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PaRTE 1 Visdo e conhecimento Na cultura ocidental, a viséo tem sido hi bre dos sentidos, e o préprio pensamento ¢ igualado & visio. J na filosofia atega, as certezas se baseavam na visio e na visibilidade. “Os olhos sio tes- temunhos mais confidveis do que os ouvidos”, esereveu Herdclito em um de seus fragmentos*, Plato considerava a visio como a maior dadiva da huma- ide’, e insistia que as proposicbes éticas universais fossem acessiveis a0 ‘olho da mente”. Aristételes também considerava a visio como o mais nobre dos sentidos “por que ela aproxima mais o intelecto, em virtude da imaterial dade relativa de seu conhecimento” Desde os antigos gregos, 0s escritos de filosofia de todas as épocas tém ‘metéforas oculares abundantes, a tal ponto que o conhecimento se tornow andlogo a visio clara e a luz é considerada uma metéfora da verdade. Sao ‘Tomés de Aquino chega a aplicar a noctia de visio a outras esferas sensoriais, beim como & cognicao intelectual, rcamente considerada o mais no- sofia é bem resumido por Peter Slo- rio apenas conseguem ver, mas também podem ver a si préprios vendo. Iss0 Ihes confere uma proeminéncia entre os érgios cognitivos do corpo. Na ver- dade, boa parte do pensamento filoséfico é apenas reflexo dos olhos, dialética dos olhos, ver a si préprio vendo", Durante a Renascenca, considerava-se que os cinco sentidos formavam um sistema hierdrquico no qual a visio esta no topo, ¢ 0 tato, na base. O sistema renascentista de hierarquizaco dos sen- tidos se relacionava com a imagem do corpo cést isdo se correlacio- fomou uma forma simbslica, iona a percepgio. ltura tecnolégica tem ordenado e separa- to. A visio e a auidigio hoje sio os os legiados, enquanto os outros trés so considerados os sensoriais arcaicos, com uma funcio meramente privada e, geral- io reprimidos pelo cédigo cultural. Somente sensagbes como 0 prazet de uma refeigio, a fragrancia das flores ¢ as tespostas & temperatura © direito de chamar a atengao coletiva em nosso cédigo cultural centrado olhos ¢ obsessivamente higit A domindneia da visao sobre os demais sentidos ~ e sta consequente ‘iio na cogni¢ao — tem sido observada por muitos filésofos. Uma col "de ensaios de filosofia intitulada Modernity and the Hegemony of Vision™ rma que “desde os gregos antigos, a cultura ocidental tem sido dominada Paradigma centrado nos olhos, uma interpretacdo do conhecimento, da dade gerada pela viséo e nela centrada™’, Este livro insti- “as conexdes histéricas entre a visio ¢ o conheciment © Ontologia, a visdo e o poder, a visio e a ética”™. Uma vez que 0 paradigma centrado nos olhos de nossa relacao com 0 ndo e de nossa concepcao de conhecimento ~ 0 io epistemolégico criticamente 0 papel da visio em relacio aos d mead agement papel de visto cm elagho aot demas sendos, para en meantao a prtiea da ane de argulttura, A argues, como todas as {nS tt nrnsecamenteenvolvids com quested exten humana no ‘paso eno tempo ela expressae relaciona a condgio humana no mundo tura esté profundamente envolvida com as questdes metafisicas da idualidade e do mundo, interioridade e exterioridade, temy vile monte‘ pins xcs eclarlsdopeilente scree he experiéneias mutaveis de espago e tempo, precisamente porque se om 4 construcdo de representagdes espaciais e artefatos oriundos do fh expeéncia humana,” ecreve David Harvey”, A aguitetura é nosso pineal instrument de relagéo com o espago @ o tempo, ¢ para dar uma medida hu- ivel para a humanidade. Com adial edo mental, da arquitetura. id Michael Levin provoca a critica filos6fica do predom ‘com as seguintes palavras: “Acho apropriado desafiar a hegem ~ 0 privilégio dos olhos dado pela nossa cultura. E acho que prec minar de maneira muito eritica 0 caréter da visao que atualme em nosso mundo. Precisamos urgentemente de um diagnéstico d psicossocial da visio cotidiana - e de uma compreensao critica prios como seres vistonsrios™. Levin ressalta a tendéncia & au como “os especttos do poder patriare: nos olhos: 0 desejo de poder é muito forte na visso. Hi uma tendéncia muito for iz: wma tendén’ 0 filosofico, estabelecendo, 20 ter tecnolégico de nossa sociedad, uma metafisica da pres centrada n Acredito que muitos aspectos da patologia da arquitetura cotidiana de nosso tempo também possam ser entendidos mediante uma andlise da e| gia dos sentidos e uma critica & predilecio dada aos olhos pela nossa cultura, em geral, e pela arquitetura, em especial. A falta de humanismo da arquit tura e das cidades contempordneas pode set entendida como consequéncia da negligéncia com o corpo e os sentidos e um desequilibrio de nosso sistema sensorial. O atumento da alienagio, do isolamento ¢ da solide no mundo tecnol6gico de hoje, por exemplo, pode estar relacionado a certa patologia clos sentidos. £ instigante pensar que essa sensacio de alienagao ¢ isolamento soja frequentemente evocada pelos ambientes mais avangados em termos tec- \égicos, como hospitais e aeroportos. O predominio dos olhos ¢ a supressio dos outros sentidos tende a nos forear & alienagao, 20 isolamento ¢ & exterio~ de Besan- olas Ledoux. 0 775 © 1784, Por 2 ‘A vido & consierada @ mais nabre dos, € a perda da visto, a ma rina de barbear, Alto Makin 1929. Acena chocante na weroa é cartado com uma Ii Im Archive Os criticos da priorizagdo dos olhos digo da conhecimento no pensamento ocidental também enc os bem antes de nossas preocupagdes atuais. Re , consi Le nobre dos sen losofia objetivadora consequentemente se baseava no pri cle também equiparou a visdo ao tato, um sentido por ele is certo e menos vulnerdvel a erros do que a visio". Friedrich Nietzsche tentou su fava a visdo como 0 mais univer Jar, em uma aparente contradiigao com sua wva “o olho fora do tempo e da hist Nietzsche chegou a acusar os fildsofos de uma “host contra os sentidos”®, Max Scheler claramente chama essa postu do corpo”. A visio “anticentralizagéo no: € do pensamento ocident 0 intelectual francesa do ‘Martin Jay em se -Century French Thought 1s olhos” e necessariamente critica da centrado nos olhos, que se dese livro Downeast Eyes ~ The Denigration of 0 escritor investiga 0 desenvolviment tura centrada na visio, passando por campos tao diversos como a in da imprensa, a luz atti fotografia, a poesia vis cia do tempo. Por outro lado, ele analisa as posigées antioculares de 10s dos escritores seminais da Franca, como Henri Bergson, Georges B: Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, Jacques Lacan, Louis. Guy Debord, Roland Barthes, Jacques Derrida, Luce Irigaray, Emmanuel Levinas ¢ Jean-Francois Lyotard. Ele se pre e de medusa" [que] a Sartre, o espaco superou © tempo na consciéncia humana, como consciéncia da priorizacdo dos olhos”. Esse inverso da importdncia relativa de acordo com as nogdes de espago ¢ tempo tem importantes repercussdes, no nosso entendimento, dos processos fisicos e histéricos. Os conceitos predominantes de espaco ¢ tempo ¢ suas inter-relagées formam um paradigma essencial para a arquitetura, como Sied- fried Giedion afirmou em t6ria ideol6gica seminal da arq dema, Space, Time and Architecture®. Maurice Merleau-Ponty langou uma critica incessante do “regime ese6- pico perspectivalista e cartesiano” ¢ de “seu privilégio a um tema aistérico, desinteressando e incorpéreo totalmente desvinculado do mundo”, Toda sua obra de filosofia foca na percepeao em geral e na visio, em particular. Po- rém, em vez do olho cartesiano do espectador extemo, o sentido da visio de ‘Merleau-Ponty é uma visio corporificads que é parte encarnada da “carne do mundo™. “Nosso corpo é tanto um objeto entre outros quanto um objeto q 05 ve € toca". Merleau-Ponty via uma relacéo osmética entre a individual dade ¢ 0 mundo - elas se interpenetram e se definem — ¢ enfatizava a simul. taneidade ¢ interacdo dos sentidos. “Minha percepgio é [portant soma de pressupostos visuais, tateis e ai com todo meu ser: ra mo- nao. uma tivos: eu percebo cle maneira total abarco uma estrutura tinica da coisa, um modo tinico de ser, o qual fala com todos meus sentidos ao mesmo tempo”, ele esereve™, Martin Heidegger, Michel Foucault e Jacques Derrida também afitma- ram que o pensamento e a cultura da modernidade nao apenas tém dado continuidade ao privilégio histérico da visio, mas exacerbado suas tendéncias negativas. Cada um dos escrtores, de sua maneira, considerou o predom: da visao na era contempordinea distinto daquele de épocas passadas. Na nossa ra, a hegemonia da visio tem sido reforgada pelas incontaveis invengdes tec- nolégicas a infini ago e producéo de imagens ~ “uma incessante chuva de imagens”, como chama Italo Calvino”. “O evento fundam era moderna € a conquista do mundo como fotografia’, escreve Heidegger", A-especulactio do fildsofo sem diivida se mater gens fabricadas, produzidas em massa e m: perpétuo, oprimidos pela velocidade e s s se tornaram mercadorias, como hega qui ‘As imagens visu: “Uma avalanche de imagens de diferentes espacos q\ ndo os espacos do mundo em uma A imagem dos lugares € espacos se to1 produgdo e ao uso efémero quanto qualquer outra {mer A destruigo radical da construgio herdada da rea cadas tem, sem diivida, resultado em uma crise da repre neamente, sobre} em nossa época. O olho narcisista e niilista tos dos projetos de arq da ar instigante; famosos pela imprensa intern cas narcisistas ¢ niilistas. 