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TEMAS LIVRES FREE THEMES


A importância da confiança interpessoal
para a consolidação do Programa de Saúde da Família

The importance of interpersonal trust


for the consolidation of Brazil’s Family Health Program

Igor Vinicius Lima Valentim 1


Alexandra Jochims Kruel 1

Abstract Brazil is characterized by significant Resumo Vive-se em um país cuja realidade apon-
social and economic discrepancies. Although guar- ta significativas discrepâncias socioeconômicas.
anteed by the Brazilian Constitution as a uni- A saúde, direito social universal garantido pela
versal social right, healthcare is a major chal- Constituição Federal, se constitui em um dos prin-
lenge for the State, constituting one of the cruelest cipais desafios do Estado e em uma das mais cruéis
types of inequality in Brazil. Designed to even desigualdades no Brasil. Visando também a redu-
out these inequalities, Brazil’s National Health ção das mesmas, a gestão do Sistema Único de
System (SUS) is ruled by principles that include Saúde regra-se por princípios como a universali-
universal access and all-round care. Developed dade de acesso e a integralidade da atenção. O
by the Brazilian Government as a tool for imple- Programa de Saúde da Família (PSF), desenvol-
menting these principles, the Family Health Pro- vido pelo Governo Federal como uma ferramenta
gram is a management strategy for its National para alcançar estes princípios, é caracterizado
Health Policy. This paper analyzes the impor- como estratégia de gestão da política nacional de
tance of trust between the main players in this saúde. Este artigo tem como objetivo analisar a
Program as a crucial factor for its consolidation importância da confiança, entre os principais ato-
as a strategy for reorganizing this system. Theo- res ativos do PSF, para sua consolidação como
retical input on trust and Government health estratégia de reordenamento do sistema. Utilizou-
policies served as the basis for this analysis, built se aporte teórico sobre confiança e políticas pú-
up by the network of relationships among those blicas de saúde do governo, o qual se constituiu
most deeply engaged with this Program. After ex- em base para a análise, desenvolvida a partir da
amining the many different relationships among teia de relacionamentos existentes entre os prin-
the players, we conclude that trust is significant cipais envolvidos no PSF. Após o estudo das rela-
and relevant for all of them but, more particular- ções entre seus personagens, concluiu-se que a
ly for the Community Health Agents who form confiança possui importância ímpar em todas
the main links between the assisted population mas, principalmente, sobre a figura do Agente
1
and other players in this process. Comunitário de Saúde, o qual se constitui no prin-
Escola de Administração
da Universidade Federal do Key words Health, Government policies, Trust, cipal elo de ligação entre a população atendida e
Rio Grande do Sul – EA/ Family Health Program os demais atores do processo.
UFRGS Rua Washington
Palavras-chave Saúde, Políticas públicas, Con-
Luis 855, Centro. 90010-
460 Porto Alegre RS. fiança, Programa Saúde da Família
valentim@gmail.com
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Valentim, I. V. L. & Kruel, A. J.

