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POR UMA NOVA POLÍTICA INDIGENISTA NO BRASIL

(Joaquim Nabuco, a reserva Raposa- Serra do Sol e a questão indígena no Brasil.)

2. Miscigenação e sincretismo:

Não há estatísticas sobre a amplitude da miscigenação indígena no Brasil, mas é visível que
em alguns estados ela é dominante e alcança a maioria da população, como é o caso do
Amazonas e do Ceará. Desde os primeiros tempos da colonização sucederam-se ações de
imensa crueldade para com os índios no Brasil, mas não se deve omitir que também houve
grandes esforços para sua proteção e integração, sobretudo no Nordeste e no Norte, ainda
que naqueles tempos essa integração significasse assumirem incondicionalmente as leis e a
religião dos brancos. A igreja, por iniciativa própria ou por convocação da Coroa,
desempenhou importante papel nesse sentido, não obstante os historiadores ressaltem os
casos de enriquecimento das Ordens à custa do trabalho indígena. Severas penalidades
oficiais ou eclesiásticas, como a excomunhão, foram expedidas contra quem viesse a
maltratar ou usar os índios em trabalho escravo, embora sempre houvesse maneiras de
burlarem-se as normas nesse sentido. O tratamento para com os índios era de tal modo
contraditório que João de Barros Braga recebeu, em 1731, o governo da capitania do Rio
Grande do Norte como prêmio pelo extermínio de centenas de índios no Ceará e no Piauí
durante a Guerra dos Bárbaros (1683-1720); em 1734, porém, foi destituído do mesmo cargo
por ter ordenado o fuzilamento de um único índio sem o devido processo legal. Em 1758,
quando Pombal declarou os índios “cidadãos livres que deveriam viver segundo as mesmas
leis dos brancos”, houve uma pressa generalizada em transformarem-se os aldeamentos em
vilas, a serem comandadas por um diretor que geralmente era um branco e que
intermediava e explorava a mão de obra indígena. Quando em 1850 a Monarquia instituiu a
Lei de Terras, declarando que as terras dos índios não eram devolutas e a eles pertenciam
por direito originário, as elites latifundiárias simplesmente negaram a existência dos
indígenas no Ceará. Seriam todos “caboclos” já civilizados e não teriam mais direito às terras
de seus antigos aldeamentos. Essa situação foi oficializada em 1863, quando o presidente da
província Bento Figueiredo declarou extintos os índios do Ceará, desde que todos haviam
sido “civilizados”. Não obstante, os índios lá se encontravam: ou na forma de “caboclos”,
constituindo o grosso da população trabalhadora (que trabalhava em troca de pouco mais
que a alimentação), ou na forma de aldeamentos ocultos, ou na forma de bandoleiros que
atacavam e pilhavam fazendas (os proto-cangaceiros), ou na forma de “cabras claros”,
eufemismo que possibilitava o exercício oficial da escravidão. Este era o elemento
fundamental do amálgama do povo cearense, como de resto o de grande parte do povo
brasileiro. Indígena, e até hoje não reconhecido como tal. Como o Ceará não possuía minas
nem extensas terras agricultáveis, a presença dos negros era insignificante, constituindo
uma espécie de luxo doméstico. Profissões ligadas à pesca, à pecuária e à agricultura, bem
como trabalhos manuais e caseiros, as artes da costura e da culinária, a manufatura de
rendas e bordados, a cestaria e a cerâmica utilitárias, foram ensinadas aos índios e índias
principalmente nas missões católicas espalhadas por toda a região. Sem dúvida, estas
iniciativas incorporaram as experiências indígenas e a matéria prima regional, contribuindo
fortemente para o elevado índice de sincretismo e miscigenação. Joaquim Nabuco acusava a
Igreja de, pelo fato das ordens religiosas e dos padres possuírem escravos, jamais haver
defendido a libertação dos negros no Brasil. Com os índios do Norte e do Nordeste, porém,
mesmo com toda a sua exploração do trabalho indígena, a atuação da Igreja foi bem diversa,
com uma atividade missionária popular que alcançaria o século vinte e se chocaria
ruidosamente com as modernas orientações elitistas do Vaticano. Já no Sul e no Sudeste, os
bugreiros continuaram impunemente a exterminar índios até o início do século vinte.

