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Fernando Pessoa

Máquina do
Tempo
O Universo

É feito
essencialmente
de coisa
nenhuma.

Intervalos,
distâncias,
buracos,
porosidade
etérea.
Espaço vazio, em suma.
O resto, é a matéria.·
Daí, que este
arrepio,
este chamá-lo
e tê-lo, erguê-
lo e defrontá-
lo,·
esta fresta de
nada aberta no
vazio,
deve ser um
intervalo.

Alberto Caeiro

Nº2- Ano lectivo 2009/2010 – Novembro - Suplemento


Fernando Pessoa

poeta, desdobrou-se em diversas personas


conhecidas como heterónimos, em torno
das quais se movimenta grande parte dos
estudos sobre sua vida e sua obra. Centro
irradiador da heteronímia, auto-
denominou-se um "drama em gente".

Fernando Pessoa morreu de cirrose


hepática aos 47 anos, na cidade onde
nasceu. A sua última frase foi escrita em
Inglês: "I know not what tomorrow will
bring... " ("Não sei o que o amanhã trará").

Quem me dera que eu fosse o


pó da estrada
E que os pés dos pobres me
estivessem pisando...

Quem me dera que eu fosse os


Fernando Pessoa (s) rios que correm
E que as lavadeiras
morreu há 74 anos estivessem à minha beira...

Fernando António Nogueira Quem me dera que eu fosse os


choupos à margem do rio
Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — E tivesse só o céu por cima e
Lisboa, 30 de Novembro de 1935), mais a água por baixo...
conhecido como Fernando Pessoa, foi um
poeta e escritor português. Quem me dera que eu fosse o
burro do moleiro
É considerado um dos maiores poetas da E que ele me batesse e me
Língua Portuguesa, e o seu valor é estimasse...
comparado ao de Camões. O crítico
literário Harold Bloom considerou a sua Antes isso que ser o que
obra um "legado da língua portuguesa ao atravessa a vida
mundo". Olhando para trás de si e
tendo pena...
Por ter crescido na África do Sul, para
onde se mudou aos sete anos em virtude
do casamento de sua mãe, Pessoa foi
alfabetizado em Inglês. Das quatro obras
que publicou em vida, três são na língua
inglesa. Fernando Pessoa dedicou-se
também a traduções desse idioma.

Durante a sua discreta vida, actuou no Alberto Caeiro


Jornalismo, na Publicidade, no Comércio
e, principalmente, na Literatura. Como

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Fernando Pessoa

Que existo entre outros que são


Como eu sós, salvo que estão
Alheados desde o começo.

E se sinto quanto estou


Verdadeiramente só,
Sinto-me livre mas triste.
Vou livre para onde vou,
Mas onde vou nada existe.

Creio contudo que a vida


Devidamente entendida
É toda assim, toda assim.
Por isso passo por mim
Como por cousa esquecida.

Não sei quantas almas tenho. Fernando Pessoa


Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,


Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo


Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: <<Fui
eu?>>
Deus sabe, porque o
escreveu.

Fernando Pessoa

Quando estou só
reconheço
Se por momentos me
esqueço

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Fernando Pessoa

Quadras ao Gosto
Popular
Cantigas de portugueses
São como barcos no mar —
Vão de uma alma para outra
Com riscos de naufragar.

Eu tenho um colar de pérolas


Enfiado para te dar:
As per'las são os meus beijos,
O fio é o meu penar.

Não tenho sentimento nenhum político


ou social. Tenho, porém, num sentido,
um alto sentimento patriótico. Minha
pátria é a língua portuguesa. Nada
me pesaria que invadissem ou
tomassem Portugal, desde que não me
incomodassem pessoalmente. Mas
odeio, com ódio verdadeiro, com o
único ódio que sinto, não quem escreve A terra é sem vida, e nada
mal português, não quem não sabe Vive mais que o coração...
sintaxe, não quem escreve em E envolve-te a terra fria
ortografia simplificada, mas a página E a minha saudade não!
mal escrita, como pessoa própria, a
sintaxe errada, como gente em que se
bata, a ortografia sem ípsilon, como o Deixa que um momento pense
escarro directo que me enoja Que ainda vives ao meu lado...
independentemente de quem o Triste de quem por si mesmo
cuspisse. Sim, porque a ortografia Precisa ser enganado!
também é gente. A palavra é completa
vista e ouvida. E a gala da
transliteração greco-romana veste-ma
do seu vero manto régio, pelo qual é
senhora e rainha.