Introdução Deseja-se, neste artigo, investigar teorica-


mente em que medida a existência da confiança
O processo de redemocratização do Brasil trou- nas relações entre os envolvidos é importante
xe, junto com a ‘Constituição Cidadã’, de 1988, para o êxito e a consolidação de uma estratégia
um novo sistema de atenção à saúde, no qual o de gestão da política pública de saúde nacional.
Estado configurava-se como responsável por sua Para tanto, utiliza-se o caso do PSF, estratégia
execução e qualquer cidadão brasileiro teria di- que tem, como uma de suas bases, visitas do-
reito de acesso aos serviços e ações de saúde. O já miciliares às casas da população atendida, e
denominado Sistema Único de Saúde (SUS) foi como um grande objetivo a promoção da saú-
formalizado pela Constituição, na qual foram de dos cidadãos brasileiros.
definidos princípios, diretrizes, características e
organização do mesmo, melhor detalhados pos-
teriormente na Lei Orgânica de Saúde. Confiança
A própria Constituição Federal de 1988 já
exigia uma mudança contundente no modelo de A confiança permeia a vida de um indivíduo em
atenção à saúde até então em vigência. Do mo- diversos momentos e relações, com conseqüên-
delo centralizado na medicalização, nos hospi- cias que afetam, de maneira importante, tanto a
tais e no caráter curativo, passaria-se a um mo- sua trajetória, quanto a daqueles com os quais
delo voltado para as ações de prevenção e de pro- interage1. Desde sua raiz etimológica, seu signifi-
moção da saúde, baseado em atividades princi- cado remete ao credo em algo ou em alguém.
palmente coletivas. A confiança é considerada a base de qualquer
Do homem individual, passou-se à visão do relacionamento afetivo, sendo um fator de rele-
homem integral, membro de uma família e de vância para o sucesso ou insucesso de diversas
uma comunidade, além de possuidor de uma relações. Na vida em sociedade, a confiança no
história de vida e de saúde. Mas, se por um lado, poder público, no sistema monetário, e nas insti-
o discurso versa a respeito da vida em comuni- tuições de uma maneira geral, se mostra neces-
dades e do trabalho em equipe, por outro, perce- sária, inclusive, para a manutenção da ordem1.
be-se que as relações sociais são cada vez mais Quando o assunto é trabalho, tanto a confi-
dominadas pela competição e pelo excesso de ança entre os colegas quanto aquela entre indiví-
individualismo. duos e organizações irão trazer significativos im-
Já no espectro do SUS, surgem dois progra- pactos para a maneira como a pessoa se relacio-
mas: o Programa de Agentes Comunitários de na, produz e como é percebida pelas demais, apor-
Saúde (PACS) e o Programa de Saúde da Família tando conseqüências, também, para a organiza-
(PSF), os quais se tornaram a base para a estra- ção2,3. Conseqüentemente, entende-se o motivo
tégia de Saúde da Família. Ambos os programas da confiança se encontrar, cada vez mais, no cen-
são baseados em pressupostos que defendem e tro das atenções quando o assunto é a teorização
necessitam da cooperação e do trabalho em equi- sobre as sociedades contemporâneas1,4.
pe. Entretanto, não é uma tarefa simples que pes- Partindo-se do princípio que, então, a confi-
soas com histórias de vida diferentes e possuido- ança é importante para as relações sociais, ela é
ras de objetivos e personalidades distintas traba- encarada4 como uma maneira de reduzir a com-
lhem em conjunto em função de um objetivo es- plexidade, já que nem sempre existem alternati-
tipulado. Embora colegas de trabalho possam vas para uma pessoa, que não a de confiar. Faz-
ser pressionados a cooperar, deve existir uma se necessário entender, afinal, quais os compo-
disposição voluntária por parte dos indivíduos nentes do construto confiança.
para que o relacionamento atinja da melhor A decisão de confiar ou não em alguém é in-
maneira possível os resultados desejados. fluenciada por um componente constituído pelo
Esperar que os integrantes de um grupo coo- julgamento racional do indivíduo, com base no
perem voluntariamente é uma tarefa especial- que ele julga “boas razões”1,5. Porém, para que
mente difícil, quando, como supramencionado, esta avaliação possa ser realizada, é importante
o homem em sociedade torna-se cada vez mais que esta pessoa disponha de uma base de infor-
competitivo e individualista. Desta forma, a con- mações. Esta base, tratada como familiaridade4,
fiança entre as pessoas é um dos itens de maior é formada pelo conhecimento prévio do obser-
influência sobre as relações entre elas e, conse- vado, engloba as experiências anteriores e as in-
qüentemente, sobre o resultado do trabalho em formações a respeito do mesmo, constituindo
coletividade. elementos de uma dimensão cognitiva do cons-
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truto1. Estas informações a respeito do observa- Um outro componente importante da dimen-
do podem incluir a identificação de valores2 os são comportamental da confiança é a represen-
quais o observador considera como característi- tação4,8, ou seja, um comportamento proposital
cos de uma pessoa confiável, como o respeito ou por parte do observado, com o intuito de pare-
a honestidade. cer ser confiável para o observador, pode influ-
As ditas “boas razões” não se constituem em enciar sua opinião se este observador considerar
motivo suficiente para que uma pessoa confie em como verdadeiro – e não como uma representa-
outra. Ainda dentro de uma dimensão cognitiva1, ção – aquele comportamento “forjado”.
a confiança é influenciada também pela realidade As dimensões da confiança tratadas neste tra-
coletiva cognitiva4, ou seja, a percepção por parte balho não devem ser consideradas de maneira
do observador de que as demais pessoas também isolada, visto que uma serve de suporte para a
consideram o observado como confiável. Quan- outra, estando intimamente ligadas.
do uma pessoa acredita que as outras não confi- Como abordado anteriormente, a confiança
am no observado, o processo de construção da entre os colegas de trabalho traz impactos signi-
confiança pode ser dificultado4. ficativos para o resultado do mesmo. Quando o
Assumir que a confiança é constituída ape- trabalho realizado envolve aspectos de impor-
nas por elementos cognitivos se mostra demasi- tância extrema, como a saúde dos cidadãos, a
adamente ingênuo. As emoções e sentimentos responsabilidade do resultado aumenta ainda
existentes entre as pessoas se constituem em par- mais, exigindo a maior dedicação possível por
te importante das relações entre elas e, conse- parte dos envolvidos. Neste caso, a cooperação
