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Fisiologia Cardiovascular

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A aplicação prática da circulação ex- culação extracorpórea com os que ocorrem
tracorpórea inclui uma série de procedi- no organismo intacto permite a compreen-
mentos repetitivos que podem parecer sim- são da fisiologia do ser humano durante a
ples e mecânicos. Não existe, contudo, perfusão e a resposta do organismo à cir-
uma conduta padronizada de perfusão, culação extracorpórea.
aplicável a todos os pacientes, indepen- No presente capítulo e nos capítulos 4
dente de suas características próprias, a 7, serão revistos os principais aspectos da
como idade, peso, volemia e hematócrito, fisiologia cardiovascular, respiratória, re-
estado geral, grau de comprometimento nal, do sangue, da água e dos eletrolitos.
cardiovascular e dos demais sistemas orgâ- Serão também revistas as suas alterações
nicos, para citar apenas algumas. Ao con- durante a circulação extracorpórea.
trário, os procedimentos são planejados e A função adequada dos tecidos do or-
conduzidos, de acordo com o diagnóstico, ganismo depende da qualidade da função
as características e as necessidades especí- celular. Esta, por sua vez, depende de con-
ficas de cada paciente. dições ótimas do meio ambiente no qual
A prática da circulação extracorpórea, as células vivem, o líquido extracelular. As
na realidade, pode ser compreendida como condições ótimas do meio ambiente celu-
a simulação mecânica de princípios da fi- lar incluem as concentrações de materiais
siologia do ser humano, especialmente os nutritivos, hormônios e dejetos do meta-
princípios relacionados à circulação, res- bolismo, a tensão dos gases respiratórios e
piração e balanços hidro-eletrolítico e áci- a temperatura. Um meio ambiente ótimo
do-base. para a atividade celular somente pode ser
A circulação extracorpórea determina mantido por um fluxo sanguíneo ininter-
uma fisiologia especial para o organismo rupto para os tecidos, função primordial do
humano, em virtude das características da sistema circulatório, no qual o coração ser-
bomba propulsora, das relações entre o san- ve como única fonte de energia propulso-
gue e o oxigenador durante as trocas gaso- ra do sangue.
sas e das relações entre o fluxo arterial e a O organismo humano é percorrido pela
microcirculação, na nutrição dos tecidos. corrente sanguínea com a finalidade de
A comparação dos fenômenos da cir- nutrir os seus diversos tecidos. Essa tarefa

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FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

é executada pelo conjunto de elementos da. A sua base é formada pelos dois átrios e
que constituem o sistema cardiovascular: pelos grandes vasos.
coração, artérias, veias, capilares e vasos O coração é a bomba propulsora ideal
linfáticos. para o aparelho circulatório, capaz de im-
A energia utilizada para a circulação pulsionar volumes variados de sangue,
do sangue é fornecida pela contração da com mecanismos autônomos de controle,
massa muscular do coração. Os dois tron- capazes de responder à estímulos de natu-
cos arteriais que recebem o sangue impul- reza química e física, que podem regular o
sionado pelos ventrículos, aorta e artéria seu débito, de acordo com as necessidades
pulmonar, subdividem-se em ramos, à me- dos tecidos do organismo. O coração adul-
dida que se afastam do coração. Ao se to se contrái e relaxa cerca de 115.000 ve-
aproximar dos tecidos que vão irrigar, seu zes por dia, impulsionando aproximada-
calibre está bastante reduzido. Os ramos de mente 7.500 litros de sangue pelo corpo.
menor calibre, as arteríolas, terminam O coração é uma bomba muscular ôca,
numa fina rede vascular, composta pelos pulsátil, dividida em quatro câmaras. As
capilares, que irrigam todos os tecidos. Nos câmaras superiores são os átrios e as inferi-
pulmões as paredes dos capilares são atra- ores são os ventrículos.
vessadas pelos gases. Nos demais tecidos Os átrios, de paredes mais finas, rece-
do organismo os capilares recolhem o gás bem o sangue que flui das veias; são câma-
carbônico e outros dejetos do metabolismo ras receptoras ou câmaras de acesso aos
e cedem oxigênio, aminoácidos, lipídios, ventrículos. Também bombeiam fraca-
glicose, e os demais elementos necessários mente o sangue para auxiliar o enchimen-
à função celular. Os elementos nutritivos, to ventricular. O átrio direito recebe as vei-
ao deixar a corrente circulatória, penetram
nos líquidos dos tecidos. Parte desse líqui-
do é recolhida pelos capilares linfáticos.
As funções essenciais do sistema circu-
latório são, na realidade, exercidas pelos
capilares, servindo os demais elementos do
sistema, como propulsores e condutores do
sangue aos tecidos do organismo.

A BOMBA CARDÍACA
O coração está localizado no interior
do tórax, ocupando uma posição aproxi-
madamente central entre os dois pulmões,
no espaço chamado mediastino; possui a Fig.3.1. Esquema do interior do coração, mostrando as
quatro cavidades cardíacas, os vasos que desembocam e
forma cônica, com a ponta ou ápice volta- emergem nas câmaras atriais e ventriculares, as válvulas
da para baixo, para a frente e para a esquer- e o sentido do fluxo sanguíneo.

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CAPÍTULO 3 – FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR

as cavas superior e inferior que trazem o do, de onde é bombeado para a circulação
sangue venoso ao coração. O átrio esquer- sistêmica, grande circulação ou circulação
do recebe as veias pulmonares, que trazem periférica, onde se processam as trocas com
o sangue oxigenado nos pulmões, para dis- os tecidos.
tribuição ao organismo (Fig. 3.1). Dos ventrículos emergem as grandes ar-
Os ventrículos são câmaras expulsoras térias para a distribuição do sangue. Do ven-
ou propulsoras, com paredes espessas que, trículo direito emerge a artéria pulmonar e
ao se contrair fornecem a principal força do ventrículo esquerdo emerge a aorta. Os
que impulsiona o sangue através dos pul- ventrículos se comunicam com as grandes
mões e do sistema circulatório periférico. artérias através de válvulas unidirecionais,
O ventrículo direito bombeia o sangue chamadas válvulas semi-lunares. A válvula
para os pulmões e o ventrículo esquerdo, pulmonar une o ventrículo direito à artéria
com grande força de contração, bombeia o pulmonar. A válvula aórtica une o ventrí-
sangue na circulação periférica. culo esquerdo à aorta.
As quatro câmaras cardíacas separam- A função das válvulas é direcionar o flu-
se entre sí, duas a duas, por paredes co- xo do sangue no interior das cavidades do
muns, chamadas septos. O septo inter-atrial coração e destas para as grandes artérias.
separa o átrio direito do esquerdo e o septo A nutrição do coração e o fornecimen-
inter-ventricular separa o ventrículo direi- to do oxigênio e dos substratos para a pro-
to do esquerdo. dução da energia necessária ao seu funci-
As duas câmaras direitas, átrio e ven- onamento, provém das artérias coronárias
trículo, separam-se por uma válvula direita e esquerda, cujos ramos se distribu-
unidirecional, a válvula átrio-ventricular em por todo o miocárdio, constituindo um
direita, chamada válvula tricúspide, por- sistema próprio de irrigação.
que tem três folhetos ou cúspides. As duas Embora anatômicamente o coração
câmaras esquerdas, átrio e ventrículo, se- seja um órgão único, sob o ponto de vista
param-se entre sí, por uma válvula funcional, consideram-se existir um cora-
unidirecional, a válvula átrio-ventricular ção direito e um coração esquerdo.
esquerda, que possui dois folhetos ou O coração direito compreende as vei-
cúspides, chamada válvula mitral, por ter as cavas superior e inferior, o átrio direito,
o formato semelhante à mitra. válvula tricúspide, ventrículo direito, vál-
Através da válvula tricúspide, o sangue vula pulmonar e artéria pulmonar. Integra
do átrio direito chega ao ventrículo direi- ainda o coração direito, o seio coronário,
to, de onde é bombeado para a circulação que se localiza na base do átrio direito, pró-
pulmonar ou pequena circulação, em cuja ximo à entrada da veia cava inferior, onde
intimidade se processam as trocas gasosas deságua a circulação venosa do sistema de
com o ar dos pulmões. irrigação do próprio coração.
Através da válvula mitral, o sangue do O coração esquerdo compreende as
átrio esquerdo chega ao ventrículo esquer- veias pulmonares, o átrio esquerdo, a vál-

