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Avaliação do desempenho da atenção

ARTIGO ARTICLE
básica no Estado de São Paulo

Care performance assessment of primary


health care services in the State of São Paulo

Nelson Ibañez 1
Juan S. Yazle Rocha 2
Paulo Carrara de Castro 1
Manoel Carlos Sampaio de Almeida Ribeiro 1
Aldaisa Cassanho Forster 2
Maria H. D. Novaes 3
Ana Luiza d’Avila Viana 3

Abstract The objective of this article is to pre- Resumo O objetivo do artigo é apresentar os re-
sent the results of the care performance assess- sultados da avaliação de desempenho da atenção
ment of primary care services in a selected sample nos serviços de Atenção Básica numa amostra se-
of municipalities with more than 100 thousand lecionada de municípios do Estado de São Paulo
inhabitants in the State of São Paulo. These mu- com mais de 100 mil habitantes agrupados em
nicipalities were grouped into clusters. Patients clusters, por meio de questionários específicos
and primary care providers from traditional units abordando oito dimensões da atenção básica. A
and Family Health Programs (FHP) were inter- avaliação feita por usuários e acompanhantes
viewed using specific questionnaires which cov- aponta o índice geral de 50%, o que qualifica co-
ered the eight dimensions of primary care. Regard- mo pouco satisfatória. Quanto à análise por di-
ing the assessment made by Patients and Com- mensões há maior nível de satisfação nos clusters
panions, the general index obtained was 50%, com indicadores sociais mais favoráveis em todas
which in a way qualifies it as not very satisfacto- as dimensões estudadas, com exceção de elenco de
ry. As for the analysis by dimensions, there is a serviços e orientação comunitária. Em relação à
greater level of satisfaction in the clusters with avaliação dos trabalhadores da saúde de unida-
more favorable social indicators in all the studied des tradicionais e PSF, mostrou que os profissio-
dimensions except for the Services Available and nais que trabalham no PSF avaliam o desempe-
Community Advising. Regarding the assessment nho como sendo melhor. Nos municípios com indi-
made by primary care providers in traditional cadores sociais menos favoráveis é possível eviden-
1 Departamento de
units and FHP, the primary care providers who ciar que as dimensões vínculo, elenco de serviços,
Medicina Social, Faculdade work in the FHP evaluate the performance as bet- enfoque familiar e orientação comunitária foram
de Ciências Médicas da ter. In municipalities with less favorable social in- mais bem avaliadas pelos profissionais do PSF.
Santa Casa de São Paulo. dicators, it is possible to evidence that the dimen- Palavras-chave Atenção Básica, Avaliação de
Rua Dr. Cesário Motta Jr.,
61/5o andar, Vila Buarque, sions of linkages, services available, family focus- desempenho, Programa de Saúde da Família
0122-010 São Paulo SP. ing and community advising were better assessed
nibanez@butantan.gov.br by the FHP providers.
2 Departamento de
Medicina Social, Key words Primary care, Performance assess-
Faculdade de Medicina ment, Family Health Program
de Ribeirão Preto.
3 Departamento de
Medicina Preventiva,
Faculdade de Medicina, USP.
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Ibañez, N. et al.

Apresentação de 1990 a 2001 mostra que, apesar do cresci-


mento no número de estudos, apenas 9% des-
Este artigo se insere na série de estudos realiza- tes discutem a APS na perspectiva do sistema
dos no Brasil a partir do projeto proposto pelo de saúde, sendo a maioria com enfoque clínico
Ministério da Saúde – “Monitoramento e Ava- ou de serviços de saúde3.
liação do Projeto de Expansão e Consolidação Ao se referir a este tema, Almeida et al.4 di-
do Saúde da Família (Proesf) para o Desenvol- zem que se podem identificar quatro tipos de
vimento de Estudos Avaliativos – Linhas de Ba- pesquisas: 1) estudos de caso, incluindo teses
se – de Municípios” (Estudo I) e “Estudo Amos- de doutorado ou mestrado, sobre a implemen-
tral do Impacto do Proesf ” (Estudo II). tação de um programa específico ou de uma
O estudo envolvendo os 62 municípios com política de atenção básica; 2) grandes pesquisas
mais de 100 mil habitantes no Estado de São sobre a implementação do Programa de Saúde
Paulo foi desenvolvido por um consórcio coor- da Família (PSF) em vários municípios (que é
denado pela Faculdade de Medicina da USP, a maioria); 3) pesquisas sobre o funcionamen-
envolvendo mais cinco instituições de ensino e to de um serviço específico ou processo de tra-
pesquisa (Faculdade de Medicina de Ribeirão balho na atenção básica, como trabalho em equi-
Preto/USP; Cealag – Departamento de Medici- pe, ou ainda atenção a uma doença especifica;
na Social FCMSCSP; Cedec; Fundação Vanzo- e 4) análises históricas sobre o desenvolvimen-
lini/USP; UFRJ). to da política de atenção básica ou de progra-
mas especiais (principalmente o Programa de
Agentes Comunitários de Saúde – Pacs e PSF).
Introdução A compreensão da atenção básica está per-
meada pelas dimensões econômica, políticas e
Na análise da trajetória histórica da Atenção culturais inerentes ao campo da saúde. Por este
Primária em Saúde (APS) no Brasil nos últimas motivo, buscar o seu significado no âmbito da
décadas, Fausto1 identifica três fases na ação go- política de saúde exige um resgate histórico e
vernamental e produção de conhecimentos. Uma político de sua conformação, o que nos permi-
primeira, centrada no desenvolvimento de pro- te capturar sua representação à luz dos diferen-
gramas docente-assistencial e de extensão de tes atores sociais, seus interesses e finalidades,
cobertura e estudos pioneiros sobre medicina em diferentes contextos e épocas.
preventiva e análise de programas orientados No Brasil, uma das raízes da atenção pri-
pelos princípios da medicina comunitária. Na mária em saúde está relacionada ao movimen-
segunda fase a perspectiva da ação se desloca to da medicina preventiva, desencadeado com
para os sistemas locais de saúde e definição de maior vigor a partir da reforma do ensino mé-
princípios e estratégias para a reforma sanitá- dico norte-americano, nos anos 40.5
ria, e os estudos enfocam mais a democratização, Partindo de uma abordagem integral, a me-
universalização e descentralização no campo da dicina preventiva propôs uma atenção em que
saúde, com uma retração nos estudos da APS. A o indivíduo sob assistência médica deveria ser