qüentemente, influem diretamente na constru- entre os indivíduos em prol de um objetivo co-
ção da confiança, visto que investimentos emoci- mum ganha destaque.
onais são feitos por ambas as partes1. Esta di- A confiança e a cooperação estão ligadas, em
mensão emocional da confiança contribui, se- parte, com o prazer no trabalho e, sem a primei-
gundo os autores, para a base da dimensão cog- ra, não pode existir nem cooperação nem coleti-
nitiva, a partir do conhecimento que uma que- vidade no trabalho6. Porém, Gambetta9 conside-
bra da relação de confiança ameaça trazer sofri- ra que a confiança não é pré-condição para a
mento emocional para os envolvidos na relação, cooperação, sendo um resultado dela, construí-
inclusive para o traidor. da e fortalecida ao longo das experiências.
Uma das principais ameaças às relações de Para os fins deste trabalho, considera-se que,
confiança é o ‘segredo sistemático’6, ou seja, a se por um lado, é possível trabalhar e cooperar
proposital sonegação de informações entre os com pessoas nas quais não se confia, o trabalho
envolvidos – um comportamento oposto à tende ser a muito mais frutífero quando existe
transparência. confiança entre os indivíduos2, 3, 9, 10.
Também se constitui em um elemento influ-
enciador da confiança nas relações interpessoais
a ‘confiança personalizada’7. Ela é caracterizada Políticas públicas de saúde no Brasil
como a propensão do observado em, usualmen- – o Sistema Único de Saúde
te, confiar em outras pessoas, englobando suas
expectativas, características pessoais e elementos A partir de 1988, com a promulgação da Consti-
nos quais costuma confiar. tuição Federal, o Brasil passou a contar com um
Em adição à dimensão cognitiva e à emocio- novo olhar sobre o atendimento à saúde de seus
nal, a confiança também possui aspectos relaci- cidadãos. Considerada como um direito social,
onados ao comportamento dos indivíduos1. Ou cuja responsabilidade formal é do Estado11, a
seja, a decisão de confiar em alguém é baseada saúde passou de uma concepção sabidamente
também na observação do comportamento excludente, centralizadora, medicalizada e hospi-
alheio. Por um lado, o observador analisa se o talocêntrica para a idéia de atendimento integral,
comportamento do observado demonstra que voltado especialmente para a prevenção e para a
ele é confiável1,6. Por outro lado, o observador promoção de saúde, descentralização político-
também percebe se o observado parece confiar administrativa e de participação da sociedade.
nele – guardando uma relação estreita com a re- Tal concepção não nasce direta e exclusiva-
ciprocidade: na medida em que o observador mente da Constituição Federal de 1988, no en-
percebe que o observado parece confiar nele, tende tanto. O texto referente à saúde da própria Carta
a reciprocamente ter uma maior propensão a Magna é resultado de um longo processo anteri-
confiar no observado4. or, gestado desde a década de 70 do século XX,
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por parte de sanitaristas, acadêmicos e líderes pelo Movimento da Reforma Sanitária. Visando
populares, sindicais e políticos, em um cenário o cumprimento da Constituição, foi editada, em
de busca por abertura política e de esgotamento 1990, a Lei Orgânica da Saúde (LOS), formada
do sistema de saúde até então vigente, momento pelas Leis Federais 8080/90 e 8142/90, as quais
em que se propiciou a intensificação de movi- instituem e dispõem sobre o funcionamento, or-
mentos sociais e a conseqüente discussão sobre ganização e características do SUS. Através da
o futuro do sistema de saúde. Àquela época, deu- Constituição e, posteriormente, da LOS, definiu-
se o surgimento do chamado Movimento Sani- se que o SUS seria regido por determinados prin-
tário, a partir de discussões sobre as políticas de cípios e diretrizes, e propunha-se, naquela legis-
saúde feitas no âmbito acadêmico12. lação, a passagem do então modelo vigente para
Tal movimento cresceu e legitimou-se pelos uma forma voltada à prevenção e promoção da
movimentos populares e pela atuação de parla- saúde14, 15.
mentares e de instituições de saúde, assim como A mudança do modelo de atenção vem se
teve grande influência sobre alguns eventos, tais desenvolvendo desde o início da década de 90 do
como a apresentação de uma proposta de reor- século XX, principalmente a partir de 1993-1994,
ganização do sistema de saúde existente, a qual quando foram desencadeados os processos de
contemplava conceitos como universalização, municipalização e de implementação da estraté-
integralidade e participação social; e sobre a for- gia de Saúde da Família16, adotada com a inten-
mulação do Plano Conasp (Plano de Reorienta- ção de atender a todos os princípios legais do
ção da Assistência à Saúde), no âmbito da Previ- SUS, especialmente os de universalidade de aces-
dência Social, o qual incorporava algumas pro- so, de integralidade da assistência à saúde e de
postas do Movimento pela Reforma Sanitária, e resolutividade, englobando paulatinamente toda
que se efetivou através das Ações Integradas em a rede de serviços básicos, através da ampliação e
Saúde, estas sendo a primeira experiência de um qualificação da atenção primária em saúde.
sistema de saúde mais integrado e articulado, e É preciso, ainda, reforçar que o Sistema Úni-
tornando-se a base para a implantação do Siste- co de Saúde, embora tenha sido explicitado em
ma Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS). sua formalização inicial pela Constituição Fede-
Além disso, as AIS propiciaram o surgimento das ral de 1988 e, posteriormente, operacionalizado
Comissões Interinstitucionais de Saúde (CIS), por meio de legislação específica, tais como a Lei
chão para os futuros Conselhos de Saúde)12. Orgânica de Saúde e pelas Normas de Operacio-
Posteriormente, em função da elaboração da nalização Básicas e de Atenção à Saúde (NOBs e
nova Constituição, a qual dependeria de uma NOAS), não é um modelo simples e estanque. O
Assembléia Nacional Constituinte, convocou-se SUS é um processo e, como tal, é algo em cons-
a 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, tante construção, na busca por seu próprio aper-
para discutir uma nova proposta da estrutura e feiçoamento, objetivos e ideal.
da política do setor. Com a participação de mais
de quatro mil pessoas, entre usuários do siste-
ma, profissionais de saúde, políticos e lideran- Estratégia de saúde da família
ças, refletiu um processo de discussão iniciado
em níveis municipais e estaduais, cujos temas de Formada a partir de dois programas elaborados