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FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

vula mitral, o ventrículo esquerdo, a vál- dio ventricular é mais espesso e constituido
vula aórtica e a aorta. por várias camadas musculares que se cru-
O coração, no interior do mediastino, zam em diferentes direções, o que aumen-
está protegido por uma membrana fibrosa ta a potência da sua contração.
fina, lisa e reluzente formada por duas ca- As células musculares do miocárdio
madas ou folhetos, o pericárdio. O folheto tem estrutura especial. Não são inteiramen-
visceral do pericárdio adere intimamente te semelhantes ao músculo liso ou ao mús-
ao coração e reveste toda a sua superfície; culo estriado do organismo. As membra-
é chamado de epicárdio, por ser a camada nas das células miocárdicas se fundem, per-
mais superficial e externa do coração. O mitindo a livre passagem de íons e a livre
outro folheto é o pericárdio parietal, que propagação de potenciais elétricos, de uma
adere às estruturas que circundam o cora- célula para outra. Este tipo de agrupamen-
ção, constituindo um saco fibroso, o saco to celular é chamado sincício. O músculo
pericárdico, que contém o coração. O saco cardíaco, portanto, tem estrutura sincicial.
pericárdico contém um pequeno volume O coração é composto de dois sincícios
de líquido que lubrifica os seus folhetos, distintos: o sincício atrial e o sincício ventri-
chamado líquido pericárdico. cular. Estes dois sincícios são separados um
A parede do coração é formada por três do outro pelo denso tecido conjuntivo-fi-
camadas, epicárdio, miocárdio e endocár- broso que circunda os anéis das válvulas
dio. O epicárdio, já descrito como a lâmi- átrio-ventriculares e ventrículo-arteriais, o
na fibrosa de revestimento, é a camada mais chamado esqueleto fibroso do coração.
externa ou superficial do coração. O en- Os sincícios atrial e ventricular obede-
docárdio é a camada de revestimento in- cem ao princípio do tudo ou nada, que rege
terno do coração, constituida por um teci- a função contrátil do miocárdio. Isto sig-
do mais liso e elástico, chamado tecido nifica que a estimulação de uma única fi-
endotelial, que também recobre as válvu- bra muscular atrial excita toda a massa
las e se continua com o revestimento muscular atrial, o mesmo ocorrendo com
endotelial dos vasos sanguíneos. Essa ca- os ventrículos, se uma única fibra ventri-
mada de revestimento interno tem propri- cular for estimulada.
edades particulares e é a única camada de A única comunicação entre ambos os
tecido que tem contato com o sangue. En- sincícios, se faz através de um feixe de cé-
tre o epicárdio e o endocárdio, situa-se a lulas miocárdicas especiais, de elevada
camada muscular que constitui o músculo condutividade elétrica, denominado feixe
cardíaco propriamente dito, o miocárdio, de condução, de cuja função depende a ori-
responsável pela função contrátil do cora- gem e a transmissão do estímulo elétrico
ção. O epicárdio e o endocárdio atrial e que produz a contração do miocárdio.
ventricular são iguais. O miocárdio atrial
é mais fino e contém menos massa muscu- EXCITAÇÃO E CONDUÇÃO ELÉTRICA
lar que o miocárdio ventricular. O miocár- O estímulo elétrico para a contração

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CAPÍTULO 3 – FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR

do miocárdio se origina em um pequeno nais de Purkinje, que por sua vez, estimu-
agrupamento de células especiais localiza- lam o miocárdio ventricular.
do na junção da veia cava superior com o No adulto, o nódulo sinusal produz
átrio direito, na região chamada seio veno- aproximadamente 80 impulsos elétricos
so. Esse conjunto de células é o nódulo por minuto, constituindo-se no marca-
sinusal. As células do nódulo sinusal atra- passo do próprio coração.
vés de reações químicas no seu interior ge- O nódulo sinusal, o nódulo átrio-ventri-
ram o impulso elétrico que se propaga pe- cular e o feixe de Purkinje recebem termina-
los átrios e produz a contração do miocár- ções nervosa simpáticas e parassimpáticas.
dio atrial. O estímulo elétrico se propaga Quando há estimulação simpática, liberam-
pelos átrios, em ondas e através de vias pre- se as catecolaminas adrenalina e noradrena-
ferenciais chamadas vias internodais. O lina, que produzem aumento da freqüência
estímulo das vias internodais é captado em dos impulsos elétricos do nódulo sinusal. A
um outro nódulo, localizado junto ao anel estimulação parassimpática ou vagal, se faz
da válvula tricúspide, próximo ao orifício através da acetilcolina e tem o efeito oposto,
do seio coronário, chamado nódulo átrio- reduzindo a freqüência dos impulsos. Na
ventricular, ou simplesmente nódulo A-V. eventualidade de secção das fibras nervosas
Deste nódulo A-V, parte um curto feixe das simpáticas e parassimpáticas, cessa a influ-
células especiais, o feixe átrio-ventricular ência nervosa sôbre o coração, que, contu-
ou feixe de Hiss, que atravessa o esqueleto do, mantém a automaticidade e ritmicidade
fibroso e se divide em dois ramos, direito e pelo nódulo sinusal, conforme se observa
esquerdo. O ramo esquerdo, por sua vez se nos corações transplantados.
subdivide em outros dois feixes, um ante-
rior e um posterior. Os feixes principais,
direito e esquerdo vão se ramificando,
como uma árvore, no interior da massa mi-
ocárdica, constituindo um emaranhado de
células condutoras, chamado rede de
Purkinje (Fig. 3.2).
As células do nódulo sinusal, por me-
canismos químicos, geram o próprio impul-
so elétrico, a intervalos regulares, o que
garante a automaticidade e a ritmicidade
da estimulação cardíaca. O estímulo gera-
do no nódulo sinusal, se propaga pelos átri-
os e alcança o nódulo A-V e o feixe de Hiss,
onde sofre um pequeno retardo. Do feixe Fig.3.2. Feixe de condução do coração. O esquema mostra
o nódulo sinusal, as vias de condução internodal, o nódulo
de Hiss, o estímulo rapidamente alcança os A-V, feixe de Hiss, ramo direito, as duas divisões do ramo
feixes direito e esquerdo e as fibras termi- esquerdo e as fibras de Purkinje.

