Vous êtes sur la page 1sur 2

6 Le Monde Diplomatique Brasil DEZembro 2009

capa / Perspectivas

Os piores cenários
possíveis
Para enfrentar as disputas relativas aos problemas climáticos – e à crise ecológica em geral –
é preciso uma mudança radical e estrutural, que atinja os fundamentos do sistema capitalista e
altere nossos hábitos de consumo e nossa relação com a natureza
POR Michael Löwy*

Q
ual é a situação do planeta em ple-
na Conferência das Nações Unidas
sobre a Mudança Climática? Pri-
meiro balanço: tudo está bem mais
acelerado do que se previa. A acu-
mulação de gás carbônico, a elevação da
temperatura, o derretimento das geleiras
polares e das “neves eternas”, a desertifica-
ção dos terrenos, as secas, as inundações,
tudo se precipita, e os balanços dos cientis-
tas, mal secou a tinta dos documentos, reve-
lam-se demasiadamente otimistas. Tende-
se agora a variações cada vez maiores nas
previsões para o futuro próximo. Não se fala
mais sobre o que vai acontecer no final do
século, ou daqui a meio século, mas nos pró-
ximos 20, 30 ou 40 anos. A questão não é
mais simplesmente sobre o planeta que dei-
xaremos para nossos filhos e netos, e sim so-
bre o futuro da atual geração.
Um exemplo muito inquietante: se o
gelo da Groenlândia derreter, a elevação do
nível do mar poderá ser de seis metros. Isso
significa a inundação não só de Daka, capi-
tal de Bangladesh, e de outras cidades ma-
rítimas asiáticas, mas também de Nova
York, Amsterdã e Londres. Ora, estudos re-
centes mostram que a superfície da calota
glacial da Groenlândia que derreteu é 150%
superior à média apontada entre 1988 e
20061, chegando a mais de dois mil metros.
Segundo Richard Alley, glaciologista da
Penn State University, a fusão da calota da
Groenlândia, que costuma ser calculada
para centenas de anos, poderia ocorrer em
poucas décadas2.
Essa aceleração pode ser explicada, en-
tre outras coisas, por efeitos de realimenta-
ção (feedback). Alguns exemplos: 1) o derre-
timento das geleiras do Ártico – já bem
reduzidas – diminuindo o albedo, ou seja, o
grau de reflexão da irradiação solar (ele atin-
ge seu máximo nas superfícies brancas), só
pode aumentar a quantidade de calor ab-
sorvida pelo solo; cientistas calcularam
que a redução de 10% do albedo do planeta
levaria a aumentar cinco vezes o volume de
CO2 na atmosfera3; 2) a elevação da tempe-
ratura do mar transforma superfícies
imensas dos oceanos em desertos sem
plâncton nem peixes, o que reduz sua capa-
cidade de absorver o CO2. Esse fenômeno
acelerou-se, de acordo com um estudo re-
cente, 15 vezes mais rápido do que se previa
nos modelos existentes4!
Outras possibilidades de retroalimenta-
ção existentes são ainda mais perigosas. Até
© Jaguar

agora pouco estudadas, elas não foram in-


cluídas nos modelos do IPCC (Painel Inter-
DEZembrO 2009 Le Monde Diplomatique Brasil 7