fase mais recente se caracteriza por dois mo- considerado a partir das interfaces sociais, cul-
mentos, com um foco inicial na descentraliza- turais de sua realidade. A atenção médica, em
ção das ações de saúde e proposição de progra- sua fase inicial, deveria se fazer mais próxima
mas seletivos inseridos na atenção primária e o do ambiente sociocultural dos indivíduos e fa-
posterior desenvolvimento do Programa de Saú- mílias, o que respaldaria sua intervenção para a
de da Família como estratégia de reorientação do prevenção e controle do adoecimento. Esta con-
modelo de atenção do Sistema Único de Saúde cepção será fundamental para formar a base
(SUS), que passa e ter ênfase na atenção primária. das práticas de atenção primária em saúde, con-
Levcovitz et al.2 observam, referenciando- jugando duas questões essenciais: a atenção que
se às novas políticas de reorientação do mode- se faz em primeiro lugar e que se faz mais pró-
lo de atenção a partir do PSF e aos dilemas en- xima do cotidiano, do ambiente sociocultural
frentados no processo de desenvolvimento des- dos indivíduos e das famílias.
tas, o crescimento dos estudos sobre o próprio O conjunto de idéias formulado pela medi-
programa e a discussão mais ampliada sobre a cina preventiva influenciou de maneira impor-
vigilância à saúde. tante uma série de medidas e propostas de
No entanto, uma revisão sobre as publica- atenção primária em saúde, principalmente a
ções científicas sobre APS no Brasil no período partir dos anos 60. Formou-se, então, uma cul-
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tura sobre os diferentes momentos da atenção, dios, está associada à resposta governamental
em que a atenção primária se localiza na fase ini- para enfrentamento do custo da assistência mé-
cial do cuidado, antecedendo e definindo uma sé- dica, focada na aplicação de maior racionalida-
rie de outros cuidados que deverão ser ofertados de no uso dos serviços de saúde de forma a tor-
por outros níveis de atenção mais complexos. ná-los mais produtivos, menos custosos e mais
A atenção primária em saúde surge, por- abrangentes.
tanto, de um movimento de formação médica Os aspectos econômicos, políticos e ideoló-
e só posteriormente será remetida ao campo de gicos que permeiam as práticas no campo da
competências dos serviços de saúde e a organi- saúde produziram distintas interpretações e
zação de suas ações. Sob o signo da medicina abordagens sobre o significado da atenção bá-
preventiva, a medicina comunitária fundamen- sica nos diferentes sistemas de saúde. Além des-
tou e desenvolveu a atenção primária através ses aspectos, o termo “primário”, que tem cu-
de programas docente-assistenciais, concilian- nhado a noção de atenção básica, traz em si di-
do formação médica e ações de saúde com a ferentes possibilidades explicativas, o que pro-
comunidade. Estas experiências provocaram voca confusão, ambigüidade e falta de consen-
uma extensa reflexão a respeito da insuficiência so em torno de seus propósitos.
e desigualdade na distribuição e uso dos recur- Estas questões intrínsecas às características
sos em saúde, principalmente no que se refere da atenção básica têm implicações importantes
à exclusão dos grupos sociais mais vulneráveis. na forma como os sistemas de saúde enfrentam
Se os anos 60 foram marcados pela disse- e encaminham suas ações. Tarimo & Webster7
minação do ideário da medicina preventiva e relacionam diferentes definições e formas de
das práticas de atenção primária oriundas prin- interpretação sobre atenção básica desenvolvi-
cipalmente do meio acadêmico, os anos 70 se da ao longo do tempo e em diferentes lugares,
destacaram pela institucionalização de progra- as quais, para os autores, significam interpreta-
mas nessa linha. É assim que a atenção primá- ções incompletas ou até mesmo errôneas a res-
ria ganha espaço na agenda governamental, peito dos princípios fundamentais do cuidado
tendo a Organização Mundial da Saúde (OMS) primário em saúde.
como uma das principais agências difusoras De acordo com os autores, cuidado primá-
deste ideário, juntamente com outros organis- rio em saúde pode ser entendido:
mos de cooperação internacional, culminando 1. somente como community-based health ca-
com a Conferência de Alma-Ata em 1979, em re, sem a perspectiva de alteração nos demais
que a APS foi considerada a principal estraté- níveis do sistema de saúde, como requereria uma
gia para se atingir o objetivo de “Saúde para to- abordagem mais ampla da atenção primária;
dos no ano 2000”6. 2. principalmente como primeiro nível de con-
Os programas de extensão de cobertura fo- tato dos indivíduos e comunidades com o sis-
ram os principais mecanismos de veiculação da tema de saúde, com pouca ênfase aos princípios
medicina comunitária e, nessa perspectiva, a subjacentes aos cuidados primários em saúde;
atenção primária era interpretada como um 3. somente para os pobres nos países em de-
conjunto de ações elementares que todos os senvolvimento, que não dispõem de recursos
serviços de saúde, até os mais simples, deve- próprios para acessar serviços médicos;
riam estar capacitados para prover. No centro 4. como núcleo de um conjunto de serviços de
destas ações estava a atenção médica, e a execu- saúde, sendo estabelecido um “mínimo” de ati-
ção das práticas de promoção da saúde era fun- vidades consideradas essenciais que o sistema
damentalmente promovida por pessoas vincu- de serviços de saúde deve prover, podendo ha-
ladas às próprias comunidades, treinadas pelos ver a exclusão de outros elementos importan-
profissionais de saúde. tes para o cuidado em saúde;
O histórico das abordagens nesta área apon- 5. dirigido somente para áreas rurais, com in-
ta a emergência da atenção como mecanismo tervenções simples, low-tech, feitas por traba-
de ampliação de acesso aos serviços indispen- lhadores de limitado conhecimento e treinamen-
sável para a manutenção da saúde dos indiví- to, fazendo oposição aos médicos, hospitais e
duos. Como primeiro nível de atenção deve co- ao uso de tecnologias modernas;
nectar-se a outros níveis do cuidado, pressu- 6. como um cuidado de baixo custo, visto co-
pondo uma rede integrada de serviços de saú- mo um caminho relativamente barato para de-
de. Por outro lado, a institucionalização das prá- senvolver sistemas de saúde, principalmente em
ticas de atenção primária, desde seus primór- países pobres.
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Ibañez, N. et al.