0 olho hegemonico busca o dominio sobre todos os campos da prod fo cultural, e parece enfraquecer nossa capacidade de empal € participagéo no mundo. O olho narcisista vé a arquitetura como um , apresentam carai associagées mentais e societarias, enquanto 0 promove o isolamento e a alienacao sensoriais e ment a experiéneia do mundo integrada e entrada no corpo, a arquitetura uma jornada visual hedonista, mas insignificante. & evidente distanciamento e a sensagao de desconexéo da viséo permitem nilista; é impossivel se pensar em um sentido nilista do tato, por exemplo, devido as inevitaveis proximidade, intimidade, veracidade c identificagio ttazidas pelo tato. Também existem o olho sédico e o olho masoquista, € Mentos Hos campos das artes contemporaneas e da arquitetura podem ser identificados, 4 atual produsio industrial em massa do imagindrio visual tende a afas- mento emocional ¢ da identificacdo, e a tornar o ima. Rossa sociedade € earacterizada por um cresclmento cancetigeno da vi imedindo tudo por sua capacidade de mostrar ou ser mosttado e transfor nando a comunicagéo em uma jomnada visual", A difusdo cancerosa de wm senkindrio arquitetOnico superficial de hole, desituido de lagica tectonica ¢ Senso de materialidade e empatia é, sem duvida, parte desse processo, iso. De fato, o dominio pri- lo pelo da visdo. Os textos de ituras nas quais nossos sentidos priva- {vos do olfato, paladare tato continuam tendo importancia coletiva ne com. pomimento € a comunicado, As fungdes dos sentides na utlizagao do espa $0 coletivo e pessoal de varias culturas foi o tema do livzo seminal de Edward T Hall, The Hidden Dimens’ ', infelizmente, parece ter sido esquecido Pelos arquitetos™. Os importantes estudos de Hall sobre o espaco pessoal fornecem insights significativos sobre aspectos instintivos inconscientes de do espago na comunica- ervem como base para 0 nas intimistas e bioculturais. Walter J. Ong analisa a transigéo da cultura oral para a escrita ¢ seu ‘inpacio na consciéncia humana e no sentido de coletividade em seu livre 5 23 (© FORA E A FRAQUEZA DOS OLHOS ia como na pa #io do espaco sonoro para o vis fu a longa domindncia da audi Pensamento ¢ da expressao pela domingncia da visio, que teve escrita™’, Segundo Ong, “[esse] é um mundo insistente de fatos frios e nao humanos™®, Ong an: as mudangas que a transi¢@o de uma cultura essencialmente oral para a cultura da palavra escrita (e posteriormente impressa) acarretou ‘na consciéncia, na meméria e na compreensio do espaco do ser humano, Ele afirma que a medida que a domindncia da audicéo deu lugar & dominancia da visdo, o pensamento situacional foi substituido pelo pensamento abstrato. Para o esctitor, essa mudanca fundamental na percepeao e na compreensao do mundo parece irteversivel: “Embora as palavras sejam embasadas no dis- curso oral, a escrita as prende ao campo visual de forma tirdnica e eterna uma pessoa alfabetizaca jamais resgataré o sentido que a palavra tem para aqueles puramente orais™ Na verdade, a hegemonia inquestionavel dos olhos talvez.seja um fend- ‘meno bastante recente, apesar de sts origens no pensamento e na ética da Grécia Antiga. Segundo a visio de Lucien Febvre: “O século XVI néo via, no inicio: ele ouvia e cheirava, farejava 0 ar e captava sons, Foi apenas posterior: mente que ele se envolveu de maneita séria e ativa com a geometria, voltando sua atengao para o mundo das formas, com Kepler (1571-1630) ¢ Desargues de Lyon (1593-1662). Foi entéio que a visio foi libertada para o mundo da cigncia como ja era no mundo das sensagdes fisicas, assim como no mundo da beleza”™. Robert Mandrou traga um argumento paralelo: “A hierarquia {dos sentidos] no era a mesma [do século XX], pois 0 olho, que hoje domina, se encontrava em terceiro lugar, atrds da audio e do tato, e muito depois deles, © olho que organiza, classifica e ordena nio era 0 érgio favorito da época, mas sim 0 ouvido"™, A hegemonia gradualmente obtida pelos olhos parece ter paralelo com © desenvolvimento da conseiéncia do ego e o paulatino afastamento do in viduo do mundo; a visio nes separa do mundo, enquanto os outros sentidos nos unem a ele. A expresso artistica se relaciona com os significados pré-verbais do mundo, significados que sto incorporados e vivenciados, em vez de mera- los de modo intelectual. No meu ponto de vista, a poesia tem a ia de tadores, mas ao q| a compreensiio ex cemos de modo indissoltivel. Nas obras de ai advém do nosso proprio encontro com o mundo € do nos: ela nio é conceitualizada ou intelectualizada. lade A arquitetura da retina e a perda da plasti # evidente que a arquitetura das culturas tradicionais também esta i ‘mente vinculada ao conhecimento tétil do cor n pela visto e conceitualizagao. A construgao em culturas tradicionais 6 or i tada pelo corpo do mesmo modo que um passarinho da forma a seu vin ‘movendo seu corpo. As obras de arquitetura autéctones em argila ou barro, dos sentidos 0s tivas. Spiele io do sentido da visto observedo anteriormente na flosfia 6 igualmente evidente no desenvolvimento da arquitetura ocidental. A aqui cura grega, com sets tecuts0s requintados de corregSes 6ticas,j4 era extre ‘mamente refinada para o prazer dos olhos. Gontudo, a predilegio da van ‘do implica necessariamente a rejeigéo dos demais sentidos, como a sensi: lade do tato, a materialidade e peso Peremprério da sain ae comprovam; os olhos convidam e estimulam as sensagées mus tere utes send da vio podeincorporre até memo ef Os rodalidades sensoriais; o ingrediente tail inconsciente que existe na visi é patticularmente importante e muito presente na arquitetura histérica, ma extremamente negligenciado na arquitetura de nossa época. A teorie da arquitetura ocidental desde Leon Battista Alberti tem ve envolvido principalmente com as questdes de percepcio visual, harmonia ¢ proporgées, A afirmativa de Alberti de que “a pintura nada mais € que a inter CATOLIGA-BIBLIOTEC devemos enfa da visio niio resultou automaticame: os sentidos antes da nossa era das imagens Os olhos conquistam seu papel hegeménico na prética , tanto consciente quanto inconscientemente apenas de modo de que ha um observador incorpéreo. O observador se lo de uma relaco camal com o ambiente pela supressio ros sentidos, especialmente por meio das extensées tecnolégicas da « proliferacgo de imagens. Como afirma Marx W, Wartofsky: “a visio sié um artefato, produzido por outros artefatos, que so as foto- O sentido dominante da visio aparece muito forte nos esctitos dos mo- Stas, Assertivas de Le Corbusier, como: “Eu existo na vida apenas se pos *; “Bu sou e permanego um visual convieto- tudo esta no visual”, “# © ver claramente para que se possa entender”; “.., Fu insisto que vocés °s oles. Voc8s abrem os olhos? Vocés foram treinados para abrir os ? Vocés sabem abrir 0s olhos, vocés os abrem frequentemente, sempre, *;*O homem vé a criagao da arquitetura com seus olhos, que esto tro € 70 centimetros do solo"; ¢ “A arquitetura é uma coisa plastica, 10 dle ‘plstico’ aquilo que é visto e medido pelos olhios"™— deixam muito ' @ predilego dos olhos na teoria dos primeiros modernistas. Decla- Des posteriores de Walter Gropius ~ “Ele [o projetista] tem de adaptar o ‘cimento dos fatos cientificos da dtica e assim obter uma base tesrica Suiaré a mio que dé forma e criard uma base objetiva"™ - e de Laszlo ly Nagy ~ "A higiene do ético, a saide do visivel se infiltra aos poucos?™* irmam o papel central da visio no pensamento modernista A famosa méxima de Le Corbusier, “A arquitetura & 0 jogo sdbio, cor- © magnifico dos volumes reunidos sob a luz"*, define de maneira testiondvel a arquitetura dos olhos. Le Corbusier, no entanto, tinha um nto artistico enorme e méos que moldavam, bem como um senso tre- ilo de materialidade, plasticidade e gravidade, os quais evitavam que ismo sensorial. Apesar das exclamagies N.de i: Le Gorbusier, Por irguitetura, Perspeetva ($4 2000, p.t3, ‘A SUPRESSAO DA VISAO ~ A FUSAO DA VISAO COM A TATILIDADE nals muito intensos ov 3« profundes, 2 vsd0 costuma ser Magritte, Os Amantes, 1928, Pormener. 5. ZalslerCollction, New York Magritte © ADAGR Faris and DACS, Landon 2005 6 A vis50 eo tato se funder em uma experiénca real vvenciada Herbert Bayer, © Met 0 1932, Pormenor Bayer © DACS 2005 ratilidade est presente nos croquis € nas pinturas do essa sensibilidade tatil ¢ incorporada em sua considerago da arquitetura. Contudo, sua tendéncia redutivista se torna devastadora em seus projetos de urbanismo. Na arquitetura de Mies van der Rohe predomina uma percepgio pers: peetiva frontal, mas sua sensibilidade tinica para ordem, estrutura, peso, de- talhe e trabalho artesanal entiquece de forma decisiva o paradigma visual. Além disso, uma obra de arquitetura se torna excelente precisamente em fungio de suas intengSes e alusGes opostas e contraditérias e seus impulsos inconscientes para que o trabalho se abra para a participagéio emocional do observador. “Em todos os casos, devemos alcancar uma solucio simul- tanea de opostos”, escreveu Alvar Aalto". Em geral, as afirmativas verbais de artistas ¢ arquitetos nfo devem ser levadas a risca, pois m s vezes elas meramente representam uma racionalizag&o superficial e consciente ou uma defesa que pode muito bem estar em clara contradigao com as inten- ées mais profundas e inconscientes que precisamente conferem forca vital a obra desse artista, Com a mesma clareza, 0 paradigma visual é a condigio prevalente no planejamento urbano, das cidades ideais da Renascenca aos principios funcionalistas de zoneamento ¢ planejamento que refletem a “higiene do 6tico”, Em particular, a cidade contemporénea € cada vez mais a cidade dos olhos, desvinculada do corpo pelo movimento motorizado répido ou pela efémera imagem que temos de um avitio. Os processos de planeja- mento tém favorecido a idealizacéo e a descorporificagao dada pelos olhos cartesianos que controlam e isolam; os planos urbanisticos sao visdes ex- tremamente idealizadas e esquematizadas vistas por meio do le regard sur- plombant (a vista de cima), como definiu Jean Starobinski”, ou pelo “olho da mente” de Plato. Até recentemente, a teoria e a critica da arquitetura se dedicavam quase que exclusivamente aos mecanismos da visio e da expresso visual. A per- cepsio e a experiéncia da forma arquitetdnica na maioria das vezes eram analisadas com 0 uso das leis de percepeao visual da gestalt. Da mesma ma- neira, a filosofia da pedagogia