governamental de Mudanças Climáticas), mia de mercado capitalista. Como constata dem se apropriar do aparelho do Estado ca- O combate por reformas ecossocialistas
mas correm o risco de provocar um salto Hervé Kampf, jornalista do Le Monde, em pitalista e colocá-lo para funcionar a seu pode ser portador de uma dinâmica de mu-
qualitativo no efeito estufa: 1) no momento, sua interessante obra Comment les riches serviço. Eles devem “rompê-lo” e substituí- dança, desde que se recusem os argumentos
existem 400 bilhões de toneladas de carbo- détruisent la planète: “sistema social que lo por um outro de natureza totalmente e as pressões dos interesses dominantes em
no encerradas no permafrost - tundra con- rege atualmente a sociedade humana, o ca- distinta, uma forma não estatal e democrá- nome das “regras do mercado”, da “compe-
gelada que se estende do Canadá até a Sibé- pitalismo opõe resistência de maneira cega tica de poder político. titividade” ou da “modernização”.
ria. Se as geleiras começaram a derreter, por às mudanças indispensáveis a serem feitas O mesmo vale, mutatis mutandis, para o Algumas demandas imediatas já são
que o permafrost também não derreteria? E se se quiser conservar a dignidade e a pro- aparelho produtivo: por sua natureza e sua ou podem rapidamente se tornar o ponto
ao se decompor, esse carbono se transforma messa da existência humana7”. estrutura, ele não é neutro, mas está a servi- de convergência entre movimentos so-
em metano, que provoca um efeito estufa Para enfrentar as disputas relativas à ço da acumulação do capital e da expansão ciais e ecológicos, sindicatos e defensores
bem mais forte que aquele oriundo do CO2. mudança climática – e à crise ecológica em ilimitada do mercado. Ele está em contradi- do meio ambiente, “vermelhos” e “ver-
2) Quantidades astronômicas de metano geral, das quais essas são a expressão mais ção com os imperativos de salvaguarda do des”. São demandas que muitas vezes
encontram-se também nas profundezas ameaçadora – é preciso uma mudança radi- meio ambiente e de saúde da força de traba- “prefiguram” o que poderia ser uma so-
dos oceanos: no mínimo um trilhão de to- cal e estrutural, que atinja os fundamentos lho. É preciso, então, “revolucioná-lo”, trans- ciedade ecossocialista:
neladas estão sob a forma de clatratos de do sistema capitalista: uma transformação formando-o radicalmente. Isso pode signifi-
metano. Se os oceanos se aquecerem, há não só das relações de produção (a proprie- car, para alguns ramos de produção – as • a substituição progressiva da energia fós-
possibilidade desse gás ser liberado na at- dade privada dos meios), mas também das centrais nucleares, por exemplo – “rompê- sil por fontes de energia “limpa”, princi-
mosfera, provocando uma rápida mudança forças produtivas. Isso envolve, antes de los”. Em todo caso, as próprias forças produ- palmente a solar;
climática. Além disso, esse gás é inflamável: mais nada, uma verdadeira revolução do sis- tivas devem ser profundamente modifica- • a promoção de transportes públicos –
pesquisadores russos observaram, no Mar tema energético e de transportes e dos mo- das. Com certeza, inúmeras conquistas trens, metrôs, ônibus, bondes – baratos
Cáspio, emissões de metano sob a forma de dos de consumo atuais, baseados na dilapi- científicas e tecnológicas do passado são ou gratuitos como alternativa ao abafa-
tochas que chegam a centenas de metros de dação e no consumo ostentatório, induzidos preciosas, mas o conjunto do sistema pro- mento e à poluição das cidades e do cam-
altura5. Segundo o engenheiro químico, pela publicidade. Em suma, trata-se de uma dutivo deve ser colocado em questão do po provocados pelo veículo individual e
Gregory Ryskin, uma erupção maior do me- mudança do paradigma da civilização, e da ponto de vista de sua compatibilidade com pelo sistema de transportes rodoviários;
tano oceânico poderia gerar uma força ex- transformação rumo a uma nova sociedade, as exigências vitais de preservação do equi- • a luta contra o sistema da dívida e os
plosiva equivalente a dez mil vezes o esto- em que a produção será democraticamente líbrio ecológico. Isso significa, a princípio, “ajustes” ultraliberais impostos pelo
que de armas nucleares do mundo6. Mark planejada pela população; ou seja, em que uma revolução energética: a substituição Fundo Monetário Internacional e pelo
Lynas cita essa fonte e chega à conclusão que as grandes decisões sobre as prioridades da das energias não renováveis e responsáveis Banco Mundial aos países do Sul e com