Considerando a diversidade de sistemas de ções e na escolha de projetos de mais baixo cus-


serviços de saúde existentes, Vuori, apud Star- to e de curto prazo a serem financiados. A per-
field,8 apresenta quatro diferentes pontos de petuação da situação de crise econômica mun-
compreensão sobre a atenção básica: um con- dial nos anos 90 acirrou a tensão entre custo e
junto de atividades, um nível de assistência, qualidade dos sistemas de saúde. Muitos países
uma estratégia de organização do sistema de encaminharam mudanças na condução de sua
serviços e uma filosofia. Para a autora, as cita- política, tornando-se a questão da eficiência e
das interpretações sobre a atenção básica não do bom desempenho dos sistemas de saúde a
são excludentes e podem coexistir em um mes- pedra de toque das reformas propostas.
mo sistema de saúde. A autora parte da com- Neste cenário, o “paradigma da economia da
preensão de que não existe uma única forma de saúde”, baseado nos princípios da focalização
delimitação das práticas primárias em saúde. e da seletividade, ganhou destaque na agenda
Mas, a atenção primária, ao se apresentar co- dos organismos de cooperação internacional e
mo um conjunto de funções combinadas, é ex- passou a orientar a ação de instituições como o
clusiva e caracteriza este nível de atenção. É Banco Mundial, principal difusor dessas idéias.
uma abordagem que forma a base e determina O Banco Mundial defendia a idéia de “ces-
o trabalho de todos os outros níveis do sistema tas básicas” de serviços de saúde, sugerindo que
de saúde, organizando e racionalizando o uso o setor público deveria prover um conjunto
de todos os recursos, tanto básicos como espe- mínimo de ações essenciais aos que não pudes-
cializados, direcionados para a promoção, ma- sem arcar individualmente com os gastos em
nutenção e melhora da saúde. Macinko e Star- saúde. A cesta era composta tipicamente por
field9 elaboraram a seguinte definição para aten- ações classificadas como tecnologias simples e
ção primária: Aquele nível de um sistema de ser- de alto impacto, como vacinação, pré-natal,
viço de saúde que funciona como porta de entra- ações de promoção e prevenção da saúde, ou
da no sistema, atendendo a todas as necessidades seja, o mesmo conjunto de ações que compõem
e problemas de saúde da pessoa (não direciona- a atenção primária desde sua origem. As de-
das apenas para a enfermidade), ao longo do mais ações em saúde, especialmente aquelas de
tempo, fornece atenção para todas as condições, diagnóstico e terapia que implicam maior cus-
exceto as muito incomuns ou raras, e coordena to, deveriam ser ofertadas pelo setor privado11.
ou integra os outros tipos de atenção fornecidos Embora se considere a diversidade de pro-
em algum outro lugar ou por terceiros. Assim, é postas para o setor de saúde entre os países, em
definida como um conjunto de funções que, com- termos gerais as reformas que vêm ocorrendo
binadas, são exclusivas da atenção primária... A em muitos sistemas nacionais são motivadas
atenção primária aborda os problemas mais co- por alguns pontos centrais: a questão dos cus-
muns da comunidade oferecendo serviços de pre- tos da assistência médica, a busca por maior efi-
venção, cura e reabilitação... Ela integra a aten- ciência dos sistemas de saúde e a questão da
ção quando existem múltiplos problemas de saú- descentralização das atividades e responsabili-
de... É a atenção que organiza e racionaliza o uso dades compartilhadas entre as esferas governa-
de todos os recursos, tanto básicos como especia- mentais, o setor privado e os indivíduos. Estas
lizados, direcionados para a promoção, manu- reformas trazem alterações importantes na for-
tenção e melhora da saúde. ma de alocação de recursos na área de assistên-
Outro aspecto importante levantado por cia médica com vistas à redução dos gastos com
diferentes autores relaciona-se à seletividade atenção hospitalar, ao uso racional de recursos
que caracteriza a atenção primária no cenário tecnológicos mais especializados e maior incre-
de crise econômica da década de 1980 e a emer- mento das ações de promoção e prevenção am-
gência dos governos neoliberais nos países de- bulatorial, domiciliar e comunitária, tipicamen-
senvolvidos, de onde derivam boa parte das te enfatizadas na atenção primária12.
agências que apóiam projetos de ajuda ao de- Além da preocupação com os resultados
senvolvimento de países pobres, o que colabo- em saúde, é importante dizer que o resgate da
rou para a disseminação de programas seleti- atenção primária se situa na atual questão de
vos de atenção primária.10 viabilidade dos sistemas de saúde. Os crescen-
As políticas de ajuste estrutural e as idéias tes custos da atenção à saúde têm levado gover-
sobre reforma do Estado traziam como alvo a nos e instituições privadas que atuam no setor,
redução de gastos públicos, o que influenciou tanto em países desenvolvidos ou em vias de
no arrefecimento das generosidades entre na- desenvolvimento, a experimentar reformas em
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seus sistemas colocando a atenção primária co- em unidades de atenção básica, sejam elas refe-
mo ponto central para melhorar a capacidade ridas a equipes PSF ou não. Há necessidade de
de resposta dos serviços de saúde, buscando instrumentos ágeis e efetivos para uma avalia-
prevenir os problemas de saúde ou tratá-los de ção organizacional e de desempenho da AB em
maneira mais efetiva. O outro lado da moeda é nível local diante dos atuais instrumentos go-
a busca por melhores resultados na redução vernamentais existentes.
das internações hospitalares ou na redução do A estratégia do estudo desenvolvido nos
uso de procedimentos terapêuticos mais sofis- municípios de São Paulo a partir do projeto
ticados, que implicam maior custo para o siste- proposto pelo Ministério da Saúde foi utilizar
ma de saúde13. para uma amostra dos municípios de São Pau-
A atenção básica como componente estra- lo os mesmos instrumentos elaborados no tra-
tégico da organização dos serviços de saúde de- balho já citado de Almeida et al. considerando
penderá, portanto, da capacidade de articula- as seguintes dimensões:
ção dos recursos essenciais para o enfretamen- Acesso: envolve a localização da unidade de
to de problemas de saúde em todos os seus ní- saúde próxima da população a qual atende, o
veis de complexidade. Nesta direção, uma ou- horário e os dias em que está aberta para aten-
tra lógica de construção do sistema de saúde der, e o grau de tolerância para consultas não-
precisa ser assumida de forma que possibilite agendadas.
maior flexibilidade das suas estruturas organi- Porta de entrada: implica acesso e uso do
zacionais em cada território e de um aporte tec- serviço a cada novo problema pelos quais as
nológico que se aproxime, o quanto for possível, pessoas buscam atenção à saúde;
das necessidades apresentadas pela população. Vínculo (ou longitudinalidade): pressupõe
No Brasil, também, são apresentadas dife- a existência de uma fonte regular de atenção e
rentes interpretações para a APS. Os cuidados seu uso ao longo do tempo. Assim a unidade
primários de saúde, ao assumirem, na primeira de atenção primária deve ser capaz de identifi-
metade da década de 1980, um caráter de pro- car a população adscrita, bem como os indiví-
grama de medicina simplificada para os pobres duos dessa população, que deveriam receber
de áreas urbanas e rurais, em vez de uma estra- atendimento na unidade, exceto quando for
tégia de reorientação do sistema de serviços de necessário realizar uma consulta especializada
saúde, acabou por afastar o tema do centro das ou fazer um encaminhamento. Além disso, o
discussões à época14. vínculo da população com a unidade de saúde
Ainda hoje, persiste a acepção de programa deveria estar refletido em fortes laços interpes-
focalizado, apesar da “superioridade conceitual soais que refletissem a cooperação mútua en-
da versão da Atenção Primária como estratégia tre as pessoas da comunidade e os profissio-
de reformulação de todo o sistema de saúde”15. nais de saúde;
Pragmaticamente, pode-se adotar a conceitua- Integralidade (ou elenco de serviços): im-
ção de estratégia para o reordenamento do ní- plica que as unidades de atenção primária de-
vel de atenção primária, com potencial de cata- vem estabelecer arranjos para que o paciente
lisar o reordenamento dos outros níveis. receba todo tipo de serviço de atenção à saúde.
O Ministério da Saúde brasileiro definiu a Isto inclui o encaminhamento para consultas
atenção básica, em 1999, como um conjunto de especializadas (nível secundário), serviços ter-
ações, de caráter individual ou coletivo, desen- ciários, internação domiciliar e outros serviços
volvidas no primeiro nível de atenção dos sis- comunitários;
temas de serviços, voltadas para a promoção da Coordenação (ou integração dos serviços):
saúde, prevenção dos agravos, tratamento e pressupõe alguma forma de continuidade, seja
reabilitação. Na literatura analisada, como já por parte do atendimento pelo mesmo profis-
foi referido, são escassas as pesquisas voltadas sional, seja por meio de prontuários médicos,
para avaliação organizacional ou de desempe- ou ambos, além do reconhecimento de proble-
nho da AB, e uma visão crítica dos mecanismos mas anteriores e novos e do encaminhamento
institucionais de monitoramento e avaliação da e acompanhamento do atendimento em ou-
AB. Tanto o Pacto da Atenção Básica quanto o tros serviços especializados. Por exemplo, os
Sistema de Informação a Atenção Básica (Siab) problemas observados em consultas anteriores
não podem ainda ser considerados sistemas ou pelos quais houve algum encaminhamento
de avaliação de desempenho nem de monito- para outros profissionais especializados deve-
ramento do conjunto de ações desenvolvidas riam ser avaliados nas consultas subseqüentes;
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Ibañez, N. et al.

Enfoque familiar: pressupõe a considera- construção de uma tipologia de municípios que