trabalho foram a saúde como direito, a refor- pelo Ministério da Saúde - aquele a partir do qual
mulação do sistema nacional de saúde e financi- foi nomeado, com início em 1994/5, e o Progra-
amento setorial. Conforme seu Relatório Final, ma de Agentes Comunitários de Saúde (PACS),
a saúde ficou entendida como resultante de fato- iniciado em 1991 e uma espécie de precursor do
res como alimentação, habitação, educação, ren- Programa de Saúde da Família (PSF), a estraté-
da, meio ambiente, trabalho, transporte, empre- gia de Saúde da Família deixou de ser vista como
go, lazer, liberdade de acesso e posse da terra e um simples programa e passou a ser considera-
acesso a serviços de saúde13. Compreendendo a da como reorientadora e estruturante da organi-
saúde por meio deste amplo conceito, princípios zação do SUS a partir de 1997, através da Porta-
como universalidade, igualdade, intersetorialidade ria 1886/GM/MS17.
e racionalidade foram colocados em pauta. Faz-se salutar, para melhor compreensão
E, enfim, em 1988, a Constituição Federal in- deste trabalho, tornar claro que para os fins des-
cluiu em uma seção sobre saúde alguns concei- te, as nomenclaturas Programa de Saúde da Fa-
tos e propostas debatidas na 8ª Conferência, in- mília (PSF) e Estratégia de Saúde da Família são
corporando, desta forma, propostas surgidas utilizadas para descrever o mesmo fenômeno.
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Esta dualidade de termos deve-se ao próprio uso A implantação do PSF depende, antes de tudo,
dos mesmos por parte do Ministério da Saúde e de decisão política da administração municipal,
das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. que deve submeter essa proposta ao Conselho
A oficialização do PSF, enquanto simples pro- Municipal de Saúde e discutir o assunto com as
grama de saúde, ocorreu em 1994, após um pro- comunidades que serão beneficiadas22, desta for-
cesso de discussão iniciado em dezembro de 1993, ma possibilitando a participação da população e
em Brasília. O que de fato houve foi a institucio- o controle social. Para tanto, é preciso que sejam
nalização, por parte do Ministério da Saúde, das promovidos debates e divulgação dos ideais do
experiências de práticas em saúde com agentes processo, com a presença e participação de re-
comunitários, as quais já vinham sendo desen- presentantes, lideranças e de outras entidades das
volvidas de forma isolada em diversas regiões do comunidades.
país, especialmente no Ceará, onde foram trans- Este processo de sensibilização e divulgação é
formadas em uma política estadual. O MS per- considerado como uma primeira etapa de dis-
cebeu, a partir da experiência acumulada neste cussão dos princípios e diretrizes da estratégia de
estado, que os agentes comunitários de saúde Saúde da Família e suas bases operacionais, e visa
poderiam ser peça importante para a organiza- disseminar as idéias centrais da proposta. É ex-
ção da atenção básica nos municípios18, enten- tremamente necessário que todos os atores en-
dendo-se atenção básica como o conjunto de volvidos (gestor, profissionais de saúde, lideran-
ações individuais e coletivas, situadas em um ní- ças e usuários) possam compreender que Saúde
vel de baixa complexidade, voltadas para a pro- da Família é uma proposta com potencial para
moção da saúde, a prevenção de doenças e agra- reordenar a assistência básica em saúde, de acor-
vos, o tratamento e a reabilitação19. do com as diretrizes e princípios do SUS.
Em sua concepção inicial, o principal propó- O trabalho de sensibilização e divulgação deve
sito do PSF era tornar-se a porta de entrada do envolver clareza na definição do público a ser
usuário ao SUS e ampliar o acesso da população atingido e transparência na mensagem veicula-
aos serviços de saúde, de forma hierarquizada, da. Para tanto, podem ser programadas reuni-
através da atenção básica. No entanto, a atenção ões diversas, com o objetivo de serem articula-
básica à saúde não pode ser enfocada apenas das alianças e de se criar familiaridade com a
como uma mera porta de entrada. Ela deve re- proposta, características necessárias ao desenvol-
solver de 80 a 85% da demanda de saúde20 e, vimento da estratégia.
desta forma, exige um investimento estratégico, Neste trabalho, devem ser enfatizados
e que a capacidade instalada seja levada para perto alguns aspectos como a missão do PSF e a
da população. Ela deve fixar equipes, para pro- comunicação, constituída por vários e dife-
duzirem vínculo, acolhimento e resolução dos rentes canais de informação e de mobiliza-
problemas relacionados à saúde. ção, para com isso disseminar a proposta,
Assim sendo, transformar o programa em divulgar experiências bem-sucedidas e iden-
uma estratégia de organização foi um avanço tificar possíveis aliados e instituições forma-
para a gestão do SUS, uma vez que se busca não doras de profissionais para o sistema.
apenas o acesso e sua ampliação, mas também a Para que a implantação do programa seja
reorganização da prática da atenção à saúde em efetivada, o Ministério da Saúde, bem como as
novas bases, a substituição do modelo então vi- Secretarias Estaduais de Saúde devem fornecer
gente, levando a saúde para mais perto das famí- apoio técnico e financeiro para a elaboração do
lias e melhorando-se a qualidade de vida dos ci- projeto e para a própria implantação, a qual passa
dadãos brasileiros19. por diversas outras etapas.
Esta mudança de modelo possibilita a inte- Priorizando a vigilância em saúde, cuja inten-
gração e a organização das atividades em um ter- ção é englobar ações de promoção, proteção e
ritório definido, com o propósito de favorecer o recuperação da saúde familiar de todas as pesso-
enfrentamento dos problemas identificados e as, sadias ou doentes, de forma integral e contí-
implica necessariamente a articulação da atenção nua, a estratégia incorpora e reafirma os princí-
básica com a média e a alta complexidade, envol- pios básicos do SUS e centraliza seus esforços
vendo a integração de políticas estratégicas de saú- nas Unidades de Saúde da Família, trabalhando
de21, além de envolver diversos atores, compreen- com base em princípios próprios, a saber: inte-
dendo-os como pessoas e instituições, a saber, os gralidade (atenção integral aos indivíduos e fa-
usuários do sistema, o gestor de saúde, a equipe mílias, em todos os níveis de complexidade, de
de saúde da família e as lideranças comunitárias. acordo com cada caso), hierarquização (o aces-
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Valentim, I. V. L. & Kruel, A. J.