3. Obrigações do Estado brasileiro para com os índios:

Com referência aos remanescentes indígenas brasileiros que são identificados pela
sobrevivência de sua coesão cultural, pode-se afirmar que existem atualmente dois grupos
distintos: os isolados e os aculturados. Quanto ao grupo dos índios isolados, o Estado
brasileiro tem a obrigação de protegê-los com firmeza das ações inescrupulosas de
madeireiros, garimpeiros e outros exploradores. As razões dessa obrigação são basicamente
duas: em primeiro lugar, tais ações inescrupulosas representam simplesmente a
continuidade das seculares ações de uma colonização de conquista que não encontra hoje
qualquer justificativa aceitável. O país alçou-se ao nível de maturidade suficiente para
reconhecer que esses povos, tomados em seu conjunto, constituem a matriz mais genuína e
a única matriz autóctone da nacionalidade brasileira, sendo enorme e exuberante a sua
influência na formação geral dessa nacionalidade. Tal reconhecimento implica na
responsabilidade de respeitar, reverenciar e proteger os índios e suas culturas. Isto significa
que é necessário fazer-se evoluírem as velhas superestruturas jurídicas, administrativas e
políticas que davam amparo a ações e concepções que foram superadas. Em segundo lugar,
tais indígenas encontram-se no limiar de um mundo completamente diferente, que deve ser
profundamente estudado e compreendido, ao tempo em que se lhes faça contatos
cuidadosos que os auxiliem a tomarem entendimento da cultura global contemporânea da
maneira mais correta possível. Não há como negar que esta seja uma tarefa inerente ao
Estado brasileiro.
Quanto ao segundo grupo, aquele mesmo reconhecimento da importância desses povos na
composição da nacionalidade impõe, para mitigar irrefutável e histórica dívida social, a
obrigação do Estado em promover a restauração da dignidade perdida por grupamentos
indígenas que sofreram em diferentes gradações mutilação de identidade, erosão da cultura,
perseguição e espoliação da terra, conforme a natureza e a duração de seus contatos com os
não-índios. Eles têm direito, de pronto, à posse de terras para viverem, à garantia de uma
boa assistência de saúde e ao ensino que lhes proporcione ao mesmo tempo a restauração
básica de suas culturas específicas e o acesso aos meios produtivos modernos, bem como ao
conhecimento geral do mundo que os cerca.
Nesse segundo grupo se enquadram os macuxís e outras pequenas etnias da reserva
Raposa-Serra do Sol. Eles sofreram processo de aculturação e miscigenação por mais de dois
séculos. Ao cabo, não lograram uma integração sequer razoável no conjunto do país. Devido
em parte ao próprio isolamento geográfico de Roraima, não puderam usufruir com alguma
regularidade das benesses do progresso nas áreas de saúde, educação e apoio para
atividades econômicas. Hoje, entretanto, acelera-se a presença do avanço econômico
naquela região e é natural que estejam apreensivos, já que não contam com titulações de
propriedade e temem os engodos de papéis grilados e de outros recursos perversos que se
tornaram habituais por toda a Amazônia. A região em que vivem, além de insondadas
riquezas minerais, tem potencial para tornar-se grande produtora de carne e cereais. E eles
estão correndo o risco de serem triturados pelas engrenagens de um desenvolvimento que
se anuncia, ao invés de protagonizá-lo de modo privilegiado, como seria de justiça. Correm o
risco de restarem, por exemplo, como os guaranis em São Paulo e outros estados que,
apesar de constituírem um resíduo milagrosamente sobrevivente da implacável ação dos
bugreiros, não puderam escapar de outras adversidades como as discriminações e a
persistência da pobreza e da ignorância. Estas terminaram por transformá-los em uma
marginalizada subespécie de caipiras.

