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A autora elenca e desconstrói vários mitos acerca das diferenças entre homens e mulhe-
res, a fim de mostrar como a sociedade costuma justificar o machismo como forma de
construção da masculinidade. Para ela, enquanto as mulheres tornam-se mulheres de
modo simples, com certa naturalidade, os homens se constroem enquanto tais de modo
muito mais árduo, através de constantes provas ao longo de suas vidas.
... o machismo é "um ideal masculino que enfatiza a dominação sobre as mulheres, a
competição entre os homens, a exibição de agressividade, a sexualidade predadora e o
jogo duplo". (pp. 27-8)
... diferentes respostas ... foram propostas a esse respeito. Essas teorias podem ser di-
vididas ... em duas categorias: algumas partem da biologia e argumentam que os ho-
mens são machistas por razões inatas e basicamente invariáveis ... muitas condutas
relacionadas ao machismo são "naturais" ao homem e emanam da própria anatomia.
Na maioria das sociedades conhecidas, ser "homem entre os homens" consistiu em de-
ter o poder político, ter muitas mulheres ou muitos filhos... Em muitas sociedades de
caça e coleta, ... os meninos ou adolescentes têm de passar por diversos ritos de inicia-
ção, que se configura como terríveis provas ... [O] verdadeiro homem oculta o medo e a
dor e resiste estoicamente a duras provas de virilidade. (p. 29)
... [O] homem será tanto mais homem quanto mais distanciado estiver do feminino.
[No] mundo ocidental industrializado ... deixamos de praticar tais ritos. ... Ser um ver-
dadeiro homem hoje não é o mesmo que antes. Mas o que seria, então? (p. 30)
Dominar as mulheres
Uma das definições de virilidade que os jovens da nossa época ... compartilham com
pais, avós e bisavós é a necessidade de dominar as mulheres para demonstrar sua
masculinidade. ... O que mudou ... foi a forma de fazê-lo. ... [Mas isso não reflete neces-
sariamente uma transformação nos homens, mas nas mulheres e na sociedade. O]
conjunto da sociedade deixou de aprovar ... as formas tradicionais do machismo e ...
muitos homens, atualmente, longe de gabar-se de serem machistas, preferem negar
que o são. (pp. 30-1)
Nos países onde uma forte diferenciação entre os papéis sexuais é notória, prevalece a
moral sexual conservadora. (p. 31)
[Nas] sociedades em que reina maior igualdade social e econômica entre homens e
mulheres, pode-se contar com mais informações sobre a sexualidade e com mais acei-
tação dela.
O que está em jogo ... é a própria definição do que significa ser homem ou mulher. (p.
32)
Quais os seu fundamentos? A partir daqui, a autora começa a mostrar justificativas para
o machismo a partir de diferentes pontos de vista: biológico, etológico, etc.
A força física sempre foi o principal argumento a favorecer o homem em seu intento de
dominar as mulheres. ... Mas a diferença física entre os sexos está diminuindo. (p. 33)
...a força menor das mulheres nunca as impediu de realizar trabalhos pesados. ... [A]
menor força física das mulheres tornou-se cada vez menos relevante para as ativida-
des profissionais. A história do último século demonstra que as mulheres podem tra-
balhar em qualquer campo com um desempenho similar ao dos homens. (pp. 33-4)
...algumas características consideradas inatas dependem ... das circunstâncias. ... não
há razão para transformar o comportamento animal em modelo ou justificativa para
os seres humanos; a grande obra da civilização consistiu exatamente em superar o que
poderia ser considerado instintivo ou “natural” na espécie.
[A] tendência natural do embrião é ser do sexo feminino; para que o futuro bebê con-
verta-se num indivíduo do sexo masculino, é necessário que esse processo natural seja
inibido. ... “Seria possível dizer que, desde a concepção, o embrião masculino ‘luta’ para
não ser feminino”. ... O sexo frágil é o homem, não a mulher; portanto, é um erro justi-
ficar o machismo dizendo que os homens constituem o sexo forte. (p. 37)
Outra explicação ... está relacionada aos hormônios. ...na década de 1920, houve ... [a]
descoberta ... de hormônios masculinos e femininos em ambos os sexos, ainda que em
quantidades diferentes. ...passou a ser necessário falar ... de diferenças relativas. (pp.
37-8)
Durante muito tempo ... pensou-se que a homossexualidade era provocada por um de-
sequilíbrio hormonal: excesso de estrógeno nos homens homossexuais e excesso de
testosterona nas lésbicas. ... Na década de 1970, essas especulações foram definitiva-
mente descartadas, simplesmente porque nunca puderam ser comprovadas.