ção do indivíduo em seu ambiente cotidiano, permitia identificar, simultaneamente, o está-
quando a avaliação das necessidades de saúde gio de desenvolvimento de um determinado
deve considerar o contexto familiar e a exposi- município nas três dimensões consideradas.
ção a ameaças à saúde de qualquer ordem, além Esse tipo de indicador, apesar de não ser passí-
do enfrentamento do desafio dos recursos fa- vel de ordenação, permite um maior detalha-
miliares limitados. Resulta do alcance da inte- mento das condições de vida existentes no mu-
gralidade e da coordenação; nicípio. Pode-se verificar que 88% dos municí-
Orientação para a comunidade: implica o pios se encontram nos grupos 1 e 2 do IPRS,
reconhecimento de que todas as necessidades que se caracterizam por apresentarem a rique-
de saúde da população ocorrem num contexto za municipal alta, e indicadores sociais (escola-
social determinado, que deve ser conhecido e ridade e longevidade) bons no grupo 1 e mais
tomado em consideração; desfavoráveis no grupo 2. Já que para a maioria
Formação profissional: pressupõe que a dos municípios a dimensão riqueza não dife-
atenção básica seja uma área de “especialização” rencia os municípios, definiu-se que os muni-
que requer formação específica. Requer que os cípios seriam agrupados em duas categorias,
profissionais de saúde sejam capacitados para considerando-se somente os indicadores so-
desempenhar suas funções segundo as dimen- ciais mais favoráveis e menos favoráveis. Para
sões mencionadas anteriormente. tanto, foram agregados os grupos 1 e 3 para
formar a primeira categoria e os grupos 2, 4 e
5, para formar a outra. A tabela 1 apresenta es-
Metodologia sa agregação.
A outra variável empregada para formação
Fizeram parte do estudo os municípios locali- dos grupos de municípios foi a quantidade da
zados no Estado de São Paulo que possuem produção ambulatorial do SUS apresentada
mais de 100 mil habitantes (total de 62), nos por município para 2004 segundo grupo de
quais as estratégias de implantação do Progra- produção, disponibilizada pelo Datasus. Os
ma Saúde da Família assumem características grupos de produção ambulatorial foram agre-
diferenciadas. O município de São Paulo, por gados segundo a complexidade dos procedi-
possuir características muito diferentes e pró- mentos.
prias com relação aos demais, foi analisado à Para cada município, as porcentagens da
parte e não integra o contexto desta pesquisa. produção ambulatorial em baixa, média e alta
complexidade no total da produção desse mu-
Definição dos municípios nicípio foram calculadas, desconsiderando-se
os medicamentos e acompanhamentos de pa-
A primeira etapa consistiu em definir cate- cientes na alta complexidade. A partir desse
gorias de municípios nas quais se pudesse clas- conjunto de dados, foi feita uma análise de con-
sificá-los, de acordo com determinadas carac- glomerados com o objetivo de gerar três gru-
terísticas e que permitissem compor grupos pos homogêneos segundo as porcentagens de
homogêneos. Nesta etapa foram considerados produção ambulatorial por complexidade. O
os 62 municípios que integram o campo de es- resultado dessa análise permitiu classificar os
tudo da pesquisa. municípios conforme a tabela 2.
Nessa categorização foram utilizados basi- A partir da combinação dos indicadores an-
camente dois indicadores: o Índice de Respon- teriormente descritos, foram elaborados os clus-
sabilidade Social (IPRS) do Estado de São Pau- ters da pesquisa (grupos homogêneos de muni-
lo e a complexidade da rede ambulatorial do cípios segundo algumas características ante-
município. riormente especificadas) assim denominados:
O IPRS é um indicador desenvolvido pela 1. Baixa complexidade e Indicadores sociais
Fundação Seade por solicitação da Assembléia menos favoráveis (15 municípios)
Legislativa do Estado de São Paulo. 2. Média complexidade e Indicadores sociais
Esse indicador preserva as três dimensões menos favoráveis (12 municípios)
mais utilizadas na maioria dos indicadores de 3. Alta complexidade e Indicadores sociais
desenvolvimento humano – renda, escolarida- menos favoráveis (8 municípios)
de e longevidade. Além disso, procurou certas 4. Baixa complexidade e Indicadores sociais
especificidades, a mais importante das quais a mais favoráveis (5 municípios)
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Tabela 1
Critérios para agrupar os municípios segundo o IPRS 2002.
Grupos Grupos do Nº de municípios % de municípios
IPRS 2002
Indicadores sociais menos favoráveis 2e4e5 35 56,5
Indicadores sociais mais favoráveis 1e3 27 43,5
Total 62 100,0
Fonte: Pesquisa Proesf, 2005.

Tabela 2
Critérios para classificação em grupos de municípios, segundo a porcentagem
da produção apresentada por complexidade.
Complexidade Porcentagem da produção de baixa complexidade Nº de municípios
do município no total da produção apresentada1
Baixa maior que 63% 20
Média entre 50% e 63% 21
Alta entre 20% e 50% 21
Total 62
Fonte: Pesquisa Proesf, 2005.
1 Exclusive os medicamentos e acompanhamento a pacientes.

5. Média complexidade e Indicadores sociais de saúde que atuam nas UBS e o dos usuários
mais favoráveis (9 municípios) dos serviços.
6. Alta complexidade e Indicadores sociais As estratégias de estudo adotadas foram:
mais favoráveis (13 municípios) 1. Trabalhadores de saúde: foram entrevista-
Desta forma, os municípios escolhidos fo- dos considerando-se dois estratos – os que com-
ram sorteados em cada estrato. põem as equipes de Saúde da Família e os que
atuam nas UBS tradicionais – com o intuito de
Instrumentos utilizados comparar os resultados das avaliações dos tra-
balhadores entre os dois tipos de estratégias de
O questionário utilizado para a avaliação atenção básica. O questionário é composto de
dos usuários é uma adaptação dos instrumen- 92 questões específicas sobre aspectos da aten-
tos componentes do Primary Care Assessment ção básica correspondentes aos indicadores de
Tool (PCAT), elaborado inicialmente na Uni- atenção básica mais utilizados.
versidade de John Hopkins8 e direcionado para 2. Usuários de serviços: foram entrevistados os
a análise de aspectos relacionados à atenção usuários e acompanhantes de serviços em to-
primária em países industrializados e validado das as UBS, independentemente da estratégia
no Brasil em estudo realizado para a avaliação de atenção, com o objetivo de avaliar os servi-
da rede básica do município de Petrópolis. ços prestados pela rede em geral. Os questioná-
Existem quatro tipos de questionários para rios para usuários contêm cerca de 100 pergun-
serem aplicados, de acordo com a avaliação que tas, a maioria das quais usadas no questionário
se pretende fazer: para os gestores da rede, para para profissionais. Há também algumas ques-
os profissionais que atuam nas unidades, para tões sobre demografia e saúde, abrindo-se a
os usuários e para acompanhantes de usuários. possibilidade de cotejar esses dados com aque-
Neste estudo, foram utilizados os três últimos, les oriundos da experiência do cliente no mo-
já que os gestores foram pesquisados em outro mento da atenção.
componente desta pesquisa. Desta forma, sua A cada entrevistado (usuário ou profissio-
aplicação foi dirigida para colher dados para nal) foram explicadas as diferentes opções de
análise de dois universos: o dos trabalhadores resposta, para que se identificasse a distância
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Ibañez, N. et al.

relativa entre cada resposta. Os entrevistadores Para os usuários foi desenvolvido um plano
explicaram aos entrevistados que cada resposta para a amostra com base em conglomerados,
possuía um significado numérico (nunca=0; considerando um α de 5%, um β de 20% e o
quase nunca=1; algumas vezes=2; muitas vezes = erro amostral de 10%, através dos seguintes
3; quase sempre=4; sempre=5) corresponden- procedimentos:
do ao número de vezes que, numa semana típi- 1. O sorteio dos usuários foi realizado em
ca, o evento perguntado teria acontecido. duas etapas. Numa primeira, para os municí-
pios mais populosos, sortearam-se UBs que
Seleção de entrevistados comporiam a amostra. Para os demais, todas as
e tamanho da amostra UBS foram incluídas no estudo. Na segunda
etapa, o número de usuários a ser entrevistado
Para a pesquisa com os trabalhadores das foi definido de acordo com a proporção de
UBS foi estabelecido como critério de inclusão, atendimentos do mês no posto. Através de uma
para todos os médicos e enfermeiros, a atuação lista feita no início do período de atendimento
na unidade por pelo menos seis meses. e que incluía todos aqueles que estivessem na
Nos dois questionários, o entrevistado res- unidade para prestação de algum de seus servi-
ponde a perguntas cujas respostas estavam es- ços e com uma planilha com uma tabela de nú-
tabelecidas em escala ordinal, à qual se atribuiu meros aleatórios a ser utilizada como base para
um valor entre zero e cinco. As respostas foram o sorteio, os entrevistadores definiram os usuá-
somadas e o valor médio das respostas de todas rios a serem incluídos no estudo.
as perguntas para cada dimensão e o total fo- 2. O número de usuários atendidos durante o
ram calculados por pessoa entrevistada. Os da- mês de junho de 2005 serviu como base para o
dos para a análise desenvolvida foram as mé- cálculo do volume de entrevistas a serem feitas
dias e intervalos de confiança calculados para em cada unidade. As entrevistas foram realiza-
os clusters e para as dimensões. das em dois períodos, pela manhã (das 8 às 12
Para o universo de usuários, foram entre- horas) e à tarde (das 13 às 17 horas), preferen-
vistados aqueles que ao menos uma vez já ti- temente em dias diferentes da semana. O fato
nham sido atendidos na UBS anteriormente, de se obedecer à proporção de atendimentos
incluindo as três categorias de usuários para a para compor a amostra, tanto com relação à
pesquisa: adultos, adultos acompanhantes de UBS, quanto também ao período, elimina a ne-
crianças e adultos acompanhantes de deficien- cessidade posterior de se considerar o peso re-
tes para os quais foram utilizados questioná- lativo de cada unidade amostral e realizar as
rios adaptados. ponderações compensatórias para ajustar os
Quanto ao tamanho da amostra foram ado- resultados.
tados dois planos. Para os trabalhadores foram Quanto aos resultados, foram desenhados
entrevistados todos os médicos e enfermeiros planos de análise diferentes para cada aborda-
que atuavam na unidade quando se tratava de gem feita. O aplicativo utilizado para as análi-
UBS tradicional e apenas os médicos e enfer- ses estatísticas foi o SPSS 13.0. No que se refere
meiros das equipes da Saúde da Família nos aos profissionais, a principal comparação foi
outros casos. Foram escolhidas UBS sem equi- feita considerando os valores das dimensões e
pes de Saúde da Família e com equipes de Saú- os totais encontrados no modelo PSF e no mo-
de da Família, em acordo com a direção da Se- delo tradicional intra-estrato e o teste estatísti-
cretaria Municipal de Saúde, considerando-se co utilizado foi não paramétrico de Kruskall-
como parâmetros de escolha: as unidades se si- Wallis & Kish L16.
tuarem em áreas da cidade com situação so- Para a análise dos usuários, calcularam-se
cioeconômica semelhante; serem unidades con- as médias intra-estrato, as quais foram compa-
sideradas de melhor padrão relativo de atendi- radas com as médias do estrato 6 para cada di-
mento; e apresentarem a mais baixa rotativida- mensão, pois este é o que apresenta os melho-
de de servidores. Nas unidades onde só havia res indicadores do IPRS e de complexidade da
Saúde da Família, todos os médicos e enfermei- rede. Para esta análise foi considerado o plano
ros das equipes foram entrevistados. Nas situa- complexo de amostragem, utilizando-se a esta-
ções em que a unidade não era exclusiva para tística Wald F para a verificação da significân-
Saúde da Família (unidades mistas), foram en- cia estatística na comparação dos escores mé-
trevistados somente os médicos e enfermeiros dios obtidos17, 18.
que compõem as equipes de Saúde da Família.
691