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FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

Em condições anormais, quando o nó- Hiss, constituindo o bloqueio átrio-ventri-


dulo sinusal deixa de funcionar, ou quan- cular total, que faz com que uma porção
do o estímulo do nódulo sinusal não alcan- do miocárdio ventricular assuma a função
ça a rede de Purkinje, outros pontos do sis- de gerador de estímulos para a contração
tema de condução, tais como o nódulo ventricular. Nestas circunstâncias, a freqü-
A-V ou o feixe de Purkinje assumem a fun- ência dos impulsos é baixa, geralmente in-
ção de gerar o estímulo elétrico para a con- ferior a 40 por minuto, e se recorre à esti-
tração ventricular, com uma freqüência mulação elétrica por meio de um marca-
mais baixa. passo artificial.
O impulso elétrico do nódulo sinusal
propagado pelos átrios, pelo feixe de con- A CONTRAÇÃO ATRIAL
dução, a despolarização e a repolarização E VENTRICULAR
elétricas dos sincícios miocárdicos, são Um batimento cardíaco completo é
registrados no eletrocardiograma. chamado ciclo cardíaco. O ciclo cardíaco
Em condições patológicas pode ocor- vai do final de uma contração cardíaca até
rer o bloqueio da condução elétrica por um o final da contração seguinte e inclui qua-
ou mais ramos do feixe de condução, cons- tro eventos mecânicos principais, a saber:
tituindo os bloqueios de ramo direito, contração atrial ou sístole atrial, relaxa-
hemibloqueio anterior ou posterior, todos mento atrial ou diástole atrial, contração
identificados pela análise do eletrocardio- ventricular ou sístole ventricular e relaxa-
grama. Pode ainda, ocorrer o bloqueio com- mento ventricular ou diástole ventricular.
pleto da condução elétrica pelo feixe de Um batimento cardíaco se inicia com

Fig.3.3. A. Gráfico que demonstra o comportamento das pressões intra-ventricular e atrial, durante o ciclo cardíaco. O
ponto A indica o fechamento das válvulas átrio-ventriculares e o ponto B indica o momento da sua abertura. B.Gráfico
que demonstra o comportamento das pressões ventricular esquerda e aórtica, durante o ciclo cardíaco. O ponto A
indica o momento da abertura da válvula aórtica e o ponto B, o momento do seu fechamento, que determina uma
incisura na curva da pressão aórtica.

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CAPÍTULO 3 – FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR

a sístole atrial. A seguir, durante a diástole são ventricular começa a cair rapidamen-
atrial, ocorrem sucessivamente a sístole e te pelo início do relaxamento da muscula-
a diástole ventricular. tura miocárdica, o que fecha as válvulas
O sangue flui de modo contínuo, das aórtica e pulmonar. A continuação do re-
grandes veias para os átrios e, cerca de 70% laxamento ou diástole ventricular, logo a
desse volume flui diretamente dos átrios seguir permite a abertura das válvulas
para os ventrículos. A contração dos átri- átrio-ventriculares e se inicia um novo pe-
os produz um enchimento ventricular adi- ríodo de enchimento ventricular. A figura
cional de 30%. Os átrios funcionam como 3.3 A e B, ilustra o comportamento das
bombas de ativação, que aumentam a efi- curvas de pressão intra-atrial, ventricular
cácia do bombeamento ventricular. e aórtica, durante o ciclo cardíaco.
Durante a sístole ventricular, o sangue
se acumula nos átrios, porque as válvulas DÉBITO CARDÍACO E ÍNDICE CARDÍACO
átrio-ventriculares estão fechadas. Ao ter- Durante a diástole ocorre o enchimen-
minar a sístole ventricular, a pressão nos to ventricular que, ao final, atinge um vo-
átrios faz com que as válvulas átrio-ventri- lume de aproximadamente 120ml, chama-
culares se abram, permitindo que os ven- do volume diastólico final. À medida que a
trículos se encham rapidamente. Este pe- sístole ventricular ejeta sangue para as gran-
ríodo é seguido por um outro curto perío- des artérias, o volume ventricular cái, sen-
do de enchimento mais lento dos do de aproximadamente 50ml ao final da
ventrículos, com o sangue que continuou sístole (volume sistólico final). A diferença
a fluir para os átrios durante o período an- entre o volume diastólico final e o volume
terior. Na fase final do enchimento ou sistólico final é chamada de volume de
diástole ventricular, ocorre a sístole atrial. ejeção ou volume sistólico e corresponde
Ao se iniciar a contração ou sístole ao volume de sangue impulsionado a cada
ventricular, a pressão no interior do ven- batimento cardíaco. Em um adulto, o vo-
trículo se eleva muito rapidamente, pelo lume sistólico médio é de cerca de 70ml de
retesamento das suas fibras, fechando as sangue. O volume sistólico varia com os
válvulas átrio-ventriculares. Logo após indivíduos, sendo menor nas crianças. No
uma pequena fração de segundo, o ventrí- coração normal, é o mesmo para ambos os
culo ganha pressão suficiente para abrir as ventrículos.
válvulas semilunares (aórtica ou pulmo- Quando o coração se contrái com mais
nar) e iniciar a ejeção do sangue para as força o volume sistólico final pode cair para
grandes artérias. Cerca de 60% do volume apenas 20ml. Quando grandes quantida-
de sangue do ventrículo é ejetado nessa des de sangue fluem para os ventrículos
primeira fase da sístole ventricular e os durante a diástole, o volume diastólico fi-
40% restantes, logo a seguir, um pouco nal pode atingir a 200ml. Em ambas as cir-
mais lentamente. Ao final da sístole pouco cunstâncias, o volume de ejeção ou volu-
sangue passa às grandes artérias. A pres- me sistólico estará aumentado e, portan-

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FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

to, estará aumentado o débito do ventrí- O débito cardíaco na criança é inferi-


culo, a cada batimento. or ao débito calculado para os adultos, o
O débito cardíaco sistêmico corres- que nos mostra a dificuldade de comparar
ponde à quantidade de sangue lançada o débito cardíaco de diferentes indivídu-
pelo ventrículo esquerdo na aorta, a cada os, em face das variações de seu peso e
minuto. Esta é a forma habitual de expres- massa corporal, dos quais dependem os
sar a função de bomba do coração. volumes diastólico e sistólico finais.
Em cada batimento, o volume ejetado Para permitir a comparação do débito
pelo ventrículo esquerdo na aorta é a dife- cardíaco entre diferentes indivíduos, usa-se
rença entre o volume diastólico final dividir o valor do débito cardíaco pela super-
(VDF) e o volume sistólico final (VSF). O fície corpórea (SC), expressa em metros qua-
débito cardíaco (DC) será igual àquela di- drados. Esse novo indicador da função de
ferença multiplicada pelo número de bomba do coração tem maior significado que
batimentos a cada minuto (freqüência car- o anterior e é chamado de Índice Cardíaco
díaca, FC). O débito cardíaco, pode ser (IC). Se a superfície corpórea do adulto do
expresso pela seguinte equação: exemplo anterior é de 1,8 m2 e a superfície
corpórea da criança é de 1,1 m2, teremos os
DC = (VDF - VSF) x FC em que: seguintes índices da função ventricular:
DC = débito cardíaco,
VDF = volume diastólico final, IC = DC/SC = 5,6/1,8 = 3,1 l/min/m2
VSF = volume sistólico final e, IC = DC/SC = 3,5/1,1 = 3,1 l/min/m2
FC = freqüência cardíaca.
O índice cardíaco de ambos os indiví-
O volume sistólico de um adulto mé- duos é o mesmo, de 3,1 litros de sangue por
dio é de aproximadamente 70ml e a freqü- minuto, por cada metro quadrado de su-
ência cardíaca é de 80 batimentos por mi- perfície corporal.
nuto. O débito cardíaco desse indivíduo O índice cardíaco é o indicador mais
será de 70 x 80 = 5.600ml/min. (5,6 litros/ importante da função do sistema cardio-
minuto). vascular, porque expressa a quantidade de
O débito cardíaco é habitualmente ex- sangue que o coração impulsiona a cada
presso em litros por minuto (l/min.). Se, minuto, para o transporte dos elementos
em uma criança, por exemplo, o volume essenciais à função celular em todos os te-
diastólico final é de 60ml, o volume sistólico cidos do organismo. O índice cardíaco va-
final é de 25ml e a freqüência cardíaca é ria com a idade. Nas crianças, é de 2,5 l/
de 100 batimentos por minuto, o seu débi- min/m2, desde o nascimento, para atingir
to cardíaco será: pouco mais de 4 l/min/m2 aos 10 anos de
idade. Na velhice, o índice declina, alcan-
DC = (60 - 25) x 100 = 35 x 100 = 3.500 çando os 2,4 l/min/m2, em torno dos oi-
ml/min ou 3,5 l/min. tenta anos. O índice cardíaco normal, para

