonométrica entre outras. Muitas dessas funções têm uma relação estreita com outros tópicos da matemática e como orientam os PNCs, devem ser exploradas em benefício do aprendizado. A análise e interpretação de gráficos é um conceito muito importante nos diversos ramos das Ciências, portanto, é de grande valor que o professor atente para o fato de que o ensino desse tema não deve restringir-se à mera resolução de uma série de exercícios repetitivos, o que, como pudemos constatar, ocorre em livros didáticos que abundam em exercícios que favorecem a resolução mais pelo adestramento do que pela motivação da resolução de problemas reais, relacionados com o cotidiano do aluno ou com outros temas matemáticos e científicos. Encontrar aplicações significativas para esse tópico da matemática deve ser uma preocupação constante de autores de livros didáticos, contribuindo assim com o trabalho do professor em sala de aula. Além disso, é importante que o aluno ao estudar funções se familiarize com suas aplicações em outras áreas científicas, para sentir-se motivado a reconhecer o valor desse conceito. O ensino de funções deve propiciar ao aluno a possibilidade de uma compreensão ampla que possa ser utilizada em benefício de outras disciplinas. Acreditamos ser propício que a noção intuitiva de função seja desenvolvida desde as primeiras séries do ensino fundamental, através de jogos, construção e interpretação de gráficos e tabelas simples, com o intuito de que o aluno comece a visualizar as operações em questão e perceber relações a partir de problemas concretos e interessantes, o mais próximos possível de seu universo.
EXERCÍCIOS:
1-No estudo de funções no Ensino Fundamental: definição de função;
definição de domínio; definição de contradomínio; definição de imagem; definição de conjunto imagem, desenvolva a transposição didática. 2- No estudo de frações no Ensino Fundamental: definição de fração; frações equivalentes; fração própria; fração imprópria; desenvolva a transposição didática. 3- No estudo do máximo divisor comum no Ensino Fundamental desenvolva a transposição didática. 4- No estudo do mínimo múltiplo comum no Ensino Fundamental desenvolva a transposição didática. 5- No estudo da adição com frações, no Ensino Fundamental, desenvolva a transposição didática. 6- No estudo da multiplicação e divisão com frações, no Ensino Fundamental, desenvolva a transposição didática. 7- No estudo das regras de sinais nas operações aritméticas, no Ensino Fundamental, desenvolva a transposição didática. 8- No estudo da resolução de equações do primeiro grau, no Ensino Fundamental, desenvolva a transposição didática. 9- No estudo do conjunto dos números irracionais, no Ensino Fundamental, desenvolva a transposição didática. 10- No estudo do sen, cos, tg, cotg, sec, cossec dos arcos em graus: 0, 90, 180, 270 e 360, no Ensino Médio, desenvolva a transposição didática. 11- No estudo de números complexos - definição de número complexo, no Ensino Médio, desenvolva a transposição didática.
Sugestão : Siga o roteiro abaixo.
1- Descreva a programação da apresentação dos conteúdos.
2- Distribua o conteúdo no tempo para organizar uma seqüência, um
ordenamento. 3- Desenvolva o conteúdo de acordo com um julgamento sobre a significância para desenvolvimento das competências que se quer desenvolver.
4- Contextualizar o conhecimento.
5- Desenvolver estratégias de ensino eficazes para organizar situações
de aprendizagem que efetivamente promovam no aluno as competências que se quer desenvolver.
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