Ciência & Saúde Coletiva, 11(3):683-703, 2006


Apresentação dos resultados dos na metodologia, o número total de entre-
vistados foi de 2.923, proporcionalmente cal-
A análise dos dados da pesquisa foi feita sob culado pelo volume de atendimentos diários
duas perspectivas distintas. Na primeira, consi- realizados pelos serviços municipais.
derando o fato de que tanto os usuários das A tabela 3 apresenta uma descrição sumá-
unidades de saúde, quanto seus acompanhan- ria das características gerais da amostra de usuá-
tes foram entrevistados com a finalidade de se rios e acompanhantes.
avaliar o nível de satisfação da atenção básica, A maioria dos entrevistados foi do sexo fe-
sem destaque para o PSF, as investigações se di- minino, com média de idade de 45 anos para
rigiram principalmente para a obtenção dos usuários e 32 anos para os acompanhantes, fa-
escores médios alcançados em cada cluster e as to que somado ao grau de escolaridade (apro-
comparações entre eles, de modo a indicar di- ximadamente 1 a cada 4 usuários tem o pri-
ferenças significativas no geral e em cada di- meiro grau completo e entre os acompanhan-
mensão estudada. Na outra, a análise de satis- tes isso só ocorre em 3% dos casos) infere uma
fação dos profissionais atuantes na rede dire- situação social em que o papel feminino é nu-
cionou-se para as comparações entre aqueles clear no grupo familiar no cuidado à saúde. Em
que atuam em unidades tradicionais e nos que relação a bens de consumo, mais de 70% pos-
atuam em unidades com PSF, buscando apon- suem telefone (fixo ou móvel) e só um terço
tar, dentro de cada cluster, as diferenças exis- tem carro. Tais números refletem o grande aces-
tentes ou não entre os escores médios em cada so que têm a esses bens mesmo as populações
dimensão. situadas na periferia econômica e social do sis-
Há um aspecto importante a ressaltar que tema. Quanto aos serviços públicos básicos,
se refere ao fato de que, como o questionário mais de 95% dos entrevistados, nos dois gru-
está organizado em dimensões com quantida- pos, tinham acesso à água encanada, coleta de
de diferente de perguntas, foi promovido um esgoto e de lixo, assim como, na mesma propor-
ajuste dos escores, relacionando os valores cal- ção, possuíam banheiro dentro do domicílio,
culados com a máxima pontuação que poderia um resultado esperado em função do porte dos
ser obtida em cada dimensão. Sendo assim, a municípios estudados.
apresentação das tabelas e gráficos e sua res- Como já foi mencionado na metodologia, a
pectiva análise também são feitas em termos análise das respostas dadas pelos usuários e
percentuais denominados de escores médios acompanhantes foi elaborada calculando-se as
ajustados. médias e intervalos de confiança para cada clus-
ter fazendo as comparações entre clusters, to-
Usuários e acompanhantes mando como referência o cluster 6. Para a ob-
tenção das estatísticas, as entrevistas dos usuá-
A amostra de usuários e acompanhantes foi rios e dos acompanhantes dos municípios com-
analisada em conjunto, com intuito de avaliar ponentes de cada cluster foram agregadas.
o nível de satisfação relativa à atenção básica Os valores dos escores médios e os respecti-
prestada pela rede de unidades públicas de saú- vos intervalos de confiança foram calculados e
de. Tendo como base os parâmetros apresenta- estão apresentados nos gráficos 1 e 2.

Tabela 3
Características gerais da amostra dos usuários e acompanhantes segundo sexo, idade, escolaridade
e bens de consumo. Estado de São Paulo, 2005.
Característica Índice Usuários Acompanhantes
Sexo Feminino 73,6% 51,2%
Idade (anos) Média 45,6 32,3
Desvio-padrão 16,8 10,7
Escolaridade 1o grau completo ou mais 28,8% 3,0%
Telefone Sim 78,8% 71,2%
Carro Sim 35,6% 33,8%
Fonte: Pesquisa Proesf, 2005.
692
Ibañez, N. et al.

Gráfico 1
Escores médios totais por cluster, Estado de São Paulo, 2005.

270

265

260

255

250

245
Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Cluster 4 Cluster 5 Cluster 6

Gráfico 2
Escores médios totais ajustados por cluster, Estado de São Paulo, 2005.

100

80

60

40

20

0
Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Cluster 4 Cluster 5 Cluster 6
693

Ciência & Saúde Coletiva, 11(3):683-703, 2006


Observa-se que há uma tendência de au- do que as outras cuja essência requer mudan-
mento dos valores médios, mesmo que em pe- ças mais profundas na cultura e comportamen-
quena escala, relacionado à escala de melhor to dos serviços. Convém lembrar que, com al-
qualificação do cluster, com exceção do cluster gumas exceções, os municípios participantes
2. Todavia, os valores obtidos em relação aos do estudo possuem baixos percentuais de co-
escores ajustados mostram que a proporção bertura do PSF e têm seu modelo de atenção
das pontuações médias está próxima de 50%, o básica baseado em unidades tradicionais de
que se pode considerar um nível de satisfação atendimento.
intermediário para todos os clusters em relação De modo geral, as médias ajustadas dos es-
ao potencial de alcance dos escores. cores têm percentuais mais elevados nos clus-
Os mesmos cálculos foram feitos para cada ters mais bem qualificados, o que ratifica de
dimensão do estudo envolvendo os 11 municí- certa forma a melhor condição dos municípios
pios, com a intenção de avaliar os escores sim- mais desenvolvidos em prestar serviços de saú-
ples e ajustados obtidos. de. No entanto, isso não acontece em duas di-
A tabela 4 revela os valores médios e inter- mensões: no Elenco de serviços, que considera
valos de confiança por dimensão. Nos escores a integralidade da atenção prestada, e na Orien-
simples observa-se que há pouca variação dos tação comunitária, na qual os valores assumem
valores em cada dimensão, já que os intervalos uma variação inversa aos demais. Uma inferên-
são pequenos. Quando se dirige a análise para cia possível, uma vez que os clusters com indi-
os escores ajustados, aparecem quais as dimen- cadores sociais mais favoráveis e com diferen-
sões que alcançaram os melhores percentuais tes gradações de complexidade da rede tenham
de satisfação. A Porta de entrada, que enfoca a à disposição outros tipos de serviço suplemen-
capacidade da unidade em dar resposta a novas tares que acabem conformando serviços menos
demandas ou recorrências, o Vínculo, que se preocupados com essas duas dimensões. Ou
refere à condição da unidade em ser uma fonte ainda que os municípios menos desenvolvidos
regular de atenção, e Profissionais de saúde, se preocupariam relativamente mais com ações
que trata da relação direta dos usuários e acom- e atividades externas com algum caráter coleti-
panhantes com os profissionais de saúde, apre- vo. Isso mereceria uma análise mais aprofun-
sentam os melhores percentuais. O Enfoque fa- dada, já que os escores ajustados apresentam
miliar, que trata do contexto de vida dos usuá- variações pequenas e os detalhes a respeito das
rios, e a Orientação comunitária, a Coordena- formas de prestação são bastante numerosos.
ção e a Acessibilidade, que envolve o interesse Os gráficos de 3 a 10 ilustram as mesmas
dos serviços pelos problemas coletivos da co- tendências dos clusters por dimensão separada-
munidade usuária, tiveram os menores percen- mente.
tuais. De certa forma, numa análise mais glo- A análise estatística das diferenças dos es-
bal, as dimensões que envolvem a atenção dire- cores médios simples de cada dimensão foi fei-
ta na unidade de saúde são mais bem avaliadas ta comparando-se cada um dos clusters com o