um planeta com seis graus a mais seria bem produção e do consumo não serão mais de- pela poluição, pelo envenenamento do meio consequências dramáticas: desemprego
pior que o Inferno descrito por Dante em A cididas por um punhado de exploradores, ambiente e pelo aquecimento do planeta – maciço, destruição de proteções sociais e
divina comédia... Além disso, de acordo com ou pelas forças cegas do mercado, nem pela carvão, petróleo e nuclear – por energias de culturas alimentícias, destruição de
o relatório do IPCC, a elevação da tempera- oligarquia de burocratas e especialistas, “naturais” “limpas” e renováveis, como recursos naturais para exportação;
tura pode ultrapassar esse parâmetro, que é mas pelos trabalhadores e consumidores. água, vento, sol, além da redução drástica do • defesa da saúde pública contra a poluição
até agora o máximo previsto. Em síntese, pela população, após um debate consumo de energia (e, portanto, das emis- do ar, da água (lençóis freáticos) ou dos
Todos esses processos começam de ma- democrático e contraditório entre diferen- sões de CO2). alimentos causada pela avidez das gran-
neira gradual, mas a partir de um determi- tes propostas. É o que designamos pelo ter- des empresas capitalistas;
nado momento podem se desenvolver por mo ecossocialismo. • desenvolvimento subvencionado da
meio de saltos qualitativos. A ameaça mais A lista das medidas agricultura orgânica em lugar da
agroindústria;
inquietante, considerada cada vez mais pe- A alternativa ecossocialista
los pesquisadores, é a de uma runaway cli- O que é o ecossocialismo? Trata-se de necessárias existe, • redução do tempo de trabalho como res-
mate change [mudança climática descon- uma corrente de pensamento e de ação eco- mas dificilmente é posta ao desemprego e como visão da so-
trolada], a de uma grande variação rápida e lógica que toma para si as conquistas funda- ciedade que privilegia o tempo livre em
incontrolável do aquecimento. Existem uns mentais do socialismo – ao mesmo tempo
compatível com o relação à acumulação de bens9.
poucos cenários do pior possível, ou seja, de livrando-se de suas escórias produtivistas. neoliberalismo e com
a temperatura ultrapassar os dois ou três Para os ecossocialistas, as lógicas do merca- a submissão aos A lista das medidas necessárias existe,
graus. Os cientistas evitam traçar quadros do e do lucro assim como a do autoritarismo mas dificilmente é compatível com o neoli-
catastróficos, mas os riscos já são conheci- burocrático inflamado, o “socialismo real”, interesses do capital beralismo e com a submissão aos interes-
dos. A partir de um certo nível da tempera- são incompatíveis com as exigências de sal- ses do capital... Cada vitória parcial é im-
tura, a Terra ainda será habitável por nossa vaguarda do ambiente natural. Ao mesmo portante, sob condição de não se limitar às
espécie? Infelizmente, não dispomos no tempo em que criticam a ideologia das cor- Mas é o conjunto do modo de produção conquistas, mas de se mobilizar imediata-
momento de um planeta de reserva no uni- rentes dominantes do movimento operário, e de consumo – baseado, por exemplo, no mente para um objetivo superior, numa di-
verso conhecido pelos astrônomos... sabem que os trabalhadores e suas organi- veículo individual e em outros produtos nâmica de radicalização crescente. Os
A discussão desses “piores cenários zações constituem uma força fundamental desse tipo – que deve ser transformado, si- triunfos nessa batalha são preciosos, não
possíveis” não é um exercício apocalíptico para qualquer transformação radical do sis- multaneamente à supressão das relações de só porque desaceleram a corrida em dire-
em vão: trata-se dos perigos reais, contra os tema e para a constituição de uma nova so- produção capitalistas e ao início de uma ção ao abismo, mas porque permitem que
quais é preciso tomar todas as medidas ciedade, socialista e ecológica. transição ao socialismo. as pessoas, os trabalhadores, os indivíduos,
possíveis. Tampouco é fatalismo. Ainda James O’Connor define como ecossocia- Entendo por socialismo a ideia originá- as mulheres, as comunidades locais, prin-
não está tudo decidido, é tempo de agir pa- listas as teorias e os movimentos que aspi- ria, comum a Marx e aos socialistas libertá- cipalmente camponesas e indígenas, se or-
ra inverter o curso dos acontecimentos. ram subordinar o valor de troca ao valor de rios, que não tem muito a ver com os pre- ganizem, lutem e tomem consciência dos