Livro do Desassossego por Bernardo Soares.


Vol.I. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição
dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa
Sobral Cunha. Prefácio e Organização de
Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.

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Fernando Pessoa

Morto, hei-de estar ao teu lado Duas horas te esperei


Sem o sentir nem saber... Dois anos te esperaria.
Mesmo assim, isso me basta Dize: devo esperar mais?
P'ra ver um bem em morrer. Ou não vens porque inda é dia?

Não sei se a alma no Além vive... Toda a noite ouvi no tanque


Morreste! E eu quero morrer! A pouca água a pingar.
Se vive, ver-te-ei; se não, Toda a noite ouvi na alma
Só assim te posso esquecer. Que não me podes amar.

Se ontem à tua porta Dias são dias, e noites


Mais triste o vento passou — São noites e não dormi...
Olha: levava um suspiro... Os dias a não te ver
Bem sabes quem to mandou... As noites pensando em ti.

Trazes a rosa na mão


E colheste-a distraída...
E que é do meu coração
Que colheste mais sabida?

Teus olhos tristes, parados,


Coisa nenhuma a fitar...
Ah meu amor, meu amor,
Se eu fora nenhum lugar!

Depois do dia vem noite,


Depois da noite vem dia
E depois de ter saudades
Entreguei-te o coração, Vêm as saudades que havia.
E que tratos tu lhe deste!
É talvez por 'star estragado No baile em que dançam todos
Que ainda não mo devolveste ... Alguém fica sem dançar.
Melhor é não ir ao baile
A caixa que não tem tampa Do que estar lá sem lá estar.
Fica sempre destapada
Dá-me um sorriso dos teus Vale a pena ser discreto?
Porque não quero mais nada. Não sei bem se vale a pena.
O melhor é estar quieto
Tens o leque desdobrado E ter a cara serena.
Sem que estejas a abanar.
Amor que pensa e que pensa Rosmaninho que me deram,
Começa ou vai acabar. Rosmaninho que darei,
Todo o mal que me fizeram

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Fernando Pessoa

Será o bem que eu farei.

Tenho um relógio parado


Por onde sempre me guio.
O relógio é emprestado
E tem as horas a fio.

Quando é o tempo do trigo


É o tempo de trigar,
A verdade é um postigo
A que ninguém vem falar.

Pensar é estar doente dos olhos...

O inexplicável horror
De saber que esta vida é
verdadeira,
Que é uma coisa real, que é
[como um] ser
Em todo o seu mistério
Realmente real.

Quanto mais fundamente penso,


mais
Profundamente me
descompreendo.
O saber é a inconsciência de
ignorar...

Só a inocência e a ignorância são


Às vezes passam
Felizes, mas não o sabem. Em mim relâmpagos de
pensamento

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Fernando Pessoa

— Febre! Febre! Estou trémulo de


febre... E de delírio ...]

Ancião, não podes tu


Arranjar-me um remédio para a
vida?

Quero vivê-la sem saber que a vivo


Como tu vives.

Vou com um passo como de ir parar


Pela rua vazia
Nem sinto como um mal ou mal-'star
A vaga chuva fria...

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Fernando Pessoa

Sossega, coração! Não desesperes!


Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Todas as cousas que há neste mundo Atingirás a perfeição de seres.
Têm uma história,
Excepto estas rãs que coaxam no fundo Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Da minha memória. Pobre esperança a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
Qualquer lugar neste mundo tem E em si mesmo se sente diferente,
Um onde estar, Como faz mal ao sonho o concebê-lo!
Salvo este charco de onde me vem
Esse coaxar. Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Ergue-se em mim uma lua falsa Quer só a noite plácida e enorme,
Sobre juncais, A grande, universal, dolente pausa
E o charco emerge, que o luar realça Antes que tudo em tudo se transforme.
Menos e mais.

Onde, em que vida, de que maneira Fernando Pessoa, 2-8-1933.


Fui o que lembro
Por este coaxar das rãs na esteira
Do que deslembro?

Nada. Um silêncio entre juncos dorme.


Coaxam ao fim
De uma alma antiga que tenho enorme
As rãs sem mim.

Fernando Pessoa, 13-8-1933.

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Fernando Pessoa

virtude de outras cousas


existirem.
Eu quero só a realidade, as
cousas sem presente.

Se Depois de Eu
Alberto Caeiro
Morrer
Um dia de chuva é tão belo Se depois de eu morrer, quiserem escrever a
minha biografia,
como um dia de sol. Não há nada mais simples
Ambos existem; cada um como é. Tem só duas datas — a da minha nascença e
a da minha morte.
Entre uma e outra cousa todos os dias são
meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as cousas sem sentimentalidade
nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse
realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um
acompanhamento de ver.
Compreendi que as cousas são reais e todas
diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o
pensamento.
Compreender isto corri o pensamento seria
achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer
O que é o presente? criança.
Fechei os olhos e dormi.
É uma cousa relativa ao Além disso, fui o único poeta da Natureza.
passado e ao futuro.
É uma cousa que existe em

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Fernando Pessoa

Ao lado, acompanhamento
banalmente sinistro,
O tiquetaque estalado das máquinas
de escrever.
Que náusea da vida!
Que abjecção esta regularidade!
Que sono este ser assim!

Outrora, quando fui outro, eram


castelos e cavaleiros
(Ilustrações, talvez, de qualquer livro
de infância),
Álvaro de Campos Outrora, quando fui verdadeiro ao
meu sonho,
Eram grandes paisagens do Norte,
explícitas de neve,
Eram grandes palmares do Sul,
opulentos de verdes.

Outrora.

Ao lado, acompanhamento
banalmente sinistro,
O tiquetaque estalado das máquinas
de escrever.

Temos todas duas vidas:


A verdadeira, que é a que sonhamos
na infância,
E que continuamos sonhando,
adultos, num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em
convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos
meter num caixão.

Na outra não há caixões, nem


Traço, sozinho, no meu cubículo de mortes,
engenheiro, o plano, Há só ilustrações de infância:
Firmo o projecto, aqui isolado, Grandes livros coloridos, para ver
Remoto até de quem eu sou. mas não ler;
Grandes páginas de cores para

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Fernando Pessoa

recordar mais tarde.


Na outra somos nós,
Na outra vivemos;
Nesta morremos, que é o que viver
quer dizer;
Neste momento, pela náusea, vivo na
outra...

Mas ao lado, acompanhamento


banalmente sinistro,
Ergue a voz o tiquetaque estalado
das máquinas de escrever.

Ricardo Reis

Flores
Flores que colho, ou deixo,
Vosso destino é o mesmo.

Via que sigo, chegas


Não sei aonde eu chego.

Nada somos que valha,


Somo-lo mais que em vão.

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Fernando Pessoa

CARTAS DE AMOR escrevia


Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje


As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,


Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

Cartas a Ofélia

Todas as cartas de amor são


Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não
fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo


cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,


Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca Meu Be«be»zinho lindo:
escreveram
Cartas de amor
É que são Não imaginas a graça que te achei
Ridículas. hoje á janella da casa de tua irmã!

Quem me dera no tempo em que Ainda bem que estavas alegre e que

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Fernando Pessoa

mostraste prazer em me ver (Álvaro de Enfim...