Tabela 4
Médias e intervalos de confiança simples e ajustados por dimensão. Estado de São Paulo, 2005.
Dimensões Valores simples Valores ajustados (%)
Média inferior superior Média inferior superior
Acessibilidade 30,71 30,08 31,35 46,5 45,6 47,5
Porta de entrada 15,41 15,13 15,69 85,6 84,1 87,2
Vínculo 45,69 45,11 46,28 76,2 75,2 77,1
Elenco de serviços 74,17 72,46 75,88 56,2 54,9 57,5
Coordenação 44,71 43,34 46,07 41,4 42,5 45,2
Enfoque familiar 12,58 12,07 13,09 41,9 40,2 43,6
Orientação comunitária 11,72 11,01 12,43 32,6 30,6 34,5
Profissionais de saúde 26,64 26,22 27,06 74,0 72,8 75,2
Total 261,63 255,42 267,83 53,8 53,0 55,3
Fonte: Pesquisa Proesf, 2005.
694
Ibañez, N. et al.

Gráfico 3
Médias e intervalos de confiança ajustadas para Acessibilidade por cluster.

55

50

45

% 40
Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Cluster 4 Cluster 5 Cluster 6

Gráfico 4
Médias e intervalo de confiança ajustados para Porta de Entrada por cluster.

100

95

90

85

80

75

% 70
Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Cluster 4 Cluster 5 Cluster 6
695

Ciência & Saúde Coletiva, 11(3):683-703, 2006


Gráfico 5
Médias e intervalo de confiança ajustados para Vínculo por cluster.

85

80

75

70

65

% 60
Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Cluster 4 Cluster 5 Cluster 6

Gráfico 6
Médias e intervalos de confiança ajustados para Elenco de Serviços por cluster.

65

60

55

50

45

% 40
Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Cluster 4 Cluster 5 Cluster 6
696
Ibañez, N. et al.

Gráfico 7
Médias e intervalos de confiança ajustados para Coordenação por cluster.

50

45

40

35

% 30
Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Cluster 4 Cluster 5 Cluster 6

Gráfico 8
Médias e intervalos de confiança ajustados para Enfoque Familiar por cluster.

60

55

50

45

40

35

% 30
Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Cluster 4 Cluster 5 Cluster 6
697

Ciência & Saúde Coletiva, 11(3):683-703, 2006


Gráfico 9
Médias e intervalos de confiança ajustados para Orientação Comunitária por cluster.

50

45

40

35

30

25

% 20
Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Cluster 4 Cluster 5 Cluster 6

Gráfico 10
Médias e intervalos de confiança ajustados para Profissionais de Saúde por cluster.

90

85

80

75

70

65

% 60
Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Cluster 4 Cluster 5 Cluster 6
698
Ibañez, N. et al.

cluster 6. Os resultados dos testes estão resumi- posto, é importante ressaltar que os valores
dos na tabela 5. médios ajustados dos escores giram ao redor de
De início, ao analisar os totais dos escores 50%, o que pode ser considerado um padrão
médios por cluster, não há diferença significati- baixo do nível de satisfação dos usuários em re-
va em nenhuma das combinações em relação lação à atenção básica desses municípios.
ao cluster 6, o que já havia de certa forma alu-
dido no início dos resultados já que a diferença Trabalhadores em saúde
numérica entre os escores foi pequena.
Quanto às comparações considerando as A tabela 6 apresenta a amostra final de pro-
dimensões há certo padrão de diferenças en- fissionais entrevistados pela pesquisa. O núme-
contradas, pois nos clusters 1, 2 e 3, para Aces- ro de entrevistados variou em função dos crité-
sibilidade, Porta de entrada e Profissionais de rios de amostragem que levou em considera-
saúde ocorre diferença significativa entre os es- ção tanto a cobertura de PSF no município, a
cores médios simples. O mesmo se repete para qual no geral era baixa, quanto a comparabili-
Vínculo, com exceção do cluster 3. Para os mu- dade das regiões dos dois tipos de unidades bá-
nicípios menos qualificados pode-se dizer que sicas amostradas, PSF e tradicional. Além dis-
há menor satisfação dos usuários quanto à lo- so, em determinados clusters houve uma gran-
calização, facilidade de atendimento, regulari- de dificuldade de acessar estes profissionais.
dade e com o trato dos profissionais de saúde. Assim, o número de profissionais entrevistados
Podem-se reiterar afirmações anteriores de que nos clusters 4, 5 e 6 foi pequeno, 13, 15 e 9 en-
o nível de satisfação é menor quando se aborda trevistas, respectivamente, o que implica um
a atenção prestada exclusivamente na unidade baixo poder para os testes de significância esta-
de saúde. Como o conjunto dos municípios que tística aplicados nestas análises. Em outras pa-
compõem esses clusters é quase todo da região lavras, a não detecção de diferenças estatísticas
da Grande São Paulo é fundamental considerar pode apenas refletir o pequeno tamanho da
o processo e a realidade metropolitana como amostra para estes clusters.
importante fator condicionante na satisfação Estes profissionais estavam em média exer-
dos usuários dos serviços. cendo a função há doze anos, o que indica uma
Há diferença significativa na comparação razoável experiência. A grande maioria dos en-
do cluster 4 no que se refere ao enfoque fami- trevistados era de médicos (64%), seguido por
liar, que poderia ser atribuído a um baixo esco- enfermeiros (19%), prevalecendo, também, o
re médio alcançado por um dos municípios sexo feminino (63%).
componentes do cluster e que mereceria um es- A análise da qualidade da atenção primária
tudo mais detalhado. segundo profissionais privilegiou a compara-
Para as demais comparações tomando as ção PSF-UBS tradicional dentro de cada di-
outras dimensões, apesar de não haver diferen- mensão e cluster de municípios. As tabelas 7 e 8
ça significativa entre os clusters no modelo pro- detalham estas comparações.