Mas é preciso o pessimismo da razão em uso, organizando a produção em função das tensos regimes “socialistas” que ruíram a terrenos da disputa, compreendam, por
vez de deixar todo o seu lugar para o otimis- necessidades sociais e das exigências de partir de 1989: trata-se de uma “utopia con- meio de sua experiência coletiva, a falência
mo da vontade... proteção do meio ambiente. Seu objetivo, creta” – para utilizar o conceito de Ernst do sistema capitalista e a necessidade de
um socialismo ecológico, seria uma socie- Bloch – de uma sociedade sem classes e uma mudança da civilização.
As soluções das elites dirigentes dade ecologicamente racional, baseada no sem dominação, em que os principais
Quem é responsável por essa situação controle democrático, na igualdade social e meios de produção pertencem à coletivida- *Michael Löwy, cientista social, é diretor de pesquisas
inédita na história da humanidade? É o ho- na predominância do valor de uso8. Eu de, e as grandes decisões sobre os investi- do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS)
mem, colocam os cientistas. A resposta é acrescentaria que uma sociedade como essa mentos, a produção e a distribuição não na França.
certa, mas insatisfatória: o homem habita a supõe a propriedade coletiva dos meios de são abandonadas às leis cegas do mercado,
terra há milênios, porém a concentração de produção, um planejamento democrático a uma elite de proprietários, ou a um bando
CO2 somente começou a se tornar um perigo que permita a todos definir os objetivos da burocrático, mas tomadas, depois de um
há poucas décadas. Como marxistas, apon- produção e os investimentos, e uma nova amplo debate democrático e pluralista por
tamos: a culpa é do sistema capitalista, com estrutura tecnológica das forças produtivas; toda a população. O que está em jogo mun-
sua lógica absurda e míope de expansão e o ecossocialismo seria um sistema baseado dialmente nesse processo de transforma- 1 Trabalhos de Marco Tedesco, da NASA, citados no Le
Monde de 14 de dezembro de 2007.
acumulação infinita, com seu produtivismo não só na satisfação das necessidades hu- ção radical das relações dos seres humanos
2 Citado por Fred Pearce. The Last Generation. Reading,
irracional, obcecado pela busca do lucro. manas, democraticamente determinadas, entre si e com a natureza é uma mudança Eden Project Books, 2006, p. 83, 90.
Dezembro de 2009 marca a Conferên- mas também na gestão racional coletiva das de paradigma civilizacional, concernente 3 Cálculo feito por especialistas do centro de pesquisas
cia das Nações Unidas sobre a Mudança trocas de matérias com o meio ambiente, não só ao aparelho produtivo e aos hábitos Scripps Institution of Oceanography de San Diego, Califór-
Climática, realizada em Copenhague, na respeitando os ecossistemas. de consumo, mas também ao habitat, à cul- nia, citado por Fred Pearce. The Last Generation, p. 168.
4 Le Monde, de 5 de fevereiro de 2008, p. 8.
Dinamarca. É possível esperar um desper- O ecossocialismo desenvolve, então, tura, aos valores, ao estilo de vida. 5 Citado por Fred Pearce. The Last Generation, p. 157.
tar tardio por parte das oligarquias domi- uma crítica da tese da “neutralidade” das Sim, nos responderão, essa utopia inspi- 6 Citado por Mark Lynas. Six Degrees. Our Future on a Hot-
nantes? Nada deve ser excluído, mas todas forças produtivas que predominava na es- ra simpatia, mas enquanto a esperamos, ter Planet. Londres, Fourth Estate, 2007, p. 251.
as propostas oficiais até o momento – o re- querda no século XX, em suas duas verten- convém manter os braços cruzados? Certa- 7 Hervé Kempf. Comment les riches détruisent la planète.
Paris, Seuil, 2007, p. 8.
latório Stern é um exemplo esclarecedor tes, socialdemocrata e comunista soviéti- mente não! É preciso travar uma batalha pa-
8 James O’Connor. Natural Causes. Essays in Ecological
disso – são totalmente incapazes de inver- ca. Essa crítica poderia se inspirar, a meu ra cada avanço, cada medida de regulamen- Marxism. Nova York, The Guilford Press, 1998, p. 278, 331.
ter o curso das coisas, porque estão obsti- ver, em observações de Karl Marx sobre a tação das emissões de gases de efeito estufa, 9 Ver Pierre Rousset. Convergence de combats. L’écologique
nadamente fechadas na lógica da econo- Comuna de Paris: os trabalhadores não po- cada ação de defesa do meio ambiente. et le social, Rouge, 16 de maio de 1996, p. 8-9.

Vous aimerez peut-être aussi