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1) O documento discute as implicações da perspectiva interacionista da sociedade para o processo e prática educacional. 2) Especificamente, a perspectiva interacionista enfatiza o caráter processual e dialógico da educação e fornece uma visão otimista da educação como meio de engajamento social. 3) O resumo analisa a contribuição de teóricos como George Mead, Peter Berger e Thomas Luckmann para o desenvolvimento do interacionismo simbólico e sua relação com a teoria pedagógica de Paulo Freire.
1) O documento discute as implicações da perspectiva interacionista da sociedade para o processo e prática educacional. 2) Especificamente, a perspectiva interacionista enfatiza o caráter processual e dialógico da educação e fornece uma visão otimista da educação como meio de engajamento social. 3) O resumo analisa a contribuição de teóricos como George Mead, Peter Berger e Thomas Luckmann para o desenvolvimento do interacionismo simbólico e sua relação com a teoria pedagógica de Paulo Freire.
1) O documento discute as implicações da perspectiva interacionista da sociedade para o processo e prática educacional. 2) Especificamente, a perspectiva interacionista enfatiza o caráter processual e dialógico da educação e fornece uma visão otimista da educação como meio de engajamento social. 3) O resumo analisa a contribuição de teóricos como George Mead, Peter Berger e Thomas Luckmann para o desenvolvimento do interacionismo simbólico e sua relação com a teoria pedagógica de Paulo Freire.
PROCESSO E PRTICA EDUCACIONAL SYMBOLIC INTERACTIONISM IMPLICATIONS FOR THE EDUCATIONAL PROCESS AND PRACTICE Filipe Costa Fontes 1 RESUMO: A sociedade tanto produto, quanto pano de fundo do processo educacional. De posse deste pressuposto, este breve artigo tem como objetivo central apontar algumas contribuies de uma viso interacionista da sociedade para o projeto educacional. Tendo em vista a grande abrangncia do paradigma interacionista, este se limitar a uma apresentao geral do referido paradigma, com enfoque maior sobre uma de suas manifestaes mais recentes: a sociologia do conhecimento de Peter Berger e Thomas Luckmann. Aps apresentar tal paradigma social, o ensaio procurar mostrar algumas das contribuies de uma viso interacionista da sociedade para o processo e a prtica educacionais. Isto ser feito tomando como referencial terico a concepo de sociedade do interacionismo simblico, sobretudo em sua manifestao mais recente, na sociologia do conhecimento de Berger e Luckmann, em interao com os pressupostos da teoria pedaggica de Paulo Freire. Ao fim deste ensaio, pretende-se mostrar que uma a viso interacionista da sociedade implica o carter processual da educao, permite uma viso otimista do processo educacional como o caminho para o engajamento social de um indivduo, e refora o carter hermenutico e dialgico do processo educacional. Palavras-chave: Interacionismo Simblico; Processo Educacional; Socializao; Dilogo. Abstract: The society is both the product and the background of the educational process. Upon receipt of this assumption, this short article aims to highlight some central contributions of an interactionist view of society for the educational project. Given the broad reach of the interactionist paradigm, this will be limited 1 Bacharel em Teologia, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; Licenciado em Filosofia pelo Centro Universitrio Assuno; Mestre em Teologia Filosfica pelo CPAJ (Centro de Ps- Graduao Andrew Jumper); Mestrando em Educao, Arte e Histria da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. fcfontes@gmail.com Revista Plures Humanidades, Ribeiro Preto, ano 12, n. 15, p. 141-154, jan. jun. 2011 142 to an overview of this paradigm with greater focus on one of its latest manifestations: the sociology of knowledge by Peter Berger and Thomas Luckmann. After presenting such social paradigm, the essay seeks to display some of the contributions