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CAPÍTULO 3 – FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR

os indivíduos de todas as idades, em re- atinge cerca de 120mmHg.


pouso, varia de 2,5 a 3,75 l/min/m2. Depois que a válvula aórtica se fecha,
a pressão na aorta cái lentamente, duran-
REGULAÇÃO DO DÉBITO CARDÍACO te toda a diástole ventricular, porque o san-
Num indivíduo em repouso, o coração gue no interior das artérias elásticas
bombeia de 4 a 5 litros de sangue por mi- distendidas flui contìnuamente através dos
nuto, para a aorta. Durante o exercício, o vasos mais periféricos. Imediatamente an-
volume de sangue bombeado pode aumen- tes de se iniciar o novo ciclo cardíaco, a
tar até 5 a 6 vêzes aquele valor. Os meca- pressão registrada na aorta é a pressão di-
nismos básicos que regulam o volume de astólica e, em um adulto seu valor é de
sangue bombeado pelo ventrículo são a aproximadamente 80 mmHg.
auto-regulação em resposta ao aumento do A pressão arterial média é a pressão
volume que chega ao coração e o controle média existente na árvore arterial durante
reflexo pelo sistema nervoso autônomo. um ciclo cardíaco. A pressão média não
O aumento do retorno venoso ao átrio representa a média aritmética entre a pres-
direito altera o volume de ejeção pelo me- são sistólica e a diastólica, em virtude do
canismo de estiramento das fibras miocár- formato da onda de pulso; ela está mais
dicas, que acarreta o aumento da força da próxima da pressão diastólica que da
contração. O sistema nervoso autônomo sistólica e seu valor aproximado é de 92
controla o débito cardíaco pela variação da mmHg.
freqüência cardíaca através da estimula- A geração da pressão na artéria pul-
ção simpática (adrenérgica) ou parassim- monar tem mecanismos semelhantes aos
pática (colinérgica). do coração esquerdo e seus valores normais
são de 25 mmHg para a pressão sistólica,
PRESSÃO ARTERIAL 10 mmHg para a pressão diastólica e cerca
Ao se contrair, o ventrículo esquerdo de 15mmHg para a pressão média.
aumenta a pressão no seu interior e faz o A diferença entre a pressão sistólica e a
sangue fluir com facilidade para a aorta. A pressão diastólica é chamada pressão de pul-
entrada de sangue na aorta e demais arté- so. Seu valor é de 40 mmHg no adulto mé-
rias faz com que suas paredes se distendam dio. A pressão de pulso depende diretamen-
e a pressão no seu interior se eleva. A vál- te do volume de ejeção sistólica e do volu-
vula aórtica aberta, permite que a pressão me de sangue existente no sistema arterial.
gerada no interior do ventrículo esquerdo A bomba cardíaca, do tipo reciprocan-
pela sua contração se transmita para a te, produz uma onda de pressão a cada ci-
aorta. No final da sístole, quando o ventrí- clo cardíaco, com uma pressão sistólica e
culo esquerdo deixa de ejetar, a válvula uma pressão de pulso, ambas importantes
aórtica se fecha e ocorre o ponto máximo para a perfusão tissular.
da pressão intra-arterial, a pressão sistólica. As bombas utilizadas para a impulsão
Em um adulto médio, a pressão sistólica do sangue durante a circulação extracor-

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FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

pórea são do tipo de deslocamento positi- As artérias são os vasos encarregados


vo, que aspiram o sangue no orifício de en- de transportar o sangue bombeado pelo
trada e o conduzem ao orifício de saída. coração para os tecidos. As artérias perifé-
Essas bombas geram um fluxo contínuo e ricas nascem da aorta e se dirigem ao crâ-
linear. Ao contrário da bomba cardíaca, não nio, ao tórax e membros superiores, abdo-
geram pressão de impulsão, como a pres- me e membros inferiores. Das artérias prin-
são sistólica. Os mecanismos orgânicos re- cipais, nascem outras artérias que se
guladores do débito cardíaco não são efe- dirigem às diferentes regiões ou órgãos,
tivos com a bomba mecânica, que é ajus- onde continuam a se ramificar, como os
tada para fornecer um débito fixo e estável, ramos de uma árvore, até distribuir ramos
calculado conforme as necessidades meta- para todos os pontos do organismo. As ar-
bólicas do indivíduo, nas condições da ope- térias distais, os menores ramos da imensa
ração a ser realizada. Por essa razão a pres- rede arterial, são as arteríolas. As arteríolas
são arterial durante a perfusão, a pressão se conectam à rede de capilares do organis-
intravascular média é mais baixa que a pres- mo, que tem contato com pràticamente
são gerada pela bomba cardíaca pulsátil, e todas as células. Na extremidade oposta os
representa a interação do fluxo da bomba capilares vão se agrupando em vênulas,
arterial com a resistência vascular perifé- cujo conjunto vai formando as veias, que
rica do paciente. acompanham regularmente o trajeto das
artérias, em sentido inverso, até se reuni-
CIRCULAÇÃO PERIFÉRICA rem nas grandes veias cava superior e infe-
E MICROCIRCULAÇÃO rior, que drenam todo o sangue recebido na
O sistema circulatório é um grande sis- rede capilar, de volta ao átrio direito.
tema fechado constituido por vasos que As paredes das artérias e das veias são
conduzem o sangue dos ventrículos aos te- formadas por três camadas (Fig. 3.4). A
cidos, e destes de volta ao átrios. Está divi- camada externa, constituida por tecido
dido em dois circuitos: 1. a circulação pul- conjuntivo e algumas fibras elásticas, é cha-
monar ou pequena circulação, que trans- mada adventícia. Esta camada serve de
porta o sangue do coração direito para as
trocas gasosas respiratórias e será estuda-
da no capítulo referente à fisiologia respi-
ratória, e 2. a circulação periférica ou sis-
têmica, responsável pelo transporte do
sangue a todos os tecidos para a oferta de
oxigênio e demais nutrientes.
Existem dois tipos de vasos na circula-
ção: os vasos sanguíneos e os vasos linfáticos.
Os vasos sanguíneos são de três tipos prin- Fig.3.4. Desenho representativo da estrutura da parede
dos vasos, com as suas três camadas e os vasa-vasorum,
cipais: artérias, veias e capilares. nutridores do próprio vaso.