Campos).
Amanhã passo á mesma hora no
Tenho estado muito triste, e além Largo de Camões. Poderás tu
d'isso muito cansado - triste não só por apparecer à janella?
te não poder ver, como também pelas
complicações que outras pessoas teem Sempre e muito teu
interposto no nosso caminho. Chego a
crer que a influência constante,
insistente, hábil d'essas pessoas; não
ralhando contigo, não se oppondo de Opinião sobre Pessoa de Ofélia
modo evidente, mas trabalhando
Queirós- A namorada
lentamente sobre o teu espírito, venha O Fernando, em geral, era muito
a levar-te finalmente a não gostar de alegre. Ria como uma criança, e
mim. Sinto-me já differente; já não és a achava muita graça às coisas. Dizia,
mesma que eras no escriptorio. Não por exemplo «ouvistaste?» em vez de
digo que tu própria tenhas dado por «ouviste». Quando saía para engraxar
isso; mas dei eu, ou, pelo menos, os sapatos, dizia-me: «-Eu já venho,
julguei dar por isso. Oxalá me tenha vou lavar os pés por fora». Um dia
enganado... mandou-me um bilhetinho assim: « O
meu amor é pequenino, tem calcinhas
Olha, filhinha: não vejo nada claro cor-de-rosa» Eu li aquilo e fiquei
no futuro. Quero dizer: não vejo o que indignada. Quando saímos, disse-lhe
vãe haver, ou o que vãe ser de nós, zangada: «Ó Fernando, como é que
dado, de mais a mais, o teu feitio de você sabe que eu tenho calcinhas cor-
cederes a todas as influencias de de-rosa ou não, você nunca viu...»
familia, e de em tudo seres de uma (tanto nos tratávamos por tu como por
opinião contraria á minha. No você). E ele respondeu-me assim a rir:
escriptorio eras mais dócil, mais meiga, « Não te zangues, Bebé, é que todas as
mais amorável. bebés pequeninas têm calcinhas cor-
de-rosa...»

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Fernando Pessoa

que havia sido mais uma ilusão de


FERNANDO PESSOA POR óptica, das que sempre estão a
acontecer sem que lhes prestemos
SARAMAGO atenção, ou que o último copo de
aguardente lhe assentara mal no
25 de Novembro de 1995- Diário III- in fígado e na cabeça, mas, a
Cadernos de Lanzarote- José Saramago,
ed. Círculo de Leitores, páginas 187-189
cautela, deu um passo atrás para
confirmar se, como é voz
Sobre Fernando Pessoa corrente, os espelhos não se
enganam quando mostram. Pelo
"Era um homem que sabia idiomas menos este tinha-se enganado:
e fazia versos. Ganhou o pão e o havia um homem a olhar de
vinho pondo palavras no lugar de dentro do espelho, e esse homem
palavras, fez versos como os não era Fernando Pessoa. Era até
versos se fazem, isto é, um pouco mais baixo, tinha a cara
arrumando palavras de uma certa a puxar para o moreno, toda ela
maneira. Começou por se chamar rapada. Num movimento
Fernando, pessoa como toda a inconsciente, Fernando levou a
gente. Um dia lembrou-se de mão ao lábio superior, depois
anunciar o aparecimento iminente respirou com infantil alívio, o
de um super-Camões, um Camões bigode estava lá. Muita coisa se
muito maior do que o antigo, mas, pode esperar de figura que
sendo uma criatura apareçam nos espelhos, menos
conhecidamente discreta, que que falem. E como estes,
soía andar pelos Douradores de Fernando e a imagem que não era
gabardina clara, gravata de sua, não iriam ficar ali
lacinho e chapéu sem plumas, não eternamente a olhar-se, Fernando
disse que o super-Camões era ele Pessoa disse: "Chamo-me Ricardo
próprio. Ainda bem. Afinal um Reis". O outro sorriu, assentiu com
super-Camões não vai além de ser a cabeça e desapareceu. Durante
um Camões maior, e ele estava de um momento, o espelho ficou
reserva para ser Fernando vazio, nu, mas logo a seguir outra
Pessoas, fenómeno nunca antes imagem surgiu, a de um homem
visto em Portugal. Naturalmente a magro, pálido, com aspecto de
sua vida era feita de dias, e dos quem não vai ter muita vida para
dias sabemos nós que são iguais gozar. A Fernando pareceu-lhe
mas não se repetem, por isso não que este deveria ter sido o
surpreende que em um desses, ao primeiro, porém não fez qualquer
passar Fernando diante de um comentário, só disse: "Chamo-me
espelho, nele tivesse percebido, Alberto Caeiro". O outro não
de relance, outra pessoa. Pensou sorriu, acenou apenas,