4. Implicações da demarcação da Reserva Raposa-Serra do Sol:

Diante do perigo que ronda os macuxís, responde o governo com a demarcação de uma área
de, segundo alguns, 17.000 k2 para, segundo outros, a proteção de 18.000 índios. Nessa
área já se encontram instalados vultosos empreendimentos econômicos. Lá também se
verifica, junto aos índios, a ação de organizações não-governamentais diversas. Os aspectos
conflitantes dessa demarcação ensejaram na opinião pública um combate de idéias que, em
última análise, desenvolve-se em terreno onde prolifera a desinformação. Entretanto, para
desfazer o nó das querelas pontuais, faz-se necessário e urgente que sejam definidos e
explicitados para a população em geral os conceitos, a política e a legislação referente ao
que motiva as controvérsias e as ações questionadas.
Em primeiro lugar, partindo do caso particular dessa reserva e do reconhecimento de que os
índios têm direitos sobre ela, tais direitos não devem e não podem ser vistos como uma
muralha que lhes isole do assédio do progresso, entendido aqui em seu sentido corrente de
compreensão geral. Ao contrário, é justo que o governo deva garantir-lhes condições para
que tais direitos se reflitam em instrumento para uma inserção participativa e vantajosa no
desenvolvimento econômico que deles se aproxima. Isso porque, por um lado, o progresso
tem tentáculos políticos poderosos que sabem contornar e avançar, submetendo-se apenas a
regras impostas por argumentos inequívocos e sólidos. E por outro lado, porque é totalmente
inconcebível a premissa de que os macuxís renunciem ao progresso, desfaçam-se das roupas
e passem a andar nus, como seus ancestrais de séculos atrás. Eles vestem-se por obra do
progresso e também aspiram a todas as benesses que o progresso possa lhes propiciar.
Entretanto, deve-se pensar em como será o futuro dessas 18.000 pessoas a lidarem com um
território quase duas vezes maior que a república do Líbano. Ocuparão as casas dos
povoados e fazendas deixadas com a anunciada expulsão dos supostos “brancos”?
Continuarão na sua vidinha de pequenas malocas, criando seu gado, fazendo seu restrito
comércio em descompasso com o mundo que as cerca, labutando e interagindo com
invasores, com messiânicos modernos e com vigaristas diversos? Ou, impulsionadas de
algum modo por um tipo de progresso peculiar, construirão novas vilas e cidades exclusivas?
Construirão estradas e pontes e consolidarão seu comércio com a Venezuela e a Guiana?
Conseguirão acesso a financiamento bancário para máquinas e insumos, já que também são
criadores de gado além de produtores de arroz e outras culturas, não podendo ser
compelidos a plantar apenas culturas orgânicas de subsistência, como seria do desejo de
alguns conservacionistas radicais? Conseguirão financiamento e associação internacional
para seus futuros projetos? Estabelecerão uma capital, com aeroporto? Imporão exigências e
condições para a visita de estranhos, ainda que brasileiros? E o governo do Brasil, vai zelar
para que nenhum de seus cidadãos penetre naquele território supostamente exclusivo? E
representantes de determinadas ONGs, terão visto permanente para entrar em suas terras?
E seus irmãos “macushis”, cidadãos da Guiana, poderão transitar livremente em seu
território? E seus mestiços que vivem fora da área, poderão ali procurar terras para criar e
plantar? Como se vê, são muitas as questões que se colocam para os macuxís. E a questão
mais abrangente é: como tão poucas pessoas irão dispor de tantas terras, sem que possam
vendê-las, arrendá-las ou sequer vigiá-las? O mais certo é que se concentrem nas atuais
fazendas e tentem a seu modo tocá-las. Ou será que o governo pretende demolir todas as
construções existentes, em busca de recriar um ambiente de natureza virgem que existiu por
lá há duzentos e cinqüenta anos atrás? O que será que impulsiona tamanho poder
demonstrado pelo governo ao reservar para os macuxís tão extensa área do território
nacional? Será o amparo de uma política indigenista irrepreensível e de considerações
técnicas irrefutáveis? Será a firme determinação de pôr em prática um projeto grandioso que
traga soluções justas e racionais para todas as suas graves implicações? Serão razões
estratégicas ou geopolíticas as quais não cabe explicitar ao comum dos brasileiros? Será o
resultado de uma velada administração de poderosas pressões que impõem segredos de
Estado?