60
CAPÍTULO 3 – FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR

suporte para os vasos. Quando uma arté- sos íons. Embora de tamanho diminuto, os
ria é seccionada, a camada adventícia tende capilares são os verdadeiros responsáveis
a mantê-la aberta. A adventícia das veias pelas funções nutritivas do sistema cardi-
é mais fina e menos resistente e quando ovascular. É através o seu endotélio que se
seccionadas, as veias tendem a colapsar sua processam todas as trocas nutritivas que
paredes. A camada média, constituída prin- mantém o meio ambiente celular em con-
cipalmente por fibras musculares e elásti- dições adequadas de funcionamento.
cas, é muito mais espessa nas artérias do As artérias são os vasos de distribuição
que nas veias. É responsável pela contra- de sangue ao sistema capilar. O sistema de
ção e relaxamento dos vasos. A sístole car- distribuição se caracteriza por ser de baixo
díaca força o sangue para o interior das volume e alta pressão. Os vasos de resis-
artérias e a estrutura muscular das suas tência são as arteríolas que, com os
paredes permite a sua expansão, para aco- esfincteres pré-capilares se constituem na
modar o volume adicional impulsionado. principal resistência ao fluxo de sangue.
A contração das artérias, em seguida, au- Os capilares tem o comprimento apro-
xilia a impulsão do sangue pelo sistema ar- ximado de 1 milímetro e um diâmetro mé-
terial. A camada mais interna, a íntima é dio de 8 a 12 milésimos de milímetro
constituída pelo endotélio, cuja função é (mícron). Existem aproximadamente 5 a
predominantemente anti-trombogênica. 10 bilhões de capilares em um adulto mé-
No revestimento interno das veias, o dio, correspondendo a uma área de 500 a
endotélio forma cúspides, a intervalos, que 700 m2. Se todo o sistema capilar do orga-
funcionam como válvulas que auxiliam o nismo pudesse ser disposto em linha reta,
direcionamento do sangue para o coração alcançaria uma extensão de aproximada-
direito. As camadas íntima e média dos mente 136.000 Km. Estima-se que em ape-
vasos recolhem o oxigênio e outros elemen- nas 1 cm2 de tecido muscular existem cer-
tos para a sua própria nutrição por difusão ca de 250.000 capilares. Esta ampla distri-
do sangue no seu interior. A camada ad- buição da rede capilar faz com que cada
ventícia possui pequenos vasos, artérias, célula do organismo tenha um capilar à
veias e capilares, responsáveis pela nutri- menos de 20 ou 30 microns de distância.
ção do próprio vaso, chamados “vasa- As vênulas e veias constituem os va-
vasorum”, que significa vasos dos vasos. sos de capacitância ou reservatório. O sis-
Os capilares formam uma extensa e tema de capacitância é tipicamente um sis-
difusa rede que penetra na intimidade de tema de grandes volumes e baixas pressões.
todos os tecidos do organismo. São Os vasos linfáticos constituem, junta-
constituidos por uma única camada de cé- mente com os gânglios, o sistema linfático
lulas, o endotélio, em continuidade com o que é um sistema accessório do sistema cir-
endotélio das arteríolas e das vênulas. O culatório, através do qual circula a linfa,
endotélio dos capilares é permeavel ao oxi- um líquido aquoso, rico em proteinas e gor-
gênio, dióxido de carbono, glicose e diver- duras. Mais da metade da linfa do organis-

61
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

mo se origina no fígado e nos intestinos, tem apenas uma camada muscular descon-
constituída à partir de nutrientes absorvi- tínua, ao contrário da arteríola terminal.
dos no processo da digestão. Os capilares A metarteríola origina capilares que formam
linfáticos existem em todos os tecidos em uma conjunto enovelado. Na extremida-
proximidade aos capilares sanguíneos. A de oposta os capilares se unem em uma
parede endotelial dos capilares linfáticos é vênula. Entre a metarteríola e a vênula exis-
altamente permeável às proteinas e outras te uma comunicação artério-venosa, que per-
grandes moléculas e, o sistema linfático mite ao sangue das arteríolas terminais al-
recolhe do líquido intersticial aquelas cançar diretamente o sistema venular sem
macromoléculas que não podem alcançar atravessar os capilares. No início da me-
a rede capilar sanguínea. O sistema de va- tarteríola existe um pequeno e denso anel
sos linfáticos se concentra no interior do muscular, o esfincter pré-capilar, cuja con-
tórax e, através do canal torácico, tração fecha a entrada de sangue nos capi-
desmboca na junção das veias jugular e lares. Na porção inicial da vênula existe
subclávia esquerdas, lançando a linfa, no uma outra estrutura muscular semelhan-
sangue venoso. A linfa retorna à circula- te, o esfincter pós-capilar, cuja contração
ção sistêmica em fluxos aproximados de 125 impede a saída do sangue dos capilares. Os
ml por hora. esfincteres desempenham importante pa-
pel na regulação do fluxo nos capilares,
A MICROCIRCULAÇÃO especialmente o esfincter pré-capilar, que
A microcirculação é o segmento do sis- responde aos estímulos locais dos tecidos.
tema circulatório que inclui os capilares e O sangue pode seguir diferentes trajetos na
as porções terminais das arteríolas e microcirculação, dependendo das neces-
vênulas; constitui-se em unidades funcio- sidades dos tecidos. A constrição do
nais bem definidas, cuja organização visa esfíncter pré-capilar força a passagem do
facilitar a função nutritiva e excretora do sangue da arteríola para a vênula, sem atra-
sangue. A estrutura da microcirculação está vessar os capilares. Quando as necessida-
representada na figura 3.5. A arteríola ter- des de oxigênio dos tecidos aumentam, há
minal, se continua em uma metarteríola, que abertura de um grande número de
esfincteres para irrigar um maior número
de conjuntos de capilares.

FLUXO E RESISTÊNCIA
O fluxo, seja em um tubo rígido ou
num vaso sanguíneo, consiste no movi-
mento de uma quantidade de fluido entre
dois pontos, durante um determinado pe-
ríodo de tempo.
Fig.3.5. A microcirculação. Principais estruturas da
microcirculação, conforme assinalado no texto. A distribuição do fluxo de sangue para

62
CAPÍTULO 3 – FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR

os leitos vasculares é controlada pelas va- relação governa a dinâmica dos líquidos no
riações do diâmetro das arteríolas. Esta for- interior de tubos inelásticos.
ma de controle depende da manutenção Embora os vasos sanguíneos não sejam
de uma pressão adequada dentro do siste- semelhantes aos tubos rígidos, o compor-
ma arterial. A pressão intra-arterial deve tamento do sangue no seu interior segue
ser mantida acima de um valor crítico, de as mesmas relações, para a perfusão dos
40 a 60mmHg para permitir a perfusão dos órgãos pelo sistema circulatório. Dessa for-
leitos vasculares de órgãos vitais, como o ma, a vasodilatação produz a redução da
cérebro, o miocárdio e os rins. resistência arteriolar ao fluxo de sangue,
Quando um líquido circula no interior reduzindo a pressão de perfusão enquanto
de um tubo, existe uma força perpendicu- a queda do débito cardíaco, ao reduzir o
lar à direção do fluxo do líquido, chamada fluxo no interior dos vasos, também pro-
pressão. A oposição àquela força é a resis- duz queda da pressão.
tência. O fluxo do líquido no interior do As relações entre a pressão, o fluxo e a
tubo depende da relação entre a pressão e resistência, durante a circulação extracor-
a resistência, ou seja: Q=P/R, em que Q= pórea são as mesmas. A bomba propulsora
fluxo, P= pressão e R= resistência. A mes- da circulação extracorpórea gera fluxo li-
ma equação nos mostra que P=Q x R, ou near, não pulsátil, ao contrário da bomba
seja, a pressão é o produto do fluxo pela cardíaca. Dessa forma, as pressões exercidas
resistência, ou ainda que R=P/Q, ou, em pelos mesmos fluxos são menores, na cir-
outras palavras, a resistência representa a culação extracorpórea, e dependem fun-
relação entre a pressão e o fluxo. damentalmente da resistência arteriolar. A
A resistência à circulação do volume pressão, durante a circulação extracorpó-
de sangue ejetado pela contração cardía- rea é um valor que pode ser modificado
ca, é um dos fatores determinantes da pres- facilmente pela manipulação da resistên-
são arterial. cia arteriolar ou do fluxo arterial. As dro-
A pressão no interior de um um vaso gas vasoconstritoras aumentam a resistên-
sanguíneo, por analogia com as forças hi- cia arteriolar, enquanto os vasodilatadores
dráulicas, depende do fluxo de sangue e da a reduzem.
resistência oferecida à sua progressão den-
tro do vaso. Como vimos, a pressão pode RESISTÊNCIA VASCULAR
ser expressa da seguinte forma: Pressão (P) E VISCOSIDADE
= Fluxo (Q) x Resistência (R). Esta equa- Os líquidos circulam no interior dos
ção demonstra que a pressão é diretamen- tubos em lâminas concêntricas, das quais
te proporcional ao fluxo e à resistência. Se as mais externas, em contato com a pare-
o fluxo permanecer constante e reduzirmos de progridem mais lentamente. Este tipo
a resistência, a pressão se reduz. Se a resis- de fluxo é conhecido como fluxo laminar.
tência permanecer constante e reduzirmos A maior ou menor facilidade com que as
o fluxo, a pressão também se reduz. Esta lâminas de líquido se deslocam, uma em