of an interactionist view of society to the educational process and practice. This will be done by taking as a theoretical conception of society symbolic interactionism especially in its most recent manifestation in the sociology of knowledge by Berger and Luckmann, in interaction with the assumptions of the pedagogical theory by Paulo Freire. At the end of this essay, I intend to show that an interactionist view of society implies the procedural nature of education providing an optimistic view of the educational process as the way to the social commitment of an individual, and reinforces the hermeneutic and dialogic character of the educational process. Keywords: Symbolic Interactionism; Educational Process; Socialization; Dialogue. Introduo No existe sociedade. Existe um processo de sociedade. No existe educao. Existe um processo de educao. (TEIXEIRA, 1971, p.85) A sentena de Ansio Teixeira transcrita acima revela que h uma profunda relao entre a concepo sobre a sociedade e a concepo sobre a educao. Tal relao se deve ao fato de que educao e sociedade encontram-se diretamente relacionados, numa relao dialtica, por assim dizer. De um lado, a sociedade o produto da educao. para a vida em sociedade que se visa educar. Por outro lado, a sociedade o pano de fundo do processo educacional, por meio de relaes sociais que o processo educacional acontece, sendo a escola um dos primeiros grupos sociais no qual se insere um indivduo. Por isso, a concepo de um pesquisador ou educador sobre a sociedade tende a influenciar de maneira determinante sua concepo sobre a educao. Uma concepo positivista da sociedade, por exemplo, conduziu o ocidente a uma viso tradicional e bancria da educao, para usar a nomenclatura empregada por Paulo Freire (1970, p.33). Assim tambm, concepes diferentes sobre a sociedade podem nos conduzir a diferentes vises do processo, e, Revista Plures Humanidades, Ribeiro Preto, ano 12, n. 15, p. 141-154, jan. jun. 2011 O INTERACIONISMO SIMBLICO: IMPLICAES PARA O PROCESSO E PRTICA EDUCACIONAL 143 consequentemente, da prtica educacional, o que realmente importa. Este breve ensaio tem como objetivo apontar algumas contribuies de uma viso interacionista da sociedade para o projeto educacional. Isto ser feito tomando como referencial terico a concepo de sociedade do interacionismo simblico, sobretudo em sua manifestao mais recente, na sociologia do conhecimento de Berger e Luckmann, em interao com os pressupostos da teoria pedaggica de Paulo Freire. 1) As teorias sociolgicas da agncia Piotr Sztompka (2005, p.17), de maneira ampla e precisa, classifica as teorias sociais em quatro grandes paradigmas: as teorias evolucionistas, as teorias cclicas, o materialismo histrico e as teorias da ao social. Estas ltimas, dentre as quais est o interacionismo simblico, objeto de nosso ensaio, recebem esse nome por terem como ncleo de seus estudos os agentes sociais e o impacto dos mesmos na dinmica social. Margaret Archer (1996, p.xi) afirma, no incio de sua obra, Culture and Agency, que o problema da estrutura e da ao tem sido, com justia, o assunto bsico da teoria social moderna. O pioneiro da perspectiva da ao Max Weber (1864-1920). Sua concepo de sociedade difere consideravelmente da concepo dos demais socilogos clssicos. Enquanto para Durkheim, por exemplo, a sociedade vista como uma realidade factual, exterior aos indivduos e coercitiva, portanto, capaz de determinar o comportamento dos mesmos, Weber a v como o resultado das interaes individuais. A prpria terminologia da teoria weberiana suficiente para revelar esta mudana de paradigma. Enquanto Durkheim desenvolveu e trabalhou sua teoria tendo como paradigma os fatos sociais, Weber o fez sob os conceitos de ao e relao sociais. Isto mostra que sua nfase da teoria weberiana, e, por consequncia, das teorias sociais da agncia, se deposita sobre o carter dinmico, mutvel e fluido do corpo social, ao invs de no aspecto estrutural esttico da sociedade (WEBER, 1996, p.5). 