lidadores do Direito — para com Vossa Excelência, processualista exímio e justamente louvado pela preciosa contribuição que continua a dar às letras jurídicas nacionais. Correndo em silêncio outras produções de seu fecundo engenho, detenho-me no soberbo Código de Processo Civil Comentado.
Tenho-lhe grande afeição a esse prestantíssimo livro!
Não passa um dia sem que o tenha à mão e perlustre em busca da boa doutrina e da opinião abalizada com que possa dar alento e segurança a meus obscuros votos na 4a. Câmara de Direito Privado de nosso Tribunal de Justiça (onde estou há coisa de 8 meses, oriundo do Tribunal de Alçada Criminal).
Entre os colegas — e mesmo a generalidade dos
cultores do Direito — o distinto Amigo conquistou já o timbre de autor clássico, que HORÁCIO mandava compulsar com mão diurna e noturna (Arte Poética, v. 269). A especial consideração (em que tenho assim o livro como seu autor) é que me dá confiança para discorrer de um ponto, que pudera parecer questão de nonada: a sintaxe da locução latina “inaudita altera parte”.
Em mais de um lugar de sua reputada obra dei com a
construção “inaudita altera pars” (cf. pp. 1.181, 1.182, 1.189 e 1.194, da 8a. edição).
Lancei-o à conta de lapso tipográfico, de que se não
eximem edições, até as mais bem cuidadas, como a sua.
Firo agora o tema.
A fórmula escorreita da expressão “sem ouvir a
outra parte”, empregada mormente no capítulo das Medidas Cautelares, é “inaudita altera parte”. Aqui se há de escrever parte (com e), porque é a desinência que os nomes da 3a. declinação têm no caso denominado ablativo. Tal construção — “inaudita altera parte” — constitui o que, na língua de CÍCERO, os gramáticos chamam de ablativo absoluto.
Do tema trataram as Gramáticas Latinas de AUGUSTO
MAGNE (1930, p. 416), JOÃO RAVIZZA (1956, p. 239), NAPOLEÃO MENDES DE ALMEIDA (1974, p. 283), MÍLTON VALENTE (78a. ed., p. 173), ANTÓNIO FREIRE (1956, p. 287), JOHN CLINTOCK (1925, p. 190), GIOVANNI ZENONI (2a. ed., p. 171), MANUEL FRANCISCO DE MIRANDA (1946, p. 350), ANTONIO PEREIRA DE FIGUEIREDO (1900, p. 202), JÚLIO COMBA (1991, p. 270), etc.
O velho BLUTEAU, em sua obra monumental, traz o
passo famoso de SÊNECA: “Qui statuit aliquid, parte inaudita altera, aequum licet statuerit, haud aequus fuit”, que tirou em linguagem: “O que sentenciou, sem ouvir as partes, ainda que a sentença dada seja justa, não é ele justo juiz” (Vocabulário, 1720, t. VI, p. 164). Atenta a liberdade da ordem indireta do frasear latino, “parte inaudita altera” monta o mesmo que “inaudita altera parte”.
Há também, ao propósito, lição do culto e insigne
Des. GERALDO AMARAL ARRUDA: “Com grande freqüência a indicação de circunstâncias pode ser feita, com expressividade e elegância, em orações reduzidas de particípio ou gerúndio. Essa construção nos adveio do que na gramática latina se denomina ablativo absoluto. Esse é o caso da conhecida locução “inaudita altera parte”, na qual “parte” exerce a função de sujeito da oração, embora esteja no ablativo” (A Linguagem do Juiz, 1996, p. 84).
Dificuldade é essa, para a qual, sem dúvida, terá
muito contribuído a sentenciúncula “audiatur et altera pars”, que, em vulgar, significa “ouça-se também a outra parte”, pedra angular do contradi-tório processual, como se vê em MANZINI: “Il giudice penale, dovendo rivolgere la propria attività all’accertamento della verità reale, deve sentire così l’accusa come la difesa (audiatur et altera pars)” (Trattato di Diritto Processuale Penale, 1952, vol. I, p. 223).
Aqui se haverá grafar “pars” (e não “parte”),
porque a palavra está no nominativo, que é o caso do sujeito.
Fico me não levará a mal o Amigo por ter-lhe
apontado nuga literária no utilíssimo Código de Processo Civil Comentado. Foi desejo de perfeição da obra, à qual — verdadeiro tesouro jurídico — bem se ajustam as elegantes palavras que escreveu BLUTEAU acerca do Grande Dicionário Histórico do sábio francês LUÍS MORERI: tais falhas “são manchas no disco do Sol: ficam embebidas em um mar de luzes” (Suplemento ao Vocabulário, 1728, 2a. parte, p. 590).