63
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

ragias. Na hemodiluição da circulação ex-


tracorpórea, contudo, as alterações da vis-
cosidade são produzidas agudamente e são
bastante significativas. Uma vez equilibra-
do o perfusato, entretanto, a viscosidade
Fig.3.6. Esquema que representa as diversas lâminas se mantém relativamente constante até o
de um líquido em fluxo laminar no interior de um vaso,
submetido à pressão P. A viscosidade do líquido
final do procedimento. Quando a viscosi-
determina a facilidade com que as lâminas deslisam dade permanece constante, pequenas al-
umas sobre as outras.
terações no calibre das arteríolas podem
relação às outras, depende da viscosidade determinar grandes alterações na resistên-
do líquido (Fig. 3.6). A viscosidade é uma cia arteriolar e, em conseqüência, determi-
propriedade que depende da composição nar alterações na pressão arterial. A razão
molecular dos líquidos. Um líquido de vis- disso é que a resistência ao fluxo é inversa-
cosidade baixa como a água, se desloca mente proporcional à quarta potência do
mais facilmente em um tubo, do que um raio do tubo e é diretamente proporcional
líquido de maior viscosidade, como o óleo à viscosidade do líquido e ao comprimen-
ou o sangue. to do tubo. Estas relações podem ser ex-
Se considerarmos a viscosidade da água pressas na equação: R= ηx l/r4 em que R=
como 1, a viscosidade do plasma será de resistência, η= viscosidade, l= compri-
1,8, enquanto a viscosidade do sangue com mento e r= raio do tubo.
o hematócrito normal de 40% será de 3. Durante a perfusão, como vimos, a vis-
Quanto maior a percentagem de células cosidade permanece relativamente cons-
vermelhas no sangue, tanto maior será a
sua viscosidade. Quando o hematócrito se
eleva para 60 ou 70%, como ocorre nas
cardiopatias cianóticas, a viscosidade san-
guínea se eleva significativamente, alcan-
çando 10 vêzes o valor da viscosidade da
água (Fig. 3.7). A quantidade de proteinas
do plasma também afeta a viscosidade, po-
rém, em menor grau que a quantidade de
hemácias. A grande redução da viscosida-
de, produzida pela hemodiluição, é uma das
causas da pressão arterial média baixa, que
acompanha a circulação extracorpórea.
No aparelho circulatório, em condi-
Fig.3.7. Gráfico demonstrativo da viscosidade do sangue
ções normais, a viscosidade do sangue não em relação ao hematócrito. A viscosidade do sangue
se altera substancialmente, em curtos pe- aumenta à medida que o hematócrito se eleva. Representa
ainda a viscosidade do plasma e da água, para
ríodos, exceto quando há grandes hemor- comparação.

64
CAPÍTULO 3 – FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR

tante e o comprimento dos vasos não se direito é muito baixa ou zero, com o paci-
altera. A resistência será tanto maior ente adequadamente drenado. Nesse caso,
quanto menor for o raio das arteríolas. A a resistência vascular sistêmica correspon-
equação que correlaciona fluxo, pressão e de à relação entre a PAM e o Fluxo Arteri-
resistência, Q= P/R , se aplicado o valor al (RVS = PAM/Q). Com a aplicação des-
da resistência ao denominador, ficaria: ta simples equação, podemos acompanhar
Q= P x r4. Como a viscosidade e o com- o comportamento da resistência vascular
primento dos vasos não se alteram, podem sistêmica durante a perfusão. Ela nos per-
ser eliminados da equação. mite ainda manipular a pressão arterial
As arteríolas representam a principal média, quando necessário, com o uso dos
fonte de resistência ao fluxo do sangue ar- vasodilatadores ou dos vasos constritores.
terial, inclusive durante a circulação extra- A resistência vascular periférica se ex-
corpórea. A resistência oferecida ao fluxo pressa comumente em unidades de resis-
de sangue pela rede de arteríolas da gran- tência vascular (mmHg/l/min). O valor
de circulação é chamada resistência peri- normal da resistência vascular periférica ou
férica ou resistência sistêmica. sistêmica para um adulto é de cerca de 20
unidades. Se multiplicarmos o valor em
RESISTÊNCIA VASCULAR unidades por 79,9 (ou 80) teremos a resis-
PERIFÉRICA tência vascular expressa em dinas/seg/cm-5.
A resistência vascular total, corres- Durante a perfusão, com um fluxo ar-
ponde à soma de todos os fatores que ofe- terial de 3,0 l/min, se a pressão arterial
recem resistência ao fluxo de sangue. Se média (PAM) estiver em 60 mmHg, a re-
analisarmos a equação que correlaciona sistência vascular periférica será de 60/3 ou
fluxo, pressão e resistência, teremos R= P/ de 20 unidades, e, portanto normal. No
Q, ou seja, a resistência vascular total cor- transcurso da perfusão, com o fluxo man-
responde à diferença de pressão entre os tido constante em 3 l/min, se a pressão ar-
dois extremos do circuito, dividida pelo terial média se eleva para 84 mmHg, a re-
valor do fluxo. O fluxo sanguíneo tanto sistência vascular periférica terá aumenta-
pode ser o débito cardíaco como o fluxo da do para 84/3 ou 28, unidades, que significa
bomba arterial, durante a perfusão. um acréscimo de 40% . Essa elevação da
A resistência oferecida ao fluxo de san- resistência vascular periférica é causada
gue através a circulação periférica é a re- pelo efeito vasoconstritor de substâncias
sistência vascular sistêmica e, na equação liberadas durante a perfusão. A maior
R=P/Q, a pressão representa a diferença constrição das arteríolas dificulta a perfu-
entre a pressão arterial média e a pressão são dos capilares, reduzindo a eficiência da
média do átrio direito, que na realidade, oxigenação tissular. Isto pode ser compro-
representa a diferença de pressão da circu- vado pela verificação freqüente de acidose
lação sistêmica. metabólica concomitante. Nesse momen-
Durante a perfusão, a pressão do átrio to não se deve reduzir o fluxo da perfusão

65
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

para reduzir a pressão arterial e sim, usar


vasodilatadores para aumentar o diâmetro
das arteríolas e reduzir a resistência
vascular periférica. Esta medida normali-
za o metabolismo tissular, independente da
administração de alcalinizantes, como o
bicarbonato.

TROCAS TRANSCAPILARES
A função mais importante do sistema
circulatório, a permuta de nutrientes e
Fig.3.8. Esquema da difusão de líquidos entre o capilar
dejetos celulares, entre o sangue circulante sanguíneo, o capilar linfático e o espaço intersticial.
e os tecidos, se processa nos capilares.
A organização capilar do organismo na fator mais importante para determinar o
microcirculação favorece as trocas entre os grau de abertura e fechamento das
capilares e as células, havendo sempre um metarteríolas e esfincteres pré-capilares é
vaso capilar em proximidade à cada célu- a concentração de oxigênio nos tecidos.
la. A parede capilar apresenta poros ou Quando a concentração de oxigênio é bai-
canalículos que são atravessados pela mai- xa, os esfincteres permanecem abertos mais
oria dos íons e moléculas hidrosolúveis. tempo, aumentando o afluxo de sangue.
Outras substâncias lipossolúveis atraves- Quanto maior for a utilização de oxigênio
sam diretamente a célula endotelial, por pelos tecidos, maior será a quantidade de
dissolução na sua membrana, sem atraves- sangue que flui pelos capilares.
sar os poros. A maior parte das trocas, con- O movimento de líquidos através as
tudo, ocorre pelo fenômeno da difusão. O paredes dos capilares é determinado pelas
plasma sanguíneo trocas substâncias com forças hidrostáticas e osmóticas, nos dois
o líquido extracelular. Este, troca as subs- lados da membrana capilar.
tâncias com as células através a membra- Existem quatro forças que determinam
na celular. O plasma, portanto, regula o o movimento de líquidos através a mem-
meio em que as células vivem, oferecendo brana capilar (Fig. 3.9):
condições mais adequadas ao seu funcio- 1. A pressão capilar ou pressão
namento (Fig. 3.8). hidrostática, que tende a fazer o líqui-
A autoregulação do fluxo de sangue nos do sair do capilar para o interstício.
capilares é fundamental para as trocas com 2. A pressão do líquido intersticial que
os tecidos. O sangue não flui num rítmo tende a fazer o líquido penetrar através
contínuo através dos capilares. Os da membrana capilar, quando é positi-
esfincteres pré-capilares e as metarteríolas va e a fazê-lo sair, quando é negativa.
se contraem e se relaxam alternadamente, 3. A pressão coloidosmótica do plas-
em ciclos de 5 a 10 vêzes por minuto. O ma, que tende a atrair líquido para o