1) O interacionismo simblico Uma profunda e importante manifestao do paradigma da ao se encontra no interacionismo simblico. Embora seja possvel estabelecer uma relao do interacionismo simblico com o pensamento de Weber, seguimos a considerao de Giddens (2007, p.17), de que tal relao precisa ser compreendida como possuindo o status de influncia indireta. Filipe Costa FontesSilvana Fernandes Lopes Revista Plures Humanidades, Ribeiro Preto, ano 12, n. 15, p. 141-154, jan. jun. 2011 144 O interacionismo simblico filho da Escola de Chicago, fundada em 1892 por W. I. Thomas. Essa escola, descrita por Joas (1999, p.131) como a combinao de uma filosofia pragmtica, de uma orientao poltica reformista para as possibilidades da democracia num quadro de rpida industrializao e urbanizao, e dos esforos para transformar a sociologia numa cincia emprica, exerceu grande influncia na sociologia americana, entre 1890 e 1940, durante a fase de institucionalizao propriamente dita da disciplina. 2 George H. Mead (1863-1931) tem sido reputado como o fundador do interacionismo, embora o termo interacionismo simblico seja posterior, fazendo-se presente primeiramente na obra de Herbert Blumer (1900-1987), aluno da Escola de Chicago e defensor de suas concepes. Mead era originalmente psiclogo, e sua obra de influencia determinante para as teorias interacionistas foi A mente, o sujeito e a sociedade, anotaes de aulas ministradas na Escola de Chicago, no perodo de 1927-1930, que causou uma revoluo em sua disciplina ao associar os termos psicologia e sociedade (psicologia social) (DOMINGUES, 2001, p.25). Tradicionalmente, a psicologia era identificada com o estudo da psique individual, e Mead, nessa obra, apontou a influncia de um fator comumente desprezado pelas escolas psicolgicas na formao do indivduo, a sociedade. Sobre a contribuio de Mead, Joas afirma: Tomado pelo esprito do pragmatismo, (Mead) investigou o tipo de situao de ao em que uma maior ateno nos objetos do ambiente no basta para garantir o xito da continuidade da ao. O que tinha em mente eram problemas de ao interpessoal. Em situaes sociais, o agente , ele prprio, uma fonte de estmulo para seu parceiro. Ele deve ento estar atento a seus modos de ao, uma vez que estes suscitam reaes do parceiro e, por isso, tornam-se condies para a continuidade de suas aes. Neste tipo de situao, no apenas a conscincia, mas tambm a autoconscincia so funcionalmente requeridas (JOAS, 1999, p.139). Mead desenvolveu sua teoria atravs do estudo da comunicao. Ele pontuou que a mente possui trs aspectos fundamentais: a utilizao da linguagem simblica; a composio por gestos convencionais; e a realizao de ensaios 2 Para maiores informaes sobre a origem da Escola de Chicago, cf: COULON, A. A escola de Chicago. Campinas, SP: Papirus Editora, 1995. Revista Plures Humanidades, Ribeiro Preto, ano 12, n. 15, p. 141-154, jan. jun. 2011 O INTERACIONISMO SIMBLICO: IMPLICAES PARA O PROCESSO E PRTICA EDUCACIONAL 145 imaginativos que permitem a reflexo e escolha de cursos diversos de ao. Consequentemente, para Mead, o homem est envolvido num processo de comunicao constante que se d por meio de smbolos mutveis, construdos e compartilhados pelos indivduos. Os smbolos, definidos como objetos sociais usados pelo agente para representao e comunicao, evoluem de gestos corporais para gestos vocais e, posteriormente, para smbolos-significantes (MEAD, 1973, p.89). na medida em que os indivduos compartilham esses smbolos, e so capazes de comunicar e agir de forma que faa sentido para os demais, que se pode falar em sociedade. Dessa forma, a sociedade , para Mead, um intercmbio simblico, uma vez que ela se funda em sentidos compartilhados, sob a forma de compreenses e expectativas comuns (GOLDENBERG, 1997, p.26). Ao longo de sua socializao, o indivduo aprende a interagir em trs etapas bsicas que Mead denomina etapas da brincadeira, do jogo e do outro generalizado. Na primeira etapa, as interaes