5. A necessária definição de uma nova política indigenista:

Com o máximo respeito à memória dos heróicos pioneiros que dedicaram suas vidas à causa
dos índios do Brasil, torna-se cada vez mais evidente a necessidade de que o Estado deva
definir detalhadamente uma nova política de ação que venha a responder satisfatoriamente
à nova dimensão que a questão assumiu. Uma política que não seja atrelada a inconsistentes
diagnósticos nem seja vacilante diante das múltiplas opiniões de devotos, sumidades e
supostos especialistas. A política que carrega indefinições, incoerências e improvisações não
pode ter credibilidade para amparar ações de grande amplitude e significa em última análise
apenas a dominância de caprichos e a ausência de uma política competente. E a ausência de
política é a porta de entrada para intromissões internacionais e salvacionismos exóticos.
Porque razão a ONU sentiu-se compelida a patrocinar um tratado determinando os direitos
dos povos indígenas? Simplesmente porque considerou que os países que possuem esses
povos não estão capacitados a reconhecer e respeitar tais direitos. O Brasil não pode
enfileirar-se entre esses países e nem aceitar tal imposição. Ele tem vasta experiência
acumulada e todos os instrumentos para conhecer seus indígenas e para eles elaborar a
melhor de todas as políticas. Se já a tivesse elaborado, o Itamarati automaticamente teria
recusado sua assinatura no referido tratado. Problema semelhante aconteceu logo no pós-
guerra, quando a ONU (UNESCO) consolidou a proposta de um Instituto Internacional da
Hiléia Amazonica. O governo brasileiro reagiu e em 1952 o presidente Getúlio Vargas criou o
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazonia, que embora de maneira precária, foi
efetivamente instalado em julho de 1954.
Não que se venha a menosprezar o valioso trabalho da Fundação Nacional do Índio. Trata-se
apenas de assumir a questão em outro patamar, mais elevado. É evidente que a crescente
importância do assunto impõe uma nova ótica que exige política bem mais abrangente que a
atual, com instrumentos de ação muito mais capacitados. E desde que definida, deverá ser
aplicada oficialmente com meios próprios, afastando-se dos índios as ações diretas de
quaisquer ONGs, as quais agem movidas por arrogância voluntarista, idealismo piedoso,
modus faciendi, ideologias e interesses os mais diversos, nem sempre convenientes mesmo
quando são bem intencionadas. O mundo está repleto de trapaceiros e piratas audaciosos e
sofisticados, sobre quem a Amazônia exerce uma atração irresistível, porque não é segredo
que ela esconde imensas riquezas minerais e biológicas. Qualquer ajuda positiva, financeira
ou intelectual, venha de onde vier, deverá ser bem-vinda; nunca, porém, poderá ser
praticada direta e isoladamente com os indígenas. Deverá, sim, ter como destino e objetivo o
reforço e o aperfeiçoamento das instituições oficiais que trabalhem com os indígenas,
enquadrando-se em suas linhas de ação, mesmo que seja no sentido de fazer o
acompanhamento analítico e a cobrança de seus desempenhos. Nabuco dizia que a “raça
negra” tinha o direito de protestar perante o mundo e perante a história contra a escravatura
no Brasil, mas que havia renunciado a esse direito na busca de uma solução que fluísse
internamente da generosidade brasileira. Já os indígenas, hoje, não vacilam em procurar
tribunas de denúncia no exterior, escoltados por organizações não-governamentais. É
necessário, pois, que o próprio Estado defina com segurança sua política indigenista,
estruturando-a até nos diversos detalhes de sua aplicabilidade e que depois não hesite em
executá-la. O destino desses brasileiros não pode ser depositado irresponsável e
dispersivamente nas mãos de ONGs e sim tomado cuidadosamente nas mãos do Estado. E
essa política de ação não pode deixar prevalecerem nem considerações puramente
desenvolvimentistas que tendam a excluir ou inferiorizar os indígenas, nem mistificações
românticas que tendam a aliená-los.

