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PÚBLICO • SÁBADO, 28 JAN 2006

A manifestação
As feministas de um país que não o foi

oficialmente sem feminismo


Praticamente ignorado pela maio-
ria das redacções no que se referia
à sua actividade e agenda política,
o MLM conquistou a atenção dos
jornais pelas piores razões em
1975. Tinha convocado para o
Há mais de três décadas um grupo de mulheres fundou um movimento feminista, o Movimento de Alto do Parque Eduardo VII, em
Lisboa, uma manifestação, a 13 de
Libertação das Mulheres. Uma associação inorgânica, que chocou o conservadorismo português Janeiro, com o intuito de assina-
com o pioneirismo das suas propostas, mas teve uma enorme capacidade de influência, ao ponto conseguir lar o início do Ano Internacional
fazer valer a ideia da igualdade entre mulheres e homens na Constituição. Por São José Almeida da Mulher. Aí, as organizadoras
propunham-se atear uma foguei-
ra onde queimariam objectos que
“O Movimento de Libertação das Mulheres mais ou menos assumidamente feministas. “É quando são fundamentais”, sublinha a autora de representassem a opressão sobre
(MLM) foi o único movimento assumidamente curioso que ainda hoje a imagem que passa do A Morte da Mãe, acrescentando: “Acusavam o a mulher: exemplares dos códigos
feminista”, em Portugal, afirma Maria Teresa MLM é que éramos um grupo de tontinhas, as- MLM de ser um movimento burguês, era uma Penal e Civil, revistas pornográfi-
Horta, uma das suas fundadoras e uma das home- sim como as mulheres feministas do princípio crítica idiota, porque todos os movimentos mo- cas, tachos, vassouras e panos do
nageadas hoje à noite no jantar que se realiza no do século XX são vistas como histéricas malucas dernos de luta política começam na burguesia.” pó, fraldas, brinquedos sexistas.
restaurante do antigo Mer- E conclui: “Hoje, as causas O simbolismo da manifestação ia
cado da Ribeira, em Lisboa, do MLM são consideradas ao ponto de as organizadoras se
organizado pela União de normais e respeitáveis e apresentarem vestidas de forma
Mulheres Alternativa e defendidas por todas as or- encenada, haveria uma vamp,
Resposta (UMAR), para ganizações políticas, mas uma noiva e uma dona de casa,
homenagear as feministas as mulheres que o fizeram, que se despiriam de um biquini,
portuguesas dos anos 70 e nos mitos do imaginário de uma flor de laranjeira e de um
80 do século XX. Um mo- das pessoas, são sempre avental e lançariam estas peças
vimento que quase não é algo que não aceitam.” também às chamas da fogueira,
lembrado – em obediência Maria Isabel Barreno como acto simbólico. Esta ideia,
ao quadro mental da ideia não deixa de apontar o que se concretizaria a uma segun-
feita de que em Portugal dedo à comunicação social da-feira, foi noticiada no Expresso
não houve, nem há femi- portuguesa e à sua res- do sábado anterior numa pequena
nismo, mas que teve um ponsabilidade na imagem notícia escrita em tom jocoso e sob
imenso impacte político que há ainda hoje sobre o o título: “Strip-tease de contesta-
pela sua acção e pelas cau- que é o feminismo: “A má ção organizado pelo MLM”. Uma
sas que defendeu de forma imagem do feminismo foi notícia que teve, segundo Maria
pioneira em Portugal, muito construída pela im- Teresa Horta, um resultado per-
como a despenalização do prensa, há mulheres que verso. No dia da manifestação, já
aborto, os direitos laborais têm medo de se dizerem no Alto do Parque, as mulheres
das mulheres, o combate à feministas porque temem presentes e a comunicação social
violência doméstica. a marginalização”, afirma viram aproximar-se um mar de
Considerando que ainda a escritora, para salientar, homens determinados em acabar
hoje em Portugal uma mu- de seguida, o facto de em com a veleidade daquelas mulhe-
lher afirmar-se feminista Portugal as pessoas toma- res. O acontecimento é conhecido
é de uma “grande dificul- rem posição condenando o e por diversas vezes noticiado,
dade” – “a ideia de que a que não conhecem: “Outra mas não é demais registar o rela-
feminista é alguém que questão é o facto de que to de Maria Teresa Horta: “Não
se pode insultar e tratar sobre feminismo muita eram cem homens, eram milhares
abaixo de cão é actual, es- gente fala e pouca gente de homens. A Milena [Madalena
tá aí, existe hoje” –, Maria sabe o que é. Como é coisas Barbosa] tinha uma carrinha. Nós
Teresa Horta não deixa de mulheres é tratado com íamos com as crianças, quando vi-
de salientar, em conversa discriminação. Não é visto mos os homens, a Milena disse:
com o PÚBLICO, que entre como algo que tem que ser ‘Vamos metê-las na carrinha.’
o que são as ideias feitas e conhecido. Dizem-se coisas Mas os homens começaram a
aquilo que de facto se pas- tontas. É como a questão do abanar a carrinha. Tirámos de
sou na história portuguesa marxismo. Há que ler os lá as crianças e fugimos para a
do século XX, nomeada- textos feministas e sobre o casa da Milena, que era no Par-
mente no pós-25 de Abril, feminismo e não falarmos que, quando fechámos a porta
ao nível da influência das no domínio da ‘achologia’. do prédio, vi a cara dos homens
feministas, associadas no Em Portugal as pessoas a esborrachar-se nos vidros. O
MLM primeiro e depois não estudam, não lêem, meu filho, que tem 35 anos, diz
noutros grupos, foi deter- não se informam, mas dão que, ainda hoje, quando passa no
minante para o quadro opiniões com base no ‘eu Parque se arrepia. Eram homens
legal de reconhecimento acho que…’.” de todos os partidos, na altura
do papel e dos direitos das Sobre o feminismo hoje usava-se emblemas dos partidos
mulheres. e a situação da mulher, nas lapelas, havia de todos.”
Igual opinião tem Maria Maria Isabel Barreno su- Uma demonstração de força
Isabel Barreno, outra fun- blinha que muito do que machista que ainda hoje impres-
dadora do MLM – apontada era necessário legislar já siona, mas que, segundo Maria
mesmo como o cérebro e a o foi, resta o aborto. “O Teresa Horta, foi olhada como
figura determinante para que falta mudar é o mais normal e não questionada pela
a sua criação –, que será complicado, que é o que comunicação social. Apenas um
homenageada esta noite. há a fazer enquanto luta repórter se demarcou da violên-
“O MLM teve impacto no colectiva. Só quando a cia exercida sobre as activistas do
facto de, na Constituição, terem aparecido consa- discriminação é uma opressão gritante se po- MLM, afirma Maria Teresa Horta:
grados os direitos das mulheres, bem como na re- “Sobre feminismo muita gente fala de intervir, como por exemplo a exploração la- “Só Adelino Gomes, na rádio fez
visão da Concordata. As feministas americanas boral. Já o problema das tarefas domésticas e uma crónica em que disse: ‘Hoje
lutavam por coisas que nós tivemos na Constitui-
e pouca gente sabe o que é. Como da dupla jornada de trabalho é uma questão de tive vergonha de ser homem.’” A
ção e que elas não, pelo menos no papel”, afirma é coisas de mulheres é tratado com mentalidade e é objectivamente difícil mudar forma como a manifestação foi
Maria Isabel Barreno ao PÚBLICO, salientando, discriminação. Não é visto como algo hábitos antigos, os jovens são educados den- acompanhada pela comunicação
porém, que em relação à revisão da Concordata, que tem que ser conhecido. Dizem- tro de uma divisão de tarefas e, depois, é óbvio social, antes e depois de dia 13
embora Salgado Zenha, então ministro da Justi- que é melhor a pessoa chegar a casa e ficar de de Janeiro de 1975, leva Maria
ça, que liderou as negociações com o Vaticano, se coisas tontas. É como a questão papo para o ar a ir fazer o jantar. Por outro Teresa Horta a reflectir sobre a
tenha ouvido sempre o MLM sobre o assunto, a do marxismo. Há que ler os textos lado, há a mentalidade social de que a mulher noção da responsabilidade que
consagração do divórcio se deveu ao facto de ser feministas e sobre o feminismo e não é mãe e as mulheres não discutem isso, as deve existir no jornalismo: “O
uma exigência social da classe média: “Havia mulheres apenas discutem e querem mudar que leva a Helena Vaz da Silva
muitas separações de pessoas da classe média, falarmos no domínio da ‘achologia’. horários, ou seja, à partida aceitam que têm a escrever aquilo na primeira
com dramas de filhos de outras uniões e com Em Portugal as pessoas não estudam, uma sobrecarga, nem sequer discutem este página do Expresso? Ela, depois,
a consequente confusão legal de filhos de mães não lêem, não se informam, mas dão princípio. Um homem que pede uma licença pediu-me desculpa e disse-me
incógnita, havia um grande mal-estar social.” de maternidade não é bem visto, são séculos que a notícia era dela e que fez
Sublinha Maria Isabel Barreno, muitas das cau-
opiniões com base no ‘eu acho que…’” de determinados costumes. Historicamente, a aquele título por achar graça,
sas foram levantadas pelo MLM e foi do MLM que ISABEL BARRENO mulher sempre trabalhou e sempre acumulou mas nunca pensou que pudesse
saíram muitas outras organizações de mulheres tarefas. A tradição é isso”, salienta. ■ resultar no que resultou.”

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