so completamente espontneas, no seguindo regras fixas. Na segunda, as interaes se do baseadas em regras fixas, que definem os indivduos e os papis dos mesmos. Na terceira, o indivduo teria adquirido a capacidade de ver-se nos diversos papis, compreendendo o comportamento dos demais indivduos, e respondendo a eles adequadamente durante a interao. Esta etapa, segundo Mead, permitiria o funcionamento harmonioso da sociedade (MEAD, 1973, p.180-186). Duas importantes consideraes podem ser feitas sobre a teoria de Mead. Primeiramente, que ela abraou a interao como unidade de anlise fundamental. Nela a sociedade definida como um padro organizado de interaes, composta de vrios grupos, que se encontra em constante fluxo de mudana. A partir da viso de Mead, a sociedade passa a ser concebida essencialmente em seu carter processual. Em segundo lugar, a teoria de Mead apresentou uma alternativa relao entre estrutura e ao, to discutida at ento. Para Mead, nem a estrutura nem a ao tm a palavra ltima, visto que a interao entre os indivduos a responsvel pela produo da vida social. Em sua teoria, o eu dos indivduos produto social, sem deixar de ser criativo. Ele entendia que a sociedade exerce um enorme poder sobre os indivduos, mas tambm concebia os indivduos como ativos e no como inertes diante desse poder, uma vez que, dada sua capacidade simblica, podem conceber realidades e cenrios, e agir, individual e coletivamente, para torn-los reais. Revista Plures Humanidades, Ribeiro Preto, ano 12, n. 15, p. 141-154, jan. jun. 2011 Filipe Costa FontesSilvana Fernandes Lopes 146 O sucessor de Mead, e responsvel pelo nome interacionismo simblico, foi Herbert Blumer. Blumer auxilia profundamente no entendimento da perspectiva interacionista ao resumir as teses centrais do interacionismo simblico em trs premissas bsicas. A primeira que, segundo o interacionismo, os seres humanos agem em relao s coisas, tendo como base o significado que elas tm para eles. Para Blumer, o interacionismo a teoria que concebe todas as aes humanas como guiadas por um processo de indicao e interpretao da realidade. Embora as aes individuais possam ser influenciadas pelas interaes nas quais estamos envolvidos, elas so, tambm, resultado de nossa prpria definio e interpretao da realidade. A segunda que o significado das coisas resulta da interao social que os seres humanos tm uns com os outros. por meio das interaes entre os indivduos que a realidade construda e interpretada simbolicamente. O interacionismo simblico rejeita a imagem do ser humano como um ser passivo e determinado, e cria uma imagem ativa do mesmo, atribuindo aos indivduos e suas aes a constituio da prpria sociedade. A terceira premissa a de que os significados no so aceitos e usados automaticamente, mas esto sujeitos a um processo de interpretao, isto , a um processo formador, no qual so usados ou alterados como meios para a orientao ou construo da ao no processo de interao social (BLUMER, 1969, p.2-5). 2) Peter Berger e a sociologia do conhecimento Mais recentemente, a influncia da tradio interacionista pode ser percebida nos trabalho de Peter Berger. Berger um dos mais recentes socilogos do conhecimento 3 , e expe sua viso sobre a sociedade na obra escrita em conjunto com Thomas Luckmann, A construo social da realidade, onde ambos revelam seus pressupostos interacionistas. Berger e Luckmann concebem a construo da realidade social como um processo dialtico entre estrutura e ao. Segundo Berger, esses dois O INTERACIONISMO SIMBLICO: IMPLICAES PARA O PROCESSO E PRTICA EDUCACIONAL 3 Cf. BERGER, P; LUCKMANN, T. A construo social da realidade. p. 14-15. O termo sociologia do conhecimento surgiu na filosofia de Max Scheler (1874-1928), na dcada de 1920, e denominou uma futura subdisciplina dos estudos sociais. Houve diferentes definies da natureza e do mbito da sociologia do conhecimento; contudo, pode-se apontar como acordo geral o fato de que o propsito desta subdisciplina tratar das