tem entendido a arquitetura prineipalmente {A predilegio pelos olhos nunca foi tao evidente na arte di timos 30 anos, nos quais tem predominado um tipo tica e espacial embasada na existéncia humana, a psicoldgica da publicidade e da pers edificagdes ser tornaram produtos visuais desconectado eda sinceridade. David Harvey relaciona “a perda da temporalidade e o desejo de to instanténeo” na expresso contemporiinea & perda da profun tencial, Frederic Jameson usa a nogao de “superficialidade p descrever a condigao cultural contempordnea e “sua flxagio nas nas superticies e nos impactos instanténeos que nao tém poder de longo do tempo™ Como consequéncia da avalanche atual de imagens, a an nossa época frequentemente parece ser uma mera arte da retina, do completando um ciclo epistemoldgico que comecou com o pen: rquitetura da Grécia Antiga, Mas a muclanga vai além da mera dot visual; em vez de ser um encontro corporal de situagdes, a arq tomo uma arte da imagem impressa fixada pelo visor apressaclo da fotogréfica. Na nossa cultura da fotografia, o olhar intenso é ari ‘uma imagem bidimensional e perde sua plasticidade. Em ver. de experimentar nossa existéncia no mundo, a contemplamos do lado de fora, como especta dores de imagens projetadas na superticie da retina. David Michael Levin 6 termo “ontologia frontal” para descrever a visdo frontal, fixa focadal Susan Sontag fez observacBes interessantes sobre o papel da imagem fotogréfica na nossa percepcao de mundo. Ela esereveu, por exemplo, sobre uma “mentalidade que observa o mundo como um conjunto de possiveis fo tografias™"e afirma que “a realidade cada vez mais parece o que a cémara de fotografia nos mostra” e que “a onipresenca das fotografias tem umn efelto incalculdvel em nossa sensibilidade ética. Ao preencher esse mundo jé super que na rei icagdes perdem sua plas a linguagem e a sabedoria do corpo humano, elas se tomam isoladas no frio € distante reino da visio. Com a perda da tatilidade, das medidas e dos deta- Taborados para o corpo humano — e particularmente para as méos — as cdificagoes se tornam repulsivamente planas, agressivas, imateriais ¢ irreais A desconexiio da construcio das realidades da matéria e do oficio humano ‘transforma ainda mais a arquitetura em cenérios teatrais para os olhos, em uma espécie de cenografia destituida da autenticidade da matéria e da cons- {ugdo. A sensacio de “aura’, a autoridade da presenca, que Walter Benja- min considera uma caracteristica necesséria a uma obra de arte auténtica, se Perdeu. Esses produtos da teenologia instrumentalizada escondem seus pro- cessos tecténicos, surgindo como aparigées fantasmagéticas. A erescente po- ularizagao do vidro refletivo na arquitetura reforca a sensacao de sonho, de imealidade e alienagio, A transparéncia opaca e contraditétia desses prédios reflete nosso olhat, devolvendo-o sem afeté-lo ou deslocé-Io; somos incapazes de ver ou imaginar a vida que se desenrola por trés de suas paredes. O espe- Iho arquiteténico, que devolve nosso olhar e duplica o mundo, é um recurso enigmitico ¢ assustador. le € sua conexiio com Materialidade e temporalidade A perfici ilidade da construedo padéio de hoje é reforgada por um senso iquecido de materialidade. Os materiais naturais - pedra, tijolo e madei ra ~ delxam que nossa visio penetze em suas superficies e permitem que nos convengamos da veracidade da matéria. Os materiais naturais expressam sua ‘dade ¢ histéria, além de nos contar suas origens e seu histdrico de uso pelos humanos. Toda a matéria existe em um continuum temporal; a patina do des Baste leva a experincia enriquecedora do tempo aos materiais de construcao. J 08 materiais industrializados atuais ~ chapas de vidro sem escala, metais esmaltados ¢ pldsticos sintéticos — tendem a apresentar suas superiicies in. flexiveis aos nossos olhos sem transmitir sua esséncia material ou sua idade. Os prédios de nossa era tecnolégica em geral visam de maneira deliberada & Perfeicdo atemporal e nao incorporam a dimensio do tempo ou processo ACIDADE DOS OLHOS ~ A CIDADE TATIL 7 ‘A cidade contemporénea ¢ a cidade dos ono, do distanciamento e da exter nha da para Buenos Ares ~ ctogui de uma pales proferda em Buenos Aires em 1929. ‘OFLC/ADAGE, Pais and DACS, London, 2005, 8 A cidade tat @ a cidade da. intimidadk midade. 1 cidade de Casares, em uma colina spanks Fotografia de Juhani Pllasmaa nprega reflexos, gradua- staposicbes para criar uma sensacio i € dinémicas de movimento lade promete uma arquitetura que pode trans! lade e a falta de peso telativas da recente construgéio com ‘ologia em uma experiencia positiva de espaco, lugar e sig 0 enfraquecimento da experiéncia do tempo nos a is satisfagdo do que a pan m processos que ultrapassem o periodo de uma vida individu Temos uma necessidade mental de sentir que estamos arraigados a continu. dade do tempo, e no mundo feito pelo homem compete a arquitetura facilitar essa experiéneia. A arquitetura domestica o espaco sem limites e nos permite mas ela também deve domesticar 0 tempo infinito e nos perm 1n9 continuum do tempo. O exagero atual da énfase nas dimensdes intelectual e conceitual da ar quitetura contribui para o desaparecimento de sua esséncia f pm © mapeamento de terri resposta as questdes existen uma sensagiio de autismo arquitetOnico, um discurso intemalizado e auténo- ‘mo que nao se baseia em nossa realidade existencial compartilhada, Além da arquitetura, a cultura contempordinea em geral tende ‘mente ao distanciamento, a uma espécie de dessensu io assustadoras da relac#o humana com a também parecem estar perdendo sua sensualidade; em vez de convidar para uma intimidade sensorial, as obras de arte contempordneas frequentemente sinalizam uma rejei¢ao distanciadora da curiosidade e do prazer sensual. Es sas obras de arte falam para o intelecto ¢ para nossas habilidades de concei- ‘walizagdo em vez. de se voltarem para nossos sentidos e respostas corporais indiferenciadas. © bombardeio incessante do imagindrio nao relaci ado tar sua propria real de sonhos fabricado. Minha intengao nao é expressar uma visio conservadora da arte con- tempordnea, & maneira do livro instigante, embora perturbadora, de Hans Sedlmayr, Art in Crisis, Estou meramente sugerindo que tem ocorrido uma fa na nossa experiéncia sensorial e perceptual do mundo, a ja pela arte ¢ pela arquitetura, Se desejamos que # arquitetura tenha um papel emancipador ou curador, em vez de apenas reforcar a erosio do significado existencial, devemos refletir sobre a diversidade de meios se- cretos pelos quais a arte da arquitetura esté vinculada & realicade cultural e ‘mental de nossa época. Também devemos estar cientes sobre as maneiras nas quais a viabilidade da arquitetura est sendo ameacada ou marginalizada pe- las transforma¢ées politicas, culturais, econdmicas, cognitivas e perceptuais da atualidade, A arquitetura se tornou uma forma de arte ameagada de extingo, A rejeicao da janela de Alberti Naturalmente, 0 olho humano propriamente dito nfo permaneceu na cons- truco monocular e fixa definida pelas teorias renascentistas da perspectiva 0 olhio hegemdnico tem conquistado novos territérios de percepgo e expres s&o visual. As pinturas de Hieronymus Bosch ¢ Pieter Bruegel, por exemp! {Jé convidavam 0 olho participativo para viajar em suas cenas de eventos mtil- tiplos. Os quadros holandeses da vida burguesa do século XVII apresentavam cenas casuais ¢ objetos do dia a dia que iam muito além dos limites da jancla albertina. As pinturas batrocas abriram nossa visio, com seus limites impreci- 505, focos suaves e perspectivas miitiplas, fazendo um convite distinto e tatil e chamando o corpo humano para uma viagem no espaco ilusério. Uma linha essencial na evolucéo para a modernidade foi a liberacéo do olho da epistemologia da perspectiva cartesiana. As pinturas de Joseph Mallord inacdo do enquadramento e do onto de observagio que havia sido iniciada no Periodo Barroco; os impres- sionistas abandonaram a linha diviséria, equilibrando o enquadramento ea 1m Turner continuaram a eli enquanto os pintores de paisagens coloridas rejeitaram a profundidade iluséria para reforgar a presen- ca da prépria pintura como um attefato icdnico e uma realidade auténoma. Os artistas da Land Art fundiram a realidade da obra com aquela do mundo vivenciado; e, por fim, artistas como Richard Serra abordaram diretamente © corpo, bem como nossas experiéncias de horizontalidade e verticalidade, materialidade, gravidade e peso. ‘A mesma contracorrente & hegé € ao olho da perspectiva tem ocor ido na arquitetura moderna, a despeito da posigio culeuralmente privilegia- da da visio, A arquitetura cinestética e de texturas de Frank Lloyd Wright, 0s prédios musculares e téteis de Alvar Aalto ¢ a arquitetura da geometria ¢ gravidade de Louis Kahn sao exemplos particularmente significativos dessa realidade. Uma nova visdo e o equilibrio sensorial seja justamente a visio af nos levar a novas esferas da visio e do pensamento. A perda de foco trazida pela corrente de imagens talvez possa emancipar 0 olho de sua dominacao extensbes tecnoldgicas dos sentidos até agora tém reforcado a primazia da visio, mas € possivel que as novas tecnologias ajudem “o corpo , fixa, planimétrica e fechada da Renascenga... 