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Resumo
O estabelecido pelo Tratado de Madri de 1750, mesmo sendo posteriormente anulado,
foi decisivo na legitimação do processo de expansão territorial da América Portuguesa.
A demarcação da nova divisa de fronteira, contudo, deflagrou diversos conflitos com os
jesuítas das missões do Grão-Pará e Paraguai, resultando na expulsão da Companhia de
Jesus do reino e colônias de Portugal, em 1759. O nosso objetivo é discutir de que
modo a ação dos matemáticos jesuítas na corte imperial da China no século XVIII
possibilitou fornecer, paradoxalmente, a fundamentação técnica dos argumentos
reivindicatórios ao direito de posse dos territórios a serem incorporados aos domínios da
Coroa de Portugal.
Abstract
The terms that were established by the Treaty of Madrid in 1750 -even if the Treaty was
later annulled- were decisive in legitimizing the process of territorial expansion by the
Portuguese America. However, the demarcation of the new border resulted in various
conflicts with the Jesuits missions in Paraguay and the Amazon. Resulting in the
expulsion of the Society of Jesus of Portuguese Kingdom and its colonies, in 1759. Our
goal is to discuss how the action of Jesuits in the court of imperial China in the
eighteenth century had provided the basis for the technical arguments that made claim
to the possession of the territories incorporated into the Portuguese America.
∗
Universidade Estácio de Sá – Rio de Janeiro
Doutor em História – UFF
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Tratado de paz perpétua celebrado entre o rei de Portugal Afonso V e os reis de Castela e
Aragão; assinado em Alcáçovas, Portugal, em 4 de Setembro de 1479, e ratificados em
Toledo, 6 de março de 1480. (Cf. RAMOS-COELHO, 1892: 42-5).
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desta bula, os representantes dos reis ibéricos se reuniram na cidade de Tordesilhas, a fim
de se chegar a um consenso. Os representantes de Portugal propuseram que a linha
divisória fosse deslocada para oeste, passando de 100 para 370 léguas de Cabo Verde.
Como para os representantes espanhóis este avanço se daria somente sobre o mar, a
proposta encaminhada em nome do rei de Portugal foi aceita, resultando na assinatura do
Tratado de Tordesilhas, em 7 de junho de 1494.
Contudo, ao se transferir a raia divisória de paralelo para meridiano criou-se um
problema insolúvel para a época. Apesar de já bem desenvolvido o processo do cálculo
da latitude, era ainda praticamente impossível a determinação precisa da longitude2.
Este obstáculo, além da imprecisa maneira em que o tratado foi redigido (Cf Tratado de
Tordesilhas. In CORTESÃO, 1956: 3-21), possibilitou o avanço dos portugueses não só
sobre áreas onde se havia dúvidas a qual Coroa pertenceria, como também sobre
territórios que, incontestavelmente, estavam dentro dos domínios da Espanha.
Em setembro 1519, dando início à primeira viagem de circunavegação da Terra,
Fernão de Magalhães, português a serviço de Espanha, partiu de Sevilha no comando de
uma pequena expedição em demanda ao arquipélago das Molucas, centro produtor de
cravos, pela rota ocidental. A expedição espanhola conseguiu chegar ao almejado
arquipélago em novembro deste mesmo ano. Contudo, somente dezoito homens em uma
única embarcação, sob o comando de Sebastião Del Cano, conseguiram retornar à
Espanha, em 1522.