relaes entre o pensamento e o conhecimento humano e o seu contexto social. Revista Plures Humanidades, Ribeiro Preto, ano 12, n. 15, p. 141-154, jan. jun. 2011 147 enunciados no so contraditrios. Ele concebe a sociedade como factual e objetiva, ao mesmo tempo em que a compreende como um produto da atividade humana, que, como tal, expressa um significado subjetivo. Em suas prprias palavras: O melhor modo de descrever o caminho que seguimos ser fazer referncia a duas das mais famosas e influentes ordens de marcha da sociologia. Uma foi dada por Durkheim em As regras do mtodo sociolgico, a outra por Weber em Wirtschaft und Gesellschaft (Economia e Sociedade). Durkheim diz-nos: A primeira regra e a mais fundamental : considerar os fatos sociais como coisas. E Weber observa: Tanto para a sociologia no sentido atual quanto para a histria, o objeto de conhecimento o complexo de significados subjetivo da ao (BERGER; LUCKMANN, 2008, p.33). Assim, para Berger e Luckmann, os indivduos so os agentes da construo social. Mas, ao mesmo tempo em que agem, os indivduos criam uma estrutura institucional que determina sua prpria relao com o mundo. Nisto consiste a atividade dialtica do agente social. Ele simultaneamente exterioriza seu prprio ser no mundo social e interioriza este ltimo como realidade objetiva (BERGER; LUCKMANN, 2008, p.178). O processo pelo qual isto se d denominado socializao. A socializao a ampla e consistente introduo de um indivduo no mundo objetivo da sociedade ou de um setor dela (BERGER; LUCKMANN, 2008, p.175). Segundo Berger e Luckmann, um indivduo no nasce membro da sociedade. De fato, ele nasce com predisposio para a sociabilidade e, no decorrer do tempo, torna-se membro do corpo social. O processo de socializao se distingue em duas etapas. A socializao primria a que um indivduo experimenta na infncia. Na socializao primria, forma-se o primeiro mundo de um indivduo. Ele se identifica com a realidade objetiva que encontra formada fora de si quando chega ao mundo. Essa primeira socializao envolve a interiorizao de papis, normas e valores, que acontece muito baseada nos vnculos afetivos e de segurana que caracterizam um grupo social especfico. Esta etapa da socializao se encerra quanto o conceito do outro generalizado estabelecido na conscincia do indivduo (BERGER; LUCKMANN, 2008, p.173-184). Filipe Costa FontesSilvana Fernandes Lopes Revista Plures Humanidades, Ribeiro Preto, ano 12, n. 15, p. 141-154, jan. jun. 2011 148 A socializao secundria, por sua vez, qualquer processo subsequente que introduz o indivduo j socializado em novos setores do mundo objetivo de sua sociedade (BERGER; LUCKMANN, 2008, p.175). Berger e Luckmann a definem como a interiorizao de submundos institucionais (BERGER; LUCKMANN, 2008, p.184). Ela o processo de internalizao e aquisio de novos conhecimentos, que pode dar-se nas mais diversas esferas sociais. Trata- se da interiorizao da ordem que estrutura as interpretaes e condutas de rotina de reas especficas de atuao de um indivduo. Este um processo constante, visto que a socializao nunca total nem est jamais acabada (BERGER; LUCKMANN, 2008, p.184). na dinmica do processo de socializao que se encontra a questo central da sociologia do conhecimento: como significados subjetivos chegam a se tornar fatos objetivos? A resposta a esta questo central pode ser encontrada em um processo que se pode resumir em trs conceitos importantes: exteriorizao, objetivao ou institucionalizao e interiorizao. A exteriorizao a contnua efuso do ser humano sobre o mundo, quer na atividade fsica quer na atividade mental dos homens. A objetivao a conquista, por parte dos produtos dessa atividade (fsica e mental) de uma realidade que se defronta com os seus produtores originais como facticidades originais e distinta deles. A interiorizao a reapropriao dessa mesma realidade por parte dos homens, transformando-a novamente de estruturas do mundo objetivo em estruturas da conscincia subjetiva (BERGER, 1985, p.16). A dinmica deste processo acontece da seguinte forma: 1) cada indivduo possui uma percepo da realidade. Trata-se de um conhecimento da vida cotidiana como uma realidade ordenada, objetivada, composta por uma srie de objetos considerados previamente como tais. 2) Em interao, os indivduos exteriorizam sua percepo da realidade, que contraposta dos demais participantes da interao, causando um choque e o consequente compartilhamento de cosmovises. 