so ao sistema deve ser feito sempre a partir da tado as equipes básicas, como os cirurgiões-den-
atenção básica e dela seguir para os níveis maio- tistas, atendentes de consultório dentário e técni-
res de complexidade), territorialidade e adscri- cos de higiene oral. Ainda outros podem ser in-
ção da clientela (a unidade trabalha com terri- corporados à equipe ou mesmo formar equipes
tório definido e a população nele inserida deve de apoio, como farmacêuticos, fonoaudiólogos
ser cadastrada e acompanhada) e equipe multi- e assistentes sociais.
profissional19. Cada profissional da equipe básica de SF pos-
Visualizam-se22 três características funda- sui uma determinada atribuição. No entanto,
mentais da estratégia de Saúde da Família: em cabe a todos fomentar e desenvolver, conjunta-
primeiro lugar, a ênfase na territorialização e na mente, ações preventivas e de promoção da qua-
adscrição da clientela, responsabilizando cada lidade de vida da comunidade, além de ações de
equipe pelo cadastramento e acompanhamento recuperação e de reabilitação da saúde, tanto na
das famílias do território de abrangência. Segun- unidade de saúde quanto nos municípios, alian-
do, ela tem caráter substitutivo, através de suas do, desta forma, a atuação clínica e técnica à prá-
unidades, uma vez que não constitui uma nova tica da saúde coletiva.
estrutura de serviços (excetuando-se as áreas Além das atribuições específicas, os profissi-
anteriormente desprovidas de), mas sim substi- onais da equipe têm diversas responsabilidades
tui as práticas convencionais de assistência por em comum, como conhecer a realidade das fa-
um novo processo de trabalho, cujo eixo está mílias pelas quais são responsáveis, identificar
centrado na vigilância à saúde e na participação seus problemas de saúde e situações de risco mais
da comunidade e, por fim, ela faz parte orgânica comuns, e construir conjuntamente um plano
do SUS, dentro do princípio da integralidade e local para o enfrentamento dos mesmos, discu-
da hierarquização. Por isso, deve estar vinculada tindo com a comunidade conceitos de cidadania,
à rede de serviços, de forma a garantir atenção de direitos à saúde e suas bases legais24.
integral aos indivíduos e às famílias, em todos os Dentre os profissionais da equipe, surge como
níveis de complexidade, sempre que necessário. ator de grande importância o agente comunitá-
De acordo com as Portarias 1186/GM/MS17 e rio de saúde (ACS), o qual faz a ligação entre a
157/GM/MS23, recomenda-se que cada equipe de comunidade e o serviço de saúde, visitando cada
Saúde da Família seja responsável por, no máxi- família pelo menos uma vez por mês, realizando
mo, 4.500 pessoas. Desta forma, a Unidade de o mapeamento de sua área, o cadastramento das
Saúde pode ser composta por uma ou mais equi- famílias e estimulando a comunidade à partici-
pes, dependendo da concentração de famílias re- pação social. O ACS é, ao mesmo tempo, mem-
sidentes no território13. bro da equipe de saúde e da própria comunidade
Cada equipe de Saúde da Família (SF) é capa- onde atua, salientando-se que ele deve ser mora-
citada para conhecer a realidade das famílias pe- dor desta comunidade há pelo menos dois anos,
las quais é responsável, por meio de cadastra- de forma que possa conhecer as pessoas e a rea-
mento e diagnóstico de suas características soci- lidade da comunidade e ser conhecido por elas25.
ais, demográficas e epidemiológicas; identificar os Suas atividades são extensas, englobando desde
principais problemas de saúde e situações de ris- a identificação de indivíduos e famílias expostos
co aos quais a população que ela atende está ex- a situações de risco, até o desenvolvimento de
posta; elaborar, com a participação da comuni- ações de educação e vigilância à saúde, mobiliza-
dade, um plano local para enfrentar os determi- ção comunitária e identificação de parceiros e
nantes do processo saúde/doença; prestar assis- recursos existentes na comunidade que possam
tência integral, respondendo de forma contínua e ser potencializados pela equipe24.
racionalizada à demanda, organizada ou espon- Cabe explicitar que as equipes atuam com
tânea, na Unidade, na comunidade, no domicílio outros setores de saúde, como os serviços de saúde
e no acompanhamento ao atendimento nos ser- ambulatoriais, hospitalares e de vigilância sani-
viços de referência ambulatorial ou hospitalar e tária e epidemiológica, além de outras áreas rela-
desenvolver ações educativas e intersetoriais para cionadas à prevenção, promoção e recuperação
enfrentar os problemas de saúde identificados19. da saúde, como educação, saneamento, meio
A equipe de SF é composta, no mínimo, por ambiente, dentre outros, configurando, desta
um médico preferencialmente com formação es- forma, preocupação com o princípio de interse-
pecífica, um enfermeiro, um auxiliar de enfer- torialidade, preconizado pela Lei Orgânica da
magem e de quatro a seis agentes comunitários Saúde14.
de saúde. Outros profissionais têm complemen- Passados cerca de dez anos da implantação
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do PSF, posteriormente transformado em estra- apenas de forma pontual, mas todo o relaciona-
tégia, são mais de 60 milhões de pessoas acom- mento da equipe e o êxito do programa, já que a
panhadas por quase 19.200 equipes, na maior quebra da confiança pode trazer conseqüências
parte dos municípios brasileiros. Entretanto, ain- para todo o relacionamento estabelecido entre
da há desafios, dentre os quais a sua própria os indivíduos1 e, conseqüentemente, entre os di-
qualificação e a necessidade de se avançar na in- versos atores sociais, prejudicando o resultado
tegralidade e na resolutividade da atenção em do trabalho desenvolvido entre as partes.
saúde. Deve ser salientada a importância da coope-
Além das citadas acima, algumas dificulda- ração em um trabalho como o da equipe de saú-
des têm sido encontradas para a implantação de da família, cooperação esta que pode ser po-
desta proposta nos municípios, relacionadas a tencializada e ocorrer em bases mais sólidas caso
apoio técnico das secretarias de saúde, em nível as relações entre os membros sejam perpassadas
municipal e/ou estadual: integração com a rede pela confiança. A falta de confiança dos ACS na
local de saúde e/ou com os com os demais pro- equipe, por exemplo, pode dificultar a utilização