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Fernando Pessoa

frouxamente, concordando, e foi- se interessou por saber patra que


se embora. Fernando Pessoa os quis ele, assim se vêm
deixou-se ficar à espera, sempre ignorando ou desprezando as
tinha ouvido dizer que não há últimas vontades dos moribundos,
duas sem três. A terceira figura mas parece bastante plausível que
tardou uns segundos, era um a sua intenção fosse olhar-se num
homem do tipo daqueles que têm espelho para saber quem
saúde para dar e vender, com o ar finalmente lá estava. Não lhe deu
inconfundível de engenheiro tempo a parca. Aliás, nem espelho
diplomado em Inglaterra. havia no quarto. Este Fernando
Fernando disse: "Chamo-me Álvaro Pessoas nunca chegou a ter
de Campos", mas desta vez não verdadeiramente a certeza de
esperou que a imagem quem era, mas por causa dessa
desaparecesse do espelho, dúvida é que nós vamos
afastou-se ele, provavelmente conseguindo saber um pouco mais
cansado de ter sido tantos em tão quem somos".
pouco tempo. Nessa noite,
madrugada alta, Fernando Pessoa
acordou a pensar se o tal Álvaro
de Campos teria ficado no
espelho. Levantou-se e o que
estava lá era a sua própria cara.
Disse então: "Chamo-me Bernardo
Soares", e voltou para a cama. Foi
depois destes nomes e alguns mais
que Fernando achou que era hora
de também ser ridículo e escreveu
as cartas de amor mais ridículas
do mundo. Quando já ia muito
adiantado nos trabalhos de
tradução e de poesia, morreu. Os
amigos diziam-lhe que tinha um
grande futuro à sua frente, mas
ele não deve ter acreditado, tanto
que decidiu morrer injustamente
na flor da idade, aos 47 anos,
imagine-se. Um momento antes
de acabar, pediu que lhe dessem
os óculos: "Dá-me os óculos",
foram as suas formais e finais
palavras. Até hoje nunca ninguém

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Fernando Pessoa

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela


minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que
corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela
minha aldeia.
Retrato do poeta quando jovem
O Tejo tem grandes navios
Há na memória um rio onde navegam E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá
Os barcos da infância, em arcadas
não está,
De ramos inquietos que despregam
A memória das naus.
Sobre as águas as folhas recurvadas.
O Tejo desce de Espanha
Há um bater de remos compassado
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
No silêncio da lisa madrugada,
Mas poucos sabem qual é o rio da
Ondas brancas se afastam para o lado minha aldeia
Com o rumor da seda amarrotada. E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso porque pertence a menos
Há um nascer do sol no sítio exacto,
gente,
À hora que mais conta duma vida, É mais livre e maior o rio da minha
Um acordar dos olhos e do tacto, aldeia.
Um ansiar de sede inextinguida.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
Há um retrato de água e de quebranto
E a fortuna daqueles que a encontram.
Que do fundo rompeu desta memória, Ninguém nunca pensou no que há para
E tudo quanto é rio abre no canto além
Que conta do retrato a velha história. Do rio da minha aldeia.

O rio da minha aldeia não faz pensar em


nada.
(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
Lisboa, 1981. 3ª edição)- José Saramago
Alberto Caeiro/Fernando Pessoa

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