3) Os elementos que so compartilhados e atingem um alto nvel de aceitabilidade coletiva so cristalizados, interiorizados e institucionalizados, tornando-se um padro de controle, ou seja, uma O INTERACIONISMO SIMBLICO: IMPLICAES PARA O PROCESSO E PRTICA EDUCACIONAL Revista Plures Humanidades, Ribeiro Preto, ano 12, n. 15, p. 141-154, jan. jun. 2011 149 programao da conduta individual imposta pela sociedade (BERGER; BERGER, 1977, p.193). 4 Nisto se pode perceber a relao entre ao e estrutura no pensamento de Berger e Luckmann. Os indivduos so os agentes da dinmica social. Em constante interao, eles criam os significados que determinam a vida social. Ao faz-lo, eles criam as instituies, que so experimentadas como algo dotado de realidade exterior, experimentadas como realidades objetivas e dotadas de fora coercitiva. Todavia, o poder coercitivo das instituies no absoluto, uma vez que eles, na verdade, esto em constante mudana, j que so resultados da ao de inmeros indivduos em compartilhamento de significados. O legado do interacionismo simblico concepo da sociedade pode ser resumido nas observaes a seguir. Primeiramente, esta perspectiva trouxe a lume o carter processual da sociedade, em contraposio concepo esttica que marcava as teorias anteriores. Em segundo lugar, o paradigma da ao colocou de vez os indivduos como o motor das mudanas socioculturais. Consequentemente, a direo, o objetivo e a velocidade das mudanas ganharam um carter de fluidez e multiplicidade, visto que tais aspectos passaram a ser alvo de disputa entre os diversos agentes. Em terceiro lugar, ao apontar para o carter simblico das interaes humanas, as teorias da agencia ressaltaram para o papel do conhecimento e o carter hermenutico da dinmica social. Por fim, a perspectiva acentuou a interdependncia entre estrutura e ao. Nessa interao dual, as estruturas moldam e so moldadas, enquanto, ao mesmo tempo, os indivduos produzem e so produzidos. 3) Interacionismo Simblico: Implicaes para o processo e prtica educacional Como temos afirmado introdutoriamente, uma vez que a sociedade o Filipe Costa FontesSilvana Fernandes Lopes 4 Deve-se cuidar para no confundir o termo instituies, no pensamento de Berger e Luckmann. com o conceito corrente. No sentido comum, o termo se refere a uma organizao que abrange pessoas, tais como: hospital, priso e escola. Ou, ainda, o termo comumente relacionado s grandes entidades sociais que so vistas como entes metafsico que esto sobre a vida de um indivduo, como o estado, a economia, etc. No pensamento de Berger e Luckmann, qualquer manifestao cultural coletivamente aceita e legitimada adquire o status de instituio. Isto vale para ideias, crenas, comportamentos, etc. Cf: BERGER, B; BERGER, P. O que uma instituio social? In: J. S. Martins (Org.). Sociologia e sociedade: leituras de introduo sociologia. Rio de Janeiro: Livros T cnicos e Cientficos, 1977. p.193-199 Revista Plures Humanidades, Ribeiro Preto, ano 12, n. 15, p. 141-154, jan. jun. 2011 150 propsito e o pano de fundo da prtica educacional, a concepo sobre a sociedade determinante da concepo da educao. Para cumprir nosso objetivo neste ensaio, cabe-nos, portanto, verificar que implicaes pedaggicas se originam da viso interacionista de sociedade. Estamos convencidos de que nenhuma teoria capaz, por si s, de resolver todos os problemas e questes pedaggico-sociais. Por isso, a descrio das relaes entre os seres humanos, e entre o ser humano e a estrutura social, feita pelo interacionismo simblico, no pode ser vista, de forma nenhuma, uma descrio definitiva. Todavia, estamos convencidos tambm do fato de que o interacionismo simblico pode fornecer elementos de grande valor para uma constituio de uma cincia social da educao. Vejamos os apontamentos a seguir. Em primeiro lugar, a viso interacionista aponta para o carter processual da educao, conforme a sentena de abertura deste artigo: No existe sociedade. Existe um processo de sociedade. No existe educao. Existe um processo de educao (TEIXEIRA, 1971, p.85). A concepo da sociedade como um processo constante e inacabado implica, necessariamente, uma viso da educao como um processo constante e inacabado, de forma que seria mais prprio falar em processo educacional, ou educativo, do que propriamente em educao. A educao um processo e, como tal, deve ser pensada processualmente, ou seja, levando em conta seu carter fluido e mutvel. Isto inclui o modo como algum faz pesquisa em educao, passa pela elaborao da grade curricular, at atingir aquele que ministra as aulas. O pesquisador deve cuidar para no elaborar metodologias que no sejam simplistas e tratem a educao como elemento esttico, como uma metodologia unicamente baseada em anlise quantitativa, por exemplo. A elaborao da grade curricular deve ser revisada constantementemente. E o professor deve cuidar para considerar o processo de construo do conhecimento, ao invs de tornar-se um depositrio de um contedo acabado. Sobre este ltimo ponto, falaremos posteriormente, quanto tratarmos do carter dialtico do processo educacional. Em segundo lugar, a viso interacionista da sociedade permite uma viso otimista do processo educacional. A teoria interacionista concebe a sociedade como uma construo dos agentes, ao contrrio de uma viso que supervaloriza o aspecto estrutural em detrimento da agncia, em que o indivduo concebido apenas como um construto social; na viso interacionista, o indivduo o construtor da sociedade. Consequentemente, uma viso do processo educacional, O INTERACIONISMO SIMBLICO: IMPLICAES PARA O PROCESSO E PRTICA EDUCACIONAL Revista Plures Humanidades, Ribeiro Preto, ano 12, n. 15, p. 141-154, jan. jun. 2011 151 baseada no interacionismo simblico, deve conceber a educao como uma ao humana. A educao o processo em que os seres humanos indicam objetos, interpretam-nos, e, ao faz-lo, moldam sua viso da realidade. Esta concepo coloca sobre o homem a responsabilidade da construo de seu mundo e identidade, e, consequentemente, permite uma viso otimista da educao, como instrumento para a transformao de si e do mundo. Com as teorias da agncia, reconheceu-se, como era bvio, que um indivduo no tem mais que um minsculo poder de deciso na mudana social, mas, ao mesmo tempo, que a mudana social deve ser tratada como resultado combinado daquilo que fazem todos os indivduos. Distributivamente, cada indivduo portador de uma agncia nfima, praticamente invisvel, mas coletivamente os indivduos so todo- poderosos (SZTOMPKA, 2005, p.329). Em terceiro lugar, a viso interacionista da sociedade permite uma viso do processo educacional como o caminho para o engajamento social de um indivduo. Uma vez que se define a educao como uma interao, faz-se necessrio distingui-la das demais interaes que envolvem o ser humano. Isto somente pode ser feito atentando para seu fim ltimo, que humanizar o homem, mediante a incorporao vida social. possvel dizer que a escola um dos mais bsicos ambientes de socializao do homem. Trata-se de um dos primeiros lugares onde um indivduo tem contato com um vocabulrio valorativo, papis e normas socialmente construdos, e se integra no universo social. Em quarto lugar, a viso interacionista simblica refora o carter hermenutico da prtica educacional. Tomamos o termo hermenutico em referncia teoria ou filosofia da compreenso e interpretao. De acordo com a viso interacionista, o homem um interprete por natureza, e age de acordo com sua interpretao da realidade. A educao nada mais do que um ato