66
CAPÍTULO 3 – FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR

interior dos capilares. ser em pequenas quantidades, logo remo-


4. A pressão coloidosmótica do líqui- vidas pelos canais linfáticos. A concentra-
do intersticial, que tende a atrair líqui- ção de proteinas no plasma é quatro vêzes
do do interior dos capilares. maior do que no líquido intersticial, ou seja,
A pressão capilar ou pressão hidrostática 7,3g% no plasma e 2g% no interstício. Ape-
é a diferença de pressão entre o extremo nas as substâncias que não conseguem pas-
arteriolar e o extremo venular do capilar. O sar através dos poros de uma membrana
extremo arteriolar do capilar tem uma pres- semi-permeável exercem pressão osmótica.
são aproximada de 25 mmHg, enquanto no A pressão osmótica total é aproximada-
extremo venular a pressão é de aproxima- mente 50% maior que a exercida pelas pro-
damente 10 mmHg. O capilar venoso tem teinas. As proteinas por sua carga elétrica
uma permeabilidade maior que o extremo negativa, atraem cations, principalmente
arteriolar. A pressão hidrostática tende a o sódio, para o equilíbrio elétrico das suas
produzir filtração do plasma para o líquido moléculas. As partículas dos cátions fazem
intersticial, no extremo arteriolar e tende aumentar a pressão coloido-osmótica to-
a produzir absorção de líquido do interstício tal, que se torna mais significativa, quanto
para o capilar, no extremo venoso. maior for a quantidade de proteinas. Este
A pressão do líquido intersticial é de é o chamado efeito Donnan na pressão
difícil avaliação, pela sua composição, parte coloido-osmótica ou pressão oncótica.
sob a forma de gel e parte líquida propria- O valor normal para a pressão oncótica
mente dita. Estima-se que esta pressão seja das proteinas do plasma é de aproximada-
negativa, em torno de -6,3 mmHg. Essa mente 28 mmHg, dos quais 19 mmHg
negatividade tende a fazer uma “aspiração” correspondem às proteinas e 9mmHg são
do líquido intracapilar para o interstício. gerados pelos cations mantidos no plasma
A pressão coloido-osmótica ou pres- pelo efeito Donnan. A albumina é
são oncótica do plasma depende funda- reponsável por cerca de 75% da pressão
mentalmente das proteinas, que não se di- oncótica do plasma e os demais 25%
fundem para dentro do interstício, a não correspondem às globulinas, sendo a con-
tribuição do fibrinogênio muito pequena.
A contribuição relativa das proteinas
plasmáticas, conforme sua concentração
está representada na tabela 3.1.

Fig.3.9. O desenho representa as forças que tendem a


movimentar os líquidos para dentro e para fora dos
capilares, nas trocas com o líquido intersticial, através Tabela 3.1 Comparação da pressão oncótica exercida pela
das membranas capilares. albumina e demais proteinas do plasma.

67
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

A pressão oncótica do líquido intersti- As forças que tendem a fazer o líquido


cial é pequena em relação à do plasma, da entrar no capilar à partir do líquido inters-
ordem de 5 mmHg, em virtude da peque- ticial são:
na concentração de moléculas proteicas
Pressão oncótica do plasma . . 28 mmHg.
existente no interstício.
Desta forma temos que as forças que A diferença ou força efetiva é de 6,7
tendem a promover a filtração de líquidos mmHg, que é a pressão de reabsorção.
no extremo arteriolar do capilar para o A pressão de reabsorção faz com que
intertício são: nove décimos do líquido que filtrou para
fora nas extremidades arteriais dos capila-
Pressão capilar (hidrostática) . . 25,0 mmHg.
res sejam reabsorvidos nas extremidades
Pressão negativa do líquido venosas. O décimo restante penetra nos
intersticial . . . . . . . . . . . . . . . 6,3 mmHg. vasos linfáticos e segue o curso da linfa. A
Pressão oncótica do líquido força média efetiva que faz predominar a
intersticial . . . . . . . . . . . . . . 5,0 mmHg. filtração é de apenas 0,3 mmHg.
Os dados acima nos mostram a
Força total para promover
importância da pressão oncótica no
a filtração . . . . . . . . . . . . . . . 36,3 mmHg.
equilíbrio líquido entre os compartimentos
Forças que tendem a promover a absor-
intravascular e intersticial e nos permite
ção de líquido do interstício para dentro do
avaliar os efeitos da hemodiluição com
sistema capilar no extremo arteriolar:
cristaloides, sem moléculas capazes de
Pressão oncótica do plasma . . 28 mmHg. gerar pressão oncótica.
Desses valores depreende-se que há A circulação extracorpórea tende a
uma força de cerca de 8,3 mmHg (36,3 - produzir filtração de líquidos para o espa-
28), que tende a fazer com que o líquido ço intersticial por algumas razões, das quais
seja filtrado do capilar para o interstício. as mais importantes são:
Ao nível do capilar venoso, ou no ex- 1. Redução da pressão hidrostática nos
tremo venular do capilar as forças que ten- capilares. É conseqüência das pressões
dem a fazer sair o líquido são: de perfusão baixas, geradas pela bom-
ba de fluxo linear.
Pressão capilar
2. Redução da pressão coloidosmótica
(hidrostática) . . . . . . . . . . . . 10 mmHg.
do plasma em conseqüência da hemo-
Pressão negativa do diluição com cristaloides.
líquido intersticial . . . . . . . . 6,3 mmHg. A hemodiluição, durante a circulação
Pressão oncótica do extracorpórea, deve ser criteriosa. Não deve
líquido intersticial . . . . . . . . 5,0 mmHg. exceder os limites toleráveis, para não com-
prometer a oferta de oxigênio aos tecidos,
Força total para promover que pode ocorrer com hematócritos abai-
a filtração . . . . . . . . . . . . . . 21,3 mmHg. xo de 18%, nem reduzir excessivamente a