6. A necessária definição de Reserva Indígena:

Mais importante que o tamanho é a definição do que venha a ser uma reserva indígena. Essa
definição não poderá, por exemplo, nem longinquamente inspirar-se na definição
estadunidense, que se refere ao lugar onde foram isolados os sobreviventes de inimigos de
guerra depois da capitulação final. Torna-se clara a necessidade de estabelecer uma
concepção nacional de reserva indígena, uma concepção que, por sua transcendência, não
pode ser delegada exclusivamente a técnicos ou a supostos especialistas. Ela deve ser
construída ao longo de uma discussão que envolva o Congresso Nacional e toda a opinião
pública. Dessa discussão deverá surgir não um tipo, mas uma estrutura que administre uma
tipologia; um conjunto de tipos de reservas indígenas com diferentes características,
permitindo ou não determinadas atividades econômicas. Enquadrada em um dos tipos desse
conjunto, cada reserva deverá ter como providência básica um projeto específico, desenhado
sobre um bom planejamento territorial subsidiado por levantamentos geográficos, geológicos
e ecológicos. No caso do grupo dos índios aculturados, os projetos deverão estender-se a
aspectos econômicos, sociais e jurídicos, envolvendo da melhor forma possível a participação
dos próprios índios em sua elaboração, o que reforçará sua legitimidade e viabilidade. Em
outras palavras, o Estado deverá investir na estruturação de um sistema geral de reservas e
na elaboração do projeto específico de cada reserva, de modo a saber como implementá-lo e
o quanto de recursos será necessário para sua implementação. Isto representará um sólido
marco institucional que poderá atrair e canalizar recursos e desenvolver empreendimentos
com alta confiabilidade. Cada reserva deverá contar com unidades administrativas
perfeitamente equipadas com a mais moderna tecnologia de comunicação, transporte e
segurança. Cada uma deverá ter seu sistema próprio de vigilância, que não deve se resumir
à contratação de fiscais. Uma reserva maior demandará um projeto de gerência mais
complexo e dispendioso. Mas a sustentabilidade financeira, por diversos meios viáveis e
comprovadamente aceitáveis, deverá constar da abrangência dos projetos. Há uma imensa
gama de atividades econômicas que podem ser desenvolvidas pelos indígenas, amparadas
convenientemente por pesquisas tecnológicas e científicas, que possam ampliar seus
horizontes para além da elaboração de artesanato. Além disso, diante de um marco
institucional solidamente definido e de projetos confiáveis e bem elaborados, não deverão
faltar recursos financeiros.
Para as tribos isoladas, não se deve partir do entendimento de que a reserva venha a ser um
pedaço intocável da natureza, onde o índio seria apenas um dos elementos de composição
do cenário geral da fauna e da flora. Talvez fosse conveniente a sub-demarcação, dentro
desse tipo de reserva, de uma área com amplitude suficiente para que os índios isolados
desenvolvam suas atividades sem interferências, ficando a área em redor com status
semelhante ao de um parque de proteção ambiental. Nesse contexto, os contatos culturais
necessários se estabeleceriam com profissionalismo e com todas as precauções devidas.
Essa interface da questão indígena com a questão ambiental deixa à mostra que também os
parques de proteção ecológica exigem uma redefinição de política de ação profundamente
debatida, no que tange à sua tipologia, administração e gerência e à definição das atividades
neles desenvolvidas, sejam de defesa e segurança, sejam atividades científicas ou
econômicas. Como se pode depreender, a execução de uma tal política indigenista traria
ganhos incomensuráveis para o país em todos os sentidos podendo, no campo econômico,
vir a ser uma referência fundamental para bons projetos e planos de desenvolvimento.
Outro aspecto de necessária compreensão é que na política indigenista o papel mais
importante deve ser representado pelo ensino. O ensino, laico e especializado, deve ser
compreendido como fator de libertação e não de alienação dos indígenas. Apenas a tomada
de consciência que o ensino proporciona é que poderá fazer com que os indígenas venham a
se posicionar no mundo globalizado sem que seja arranhada sua auto-estima. A partir de
então, poderão estabelecer de maneira independente as diretrizes da manutenção de sua
identidade e de sua cultura, bem como de que modo elas deverão conviver e interagir com o
compasso das culturas brasileira e global. Com isso, por exemplo, os índios poderão vir a
serem antropólogos e não apenas objetos da antropologia.

7. Conclusão:

Voltando à Raposa-Serra do Sol, o mais sensato seria o Estado comprometer-se a realizar o


projeto que lhe falta, com todos os seus aspectos físicos, sociais e jurídicos. Não se trata de
responder a “testes” de boa vontade governamental nem de dar provas voluntariosas de
atitudes políticas. Trata-se simplesmente de fazer o que deve ser feito. Definir a natureza, a
extensão e as nuances do direito que se reconhece possuírem os macuxís sobre toda aquela
região e em que medida se podem conflitar com o possível direito de outros grupos e do
próprio Estado sobre terras da mesma região. Depois disso, programar completo estudo que
embase um zoneamento sobre as reais possibilidades de exploração sustentável da área e a
possível criação de núcleos de vivência e produção com normas ambientais adequadas,
dotados de razoável infra-estrutura, nos quais os índios e mestiços possam dispor de boa
assistência de educação e de saúde. Seria conveniente criarem-se escolas técnicas especiais
para eles e com eles, um belo desafio para tecnólogos e educadores. E, porque não, até uma
universidade, concebida e fundamentada a partir de sua cultura ancestral. Poder-se-ia
estabelecer também normas para o exercício da propriedade comum e individual, usando
modernos conceitos cooperativistas. Quanto às atuais fazendas de arroz e soja, o mais
sensato seria reconhecer-se que se instalaram em terras da União sobre as quais os
indígenas detêm direitos, mas não a propriedade absoluta. Depois, com a correção de
eventuais distorções ambientais que tenham sido cometidas, estabelecerem-se concessões
de maneira negociada para suas atividades, com limites geográficos e condições de usufruto,
contando com a participação dos índios nas negociações, para que se assegurem da defesa
de seus interesses. Se for verdade que as crises enfrentadas com inteligência transformam-
se em oportunidades para a criatividade, esse poderia ser um projeto-piloto para marcar a
implantação de uma nova política indigenista.

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