Testosterona e agressividade
De acordo com esse enfoque, ... as características pessoais e as condutas sociais dos
homens devem-se à testosterona, e as das mulheres, à falta deste ou à presença de es-
trógeno. ...a agressividade “natural” do homem ... tem sua origem no alto índice de
testosterona ... quanto à passividade e à submissão das mulheres, decorrem ... de uma
carência de hormônios masculinos e de um alto nível de hormônios femininos. (p. 38)
... devido ao alto nível de androgênios... os homens têm mais necessidades sexuais, bus-
cam “conquistas” sexuais múltiplas e tomam mais iniciativas durante o ato sexual. As
mulheres, ao contrário, são passivas e sentem muito menos desejo sexual. (pp 38-9)
... pesquisas recentes não conseguiram estabelecer uma correlação entre testosterona e
agressividade ... o estresse e o medo abaixam os níveis de testosterona. (p. 39)
[Os] hormônios não provocam condutas. Podem exacerbar uma predisposição psicoló-
gica ou um distúrbio físico, mas são menos importantes que o contexto, as circunstân-
cias e os hábitos na determinação de qualquer conduta. (p. 40)
Outra idéia muito popular baseada nos hormônios sustenta que a sexualidade dos ho-
mens é mais forte e imperiosa que a das mulheres ... O fator responsável por isso, evi-
dentemente, seria a testosterona. Contudo, os homens que têm muita atividade sexual
não apresentam níveis de testosterona mais altos que seus pares menos afortunados. ...
O certo é que eles ... cultivam mais pensamentos e fantasias sexuais que elas. É prová-
vel que isso se deva à educação e à cultura generalizada: todos nós aprendemos que os
homens são mais ativos, nesse aspecto, que as mulheres, supostamente mais reserva-
das por natureza. (pp. 40-1)
Se estudarmos a anatomia do prazer, não há razão para supor que as mulheres são
menos aptas para o sexo do que os homens. Pelo contrário.
... enquanto existir a moral dupla, que se aplica quase universalmente a homens e mu-
lheres, não poderemos saber como é, na realidade, a sexualidade de quem quer que
seja. (p. 42)
O enfoque sociobiológico
A sociobiologia ... esforçou-se ... por encontrar explicações biológicas para todas as
condutas humanas.
[As] diferenças psicológicas entre homens e mulheres ... explicam-se por duas idéias
centrais. A primeira destaca as “estratégias reprodutivas” de homens e mulheres, que
se contrapõem irremediavelmente: ... a meta reprodutiva deles é espalhar seu sêmen
sempre que puderem, ... com o maior número possível de mulheres, a meta delas ... é
capturar um só homem e mantê-lo em casa para que este a ajude a criar os filhos. A
segunda ... apela para a evolução da espécie, durante a qual ... os homens especializa-
ram-se gradativamente como caçadores e guerreiros, enquanto as mulheres ficavam
em casa cuidando da prole.
O ponto de partida ... é a diferença entre os gametas femininos e masculinos ... que ..
serve como explicação para uma infinidade de características supostamente masculi-
nas e femininas. (p. 43)
[A] sociobiologia ... sem levar em conta a psicologia moderna, afirma também que o
propósito da sexualidade humana é a reprodução, isto é, a transmissão da informação
genética ao maior número possível de descendentes.
A fidelidade não é ... um atributo natural das fêmeas — nem animais nem humanas. (p.
45)
O enfoque sociobiológico, ... em primeiro lugar, pressupõe que todas as condutas uni-
versais .. sejam inatas e naturais, e estão geneticamente programadas em nós. Contu-
do, ... o que é universal na espécie humana não é forçosamente inato. (p. 46)
Em segundo lugar, não existe nenhuma razão para tomar a natureza animal ... como
modelo para a conduta humana. A história da civilização consistiu precisamente em
superar o estado “natural” da espécie, se é que algum dia esse estado existiu. (pp. 46-7)
Em terceiro lugar, a diversidade dos esquemas reprodutivos ... não nos permite falar
de uma “natureza animal” universal. ... [A] relação entre homens e mulheres depende
muito mais da cultura que da biologia.
A justificação do machismo
[O] enfoque sociobiológico conquistou muitos seguidores em certas esferas acadêmicas,
científicas e políticas. Trata-se de uma perspectiva que combina esplendidamente com
o machismo, porque confere uma base pseudocientífica a suas expressões mais extre-
mas, como a promiscuidade, a possessividade, os ciúmes, o estupro... (p. 47)
Em segundo lugar, uso de critérios biológicos ... sempre foi uma arma privilegiada dos
ultraconservadores, que pretendem manter o status quo da dominação. (p. 48)
Em terceiro lugar, a visão essencialista dos gêneros apresenta-os sempre como anta-
gônicos ou, no melhor dos casos, como “complementares”. [Haveria] uma natureza
masculina e outra feminina, essencialmente diferentes. ...trata-se de uma abordagem
pré-moderna da conduta humana, que foi invalidada e simplesmente não é aplicável
ao século XXI.
[A] visão essencialista aprisiona ambos os sexos em papéis polarizados. (p. 49)
A rejeição à diferença
Aqui, a autora cita um caso recebido por ela em seu consultório, de um menino de 4 anos
com gostos “de menina”: gostava de brincar de bonecas e se identificava com a Cindere-
la. O menino foi dado como homossexual pelos pais e também por alguns psicólogos. A
partir desse caso, Castañeda faz algumas considerações.
Por fim, não existe maneira de saber se um menino será ou não homossexual... sabe-se
apenas que nada se pode fazer em relação a isso. (p. 50)
[A] mãe ... não se preocuparia em absoluto e ... até lhe agradaria ... uma menina ativa
livre. Mas não pensou nesses termos com respeito ao filho, porque a masculinidade
continua sendo rigidamente tradicional em nossa sociedade.
Parece-nos bom que as meninas evoluam, que possam crescer mais livres que antes;
mas os meninos permanecem enredados nos estereótipos de uma masculinidade ina-
movível, supostamente ditada pela biologia. (p. 51)