Tabela 5
Valores de P para estatística Wald na comparação dos valores médios por dimensão entre os clusters,
tomando como referência o cluster 6. Estado de São Paulo, 2005.
Dimensões/Cluster 1 2 3 4 5 6
Acessibilidade 0,015 0,002 0,001 0,988 0,742 Referência
Porta de entrada 0,000 0,000 0,000 0,351 0,063 Referência
Vínculo 0,004 0,064 0,010 0,100 0,581 Referência
Elenco de serviços 0,153 0,067 0,193 0,247 0,153 Referência
Coordenação 0,060 0,122 0,371 0,800 0,704 Referência
Enfoque familiar 0,287 0,202 0,131 0,005 0,947 Referência
Orientação comunitária 0,566 0,231 0,708 0,431 0,770 Referência
Profissionais de saúde 0,000 0,000 0,000 0,080 0,075 Referência
Total 0,132 0,944 0,181 0,178 0,280 Referência
Fonte: Pesquisa Proesf, 2005.
699

Ciência & Saúde Coletiva, 11(3):683-703, 2006


De um modo geral, os dados demonstram clusters 4, 5 e 6 serão discutidos apenas em re-
que os profissionais que trabalham no PSF ava- lação às tendências gerais de PSF/UBS.
liam o seu desempenho como sendo melhor, o Em nenhum cluster houve diferença entre
que se reflete em escores médios maiores. Além PSF e UBS tradicional nas dimensões de acessi-
disso, sempre que houve diferença estatística bilidade e porta de entrada, sendo que estas
entre os dois tipos de unidade, esta foi favorá- apresentam as menores diferenças relativas.
vel às unidades de PSF. Por outro lado, as dimensões relativas ao
As diferenças entre PSF e unidade tradicio- vínculo, ao elenco de serviços, ao enfoque fa-
nal foram mais evidentes nos clusters 1, 2 e 3, miliar e à orientação comunitária foram con-
com cinco e seis dimensões apresentando dife- sistentemente mais bem avaliadas pelos profis-
renças estatisticamente significantes. Os clus- sionais de unidades PSF nos clusters 1, 2 e 3.
ters 4 e 5 apresentaram ambos diferenças ape- No cluster 1 as diferenças favoráveis ao PSF
nas em duas dimensões. Ao passo que no clus- (maiores escores) ocorreram nas seguintes di-
ter 6 nenhuma diferença estatisticamente signi- mensões: vínculo, elenco de serviços, coorde-
ficante foi detectada. Mais uma vez cabe lem- nação, enfoque familiar, orientação comunitá-
brar o menor poder dos testes estatísticos nos ria e profissionais de saúde.
clusters com menor número de entrevistados, No cluster 2 o desempenho das unidades de
não sendo, assim, adequado especificar as dife- PSF também foi mais bem avaliado em relação
renças internas a estes clusters. Desta forma, os ao vínculo, elenco de serviços, enfoque familiar
e orientação comunitária. Não houve diferen-
ça, no entanto, na dimensão relativa aos profis-
sionais de saúde.
Tabela 6 O cluster 3 apresentou um comportamento
Amostra de profissionais de saúde, por cluster. semelhante ao cluster 1 em relação à melhor ava-
Estado de São Paulo, 2005. liação dos profissionais das unidades de PSF,
Cluster Profissionais de saúde em relação ao vínculo, ao elenco de serviços, ao
n % enfoque familiar, orientação comunitária e pro-
fissionais de saúde. Não houve diferença esta-
1 53 31,8
2 28 16,8
tisticamente significante em relação à dimen-
3 49 29,3 são que avalia a coordenação dos serviços.
4 13 7,8 Ressalte-se ainda que, quanto às questões re-
5 15 9,0 lativas à auto-avaliação de confiança nas respos-
6 9 5,4 tas (as respostas basearam-se em informações
Total 167 100,0 com consulta de dados e relatórios e se não qual
Fonte: Pesquisa Proesf, 2005.
o grau de segurança que teriam essas informa-

Tabela 7
Escore médio por dimensão, cluster e tipo de unidade (PSF/UBS), profissionais de saúde.
Estado de São Paulo, 2005.
Dimensões Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Cluster 4 Cluster 5 Cluster 6
PSF UBS PSF UBS PSF UBS PSF UBS PSF UBS PSF UBS
Acessibilidade 26,0 26,8 25,3 24,7 25,9 24,9 29,7 31,6 27,0 29,0 22,5 19,9
Porta de entrada 5,9 5,6 5,9 5,8 5,7 5,4 6,0 5,7 5,8 6,0 6,0 4,4
Vínculo 38,4* 29,6 39,4* 33,2 35,7* 32,7 40,5* 31,6 41,8 39,3 40,5 31,0
Elenco de serviços 126,1* 103,3 120,9* 94,5 124,8* 96,6 131,2 129,9 132,0* 103,7 128,5 94,9
Coordenação 98,6* 84,7 96,9 87,5 93,6 86,8 97,3 88,1 102,2 97,3 98,0 78,1
Enfoque familiar 21,4* 15,3 22,0* 15,6 20,9* 15,3 22,8* 15,7 24,0* 18,3 24,0 16,1
Orientação comunitária 32,8* 20,6 31,4* 16,1 31,7* 15,8 35,3 25,6 39,3* 21,7 31,0 18,9
Profissionais de saúde 23,0* 16,6 23,7 18,6 22,6* 16,1 23,0 18,9 24,3 22,0 22,5 21,3
Auto-avaliação de confiança 9,6 8,4 11,3* 8,6 10,3* 8,2 7,7 10,1 11,8 10,7 12,0 8,3
Total 381,8 310,9 376,8 304,6 371,2 301,8 393,5 357,2 408,2 348,0 385,0 292,9
Fonte: Pesquisa Proesf, 2005 (* p<0,05).
700
Ibañez, N. et al.

Tabela 8
Diferença relativa do escore médio entre tipo de unidade (PSF/UBS), dimensão e cluster,
profissionais de saúde. Estado de São Paulo, 2005.
Dimensão Cluster 1 Cluster 2 Cluster 3 Cluster 4 Cluster 5 Cluster 6
Acessibilidade -0,8 0,6 1,0 -1,9 -2,0 2,6
Porta de entrada 0,3 0,1 0,3 0,3 -0,2 1,6
Vínculo 8,8 6,2 3,0 8,9 2,5 9,5
Elenco de serviços 22,8 26,4 28,2 1,3 28,3 33,6
Coordenação 13,9 9,4 6,8 9,2 4,9 19,9
Enfoque familiar 6,1 6,4 5,6 7,1 5,7 7,9
Orientação comunitária 12,2 15,3 15,9 9,7 17,6 12,1
Profissionais de saúde 6,4 5,1 6,5 4,1 2,3 1,2
Auto-avaliação de confiança 1,2 2,7 2,1 -2,4 1,1 3,7
Total 70,8 72,2 69,4 38,5 60,0 92,1
Fonte: Pesquisa Proesf, 2005.

ções) feita pelos profissionais entrevistados, ape- mensões muito bem (por volta do 80%), ao pas-
nas os clusters 2 e 3 apresentaram diferenças es- so que usuários avaliam que estas dimensões
tatisticamente significantes. Em ambos, os pro- são apenas 40% do total de pontos possíveis.
fissionais do PSF tiveram melhor avaliação, em- A orientação comunitária é também mais
bora a diferença relativa seja pequena. bem avaliada pelos profissionais, embora seja
apenas razoável para estes (60%) e ruim para
Profissionais versus usuários os usuários (40%).
Por fim, a dimensão relativa aos profissionais
A avaliação dos serviços pelos profissionais de saúde é a única que, de forma consistente, é
mostrou-se, desta forma, um pouco distinta mais bem avaliada pelos usuários do que pelos
daquela feita pelos usuários. Estas diferenças profissionais entrevistados, sendo que em ambos
tornam-se mais evidentes quando são compa- atingem patamares relativos apenas razoáveis.
rados os escores médios ajustados por dimen-
são, o que pode ser avaliado no gráfico 11.
De um modo geral, as avaliações são coin- Considerações finais
cidentes para acessibilidade, porta de entrada e
vínculo. Como considerações finais deste artigo, e que
A acessibilidade foi avaliada de forma se- representam as primeiras tendências identifi-
melhante tanto pelos profissionais, quanto pe- cadas nos resultados obtidos na pesquisa, apre-
los usuários ficando num patamar apenas ra- sentaremos um resumo dos principais resulta-
zoável segundo o máximo de pontos possíveis dos encontrados. Teceremos depois alguns co-
do instrumento para esta dimensão, isto é, apro- mentários que julgamos pertinentes à avalia-
ximadamente 50% do total. ção da organização e desempenho a partir da
A porta de entrada é uma das dimensões percepção de usuários e profissionais.
com melhor avaliação seja pelos profissionais,
seja pelos usuários. Em ambos, ela se situa aci- Resumo dos principais
ma dos 80% do valor total. resultados encontrados
A dimensão relativa ao vínculo também tende
a ser bem avaliada por profissionais e usuários. Para a avaliação da Atenção Básica pelos
Pode-se dizer que a dimensão de elenco de Usuários e Acompanhantes:
serviços é bem avaliada pelos profissionais de • como resultado geral, não há diferença no
saúde, quase 80%, e razoavelmente pelos usuá- nível de satisfação entre os clusters estudados,
rios, quase 60%. ficando em 50% em média a percepção dos
Coordenação e enfoque familiar apresen- usuários quanto à atenção básica dos municí-
tam diferença ainda maior entre usuários e pro- pios estudados, o que de certa forma a qualifi-
fissionais, com profissionais avaliando estas di- ca como pouco satisfatória;
701