0 Barroco era pictérico, recessivo, etéreo, miltiplo e aberto”™. Ele também afirma que a experiéncia visual bar- por meio da presenca tétil do imagindrio visual modemo, Em um vide- clipe, por exemplo, ou na transparéncia urbana com varias camadas, néo odemos interromper 0 fluxo de imagens para observacéo analitica; em ver, 3 Tendemnos a interpretar ums edificacto coma uma analogia de nosso corpo e vicewesa, des do Erecteion, na Acrépole de Ate 05ac) 18 Copyright The Trustees ofthe Br 30 ptagorca de um médulo de (Gupestamente do no da década de 1960) tates lo The Aus Blomstadt Em seu livro abrangente e provocante, The Opening of Vision: Nihilism and the Postmodern Situation, David Michaé ingue entre dois mo- dos de visao: “o olhar assertivo” e “o olhar al io, 0 olhar assertivo ¢ estteito, dogma vel, enquanto 0 olhar alético, associado com os pontos de vista e as perspec s, € miiliplo, pluralista, democrdtico, contextual, inclusivo, horizontal @ zeloso”'. Como sugere Levin, ha sinais de que um novo modo de olhar esteja cemergindo. Embora as novas tecnologias tenham reforcado a hegemonia da visio, clas também podem ajudar a teequilibrar as esferas dos sentidos. Na opiniao de Walter Ong, “com 0 telefone, o radio, a televisao e os varios tipos de fitas de dudio, a tecnologia eletrOnica nos trouxe para a era da ‘oralidade secun: ides impressionantes com a antiga or dade, devido a sua mistica participativa, sua promogiio do senso comunitétio, sua concentracio no momento presente...””* “Nés, no mundo ocidental, estamos comecando a descobrir nossos sen- tidos negligenciados. Essa crescente conscientizacao representa, de certa ma- neira, uma insurgéncia tardia contra a dolorosa privacio da experiéncia sen- sorial que temos softido em nosso mundo tecnoldgico”, escreve o antropélogo Ashley Montagu”. Essa nova conscientizagio € atualmente vigorosamente projetada por intimeros arquitetos de todo 0 mundo, os quais estio tentando resensualizar a arquitetura por meio de um senso reforgado de materialidade « tatilidade, textura e peso, densidade do espaco e da luz materializada, exclusiva e imé- PARTE 2 Jomo sugere a breve andlise precedente, a predilegio Cz com relaggo aos demais sentidos é inegdvel no pensamet além de também ser uma tendéncia evidente na arquitetura de E claro que a transformagdo negativa da arquitetura € necessat tentada por forcas e padres de gerenciamento, organizacao e prot como pelo impacto abstrativo e universalista da prépria racio logica. As alterages negativas na esfera dos sentidos também ni diretamenteatsbudas a0 privilégio historico dado 20s 1¢ a visio € 0 nosso sentido mai igicos, perceptuais e psicolégicos”. O problema adv isolamento dos olhos de sua interagéo com as outras modalidades senso ¢ da eliminagio e supressto dos demais sentidos, o que cada vez mais red .ge a experiéncia de mundo A esfera exclusiva da visio. Essa separa e redugdo fragmentam a complexidade, a abrangéncia e a plasticidade in do sistema sensorial, reforgando uma sensago de isolamento e alienag Nesta segunda parte, analisarei as interagées dos sentidos ¢ apre tarei algumas impressbes pessoais das esferas dos sentidos na express! cexperiéncia da arquitetura. Neste ensaio, revelo uma arquitetura sens dominante na arte de edi resposta ao entendimento vi O corpo no centro corpo; minhas pertias medem 0 compr! praca; meus olhos fixos inconscientemente \da da catedral, onde ele perambula sobre Eu confronto a cid: mento da arcada e a | projetam meu corpo 1 me experimento na cidade; iste por meio de minha experiéncia corporal. A cidade e meu ‘omplementam e se definem. Eu moro na cidade, e a cidade mora A filosofia de Merleau-Ponty torna 0 corpo humano o centro do mun le afirmou de modo consistente, como resume Kearney, que “[é] por meio de nossos corps, como centros vivos de \GGes... que escolhemos nosso mundo e nosso mundo nos escolhe"™®. Nas préprias palavras de Merleau-Ponty, “Nosso préprio corpo est no mundo, como 0 coragao esté em nosso organismo: ele mantém 0 espeté- culo visfvel constantemente vivo, ele sopra vida para dentro e o sustenta de fora para dentro; juntos eles formam um sistema”; e [a] experiéneia los sentidos ¢ instavel ¢ alheia a percep¢ao natural, a qual aleangamos ‘com todo nosso corpo de uma s6 vez. nos propicia um mundo de sentidos inter-telacionados””. As experiéncias sensoriais se tornam integradas por meio do corpo, ou hor, na prépria constituigéo do corpo e no modo humano de ser. A teo- psicanalftica introduziu a nogao de imagem ou esquema corporal como 0 de integragtio. Nossos corpos e movimentos esto em constante inte- ‘0 com o ambiente; 0 mundo e a individualidade humana se redefine Im a0 outro constantemente. A percepeao do corpo e a imagem do mundo se am tuma experiéncia existencial continua; ndo hé corpo separado de seu lio no espaco, nao hé espaco desvinculado da imagem inconsciente de pssa identidade pessoal perceptiva, “A imagem do corpo... € profundamente afetada pelas experiéncias do tato € da orientagdo do infcio de nossas vidas. Nossas imagens visuais se desenvolvem posteriormente e, para que tenham significado, dependem «le nossas experiéncias originais adquiridas tatilmente,” afirmam Kent C. mer € Charles W. Moore em seu livro Body, Memory, and Architecture, m dos primeiros estudos a investigar o papel do corpo e dos sentidos na experimentagio da arquitetura”. Eles prosseguem: “O que falta em nossas joradias de hoje sdo as transagées potenciais entre corpo, imaginagio € nbiente””;... “Pelo menos até certo ponto qualquer lugar pode ser lem jdo, em parte por ser inico, mas também por ter afetado nossos corpos e que fosse impresso em nossos mun- Aexperiéncia multissensorial Um passeio na floresta é revigorante e saudavel gragas & interagéo constante de todas as modalidades de sentidos; Bachelard fala da “polifonia dos senti- dos", Os olhos colaboram com o corpo € os demais sentidos. Nosso senso de realidade € reforcado e articulado por essa interagéo constante. A arquitetura 6, em iiltima andlise, uma extensio da natureza na esfera antropogénica, for- necendo as bases para a percepcao e o horizonte da experimentagéio ¢ com- pteenstio do mundo. Ela no é um artefato isolado ¢ independente; ela dire- ciona nossa atengio e experiéncia existencial para horizontes mais amplos. A arquitetura também dé uma estrutura conceitual e material As instituigbes societérias, bem como as condigées da vida cotidiana, Ela concretiza 0 ciclo do ano, 0 percurso do sol ¢ 0 passar das horas do dia. ‘Toda experiéncia comovente com a arquitetura é multissensorial; as, caracteristicas de espago, matéria ¢ escala sio medidas igualmente por nossos olhos, ouvidos, nariz, pele, lingua, esqueleto e muisculos. A arqui- tetura reforca a experiéncia existencial, nossa sensacio de pertencer a0 mundo, e essa ¢ essencialmente uma experiéncia de reforgo da identidade pessoal. Em vez da mera visio, ou dos cinco sentidos cléssicos, a arqui- tetura envolve diversas esferas da experiéncia sensorial que interagem € fundem entre si", 0 psicdlogo James J. Gibson considera os sentidos como mecanismos de busca agressiva, e nio como meros receptotes passivos. Ele nao categoriza os sentidos nas cinco modalidades desvinculadas, mas sim como cinco sistemas sensoriais: sistema visual ivo, sistema palato-olfativo, sistema de orientactio basica e sistema tatil®, A filosofia de Steiner pressupde que na verdade usamos nada menos do que 12 sentidos™. Os olhos querem colaborar com os outros sentidos. Todos os sentidos, inclusive a visio, podem ser considerados como extensées do sentido do goes da pele. Eles definem a interface entre a pele idacle opaca do corpo € a exterioridade do ‘oda percepgio comeca na cavidade oral, tiva da recepedo interna & percepcao externa tato — como especi eo ambiente ~ entre a inter mundo, Na visio de René S| que serve como a ponte p a visio, tocamos o sol ¢ as leau-Ponty, George Berkeley, um filésofo e clérigo do século XVIM, relacionou 0 tato a visio e supés que a nogao visual alidade, distancia e profundidade espacial seriam absolutamente mpossiveis sem a cooperagio da meméria titi. Segundo Berkeley, a visio necessita da ajuda do tato, que fornece sensagées de “solider, resisténcia e Protuberancia™”; a visto desvinculada do tato nao poderia “ter qualquer ideia de distancia, exterioridade ou profundidade, e consequentemente, nem de espaco ou corpo”, De acordo com o filésofo, Hegel afirmava que 0 ico sentido que pode dar uma sensacao de profundidade espacial é 0 tato, pois 0 tato “sente o peso, a resisténcia e a forma tridimensional (gestalt) dos corpos materiais, e, portanto, nos faz cliente de que as coisas se afastam de 16s em todas as diregies™, A visio revela o que o tato jd sabe. Poderiamos considerar o tato como © sentido inconsciente da visio. Nossos olhos acariciam superficies, curvas € bordas distantes; é a sensacio ttl inconsciente que determina se uma expe- iencia € prazerosa ou desagradavel. Aquilo que esté distante ou perto é expe- mentado com a mesma intensidade, ambos se fundem em uma experiéncia coerente. Nas palavras de Merleau-Ponty: ‘Vemos a profundidade, a suavidade, a maciez, a dureza dos objetos; Cézanne chegou a afirmar que via seus adores. Seo pintor deseja expressar 0 mundo, 0 arranjo de suas cores deve portar consigo esse toda indivisivel, caso contririo iadro apenas conseguird sugerir as coisas ¢ nio Ihes dard a unidad perativa, a presenca, a plenitude insuperdvel que para nés é a propria d daquilo que é real.” nigéo Ao elaborar a ideia de Goethe de que uma obra de arte deve “intensi- ficar a vida"”', Bernard Berenson sugeriu que quando experimentamos uma obra de arte, imaginamos um encontro fisico genuino por meio de “sensa- es correlacionadas a um objeto”. As mais importantes dessas sensagées ele chamou de “valores téteis”™. Na sua opinigo, uma obra de arte auténti- ca simula nossas sensagées idealizadas de toque, ¢ esse estimulo intensifica avida. Conseguimos de fato sentir o calor da agua da banheira das pessoas ACIDADE DA PARTICIPAGAO ~ A CIDADE DA ALIENAGAO " A cidade do ervohimento sensorial Peter druegel, © Velho, Jogos de Criancas, 1560. Poirnenox Kunsthistarsches Museum mit MVK und OTM, Vier 2 |A.cidade moderna, da prvaga0 sensorial ‘A atwa comercial de Brasilia, 1968 Fotografia de Juhani Pallasmaa do indivisivel de Frank Lloyd ‘Uma obra de arquitetura néio é experimen isoladas, ¢ ‘Contornos e perfis (modénature) sao a pedra de toque do arquite- .