gramas de saúde; planejamento e monitoramen- da equipe por parte da população, assim como a
to das ações, alcance das metas previstas, impac- confiança dos técnicos no ACS pode facilitar a
to das ações, carências de rede física, insumos, ação de saúde, com base no seu diagnóstico e nas
medicamentos ou equipamentos, entre outros. suas informações.
A confiança da equipe nas lideranças comuni-
tárias, embora não possa ser considerada fun-
Análise da confiança damental para o desenrolar das atividades, pode
nas relações entre os atores do PSF vir a ser um facilitador no processo, principal-
mente no seu início, quando as equipes necessi-
Entre os principais atores que participam ativa- tam de informações sobre as comunidades a se-
mente do PSF, destacam-se os gestores de saúde rem beneficiadas pelo Programa. Esta confiança
pública, os integrantes das equipes de saúde da pode ser influenciada pelas experiências anterio-
família, as lideranças comunitárias e os próprios res e informações prévias (familiaridade) do ACS
usuários do SUS. Entre todos eles, estabelecem- sobre estas lideranças. Além disso, por meio da
se relações que possuem diferentes característi- reciprocidade, o ato de confiar nas lideranças
cas, as quais influenciam diretamente na cons- pode estimular que estas também confiem na
trução e manutenção da confiança. equipe de saúde da família.
Como recurso didático para facilitar a análi- Da mesma forma, a confiança das lideranças
se da importância da confiança nas relações en- comunitárias na equipe tem grande relevância,
tre tais atores, elas são aqui estudadas dividin- principalmente durante as etapas iniciais do tra-
do-se cada teia de relacionamentos de acordo com balho junto à comunidade, para que ocorra o
suas próprias especificidades, ainda que todos compartilhamento das informações entre os dois
estejam ligados, conforme o que segue: atores sociais. Pelo fato de o ACS já ser da comu-
A confiança entre os membros da equipe é im- nidade e, em geral, conhecido destas lideranças,
portante, principalmente, devido ao caráter mul- o relacionamento prévio com ele pode influenci-
tiprofissional e à grande responsabilidade do tipo ar diretamente o relacionamento com a equipe.
de trabalho desenvolvido, o qual envolve direta- É importante que a confiança perpasse as rela-
mente a saúde de cidadãos brasileiros, em nível ções entre a equipe e as lideranças, mesmo em
individual e coletivo. etapas posteriores de implantação, para que o
A transparência entre os integrantes da equi- trabalho deste time ganhe o reconhecimento e a
pe, ou seja, uma atitude por parte de todos os legitimação destas lideranças, em constante diá-
membros do time em agirem de modo que as logo com o gestor e o poder público. Também
informações disponíveis sejam compartilhadas, pode ser facilitada a mobilização e a sensibiliza-
é um dos pontos-chave para evitar-se uma pos- ção da comunidade quando as lideranças confi-
sível quebra da confiança. Desta forma, deseja- am na equipe.
se que não ocorra a sonegação proposital de in- A confiança da equipe no gestor de saúde tem
formações, o chamado ‘segredo sistemático’, uma efeitos significativos no resultado do trabalho.
potencial ameaça para as relações de confiança6. Se os membros da equipe de saúde não confiam
Essa falta de confiança entre os membros no gestor, e não acreditam que ele irá utilizar ade-
poderia trazer conflitos durante o trabalho e, quadamente as informações coletadas por eles
conseqüentemente, chegar a comprometer não para a promoção da saúde pública, a equipe pode
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passar a não realizar seu trabalho com o mesmo Como o ACS tem que morar há pelo menos
zelo, já que não perceberia o reconhecimento es- dois anos na comunidade25, isto pode facilitar
perado, colocando em risco a eficiência do siste- bastante a construção da confiança com elemen-
ma26, já que o zelo no trabalho se mostra indis- tos da familiaridade (através do conhecimento
pensável. Também nesta relação, a reciprocida- e informações sobre este membro da comunida-
de se mostra relevante. de) e realidade coletiva cognitiva (se as demais
Por outro lado, na medida em que o gestor pessoas o acham confiável, isso facilitará com
confia em uma equipe de saúde da família, ele terá que o usuário também o considere merecedor de
maior propensão a utilizar as informações por sua confiança) - daí percebe-se que é interessan-
ela coletadas para tomadas de decisão político- te que o ACS tenha uma “boa reputação” na co-
administrativas e para a elaboração das políticas munidade.
de saúde do município. Outro ponto crucial no relacionamento entre
É importante que a confiança perpasse as re- os membros da equipe e os usuários é que todos
lações entre a equipe e os usuários. Primeiramen- os profissionais de saúde integrantes do time, em
te, um comportamento por parte da equipe, o especial o ACS, tenham um comportamento que
qual demonstre que esta confia nos usuários, pode inspire e reitere a confiança depositada neles pelos
ser servir de base para que estes, reciprocamente, pacientes. A ética no manuseio das informações
também confiem nela. Além disso, é fundamental coletadas mostra-se um facilitador do processo,
que a equipe confie nos cidadãos, já que são eles se percebida desta forma pelos usuários. Nesta
que fornecem as informações-base para os diag- questão, para a construção da confiança entre os
nósticos de cada família e suas ações posteriores. pacientes e a equipe, além do comportamento,
Tão ou mais importante que a confiança da mesclam-se elementos como a identificação de
equipe nos usuários é o oposto: a confiança des- valores e boas razões, principalmente com o ACS,
tes nos membros integrantes da equipe de Saúde que já é conhecido da comunidade..
da Família. O usuário é o pilar de sustentação de De forma análoga, os usuários terão mais
toda a Estratégia de Saúde da Família. propensão a confiar na equipe sabendo que o
Sem que o usuário confie na equipe, todo o ACS também confia, ou ao menos parece confiar
processo é dificultado. É ele que deve abrir as nela. Ou seja, para que os usuários se sintam
portas de sua casa para que os técnicos possam mais seguros para permitir a entrada da equipe
realizar seu trabalho, bem como lhes fornecer em suas casas e para fornecer-lhe as informa-
informações sobre seus hábitos, costumes e ne- ções solicitadas, o ACS atua como peça-chave,
cessidades de saúde. Deve-se levar em conta que uma vez que é o único indivíduo já conhecido
estes dados fornecidos são, muitas vezes, confi- por eles. Quanto mais confiarem nele, maior é a
denciais e até mesmo constrangedores e, assim, tendência de que confiem na equipe da qual ele
fica clara a necessidade de que estes usuários con- faz parte.
fiem na equipe para que possam ser tão sinceros Expectativas excessivas por parte dos usuári-
quanto for possível. os quanto ao poder de ação das equipes podem
Além disso, as pessoas, ao aceitarem o trata- ser frustradas e representarem um risco para toda
mento das equipes de saúde da família, confiam a relação com estas, e também para o sucesso do
sua saúde à ela e, desta forma, o sucesso do tra- programa. Logo, é salutar que seja deixado cla-
tamento depende em grande parte da sua confi- ro, desde o início, até onde vai o limite de cada
ança na capacidade técnica da equipe, no sentido um dos envolvidos no programa, agindo-se com
de que os diagnósticos e as prescrições sugeridas total transparência.
sejam seguidas. Entretanto, esta confiança se ca- No relacionamento entre os usuários e o ges-
racteriza como a única alternativa para alguns tor de saúde, os primeiros depositam no último
pacientes em determinados momentos, já que eles uma série de expectativas quanto à solução de
não possuem outras opções para dar conta das diversas carências. A confiança do usuário no ges-
enfermidades enfrentadas. tor de saúde está atrelada a e é influenciada, em
Para que os usuários confiem na equipe, o grande parte, pelas experiências prévias vivencia-
papel do ACS ganha mais uma vez uma impor- das com este gestor, bem como com as gestões
tância significativa. Visto que os técnicos são usu- anteriores e com o poder público de uma manei-
almente desconhecidos dos pacientes, é justamen- ra geral. Ou seja, a confiança depositada no ges-
te o papel desempenhado por esse agente comu- tor de saúde é fortemente influenciada pela con-
nitário que, como elo de ligação, pode facilitar a fiança no Estado, no poder público. A identifi-
construção da confiança. cação de valores neste gestor, bem como o fato
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dele ser considerado confiável pelo resto da po- presença da confiança nestas relações é fortemen-
pulação (realidade coletiva cognitiva), pode te influenciada pelo histórico das experiências
ajudar no processo de construção da confiança anteriores entre as partes, mas também pode so-
nesta relação. A importância da confiança per- frer interferência da afetividade existente entre elas.
passar estas relações reside no fato de fazer com A confiança das lideranças no gestor de saúde
que a população tenha maior propensão a acei- faz com que as comentadas carências e solicita-
tar e reconhecer o trabalho da equipe de saúde. ções da comunidade sejam levadas ao poder pú-
O trabalho de sensibilização e divulgação do blico de forma mais rápida. Em contrapartida, a
PSF a ser implantado em uma comunidade, res- confiança do gestor nas lideranças pode facilitar o
ponsabilidade do gestor, também pode ajudar apoio político ao governo. Quando este relacio-
para que os usuários desenvolvam a confiança namento é dominado pela descrença, muitas ve-
nele, já que esta etapa visa fornecer aos envolvi- zes com base em experiências anteriores mal-
dos informações sobre o programa, contribuin- sucedidas, a relação política entre os atores pode
do com a dimensão cognitiva da confiança. Em ficar fragilizada e fazer com que os interesses de
contrapartida, quanto maior o nível de confian- ambas as partes se tornem mais difíceis de ser
ça depositada pelo gestor de saúde nos usuários, atingidos.
maior poderá ser a aceitação dos diagnósticos Analogamente ao caso das relações entre os
recebidos como fidedignos, podendo fazer com membros das equipes de saúde deverem ser per-
que as reivindicações comunitárias tenham mais passadas pela confiança, quanto maior o seu ní-
chances de ser atendidas. vel entre as lideranças comunitárias, maior será
Quanto mais os usuários confiarem entre si, e a capacidade de mobilização e luta pelas reivindi-
na força que têm em grupo, mais aumentam as cações dos direitos dos usuários do Sistema Úni-
chances de mobilização popular em prol da bus- co de Saúde, por meio do PSF.
ca pelos seus direitos e reivindicações. Os laços Com o intuito de permitir melhor compre-
afetivos entre estes cidadãos, bem como a fami- ensão e visualização da importância da confian-
liaridade e a identificação de valores podem ça para as diversas relações supra analisadas,
vir a ser grandes facilitadores para o desenvolvi- apresenta-se um quadro-síntese abaixo. As rela-
mento da confiança entre eles. ções de confiança existentes entre os gestores de
Em consonância ao exposto no parágrafo saúde não foram analisadas neste trabalho devi-
anterior, na medida em que as lideranças comu- do ao grande número de possibilidades que po-
nitárias confiam entre si, elas podem ganhar for- deriam advir como conseqüência da divisão do
ça política para lutarem pela satisfação das ne- poder público em três esferas de governo (fede-
cessidades e reivindicações da comunidade. Esta ral, estadual e municipal). Desta forma, estas re-
confiança tem como principais facilitadores a lações não se constituíram em parte do objetivo
identificação de valores e as experiências ante- deste trabalho, mas podem ser analisadas atra-
riores vivenciadas entre elas. vés de pesquisas posteriores.
A confiança dos usuários nas lideranças é im- Por fim, resta uma indagação: seguindo-se
portante já que estas se constituem na represen- os pressupostos da dimensão emocional da con-
tação desses usuários junto ao poder público, le- fiança e a ‘confiança personalizada’7, será que a
vando suas reivindicações de maneira direta ao seleção de membros para as equipes deve tentar
gestor. De forma inversa, a confiança existente dar preferência a profissionais que possuam uma
entre as lideranças e os usuários se constitui em propensão maior a confiar em terceiros (já que
uma forma de reduzir as incertezas quanto às estas se relacionam diretamente com todos os
solicitações da comunidade e em um estímulo demais atores envolvidos)?
para a luta pelas suas próprias necessidades. A
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EM QUEM CONFIA