Ciência & Saúde Coletiva, 11(3):683-703, 2006


Gráfico 11 • usuários e profissionais têm opiniões seme-
Escores médios ajustados por dimensões e tipo lhantes apenas em relação às dimensões de Aces-
de informante, 2005. sibilidade, Porta de entrada e Vínculo;
• profissionais tendem a avaliar melhor que
os usuários todas as dimensões, exceto a dimen-
Acessibilidade são relativa aos profissionais de saúde.
100
A primeira consideração de ordem mais ge-
Profissionais 80
Porta de ral aos resultados encontrados diz respeito ao
de saúde 60 entrada agrupamento desses municípios pelos clusters
40 divididos nos grupos de indicadores menos e
20 mais favoráveis. Com algumas exceções, o pri-
Orientação 0 Vínculo meiro grupo concentra os municípios perten-
comunitária
centes às regiões metropolitanas do Estado, on-
de o processo de modernização incompleta tem
raiz numa migração de populações mais po-
Enfoque Elenco de bres para áreas menos valorizadas, e, por isso
familiar serviços mesmo, carentes de infra-estruturas e serviços
Coordenação urbanos essenciais19, 20. A dinâmica territorial
paulista auxilia na explicação da concentração
Usuários Profissionais desses municípios com mais de 100 mil habi-
tantes nas proximidades das regiões metropoli-
tanas e com indicadores sociais que constatam
a precariedade das condições de vida de parte
da população que aí reside. No caso específico
da região metropolitana de São Paulo, um do-
• há maior cumprimento dos postulados da cumento elaborado por técnico da Secretaria
Atenção básica nos clusters com indicadores so- Estadual no final da década de 1970 já colocava
ciais mais favoráveis em todas as dimensões es- claramente a desigualdade entre esta região e o
tudadas com exceção de Elenco de serviços e interior do Estado quanto à rede básica de ser-
Orientação comunitária; viços, propondo a construção de mais de 400
• os valores dos escores relativos, com exce- unidades básicas de saúde e 40 hospitais gerais
ção de Porta de entrada, Vínculo e Profissio- para essa região. Esse estudo serviu de base pa-
nais de saúde giram ao redor de 50% ou me- ra a instituição do Programa Metropolitano de
nos, o que indica uma avaliação de intermediá- Saúde na década de 1980, parceria do Governo
ria para ruim da prestação de serviços; estadual e o Banco Internacional de Reconstru-
• a comparação dos escores médios dos clus- ção e Desenvolvimento (Bird) resultando num
ters em relação ao cluster 6 por dimensão mos- forte investimento com a construção de 100
trou que ocorre diferença significativa nos clus- Unidades Básicas de Saúde e cinco hospitais, a
ters 1,2 e 3 para Acessibilidade, Porta de entra- definição de um novo modelo assistencial cen-
da e Profissionais de saúde. trado na atenção básica e uma reforma estru-
Para avaliação da atenção tradicional e PSF tural da secretaria redefinindo suas estruturas
pelos trabalhadores da saúde: regionais21.
• os profissionais que trabalham no PSF ava- No grupo com indicadores sociais mais fa-
liam o desempenho como sendo melhor do que voráveis encontram-se os municípios localiza-
julgam aqueles que trabalham em unidades dos no interior do Estado, onde esse processo
tradicionais; descrito foi menos intenso, criando condições
• as dimensões relativas à Acessibilidade e à no processo de urbanização de uma capacida-
Porta de entrada mostraram-se semelhantes de de resposta mais adequada no que diz res-
tanto para os profissionais de PSF quanto de peito aos serviços básicos.
unidades tradicionais; O regaste histórico das políticas de saúde
• os clusters 1, 2 e 3 permitem evidenciar de no âmbito estadual mostra um ciclo positivo
forma consistente que as dimensões Vínculo, para a atenção básica na região metropolitana
Elenco de serviços, Enfoque familiar e Orienta- da década de 1980, com a incorporação de uni-
ção comunitária foram mais bem avaliadas pe- dades e aumento de resolutividade dessa rede
los profissionais do PSF; com as Ações Integradas de Saúde (AIS) e Sis-
702
Ibañez, N. et al.

tema Unificado e Descentralizado de Saúde Quando se examinam as outras cinco di-


(SUDS) e na década de 1990 um processo de mensões Acesso, Coordenação, Orientação co-
municipalização com modulações feitas pelas munitária, Enfoque familiar e Elenco de servi-
NOBs, com o aumento dos recursos federais ços, estas se encontram em limites entre 35% e
para os municípios, com a instância gestora es- 50% nas médias, valores que podemos chamar
tadual cada vez mais se eximindo de formular de insuficientes. Sem extrapolar na inferência
ações para a atenção básica, voltando-se quase destas dimensões, podemos dizer que estas se
que inteiramente para os níveis mais comple- constituem em pilares da concepção mais es-
xos da assistência, deixando a rede básica para truturante e complexa da atenção básica nos
a gestão municipal, que com raras exceções não sistemas de saúde. No entanto, excetuando o
estava habilitada para esta tarefa22. Acesso, não são dimensões historicamente va-
A adequação e a capacidade, por esses mu- lorizadas nos serviços de saúde, não fazendo
nicípios, de desenvolver os novos programas parte do aprendizado que a população cons-
PSF e Pacs encontradas nos resultados prelimi- truiu nas suas relações com os serviços. Trans-
nares deste trabalho são resultantes em grande formar essa experiência vivida requer forte e
parte deste processo. duradouro investimento não somente em ca-
O segundo comentário diz respeito aos resul- pacitação, mas um esforço de mudança cultu-
tados encontrados nas diferentes dimensões pro- ral de profissionais e gestores e sustentabilida-
postas pelo estudo, não levando em considera- de das propostas implantadas. A análise da di-
ção as diferenças observadas na comparação pe- ferença de percepções encontradas entre usuá-
los clusters, mas os valores ajustados obtidos em rios e profissionais das dimensões estudadas
si dos municípios na percepção dos usuários. também reflete essa diferença nas expectativas
As três dimensões que atingem médias ajus- quanto à atenção desenvolvida, e ela tem sido
tadas acima de 70%, valor que pode ser consi- observada de forma recorrente na literatura23, 24.
derado satisfatório, foram: a porta de entrada, Diante da escassez de estudos abrangentes
o vínculo (ou longitudinalidade) e profissio- nesta área e de instrumentos e processos para
nais, independentemente dos clusters. Se aten- avaliação de desempenho e organização da aten-
tarmos para suas definições e questões formu- ção básica, os dados e informações coletados
ladas, encontraremos nexos entre essas três di- neste estudo que permitem abordagens analíti-
mensões caracterizadas pelo conhecimento do cas múltiplas poderão contribuir de forma im-
usuário dos profissionais, seu tempo de utiliza- portante com novos conhecimentos a serem
ção desse tipo de serviço e a possibilidade de utilizados para as decisões nos diferentes níveis
ver suas necessidades mais imediatas serem de gestão e no monitoramento e melhoria de
atendidas. nossos serviços.

Colaboradores

N Ibañez participou na concepção geral, pesquisa e reda-


ção final; PC Castro e MCSA Ribeiro, na pesquisa e na
metodologia; JSY Rocha, AC Forster, MHD Novaes e AL
d’Avila Viana, na pesquisa e revisão.
703

Ciência & Saúde Coletiva, 11(3):683-703, 2006


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Artigo apresentado em 27/02/2006
Aprovado em 31/03/2006
Versão final apresentada em 17/04/2006

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