¢ Corbusier, revelando um ingrediente titil em seu entendimento ura, de resto ocular”, 1agens cle uma esfera sensorial aumentam o imaginario das ou- ' da meméria, das fantasias ¢ dos sonhos, “[0] principal beneficio de 1 casa [€ que] ela abriga nossos devaneios, a casa protege 0 sonhader, ermite que ele sonhe em paz,” escreve Bachelard™. Porém, mais do isso, um espaco de arquitetura enquadra, detém, reforca e foca nossos ‘samentos, além de evitar que eles se percam. Podemos sonhar e sentir estamos fora dele, mas precisamos da geometria da arquitetura de um nodo para pensar com clareza. A geometria do pensamento reflete a smetria do cémodo. Na obra The Book of Tea, Kakuzo Okakura nos oferece uma tefinada des- «rigio do imaginario multissensorial evocado pela singela ceriménia do cha: ‘A tranquilidade reina, sem nada que quebte o si exceto a nota da agua ite na chaleira de ferro. A chaleita canta bem, pois as pegas de ferro de fundo esto distribufdas de modo a produzir uma melodia peculiar na se ouve os ecos de uma catarata abafados pelas nuvens, das distantes as do mar quebrando entre as rochas, da tempestade que se arremessa 1a uma floresta de bambu ou do sussurro dos pinheiros em uma distante ia qualquer"®, Na descri¢ao de Okakura o presente ¢ o ausente, 0 prdxi- ia impossivel sem uma meméria corporal”. 0 mundo € refletido no corpo, ¢ 0 corpo ¢ projetado no mundo. Lembramo-nos por meio de nosso po, bem como de nosso sistema nervoso e nosso eérebro. (0s sentidos nao apenas mediam as informagées para o julgamento do intelecto; eles também so um meio de disparar a imaginacdo ¢ articular 0 pensamento sensorial. Cada forma de arte elabora pensamentos metafisicos ¢ existenciais com seus meios caracteristicos e seu envolvimento sensorial. “Qualquer reoria da pintura & metafisica,” na visio de Merleau-Ponty”, mas essa assertiva também pode ser estendida ao préprio fazer a arte, pois toda pintura em si propria se baseia em pressupostos (0s sobre a esséncia do mundo. “O pintor ‘carrega seu corpo consigo’, diz, [Paul] Valéry. De fato, imaginar como uma mente poderia pintar,” argumenta Merle- inconcebivel que pudéssemos imaginar uma arquite- tura puramente cerebral, que no fosse a projecio do corpo humano'e de seu movimento no espago. A arte da arquitetura também envolve questoes metafisicas € is relativas & condicdo humana, Fazer arquitetura exige pensamento claro, mas esse € um modo de pensar corporificado especifico que se dé por meio dos sentidos e do corpo humano, além, é claro, do meio especifico da arquitetura. A arquitetura elabora e comunica ideias do confronto carnal do homem com o mundo por meio de “emogdes plasticas’”. Na minha opiniso, o mister da arquitetura ¢ “tornar visivel como o mundo os toca”, como Merleau-Ponty se referiu as pinturas de Cézanne™, A importancia das sombras © olho é 0 drgio da distancia e da separagao, enquanto o tato é o sentido da proximidade, intimidade e afeicio. O olho analisa, controla ¢ investiga, 0 passo que o toque aproxima ¢ acaricia, Durante experiéncias emocionais iuito intensas, tendemos a barrar o sentido distanciador da viséo; fechamos 0s olhos enquanto dormimos, ouvimos mtisica ou acariciamos nossos amados. inagdo tdo forte e homogénea! A imaginacdo e do estimuladas pela luz fraca e pelas sombras. Para que possamos clareza, a preciso da visio tem de ser reprimida, pois as ideias m longe quando nosso olhar fica distraido e nio focado. A luz forte ¢ ogénea paralisa a imaginacéo do mesmo modo que a homogeneizagio do ‘espaco enfraquece a experiéncia da vida humana e arrasa o senso de lugar. O olho humano é mais adequado para enxergar no crepiiscullo do que sob a luz forte do sol. As névoas € o creptisculo despertam a imaginacéo, pois tornam as ima- gens visuais incertas e ambiguas; uma pintura chinesa de uma paisagem ‘montanhesa brumosa ou um jardim de areia japonés (0 jardim zen Ryoansi) nos leva a um modo afocal de visto, provocando um estado de meditacéo transe. olhar distrafdo penetra a superficie da imagem fisica e foca 0 nito, Em seu livro In Praise of Shadows, Junichiro Tanizaki observa que mes- culinétia japonesa depende das sombras ¢ que é insepardvel da escuti fo: “E quando ¥ kan é servido em um prato laqueado, é como se a escuridéo do recinto estivesse derretendo na sua lingua”. O escritor nos lembra que, no passado, os dentes enegrecidos de uma gueixa e seus labios verde escuro, somados & sua face pintada de branco formavam toda uma composicio que cnfatizava a escuridgo e as sombras do ambiente. Similarmente, a forca extraordindria do foco de luz e sua presenga nas pinturas de Caravaggio e Rembrandt surgem da profundidade da sombra na ual o protagonista esta inserido, como um objeto precioso em um pano de fundo de veludo escuro, que absorve toda a luz, A sombra di forma e vida 0 objeto sob a luz. Ela também cria o ambiente no qual surgem as fanta- sias @ 0s sonhos. Da mesma maneira, a arte do claro-escuro é um talento do Imestre-arquiteto, Em espacos de arquitetura espetaculares, ha uma respiraciio constante e profunda de sombras e luzes; a escuridao inspira e a iluminagéo expira a luz, com lugares que as case revigo- rantes, toca as esferas sensorais integer & gem do lugar que guardare- riéncias visu de Le Thoronet, transferda em 1176 parao terreno onde hoje se encontra, i Fotogratia de 0 ¢ aberto, interioridade e exterioridade, privado e puiblico, sombra e luz. Uma vver.que perdeu seu significado ontolégico, a janela se transformou em uma mera auséncia de parede. “Observe [...] 0 uso das enormes janelas com cai- xilhos fixos [...] elas privam nossas edificagées da intimidade, do efeito da sombra e da atmosfera. Os arquitetos do mundo todo tém se enganado nas proporgées que tém usado nas grandes janelas com caixilhos fixos ou nas aberturas externas [...] Perdemos nosso senso de vida fntima e nos tornamos forcados a vidas publicas, essencialmente afastados de nossas casas,” escre- ve Luis Barragan, 0 verdadeito magico dos segredos fntimos, do mistério € das sombras na arquitetura contemporanea'™, Muitos espagos piblicos con- tempordneos também se tornariam mais agradveis se tivessem luzes menos intensas e mais heterogéneas. O titero escuro do plendrio da Prefeitura de Saynatsalo, de Alvar Aalto, recria um senso mistico mitolégico e de comu- nidade; a escuridao cria uma sensagao de solidariedade e reforga a forca da palavra falada. Em estados emocionais intensos, os estimulos sensoriais parecem sair dos sensos mais refinados para os mais arcaicos, descendo da visio para a audicdo, 0 tato ¢ 0 olfato, ¢ ir das luzes para as sombras. Uma cultura que busca controlar seus cidadaos provavelmente promoverd a direcéio oposta de idualidade da intimidade e identificagdo e indo para um isolamento fisico e piiblico. Uma sociedade controladora sempre & uma sociedade do olho voyeur e sddico. Um método eficiente de tortura mental €0 uso de um nivel de iluminagao alto e constante que nao deixa espago para 0 retraimento mental ou para a privacidade; até mesmo a interioridade escura do ego 6 exposta e violada, interagao, saindo di A intimidade acustica experiéncia de interioridade. Eu observo um objeto, mas o som me aborda 0 olho alcanca, mas o ouvido recebe. As edificagées niio reagem a0 nosso olhar, Normalmente nio estamos cientes da importincia da as impresses visuais esto inseridas. Quando removemos um filme, por exemplo, as cenas perdem sua plasticidade ¢ o senso idade e vida. O cinema mudo de fato tinha de compensar a al sons, empregando uma maneira demonstrat ‘Adrian Stokes, 0 pintor ensaista inglés, faz observacbes perspicazes sobre a interagio entre o espago e 0 som, 0 som ¢ a pedra. “Como homens, os prédios so bons ouvintes. Sons longos, distintos ou aj ‘mente em conjuntos, acalmam os ori dualmente do canal ou do piso, Um som longo, com seu eco, traz con: A pedra,” ele escreve'™. Qualquer pessoa que jé acordou com o som de um trem buldncia em uma cidade noturna e que no sonho experimentou 0 espago da cidade em seus incontéveis habitantes espalhados dentro de seus prédios, co hece 0 poder do som sobre a imaginagéo; 0 som noturno é uma lembranga da solido e mortalidade humanas, e nos torna cientes de toda uma cidade adormecida. Qualquer um que jé ficou encantado com o som de uma na escuridéo de uma ruina pode confirmar a capacidade extraordindria do ouvido de imaginar um ve io. O espago ana- a am: ume céneavo no vazio da esc da mente. 0 Gitimo capitulo da obra seminal de Steen Bier Rasmussen, Exper cing Architecture, tem um titulo muito expressivo: “Ot CO escritor descreve as varias dimensbes das caracterfsticas actisticas e lemb' 0 produto mental da percepsiio aciistica dos tineis do metré de Viena no fil. me 0 Terceiro Homem, de Orson Welles: “Sua orelha re ‘comprimento quanto da forma cilindrica do tinel ‘Também podemos recordar a dureza actistica de uma casa desocupada e sem méveis, quando comparada a afabilidade de uma casa habitada, na qual © som € refratado e suavizado pelas numerosas superficies dos objetos da vida pessoal. Cada prédio ou espaco tem seu som caracteristico de intimidade ou monumentalidade, convite ou rejeigo, hosptaidade ou hostildade, Um espago é to entendido e apreciado por meio de seus ecos como por meio de sua forma visual, mas 0 produto mental da percepeao geralmente permanece ‘como uma experiéncia inconsciente de fund A visdo € 0 sentido do observador solitario, enquanto a audigio cria um sentido de conexio e solidariedade; nosso olhar perambula solitario nos véios escuros de uma catedral, mas os sons de um érgao nos fazem sentir imediatamente nossa afinidade com 0 espaco. Fitamos isolados os momentos de suspense de um filme, mas o irromper de aplausos apés 0 relaxamento desses momentos tensos nos unem & multidao, O som dos sinos de uma igreja que ecoa pelas ruas de uma cidade nos faz sentir nossa urbanidade, O eco dos passos sobre uma rua pavimentada tem uma carga emocional, pois o som que