68
CAPÍTULO 3 – FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR

pressão coloidosmótica do plasma. A in- (carótidas e vertebrais) podem ser ocluidas


trodução de substâncias coloidais acelulares sem que ocorra dano ao tecido cerebral,
para hemodiluição, visa especìficamente, devido à compensação do fluxo pelas de-
atenuar aqueles efeitos indesejáveis da he- mais artérias do polígono.
modiluição com cristaloides. O cérebro e as demais porções que cons-
tituem o sistema nervoso central ocupam o
CIRCULAÇÃO CEREBRAL funcionamento de mais de 100 bilhões de
O arco aórtico é o segmento da aorta neurônios. As células do cérebro são extre-
que dá origem às artérias braquiocefálicas, mamente dependentes do contínuo forneci-
encarregadas de levar o sangue ao crânio e mento de oxigênio e outros nutrientes, para
aos membros superiores. Estas artérias pe- a manutenção da sua integridade estrutural
netram no interior do crânio e constituem e funcional. Ao contrário de outros órgãos, o
uma arcada vascular, cuja forma lembra o cérebro depende de um metabolismo exclu-
desenho de um polígono e, por essa razão, sivamente aeróbio para produzir a energia que
a arcada é denominada polígono de Willis. possibilita o seu funcionamento. Por essa ra-
As quatro artérias que penetram no crânio
para formar a arcada poligonal são as duas
artérias carótidas internas, direita e es-
querda, e as duas artérias vertebrais, direi-
ta e esquerda (Figura 3.10).
As duas artérias vertebrais se unem na
base do crânio para formar a artéria basilar.
Esta, por sua vez, fornece as duas artérias
cerebrais posteriores, direita e esquerda.
As artérias cerebrais posteriores fornecem
os ramos comunicantes posteriores. Cada
uma das artérias carótidas internas, ao al-
cançar a base do crânio, fornece uma arté-
ria comunicante anterior e uma artéria ce-
rebral média. As artérias comunicantes
anteriores e as comunicantes posteriores
unem as artérias carótidas e as artérias ver-
tebrais em uma estrutura arterial contínua,
o polígono de Willis, de onde emergem os
Fig 3.10. Representa o polígono de Willis. As quatro
ramos que irrigam o cérebro. Essa estrutu- artérias (carótidas internas) e vertebrais penetram no
ra poligonal de múltiplas origens assegura crânio e formam uma estrutura poligonal que
intercomunica as regiões anterior e posterior. 1. polígono
várias vias para o sangue arterial alcançar de Willis; 2. artéria carótida interna; 3. artéria vertebral;
4. artéria basilar; 5. artéria cerebral anterior; 6. artéria
o cérebro. Em virtude destas múltiplas vias, cerebral média; 7. artéria cerebral posterior; 8. artéria
uma ou mais das artérias braquiocefálicas comunicante anterior e 9. artéria comunicante posterior.

69
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

zão, a circulação cerebral se sustenta através


de múltiplas fontes, todas capazes de suprir o
sangue necessário ao adequado funcionamen-
to celular do tecido cerebral.
A distribuição da circulação arteriolar
e capilar que irriga o tecido cerebral é se-
melhante ao que foi descrito para os de-
mais órgãos. Após percorrer o vasto siste-
ma capilar, o sangue alcança o sistema de
veias do cérebro, de paredes muito delga-
das, bastante elásticas, com amplas e re-
dundantes anastomoses e totalmente des- Fig 3.11. Representa os sistemas venosos do retorno
providas de válvulas. cerebral. Há três sistemas principais que se comunicam
amplamente e acompanham aproximadamente a
As veias do cérebro estão distribuídas distribuição das artérias do polígono de Willis. Os seios
venosos unem-se e terminam por desembocar nas veias
em três sistemas principais: as veias super- jugulares internas direita e esquerda. O sistema venoso
ficiais ou corticais, que acompanham as intracraniano não possui válvulas.

principais regiões dos hemisférios cerebrais;


as veias dos núcleos centrais e as veias da CIRCULAÇÃO DA MEDULA
base do crânio. As veias superficiais dre- A circulação arterial da medula espi-
nam em dois seios venosos, o seio longitu- nhal provém de ramos originados nas ar-
dinal superior e o seio longitudinal inferi- térias vertebrais, na aorta descendente (ar-
or. Outras veias superficiais alcançam a base térias intercostais) e na aorta abdominal
do crânio onde formam o seio cavernoso. (artérias lombares). A arquitetura da irri-
As veias dos núcleos centrais formam dois gação medular é variável entre os indiví-
troncos volumosos (veias de Galeno), que duos, ora predominando a origem verte-
fundem-se em um único tronco venoso, bral ora predominando a origem intercos-
enquanto que as veias da base do crânio tal da irrigação.
(veias basilares), acompanham aproxima- Na maioria dos indivíduos a medula é
damente a distribuição das artérias do irrigada por três artérias principais, que
polígono de Willis e unem-se em outras correm paralelas ao seu eixo longitudinal;
duas veias calibrosas (fig 3.11). Os siste- uma artéria medular anterior e duas arté-
mas venosos cerebrais anastomosam-se rias medulares posteriores. Cerca de 75%
amplamente, formando uma rede de gran- da área transversal da medula são irrigados
de capacidade e baixa resistência, até se pela artéria medular anterior.
constituir nos seios laterais, verdadeiros A artéria medular anterior é formada
lagos venosos que se continuam com a veia pelos ramos medulares direito e esquerdo
jugular interna de cada lado do crânio. As que se originam das artérias vertebrais,
veias jugulares internas drenam o sangue antes da sua fusão em artéria basilar, na
do cérebro para a veia cava superior. base do crânio. À medida que a artéria

70
CAPÍTULO 3 – FISIOLOGIA CARDIOVASCULAR

medular anterior desce paralela à medula torácicas (T9 e T12) em cerca de 60% dos
espinhal, vai recebendo as tributárias indivíduos. Em 15% dos indivíduos ela
radiculares, ramos das artérias intercostais nasce mais alta, à altura de T5 a T8 e, em
e das artérias lombares. 25% dos indivíduos ela nasce mais baixa, à
As artérias intercostais nascem da região altura da primeira vértebra lombar (L1).
postero-lateral da aorta torácica. Após um As vênulas e veias procedentes das di-
pequeno percurso, a artéria intercostal se di- ferentes partes da medula dirigem-se para
vide em duas – a artéria intercostal anterior, a superfície externa, reunindo-se em seis
que caminha anteriormente ao tórax, acom- veias principais, que acompanham longi-
panhando o espaço entre as costelas, e a ou- tudinalmente a medula. Três veias são an-
tra, mais importante, a artéria intercostal teriores e três são posteriores; estas veias
posterior, que se dirige à porção óssea da co- constituem numerosas anastomoses entre
luna vertebral. Dessa artéria intercostal pos- sí, formando uma extensa rede venosa. Os
terior, nasce o ramo espinhal, que penetra no diversos ramos das seis veias principais di-
canal medular da coluna vertebral, onde for- rigem-se ao exterior da coluna vertebral,
ma dois ramos chamados radiculares, um através os orifícios por onde emergem as
anterior e outro posterior. raízes nervosas e vão desembocar nos plexos
Os ramos radiculares anteriores con- venosos extraraquidianos ou vertebrais, de
tribuem para a formação da artéria medu- onde alcançam a circulação venosa sistê-
lar anterior. Os ramos radiculares posteri- mica. Os plexos venosos extraraquidianos
ores direito e esquerdo, formam as artérias fundem-se em pequenas veias chamadas
medulares posteriores. As artérias medu- veias espinhais, que por sua vez desaguam
lares posteriores direita e esquerda, for- nas veias intercostais. Estas últimas fun-
mam uma extensa rede anastomótica en- dem-se à veia ázigos à direita e à veia hemi-
tre sí, o plexo da pia mater. Embora exten- ázigos, à esquerda que drenam no sistema
so, o plexo não é suficiente para suprir cava superior. Esta distribuição permite
circulação colateral, quando um ramo ampla circulação coleteral venosa.
radicular importante é ocluido. A circulação da medula, do mesmo
Aproximadamente ao nível da nona modo que a circulação cerebral, assegura
vértebra torácica, emerge um ramo o contínuo fornecimento de oxigênio e
radicular anterior mais calibroso e muito outros nutrientes para a manutenção do
importante, chamada artéria radicular metabolismo. Os procedimentos cirúrgicos
magna ou artéria de Adamkiewicz, cuja ir- com circulação extracorpórea que reque-
rigação é vital para a integridade funcio- rem a interrupção do fluxo sanguineo para
nal da medula e cuja ligadura em animais a medula espinhal, devem incluir medidas
causa paraplegia em um grande número de especificamente destinadas a proteger o
casos. A artéira de Adamkiewicz nasce tecido nervoso contra a injúria produzida
entre as nona e décima segunda vértebras pela isquemia prolongada.

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FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

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