interpretativo, que ao mesmo tempo origina os pressupostos que conduziro o homem em sua interpretao do mundo, e, consequentemente, sua relao com ele. Por fim, uma viso interacionista da sociedade refora o carter dialgico do processo educacional. Numa viso interacionista da sociedade, o homem visto como agente, um produto no acabado, que tem sua prpria viso de Filipe Costa FontesSilvana Fernandes Lopes Revista Plures Humanidades, Ribeiro Preto, ano 12, n. 15, p. 141-154, jan. jun. 2011 152 mundo que modificada atravs de suas experincias individuais e coletivas. Seguindo os pressupostos interacionistas, o educador no pode ver o educando como um receptor passivo. Nesse sentido, possvel estabelecer uma relao entre a teoria interacionista e a pedagogia freiriana. Um dos pontos mais centrais da pedagogia de Paulo Freire o carter dialgico do processo educacional. Em sua obra A pedagogia do oprimido, Freire critica a educao bancria, em que, em suas palavras: a educao se torna um ato de depositar, em que os educandos so os depositrios e o educador o depositante, e a nica margem de ao que se oferece aos educandos a de receberem os depsitos, guard- los, e arquiv-los (FREIRE, 1970, p.33). Freire v o processo educacional como um processo dialgico. Em suas palavras: a educao que se impe aos que verdadeiramente se comprometem com a libertao no pode fundar-se numa compreenso dos homens como seres vazios, a quem o mundo encha de contedos (FREIRE, 1970, p.38). O processo educacional no a transferncia do saber, seno, um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significao dos significados (FREIRE, 1985, p.53). Trata-se de uma interao entre um indivduo, que possui uma viso de mundo prpria, marcada por caractersticas prprias, construda ao longo de sua histria de vida, com outro indivduo, que possui uma viso de mundo especfica, marcada por caractersticas especficas, que possui uma viso de mundo peculiar, onde estas duas vises de mundo se relacionaro, se chocaro, e se modificaro, por consequncia. Nesse sentido, poderamos trazer a lume as palavras de Paulo Freire: ningum educa ningum, ningum se educa, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo (FREIRE, 1970, p.39). No seria muito lembrar, portanto, que uma condio fundamental para um processo educacional efetivo a humildade. No h, por outro lado, dilogo, se no h humildade. A pronncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, no pode ser um ato arrogante (FREIRE, 1970, p.46). Por consequncia, tambm implica uma viso interacionista simblica do processo educacional, o fato de que o referido processo precisa ser mediatizado por smbolos comuns. A compreenso significante dos signos, por sua vez, exige que os sujeitos da comunicao sejam capazes de reconstituir, em si mesmos, o processo dinmico em que se constitui a convico expressa por ambos por meio dos signos lingsticos (FREIRE, 1985, p.56). Os objetos e respectivo significado precisam ser definidos desde o ponto de vista dos agentes, O INTERACIONISMO SIMBLICO: IMPLICAES PARA O PROCESSO E PRTICA EDUCACIONAL Revista Plures Humanidades, Ribeiro Preto, ano 12, n. 15, p. 141-154, jan. jun. 2011 153 e precisam ser vistos como estes os veem (BECK, p.49). Quanto mais o educando estiver em contato com aspectos comuns a sua viso de mundo, maior ser a facilidade de aprendizado e de transformao. Referncias ARCHER, M. S. Culture and agency: the place of culture in social theory. Cambridge University Press. 1996. BECK, N. L. J. Educar para a vida em sociedade: estudos em cincias da educao. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. BERGER, P. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociolgica da religio. So Paulo: Paulinas. 1985. BERGER, B; BERGER, P. O que uma instituio social? In: J. S. Martins (Org.). Sociologia e sociedade: leituras de introduo sociologia. Rio de Janeiro: Livros Tcnicos e Cientficos, 1977. p.193-199 BERGER, P; LUCKMANN, T. 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