reverbera nos muros do entorno nos pée em interagao direta com 0 espaco; o som mede o espaco e torna sua escala compreensivel, Acariciamos os limites do espago com nossos ouvidos. Os gritos das gaivotas de um porto nos fazem cientes da imensidéo do oceano € da infinitude do horizonte. Cada cidade tem seu eco, 0 qual depende do pacirao e da escala de suas, ruas e dos estilos e materiais dominantes de sua arquitetura. O eco de uma cidade da Renascenca difere daquele da cidade do Barroco. Os espacos aber- tos e amplos das ruas contemporaneas no devolvem os sons, e nos interiores das edificagées atuais 05 ecos sio absorvidos e censurados. A musica gravada programada que toca em shopping centers e espacos puiblicos elimina a pos- sibilidade de palparmos 0 volume actistico de seus espacos. Nossos ouvidos foram cegados. léncio, tempo e solidao Aexperiéncia auditiva mais fundamental criada pela arquitetura é a tran- quilidade. A arquitetura nos apresenta o drama da construcio silenciado 1a nota desvanecente de um canto gregoriano; 0 eco tigos romanos acabou de esmaecer nas paredes do Pantes nos levam de volta ao ritmo vagaroso € ao siléncio do pass arquitetura é um siléncio afivel e memordvel. Uma experién arquitetura silencia todo ruido externo; ela foca nossa directo ¢ pria existéncia, e, como se di com qualquer forma de arte, nos to de nossa solidéo original. A incrivel aceleracgio da velocidade que ocorreu ao longo do sée passado arrasou 0 tempo contra a tela plana do presente, sobre 0 4 a simultaneidade do mundo é projetada. A medida que o tempo sua duragao e seu eco no passado primordial, o homem perde s« de individualidade como ser histérico e € ameagado pelo “ po”, A arquitetura nos emancipa do abraco do presente e nos p experimentar o fluxo lento e benéfico do tempo. As edificagbes séo instrumentos e museus do tempo. Flas nos permitem ver ¢ ent passar da histéria e participar de ciclos temporais que ultrapassam vidas individuais. ‘A arquitetura nos conecta com os mortos; por meio dos prédios seguimos imaginar 0 alvoroco da cidade medieval e visualizar a prociss solene que se aproxima da catedral. O tempo da arquitetura é um sob custédia; nas melhores edificagdes, 0 tempo se mantém perfeita imével. No saldo hipostilo do Templo de Carnac, o tempo foi petr ‘em um presente imével e eterno, Tempo e espaco esto eternamente inte travados nos espacos silenciosos entre suas colunas gigantescas; matéri espaco e tempo se fundem em uma experiéncia elementar ¢ sing} sensagio de existit. ‘As grandes obras de arquitetura da modernidade retiveram para sem. pre 0 tempo utépico do otimismo e da esperanca; mesmo apds décadas provocar o destino, elas emanam uma atmosfera de primavera ¢ promess 0 Sanatério de Paimio, de Alvar Aalto, parte nossos coragdes com sua c fervorosa no futuro da humanidade e no sucesso da missfo social da arqui sadlo ESPAGOS DE ACONCHEGO 5 16 Experinciosintensas de tecBo sao sensacces da pele como espaco da intimidade do calor humane, Antonio Gaudi, Casa eatlld, Ba 1904-06 pe ‘Uma sensagdo de melanc tes de arte; esse é o pesar da temporalidade imaterial da bel de arte so um ideal intangivel, o ideal de beleza que toca o eterno. Espagos aromaticos Precisamos de apenas oito moléculas de uma substaneia para dese impulso olfativo em uma terminacéo nervosa, e conseguimos dk de dex mil diferentes odores. Frequentemente, a meméria de um espaco é seu cheiro. Nao consigo me lembrar da aparéncia da casa da fazenda de meu avé quando eu era muito pequeno, ruito bem a resisténeia imposta por seu peso ¢ a patina de sua s ‘madeira marcada por décadas de uso, e me recordo especialmente de sua casa que atingia meu rosto como se fosse uma parede invis da porta. Cada moradia tem seu cheito individual de lar. ‘Um cheiro especifico nos faz reentrar de modo inconsciente u totalmente esquecido pela meméria da retina; as narinas despertam um gem esquecida e somos convidados a sonhar acordados. O som faz.0s olhos se Jembrarem, “A meméria e a imaginagéo permanecem associad: chelard; “Eu, sozinho, nas minhas lembrangas de outro século, 0 armétio profundo que ainda retém s6 para de passas de uva secando em uma bandeja de vime ‘va! E um odor indescritivel, que exige muita imaginagéo para que poss sentido”. es) Um mundo de © odor pu gente de uma sapataria nos faz imaginar cavalos, selas e arreios e a emocio de se cavalgar; a fragrdincia de uma padaria projeta imagens de satide, sub- sisténcia e forga fisica, enquanto o perfume ce uma confeitaria nos remete & felicidade da burguesia. As cidades de pesca sfio especialmente memoriveis pela fusdio dos odores do mar e da terra; o cheiro forte das algas nos faz sentir a profundidade e o peso do mar e transforma qualquer cidade portuéria pro. saica na imagem da Atlantida perdida, Um prazer especial das viagens é se familiarizar com a geografia e 0 ierocosmos de odores e sabores. Cada cidade tem seu espectro de sabores e odores. As bancas dos mereados de rua so exibigdes apetitosas de odores: criaturas do oceano que cheiram a alga, legumes e verduras que trazem 0 aro- ‘ma da terra fértil e frutas que exalam a doce fragrancia do sol e do ar timido do verdo. Os cardépios expostos na frente dos restaurantes nos fazem fanta- siar sobre os sucessivos pratos de um jantar; as letras lidas por nossos olhos se transformam em sensagées orais. Por que as casas abandonadas sempre tém o mesmo cheito oco? Se- ria porque aquele cheiro particular é estimulado pelo vazio observado pelos olhos? Helen Keller conseguia reconhecer “uma velha casa de campo por- i ela tem diversos niveis de odores deixados por uma sucessio de familias, plantas, perfumes e cortinados Na obra The Notebooks of Mal uma descri¢do exuberante di J demolida, transmitidas pelos vest contigua: Brigge, Rainer Maria Rilke faz de uma vida passada em uma casa deixados na parede de sua casa 4 estavam os meios-dias © a doenca, ¢ a respiraglo exalada e a fumaga dos 108, € 0 suor que sai das axilas e deixa as roupas pesadas, e o cheizo vieiado das bocas € o odor oleoso dos pés abafados. Lé estavam o cheiro penetrante da urna eda fuligem queimada, ¢ o odor pungente das batatas e a catinga suave da gordura rangosa, O odor doce e profongado dos beb's mal-cuidados estava li, € o cheiro de medo das criangas que vao para a escola e o ardor das camas dos Jovens casadouros."* ‘As imagens da retina da arquitetura contemporainea certamente parecem es- téreis e sem vida quando comparadas com o poder emocional e associativo um grand nos espagos e nas formas. O eroqui que Le Co de um edificio de apartamentos, com a esposa batendo um tapete no superior ¢ o marido golpeando um saco de boxe, assim como o peixe € 0 ven tilador na mesa da cozinha da Vila Stein-de-Monzie, so exemplos de u rara sensibilidade da vida nas imagens modernas da arquitetura. As foto fias da Casa Melnikov, por outro lado, revelam um distanciamento rad entre a geometria metafisica da casa icdnica e as realidades tradicional prosaicas da vida. A forma do toque {A]s mios sio organismos complicados, deltas nos quais a vida das fontes mais distantes converge aos vagalhées nas grandes correntes de acio. As mios tém seu histérico; elas tém até sua prépria cultura e sua beleza p: cular. Conferimos-Ihe o direito de ter seu préprio desenvolvimento, seus prd- prios desejos, sentimentos, humores ¢ ocupagées”, escreve Rainer Maria Rilke em seu ensaio sobre Auguste Rodin", As méos sio os olhos do escultor; mas elas também so érgiios para o pensamento, como sugere Heidegger: “fal esséncia das maos jamais pode ser determinada ou explicada, pois siio um 6rgao que pode agarrar [...] Cada movimento da méo em cada uma de suas tarefas se d4 por meio do pensamento, cada toque dla mo permanece naquele clemento ‘A pele lé a textura, o peso, a densidade e a temperatura da matéria. A superficie de um velho objeto, polido até a perfeigao pela ferramenta de um. artesdo e pelas maos assiduas de seus usuarios, seduz nossas maos a acari- cié-lo, 2 um prazer apertar a maganeta da porta que brilha com os milhares de mos que passaram por ela antes de nés; 0 brilho tremeluzente do desgaste temporal se tornou uma imagem de boas-vindas ¢ hospitalidade. A macane- ta da porta é o aperto de méos do prédio. O tato nos conecta com o tempo € ‘a tradigao: por meio das impress6es do toque, apertamos as miios de inconta vveis geragées. Um seixo rolado polido pelas ondas é um prazer para as mios, Musée du Louvre, Paris raszari Outdoor Museum, Hesingue a parede de conereto ¢ tocar am. ura de sua pele. Nossa pele acompanha a temper: los espagos com precisdo infalivel; a sombra fresca e revigorante de rvore ou 0 calor de um lugar ao sol que nos acaricia se tornam expe cias de espago e lugar. Nas imagens rurais finlandesas que trago d ramente dos muros ensolarados, ‘0 solar e derretiam a neve, permi © primeiro aroma do solo fértil anunciasse a chegada da preliidios da primavera eram identificados néo apenas pelos ol também pela pele e pelo nariz. A gravidade € medida pela sola dos pés; seguimos a dens: textura do chéo através da sola de nossos pés. Ficar de pé e descalgo sobre uma lisa rocha glacial junto ao mar, no pér do sol, ¢ sentir na pele 0 ca da pedra aquecida pelo sol é uma experiéncia muito revigorante que nos sentir parte do ciclo eterno da natureza; ela nos faz sentir a respiracao le da terra “im nossos Lares temos esconderi nos aconchegar com conforto. Aconche: verbo habitar, e somente a tar com intensidade,” escreve Bachelard"’, “E quando sonhamos acordados, nossa casa sempre é um grande berco,” ele continua Hé uma forte identidade entre a pele nua € @ sensacéo de um lar. A experiéncia do lar € essencialmente a experiéncia do calor intimo. © espaco do aconchego em torno de uma lareita € 0 espaco da intimidade e do confor: to maximos. Marcel Proust faz uma descri¢éo podtica de um desses espacos junto 2 lareira, que é sentido