Sabedor da presença espanhola nas Molucas, D. João III, rei de Portugal,
questionou junto a Carlos V, seu primo e rei de Espanha, o direito dele em tomar posse
deste arquipélago. Alegava que o estabelecido por este Tratado não se restringia
unicamente à partilha das Índias Ocidentais. Devido à esfericidade da Terra, o
prolongamento deste meridiano, o contra meridiano, dividiria o espaço de domínio
português e espanhol também no Oriente. Apesar de não haver como fazer, na época,
2
Até o início do século XVIII, a determinação da longitude estava fora de alcance dos
navegadores, que conseguiam somente estimá-la em função da distancia percorrida em um
determinado rumo. Em terra, era feita por um complexo processo de determinação do
momento de conjunções planetárias, principalmente da Lua. No início do século XVII,
Galileu (1564-1642) desenvolveu um método de calcular a longitude a partir dos eclipses
das luas de Júpiter que ocorrem de forma previsível. O método desenvolvido por Galileu foi
aperfeiçoado Cassini (1625-1712), astrônomo e astrólogo do rei de França Luís XIV, que
foi também o primeiro diretor do observatório de Paris, inaugurado em 1671. No mar, o
problema só ficou resolvido em 1762, quando o inglês John Harrison inventou um relógio
que, mesmo oscilando, mantinha um erro de apenas um segundo por mês. (Cf BRANDÃO:
2008)
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3
Macau está situada no sul da China, em uma península na parte meridional da ilha de Hiasan,
no Golfo de Cantão. Após a concessão de Macau aos portugueses, em 1557, os chineses não
permitiram que nenhuma outra nação européia se estabelecesse na China. Durante a União
Ibérica, em 1622, os holandeses prepararam uma grande expedição para tomar Macau. Contudo,
os portugueses conseguiram resistir aos diversos assaltos. Apesar dos holandeses, em 1624,
terem conseguido se instalar em Formosa, em 1661 o célebre corsário Coxinga os expulsa
definitivamente, deixando aos portugueses o privilégio único de ter uma colônia na China. (Cf.
CLEMENTS, 2005).
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à missão diplomática enviada pelo rei de Portugal, Pedro II, a corte do imperador
Kangxi. “A actuação do Pe. Verbiest, nessas negociações, saldou-se para Portugal
deveras positivamente na medida em que ele tinha um particular reconhecimento pela
acção missionária que a Coroa portuguesa vinha implementando também em terra da
China”. (MATOS, 1999: 158-9). Ao ganhar confiança e admiração do imperador, é
nomeado, em 1669, Presidente do Tribunal das Matemáticas de Pequim. A partir de
1672 acumula a direção do observatório astronômico de Pequim.
Contudo, no ano seguinte, em 1673, o papa Clemente X emite um breve
reafirmando os termos da bula de Urbano VIII de 21 de fevereiro de 1633, autorizando
os membros das ordens religiosas e do clero secular de embarcarem para as regiões sob
o domínio do Padroado Português em navios e portos que não fossem necessariamente
portugueses. Desta maneira, a Santa Sé retirava do rei de Portugal a prerrogativa de
escolher os missionários que partiriam para seus domínios ultramarinos.
Neste mesmo ano, o jesuíta português Antonio Viera alerta, em carta de Roma,
ao representante português em Paris de que o rei de França estava agindo junto a Santa
Sé para obstruir os privilégios da Coroa de Portugal, concedidos pelo Padroado.
Por outro lado, o jesuíta flamengo Verbiest passa então agir, na China, como um
verdadeiro agente do rei de França, apesar de militar dentro dos domínios do Padroado
Português.
produtos franceses. Apesar desta nova rota mercantil não ter sido estabelecida, e mesmo
após a morte de Verbiest em 1688, o trabalho dos astrônomos matemáticos jesuítas
franceses teve continuidade.
No início do século seguinte, em 1701, a França se vê novamente em estado de
beligerância com a Inglaterra na Guerra de Sucessão Espanhola, consequencia da morte
de Carlos II de Espanha, que legou em testamento a sucessão do trono espanhol para
Felipe de Anjou, neto de Luis XIV. Devido aliança estabelecida, o rei de Portugal,
Pedro II, se vê obrigada a acompanhar a Inglaterra contra a França neste conflito que se
estenderá por grande parte da Europa Ocidental. Em 1713 é assinada o Tratado de
Utrecht, onde é reconhecido o direito da dinastia Bourbon em suceder a Habsburgo no
trono de Espanha.
Contudo, para ter seu neto no trono da Espanha, o Rei Sol fez grandes
concessões à Inglaterra. Portugal, aliado desta, acabou também beneficiado em questões
de fronteiras na América. Com a França obteve o reconhecimento do rio Oiapoque
como a fronteira natural entre o Brasil e a Guiana. Por parte da Espanha, obteve a
devolução da Colônia de Sacramento, fundada pelos portugueses em 1680 no estuário
do Rio da Prata, e tomada pelos espanhóis em 1704.