Usuários atendidos
ENVOLVIDOS Equipe de Saúde da Gestor de Saúde Lideranças pelo Programa de
Família Comunitárias Saúde da Família

estímulo à cooperação desempenho do facilitação da diagnósticos das


Equipe de Saúde
e ao compartilhamento trabalho com zelo aquisição de famílias e da
da Família
de informações informações a respeito comunidade melhor
das comunidades elaborados

tomada de decisões e não analisada facilitação do apoio maior aceitação dos


elaboração de políticas político ao governo diagnósticos recebidos
Gestor de Saúde
públicas de saúde como fidedignos,
melhor embasadas podendo ajudar no
atendimento das
reivindicações
QUEM CONFIA

facilitação do reivindicações da ganho de força redução de incertezas


compartilhamento de comunidade levadas política para lutar quanto às solicitações
informações; de forma mais rápida pelas reivindicações da comunidade;
reconhecimento e e precisa e necessidades da estímulo à luta por
Lideranças
legitimação do comunidade necessidades da
Comunitárias
trabalho; facilitação da comunidade
mobilização e
sensibilização da
comunidade quanto ao
trabalho das equipes

melhor aceitação do facilita a aceitação e certeza de que suas aumento da chance


Usuários
trabalho da equipe, reconhecimento do reivindicações serão de mobilização
atendidos pelo
inclusive dos trabalho da equipe de levadas ao gestor de popular e luta
Programa de
tratamentos; maior saúde saúde por direitos e
Saúde da Família
fidegnidade dos dados reivindicações
fornecidos

Considerações finais os envolvidos no programa, nota-se que a confi-


ança dos demais atores sociais na figura do Agen-
Após a análise do Programa de Saúde da Família, te Comunitário de Saúde possui um papel central
percebe-se que o mesmo tem um papel extrema- no processo, já que ele é o elo de ligação entre o
mente relevante para o êxito das políticas de saú- poder público e a comunidade, se constituindo
de do governo federal, e mesmo para a proposta no mais importante facilitador e potencializador
de reordenamento do modelo de atenção à saú- das ações voltadas para os usuários do SUS.
de. Porém, proporcional à sua capacidade de con- Para trabalhos futuros, se mostra interessante
tribuir para o Estado e para a sociedade, é sua que sejam realizadas pesquisas de campo a fim
complexidade, a qual engloba diversas teias de de comprovar, empiricamente, os facilitadores e
relacionamentos que compreendem atores soci- barreiras no processo de construção da confian-
ais de diversos setores da sociedade. ça entre os participantes do PSF. Também surge
Conclui-se que a confiança entre os diversos a possibilidade de que sejam analisadas as rela-
envolvidos no PSF é um item de importância ím- ções existentes entre os gestores de saúde das di-
par para o êxito do programa. Embora sua pre- versas esferas de governo (federal, estadual e
sença seja relevante para as relações entre todos municipal).
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Ciência & Saúde Coletiva, 12(3):777-788, 2007


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