na pele: “como uma alcova imaterial, uma ca ‘verna aconchegante esculpida no prdprio cOmodo, uma zona de clima quente ‘A mais forte sensagio de chegar em casa sempre foi ia, quando via uma luz. pela janela de minha casa na pai- neve, a0 anoitecer, a mem6ria do interior aeonchegante av 1s € cantinhos nos quais gostamos de 1rse pertence & fenomenologia do We prazer da pele se O sabor da pedra Em seus escritos, Adrian Stokes era particularmente sensfvel as esferas das sensagdes tatil e oral: “Ao empregar suave e spero como termos genéricos da dicotomia da arquitetura, consigo preservar melhor as nogdes de orali- dade ¢ tato que estdo sob a nocdo visual, Existe a fome dos olhos, e, sem duivida, tem havido certo grau de impregnagio do sentido da visio, como do tato, pelo impulso oral, que no inicio tudo abarcava""”. Stokes também escreve sobre 0 “convite & oralidade de um marmore de Verona”, ¢ cita uma earta de John Ruskin: “Eu gost or toque” H4 uma transferéncia sutil entre as experiéncias do tato e do paladar: A visdo também se transfere ao tato; certas cores e detalhes delicados evocam sensagdes orais. Uma superficie de pedra polida de cor delicada ¢ sentida subliminarmente pela lingua. Nossa experiéncia sensorial do mundo se otigi- za na sensac&o interna da boca, e 0 mundo tende a retornar as suas origens otais. A origem mais areaica do espago de arquitetura é a cavidade oral. Muitos anos atrés, quando estava visitando a DL James Residence, em Carmel, na Califérnia, projetada por Charles e Henry Greene, senti-me com- pelido a ajoelhar e tocar com a lingua a soleira de métmore branco da porta de entrada, que brilhava delicadamente. Os materiais sensuais e to bem trabalhados pela arquitetura de Carlo Scarpa, assim como as cores sensuais das casas de Luis Barragan, frequentemente evocam experiéncias orais, As superficies deliciosamente colotidas de stucco lustro, revestimento extrema- ‘mente polido de superficies de madeira, também se oferecem & apreciagéo da lingua. inichiro Tanizaki descreve de modo impressionante as caracteristicas espaciais do sentido do paladar e da sutil interacio dos sentidos provocada pelo simples destampar de uma tigela de sopa: de comer toda essa Verona, toque Na tigela laqueada, ha beleza naquele momento entre a remogo da tampa e a ‘aproxima¢io da tigela a boca, quando vemos o liquido parado e silencioso nas profundezas escuras da tigela, sua cor quase igual da prépriatigela. Nao conse suimos distinguir © que esté na eseuridéo, mas a palma da mao sente da arquitetura traz 0 mundo para um contato extre! © corpo. Imagens de musculos e ossos © homem primitivo usava seu préprio corpo como sistema de mento e proporcionamento de suas construcées. A habilida se construir uma moradia nas culturas tradicionais se basei do corpo armazenada na meméria tatil. Os conhecimentos essenciais do cacador, pescador e agricultor do passado, bem dteiro e escultor, eram uma imitago de uma tradigéo corpére: armazenada nos sentidos muscular e tatil. As habilidades eram porando-se as sequencias de movimentos refinadas pela tradicio, n palavras ou pela teoria © corpo sabe e lembra. O significado da arquitetura deriva tas arcaicas e reagGes lembradas pelo corpo € pelos sentidos. tem de responder as caracteristicas dos comportamentos pi servados e transferidos pelos genes. A arquitetura no apenas respor necessidades sociais e intelectuais funcionais e conscientes dos mor urbanos; ela também deve lembrar cagador e agricultor primi dido em nossos corpos. Nossas sensagdes de conforto, protecio e cenraizadas nas experiéncias primitivas de incontaveis geragbes. Bact as chama de “imagens q em & tona o primitivo que esta em nds”, 01 de “imagens primitivas J casa na qual nascemos gravou dentro dl 6 a hierarquia das vérias fungées de habitar. Somos 0 diagrama des fungées de habitar aquela casa particular, e todas as outras casas so ap -variantes desse tema fundamental. A palavra habito esta desgastada d para expressar essa relacio passional de nossos corpos, que néo esquec' ‘com uma casa inesquecivel,” ele escreve, falando da forga da meméri poral’ vos VISAO E TATILIDADE 19 Ha um ingrediente tt escondldo na visi. ‘A deusa Tara, cos budlstas, possi cinco olhos adicionais, na testa e em suas mics e és. Els so consideradossinals de uminacao, Fgura de bronze da Mongolia, século XV State Publé Library Ulan Bator, Mangia 20 ‘A maganeta da porta @ 0 aperto de mos do Prédio, que pode ser revigorante e cartes ou olhos, em vez, do bem: cuja abordagem de pro situagées instantineas da vida decomposigio. ‘Todavia, a arquitetura ndo pode se reduzir a um instrume nalidade, do conforto corporal e do prazer sensorial sem perder su mediagdo existencial, Outro sentido de distancia, resistencia et para que possa provocar nossa imaginagao e nossas emosdes, Tadao Ando j expressou o desejo de tensio ou oposicao entre nalidade e a inutilidade de sua obra: “Acredito em remover a arq| vas, gosto de ver até que ponto a arquitetura consegue perse; ver até onde a arquitetura pode ser Imagens de agéo ‘As pedras distribufdas na grama de um jardim, para que pis sio imagens e impressdes de nossas pegadas. Quando abrimos uma ‘0 corpo encontra 0 peso da porta; quando subimos uma escada, as pet medem os degraus, a mao acaticia 0 corrimao e o corpo inteiro se mi diagonal e de modo marcante pelo espaco. Hé uma sugestio de ago inerente s imagens da arquitetura, ao mo- mento do encontro ativo ou & “promessa de fungio"™* ¢ propési jetos que circundam meu corpo refletem sua ago possivel sobre eles pré: prios," escreve Henri Bergson'®. I essa possibilidade de agtio que sep a arquitetura das outras formas de arte, Como consequéncia dessa agi sugerida, a reaco corporal é um aspecto insepardvel da experiéncia da ai de imagens na ret dades visuais ou gestalt; eles so encontros, confrontos que intera; ‘2 meméria, “Em tal meméria, o passado é corporificado nas agées. de ser contida separadamente em algum lugar da mente ou do cérebro, ela € um ingrediente ative dos préprios movimentos corporais que completam determinada acao,” diz Edward Casey sobre a inter-relagdo entre a meméria eas agoes"”. Aexperiéncia do lar é estruturada por atividades distintas — cozinhar, co- mer, socializar, ler, guardar, dormir, ter atos intimos ~ e néo por elementos vi- suais. Uma edificacio é encontrada; ela é abordada, confrontada, relacionada com 0 corpo de uma pessoa, explorada por movimentos corporais, utilizada ‘como condicdo para outras coisas. A arquitetura inicia, direciona e organiza 0 comportamento e 0 movimento. ‘Uma edificacdo nfo é um fim por sis6; ela emoldura, articula, estrutura, dé importancia, relaciona, separa e une, facilita e profbe. Assim, experiéncias auténticas de arquitetura consistem, por exemplo, em abordar ou confrontar uma edificagdo, em vez se apropriar formalmente de uma fachada; em olhar para dentro ou para fora de uma janela, em vez de olhar a janela em si como um objeto material; ou de se ocupar o espago aquecido, em vez de olhar a lareira como um objeto de projeto visual. O espago arquitetdnico é um espaco vivenciado, e no um mero espaco fisico, e espacos vivenciados sempre trans- cendem a geometria ¢ a mensurabilidade. Em sua andlise da pintura Anunciagdo, de Fra Angelico, feita no ca- tivante ensaio “Da Soleira da Porta ao Salo Comunitério” (1926), Alvar Aalto reconhece a “esséncia verbal” da experiéncia de arquitetura, ao falar do ato de se entrar em um cémodo, nao no projeto formal do alpendre ou da por A teoria ea critica da arquitetura moderna tém tido uma forte tendéncia a considerar 0 espaco como um objeto imaterial configurado por superficies ‘materiais, em vez de entendé-lo em termos das interagdes ¢ inter-relagdes dindmicas. O pensamento japonés, no entanto, se baseia em uma compreen- sio das relagdes do c do espago, Ao recomhecer a “esséncia verbal” da experiéncia da arquitetura, 0 professor Fred Thompson usa a nogio de “espacamento” ou “espacando”, em vez de “espaco”, e de “temporizacio” ov “temporizando”, em vez de “tempo”, em seu ensaio sobre o conceito de Ma, icagdo corporal lade da experiéncia da arquitetura se fundamenta ct6nica de se edificar e na abrangéncia do ato de constru s. Contemplamos, tocamos, ouvimos € medimos o mundo co existéncia corporal, € 0 mundo que experimentamos se articulado em torno do centro de nosso corpo. Nosso domi nosso corpo, nossa memeéria ¢ identidade. Estamos em um didlo ‘¢a0 constantes com o ambiente, a ponto de ser impossivel separa do ego de sua existéncia espacial e situacional. “Eu sou meu corpo! Gabriel Marcel", mas “Eu sou o espago, sou onde estou,” define o poet Arnaud". Henry Moore esereve com sensibilidade sobre a necessidade da identifi cago corporal na produgao da arte: Eisto que o escultor deve fazer. Ble deve se esforgar continuamente para pe e utilizar forma em sua total abrangénci sgamos assim, em sua cabega ~ ele pensar u se estivesse segurando-o completamente na palma de sua mio, Ele vi mentalmente uma forma complexa de todos os seus lados; ele sabe, ‘observa um lado, como é 0 outro; ele se identifica com seu centro de sua massa, seu peso; ele percebe seu volume e 0 espago que a forma desloc: ui © encontro com qualquer obra de arte implica uma interagio corp: © pintor Graham Sutherland expressa sua visio sobre a obra do art certa maneira, 0 pintor de paisagens deve olhar para a paisagem pra te como se ela fosse ele préprio — ele proprio como um ser human visto de Cézanne, “a paisagem se pensa em mim, ¢ eu sou sua conscién Uma obra de arte funciona como outra pessoa, com a qual conversamos de ‘modo inconseiente, Ao confrontar uma obra de arte, projetamos nossas emo ‘gdes e sentimentos na obra. Ocorre um interedmbio curioso; imprimimos nos: ‘sas emogdes & obra, enquanto ela imprime em nds sua autoridade e aura, Em determinado momento nos encontramos na obra, A nogao de Melanie Klein IMairea Foundation/Fotografia. de Rauno Taskelin le-americanos fornecem cestimulos peritércos e nos convidam a entrar no esoaco, Jackson Pollock, Um: Numero 37, 1950, Po © 2005 The Musey York/Scala, Florenca of Modern Art, Nova A mimese do corpo Um grande misico toca seu préprio corpo, e nao o instru de bola talentoso joga com sua entidade, a dos outros jogad que ele internalizou e incorporou, em vez de apenas chutar entende onde fica a goleira de um modo que é mais viven nalizado. A mente nio habita o campo de futebol, mas 0 habitado por um ‘corpo’ que 0 conhece”, escreve Richard Lan; as consideragées feitas por Merleau-Ponty sobre as habilidad futebol". Da mesma maneira, durante o processo de projeto, 0 arg ‘mente internaliza a paisagem, todo 0 contexto e os requisitos fun da edificagio que ele concebeu: movimento, equilforio e escala sio de modo inconsciente por todo 0 corpo, como tensdes no sistema mut nas posicdes do esqueleto ¢ dos outros érgdos. A medida que a obre com 0 corpo do observador, a experiéncia reflete nas sensagbes coi projetista. Consequentemente, a arquitetura é a comunicagio do cor arquiteto diretamente com 0 corpo da pessoa que encontra a ol séculos depois. Entender a nogdo de escala na arquitetura implica a medi¢ao ciente do objeto ou da edificagio por meio do proprio corpo do obser ‘ena projeci de seu esquema corporal no espaco em questo. Sent zer e protecio quando 0 corpo descobre sua ressonanncia no espago, Qu experimentamos uma estrutura, inconscientemente imitamos sua cot ragiio com nossos 0860s miisculos: o fluxo agradével e animado de ‘miisica é inconscientemente transformado em sensagdes corporais, a co posigéo de uma pintura abstrata é experimentada como tensées no si muscular, e as estruturas de um prédio séo inconscientemente imi compreendidas pelo esqueleto. Sem saber, realizamos com nosso co tarefa da coluna ou da abdbada. “O tijolo quer se transformar em um disse Louis Kahn, ¢ essa metamorfose se dé mediante a capacidade miméti ca do nosso corpo”. experiéncia da dimenstio ‘mesmo tempo os torna cientes da profundidade sonhar com a levitagio e com 0 voo. Espacos da memoria e imaginagao ‘Temos uma capacidade inata de lembrar e imaginar lugares. Percepgio, me- méria ¢ imaginacéo esto em interagdo constante; a esfera do presente se funde com imagens de meméria e fantasia. Continuamos construindo uma imensa cidade de evocagées e recordagies, ¢ todas as cidades que visitamos pole que chamamos de mente. A literatura e o cinema seriam destituidos de seu poder de encanto sem nossa capacidade de entrar em um lugar que lembramos ou imaginamos. Os espacos e lugares criados por uma obra de arte so reais no sentido total da experiéncia, “Tintoretto néo escolheu aquela fenda amarela no eéu do Calvé- rio para transmitir angistia ou provocé-la. Ela é, ao mesmo tempo, ang. céu amarelo. Nao um eéu de angistia ou um eéu angust materializada, a angtistia que se t relo,” escreve Sartre™. De modo similar, a arquiterura de Michelangelo néo apresenta simbolos de melancolia; seus prédios realmente se lamentam. Ao experimentarmos uma obra de arte, ocorre um intercambio curioso: a obra projeta sua aura e nds projetamos nossas préprias emogdes e produtos men- tais da percepeo sobre a obra. A melancolia de Michelangelo é basicamente 0 senso que o observador tem de sua prépria melancolia criada pela autoridade da obra, Enigmaticamente, nos encontramos na obra. Amemiéria nos remete a cidades distantes, e os romances nos mnspor- tam através de cidades invocadas pela magica da palavra do escritor. Os cO- modos, as pracas e as ruas de um grande escritor sao téo vivas como qualquer lugar que jé visitamos; as cidades invisiveis de Italo Calvino enriqueceram para sempre a geogtafia urbana do mundo, A cidade de San Francisco se desdobra em stia multiplicidade na montagem do filme Um Corpo que Cai, de Hitchcock; nés entramas nos edificios assustadores com os passos do protago- nnista e vemos com seus olhos. Nés nos tornamos cidadaos de Sao Petersburgo As cidades dos cineastas, compost envolvem com tado o vigor das cidades reais. As ruas das gr continuam depois das esquinas e ultrapassam as quinas da mol no invisivel e com todas as nuances da vida. “{O pintor} faz [ ele cria uma casa imagindria na tela, e ndio meramente um si Ea casa resultante preserva todas as ambiguidades das ca: Sartre’, Hé cidades que permanecem como meras imagens vis quando recordadas, e ha cidades que so recordadas com toda, de. A meméria resgata a cidade prazerosa com todos 0s s variagGes de luz.e sombra. Posso até escolher se quero cai solarado ou pelo lado sombreado de uma rua da agradavel cidade recordagdes. A medida real das qualidades de uma cidade ¢ se con nos imaginar nos apaixonando por alguém nessa cidade. Uma arquitetura dos sentidos Varios tipos de ara sensorial que eles tendem a enfatizar. Ao lado da arquitetura preval olho, ha a arquitetura tatil, dos miisculos e da pele. Também hi 1 arquitetura que reconhece as esferas da auidigao, do olfato e do A arquitetura de Le Corbusier e a de Richard Meyer, por exempl recem claramente a visao, seja no encontro frontal, seja no olho cinest promenade architecturale (ainda que as obras tardias de Le Corbusier tenha incorporado fortes experiéncias téteis com a presenca vigorosa da mat: dade e do peso). Por outro lado, a arquitetura de orientagdo expressior iniciada com Erich Mendelshohn ¢ Hans Scharoun, favorece a pli muscular e tétil, como consequéncia da supresso do predominio da pectiva ocular. Jé a arquitetura de Frank Lloyd Wright e a de Alvar Aa baseiam no reconhecimento total da condig&o corporal humana e na mul cidade de reagdes instintivas escondidas no inconsciente humano. Na ary ae A ARQUITETURA DOS SENTIDOS QUE INTENSIFICA A VIDA. 23 ‘Uma arquitetura de contensae formal com uma rae riqueza de sensualidade que estimula todos as sentidos ao mesmo tempo. Peter Zumthos,Termas de Vals, Graublunden, 1950-6. © Helene Binet 24 Uma arquitetura que toca tanto nossos elhos nosso sentido de movimento e tato e ‘uma ambigncia domestica e acolnedora, Mairea Foundation /Fotograti Traskein de Rauno ue so excelentes condutores de calor.”" Aalto estava c teressado no encontro do objeto com o corpo do A arquitetura de Alvar Aalto exibe uma presen incorpora deslocamentos, confrontos obliquos, irre tiplos que visam acentuar as experiéncias corpora elaborados detalhes e texturas superficiais, trabalh: as maos humanas, convidam ao toque e criam u © aconchego. Em vez do idealismo cartesiano e des arquitetura dos olhos, a arquitetura de Aalto se t Suas edificagdes nao se baseiam em apenas um co talt; em vez disso, elas sto aglomeracies s deselegantes e mal resolvidas como desenhos, m apreciadas em seu encontro fisico e espaci no como construgdes de uma visio idealizada, A fungao da arquitetura A fungo atemporal da arquitetura é criar metéforas existenc € para a vida que concretizem e estruturem nossa existé arquitetura reflete, materializa e torna eternas as id ideal. As edificagGes e cidades nos permitem estruturar, entender e © fluxo amorfo da realidade e, em tltima andlise, reconhecer € quem somos. A arquitetura permite-nos perceber e entender a permanéncia e da mudanga, nos inserir no mundo e nos colocar no co da cultura e do tempo. periéncia implica atos de recordagdo, meméria e comparagio. Uma met incorporada tem um papel fundamental como base da lembranga de um espa- ‘$0 ou um lugar. Transferimos todas as cidades e vilas que jd visitamos, todos os lugares que reconhecemos, para a meméria encarnada de nossos corpos. Nosso domicilio se torna integrado & nossa autoidentidade; ele se torna parte de nosso corpo e ser. Em experiéneias memordveis de arquitetura, espago, matéria e rempo se fundem em uma dimensfo tinica, na substfncia bisica da vida, que penetra em nossas consciéncias. Identificamo-nos com esse espago, esse lugar, esse ‘momento, ¢ essas dimensGes se tornam ingredientes de nossa préptia existén- cia, A arquitetura a arte de nos reconciliar com 0 mundo, e esta mediagao se dé por meio dos sentidos. Em 1954, aos 85 anos de idade, Frank Lloyd Wright definiu a fungao ‘mental da arquitetura com as seguintes palavras: 0 que é mais necessério na arq ‘rio na vida ~integridade. A profunda qualidade de uma edificagé... Se tivermos sucesso, teremos prestado ‘um grande servico & nossa natureza moral ~ a psique ~ de nossa sociedade de ‘mocritica...Defenda a integridacle de sua edificagao como vocé defende ain ridad nfo apenas na vida daqueles que afizerar, mas, em termos soca, pois uma relacdo reefproca é inevitive Esta declaracio enfltica da misséo da arquitetura ¢ ainda mais urgente nos dias de hoje clo que quando foi escrita, hd 50 anos. B essa visio exige um centendimento total da condigdo humana, NOTAS Prefacio 1 Mauri Press (Evanston, Introducao 1. James Turrel, “Plato's Cave and Light within’, in £ rence and change in architecture, ed. Mikko Heikkinen, um (Jyviskyla), 2003, p 144. 2 Ashley Montagu, Touching: The Human Signi (New York), 1986, p 3, 3. Uma ideia de Johann Wolfgang von Goethe m 4 Ludwig Wittgenstein, MS 112 46: 14.10.1! ‘and Value, ed GH von Wright, Blackwell Publi 5 Veja Anton Ehrenzweig, The Paychoanalysis ofA 1 Theory of Unconscious Perception, Shel 0s olhos da pele Jo em Not Architecture But Evidence That It xi tercolors, ed Brooke Hodge, Harvard University Gradu ward), 1998, p 130. Friedrich Nietzsche, Thus Spake Zarathustra, Viking Pres p24, Richard Rorty, Philosophy and the Mirror of Nature, Princ (Sew Jersey), 1979, p 239. Jorge Luis Borges, Selected Poems 1923-1967, Pen citadlo em Séren Thurell, The Shadow of A Thought - The Janus C tecture, School of Architecture, The Royal Institute of Technology 1989, p2 Citado em Richard Kearney, “Maurice Mer dern Movements in European Philosophy, Ma ter and New York), 1994, p 2. *

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