Felipe V, casado em primeiras núpcias com Maria Luisa de Sabóia, com ela teve
seu sucessor Fernando VII, que veio a casar com a Infanta de Portugal, D. Maria
Bárbara. Falecida Maria Luísa de Sabóia em 1714, Felipe V casa então com a filha do
Duque de Parma, Isabel Farnésio, “que via com maus olhos a influência que sobre
Fernando, príncipe das Astúrias, exercia a corte de Lisboa, por intermédio de sua
mulher, D. Maria Bárbara” (Peres e Ribeiro, 1934:190). Em 1735, um incidente menor,
o refúgio de um prisioneiro em fuga no palácio da embaixada de Portugal em Madri,
devido à interferência falaciosa da rainha acabou por resultar em um grave conflito
entre as duas Coroas. Apesar de não se chegar à declaração de guerra, houve combates
no Rio da Prata, onde a Colônia de Sacramento foi sitiada pelo Governador Salcedo, de
Buenos Aires.
Com a intermediação da Inglaterra, França e Holanda, em 16 de março de 1737
é assinado em Paris um convênio de restauração das relações entre Portugal e Espanha,
dispondo o encerramento das hostilidades na América.
Com a morte de Felipe V em 1746, o Príncipe das Astúrias assume o trono de
Espanha como Fernando VI. Maria Bárbara, agora rainha de Espanha, pode então agir
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De posse, então, dos precisos mapas da China feitos sob a égide de Luis XIV,
bisavô do rei de Espanha, pode Alexandre de Gusmão sustentar sua reivindicação do
princípio do utis-possidetis. Assim, em troca da cessão definitiva da posse das Filipinas
e da Colônia de Sacramento, propunha um novo espaço territorial para a América
Portuguesa. Este teria como limite extremo meridional o regato que sai ao pé do Monte
de Castilhos Grande, a partir de onde a linha de fronteira seguiria em direção à Lagoa
Mirim, ao rio Negro, ao rio Ibicuí, até sua foz no rio Uruguai. Após subir por este, a
linha de fronteira se estenderia de tal modo que não só englobasse a região das minas do
Cuiabá, no centro-oeste, como também a maior parte da bacia amazônica, na região
norte, a favor da América Portuguesa.
Procurando justificar sua proposta, Gusmão argumentou que os rendimentos
auferidos pela Espanha com a posse das Filipinas seriam muito superiores aos
futuramente auferidos por Portugal nos novos territórios, por ele reivindicados.
Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro marquês de Pombal. (Cf. PERES e RIBEIRO,
1935:195; SORIANO, 1867:195).
Com a instauração do conflito entre Pombal e os jesuítas em decorrência da demarcação
da nova fronteira, Gusmão, segundo testemunho do P. Balthazar da Silva Lisboa, chegou alertar
ao padre jesuíta José Moreira o perigo que corria a Companhia de Jesus em Portugal e “que se a
Companhia não tivesse obstado a sua elevação ao Ministério, para o qual preferiria a Sebastião
José de Carvalho, elle a havia de conservar, sollicitando apenas a reforma de seus estatutos”.
Os jesuítas, contudo, não deram créditos ao alerta de Gusmão do risco que a Companhia de
Jesus iria correr em Portugal com a ascensão de Sebastião José de Carvalho ao Ministério e
“zombou da profecia da sua extinção, visto o seu credito, idade, e confirmação” (LISBOA,
1835:254).
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CLEMENTS, Jonathan. O Rei Pirata: Coxinga e a queda da dinastia Ming. São Paulo:
Madras, 2005.
FERREIRA, Maria Emília Cordeiro. “Tratado de Saragoça”. In Joel Serrão (org.) Dicionário
de História de Portugal. Lisboa: Iniciativa Ed., 1963, v. 3, pp. 791-2.
LISBOA, Balthazar das Silva. Annaes do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Segnot-Plancher,
1835.
MATOS, Manuel Cadafaz de. “Ferdinand Verbiest. A defesa dos interesses da Coroa
Portuguesa em Macau e o contributo dado à história da imprensa missionária”.
Revista Camões. Lisboa: Min. Dos Negócios Estrangeiros, n° 7, 1999, pp156-175.
potencias do mundo desde o século XVI até os nossos dias. Lisboa: Academia
Real de Sciencias de Lisboa, 1810, t. 14, p. 158: