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Capitulo 1 A experiéncia filoséfica, 14 Capitulo 2 A consciéncia mitica, 25 Capitulo 3 Onascimento da filosofia, 36 Ose Cea pact aera ee ree Coa CeS Loa tui he Gen eae ry EOCGUM Cena sc eee eeCrTT Ay Eee eee Ee BUSTLE ina zeae ste cot STN Ts ea PT aS BitComet PAU COL SLE iC CR CE eee Reet de um rosto femiinino. Og OSs oc cence eee CSS Eaten arent satis Cys ‘Vamos fazer um paralelo entre o trabalho do artista e 0 COST Cac Ren cmco eeieet Pease City filésofos franceses, Gilles Deleuze e Félix Guattari, cujo POCO LUE Co UAE UL Gea citute mete ordenar nosso pensamento para nos proteger do caos, COOLS ati Con Onc cae Rares soe COR UCRcae ToeC eee eo erty ees O ULC Comics MCh ene RCs aed Cees AU Cults UE moe eee ett Pe Deleuze e Guattari afirmam: een e egy ren ter abriga, por baixo do qual tracam um firmamento e escrevem suas convengdes, stias opinides; mas o poeta, o artista abre uma fenda no guarda-sol, rasga até 0 firmamento, para fazer passar um pouco do caos livre e tempestuoso e enquadrar, numa luz brusca, uma ee crete een eae DUC eae ucts ee een ey (Sees c ese vagamente com a visao,[.,] Sera preciso sempre outros artistas para fazer outras fendas, operar as necessarias destruicées, talvez cada Rae Re Rotacaster incomunicavel ‘novidacle que nao mais se podia ver. 9.9 a Soa ea aed ‘Mulher choranda, Pablo Picasso 1937, Galatea ee ee Pree Die Bue oe nee que o texto nos diz? Diz que esses artistas romperam com as convencoes da arte académica, que buscava a reprodugao fiel da realidade: “abriram uma fenda no guarda-sol", o que introduz 0 “caos" no nosso olhar cotidiano, acostumado a um certo modo de ver. O artista subverte nossa acomodada sensibilidade e nos convida a apreciar onovo. Até quando? Até o momento de abrir novamente outras fendas e reintroduzir 0 caos... Agora, reescteva com suas palavras © que os filésofos Deleuze e Guattari afirmam sobre a fungio do artista e do filésofo de abrirem “fendas no guarda-sol das opiniGes prontas Em que sentido eles “instauram o caos"? Que tipo de caos? A experiéncia filosofica ‘Aqueda. Denis Darzacq, 2006. O que vocé vé? Um homem caindo? Nem sempre o real 6 o que nos parece ser... Othe de novo: uma certa estranheza no “modo de cair" pée em diivida nossa constatagio inicial. Intrigados, nos perguntamos sobre © significado desse movimento: 0 que é isso? O que vejo de fato? Essa fotografia faz parte de uma sequéncia de imagens de dangarinos- -malabaristas de rma de Paris. Nela o fotdgrafo conseguiu flagrar o momento exato em que um dangarino esta no meio de uma pirueta. Essas fotos constituem a série Queda, que lhe rendeu o prémio da World Photo 2007, Darzacg imprimiu as imagens de aparente queda livre sua percepeio das mobilizagdes de jovens, a maioria estudantes, que em 2006 agitaram a Franga em protesto contra as dificuldades de emprego para as novas geragdes do pais. Aproveitando a sensagao de espanto que essa foto nos provoca, Podemos fazer uma analogia com a filosofia. E ela que propicia um olhar de estranheza diante de tudo que nos parece ébvio: a experiéncia filoséfice Pressupée constante disponibilidade para se surpreender e indagar. Como é o pensar do filésofo? Leia © relato do filésofo francés André Comte- -Sponville: [..] Acena se desenrola no inicio do século XX, num lugarejo da Franca rural. Um jovern professor de filosofia passeia com um amigo e encontra um camponés, que seu amigo conhece, Ihe apresenta € com 0 qual nosso filésofo troca algumas palavras. —O que o senhor faz? — indaga 0 camponés. —Sou professor de filosofia, — Isso € profissdo? —Por que nio? Acha estranho? — Um pouco! — Por qué? — Um fil6sofo € uma pessoa que nao liga para nada, Nao sabia que se aprendia isso na escola. Na continuidade do texto, Sponville assim comenta © didlogo: O que € um fil6sofo? €alguém que pratica a filosofia, em outras palavras, que se serve da razao para tentar pensar o mundo e sua prépria vida, a fim de se aproximar da sabedoria ou da felicidade. E isso se aprende na escola? Tem de ser aprendido, ja que ninguém nasce fildsofo e ja que a filosofia é, antes de mais nada, um trabalho. Tanto melhor, se ele comecar na escola. 0 importante € comegar, e nao parar mais. ‘Nunca € cedo demais nem tarde demais para filosofar, dizia Epicuro[..]. Digamos que s6 € tarde demais quando ja nao € possivel pensar de modo algum. Pode acontecer. Mais um motivo para filosofar sem mais tardar. Herdclito e Demécrto, afresco de Donato Bramante, © 1500.0 artista representa uma velha historia sobre 10 pré-socraticos Heraclito e Demécrito (Séc. VC), segundo a qual o primeiro era 0 "fildsofo que chora” eo outro 0"filésofo que ri”. Em que medida um fildsofo pode lamentar ou ironizar 0 comportamento das pessoas? O texto de Sponville termina com uma constatagao: a de que s6 nib filosofam aqueles para quem “jé ndo 6 possivel pensar de modo algum’. Nesse ponto, cabe a pergunta: afinal, s6 pensa e reflete quem filosofa? E dlaro que nao, jé que voc’ pensa quando resolve uma equagao matematica, reflete criticamente ao estudar histéria geral, pensa antes de decidir sobre o que fazer no fim de semana, pensa quando escreve um poerna. Entio, que tipo de “pensar” é esse, do filésofo? Nao émelhor nem superior a todos os outros, mas sim dife- rente, porque se propée a “pensar nossos pensamen- tos e agdes”. Dessa atitude resulta o que chamamos experiéncia filoséfica, Ao criar ou explicitar conceitos, 08 filésofos delimitam os problemas que os intrigam e buscam o sentido desses pensamentos e acées, para nio aceitarem certezas e solugdes ficeis demais. Se olharmos com atengao esta tira do cartunista argentino Quino, constatamos que Mafalda faz, uma interrogacdo filoséfica sobre o sentido daexisténcia, mas, seu amigo Felipe quer se livrar o maisrapidamente dessa questo, ou seja, recusa-se a essa forma de pensar. NUNCA. MAS ESTOU AE PERGUNTANDO AGORA. "PARA QUE A GENTE ESTA NESTE MUNDO? E TAMBEM VOU RESPON- DER AGORA MESKO: QUANTO MAIS DEPRESSA A GENTE UVRAR DESSE "eu sei LA para que /| || Hp se TIPO De PROBLEMA, MELHOR: Tirinha da Mafalda, personagem criada pelo argentino Quin. Mafalda 3, 1968, Em: LAVADO, Joaquim Salvador (Quino), Toda Mafalda: da primeira a ultima tira. S30 Paulo: Martins Fontes, 1991. p.79. ‘COMTE SPONVILLE, André. Diciondriofilséfco, Sao Paulo: Martins Fontes, 2008 p, 251-252. Acxperiéncia filoséfica Capitulo 1 MISES E MILHOES 0E_PESSCAS. VIVEM MUNDO ? QUE A GENTE ESTA NO — (was Se SER EU INAL DE CONTAS, RAY R PRESSA) AFINAL PAI ie KGORA Lae IeN com Tirinha da Mafalda, personagem criada pelo argentino Quino. Mafalda 3,1968, Em: LAVADO, Joaquim Salvador (Quino). Toda Mafalda: da primeira a tltima tira, 80 Paule: Martins Fontes, 1991. p.79, Os que acompanham o trabalho de Quino sabem que Manolito tem uma mentalidade pragmatica. Por isso, nesta outra tira, promete dar uma resposta no dia seguinte, sem perceber que essa pergunta fundamen- tal ndo depende de procurar uma informagéo qual- quer. Trata-se de um problema filoséfico permanen- temente aberto a discussio e para 0 qual nao existe resposta undnime, DA filosofia de vida ‘Talvez vocé tenha percebido que existe outra ideia permeando a explicagao dada por Sponville no infcio do capitulo: a de que é possivel a qualquer pessoa pro- Por questdes filoséficas. De fato, na medida em que somios seres racionais e sensiveis, sempre damos sen- tido as coisas. A esse “filosofar” espontaneo de todos nés, chamamos de filosofia de vida. A propésito desse assunto, 0 fil6sofo italiano Antonio Gramsci diz: ‘nao se pode pensar em nenhum homem que nao seja também filésofo, que nao pense, precisamente porque © pensar é proprio do homem como tal. 2 Entdo as questdes filoséficas fazem parte do nosso cotidiano? Fazem sim. Quando alguém decide votar em um candidato por ser de determinado par- tido politico; quando troca o emprego por outro néo to bem remunerado, mas que é mais de seu agrado; quando alterna a jornada de trabalho com a pratica de esporte ou com a decisio de ficar em casa assis- tindo a tevé; quando investe na educagao dos filhos, e assim por diante. f preciso reconhecer que exis- tem critérios bem diferentes fundamentando tais decisdes, pois hé valores que entram em jogo nes- sas escolhas, e a indagagao sobre os valores é uma tarefa filoséfica. Unidade 1 Descobrindo a filosofia Quantas vezes vocé jé se perguntou sobre o que é © amor, a amizade, a fidelidade, a solidao, a morte? Certamente, néo sé pensou sobre esses assuntos, como eventualmente discutiu a respeito com seus amigos, observando que as vezes os pontos de vista ndo coincidem, Essas divergéncias também ocomem. entre 0s fildsofos. Com isso, nao identificamos a filosofia de vida com a reflexdo do filésofo propriamente dita, mas nota- mos que as indagagSes filoséficas permeiam a vida de todos nés. Os filésofos especialistas conhecem a histéria da filosofia e levantam problemas que ten- tam equacionar néo pelo simples bom-senso, mas por meio de conceitos e argumentos rigorosos. Por conta dessa afinidade que todos temos com o filosofar, parece claro que seria proveitoso sabermos um pouco sobre como os fildsofos se posicionaram a respeito de determinados temas. Desse modo, vocé poderé enriquecer sua reflexio pessoal por meio de uma argumentagéo mais rigorosa, 0 que nao significa sempre concordar com eles. Muito pelo contrario, a dis- ccusséi filos6fica esta sempre aberta & controvérsia. © Para que serve a filosofia? Retomando o texto de abertura do capftulo: seré quea opiniao do camponés destoa do que muita gente pensaa Tespeito do filésofo, quando diz. ser ele “uma pessoa que nio liga para nada"? Essa ideia nao estarialigada a outra: ade achar que a filosofia nao serve para nada? Afinal, qual é a “utilidade" da filosofia? ‘Vivemos num mundo que valoriza as aplicagées imediatas do conhecimento. 0 senso comum aplaude a pesquisa cientifica que visa & cura do cancer ou da aids; a matemética no ensino médio seria importante io contexto, aquilo que diz respeito utilidade, Antonio. Obras escolhidas: Sao Paulo: Martins Fontes, 1978. p. 45 “cair” no vestibular; a formagio técnica do advo- . do engenheiro, do fisioterapeuta prepara para 0 icio dessas profissdes. Diante disso, nao é raro que 6m indague: “Para que estudar flosofia se no vou isar dela na minha vida profissional?” De acordo com essa linha de pensamento, a filo- seria realmente “inttil’, j4 que nao serve para yuma alteragio imediata de ordem pratica. No to, a filosofia é necessdria. Por meio daquele ar diferente’, ela busca outra dimensio da reali- ie além das necessidades imediatas nas quais 0 ividuo encontra-se mergulhado: ao tornar-se capaz, superar a situago dada e repensar o pensamento e ages que ele desencadeia, o individuo abre-se para mudanga. Tal como o artista, a que nos referimos na fa do capitulo, ao fildsofo incomoda o imobi- 10 das coisas feitas e muitas vezes ultrapassadas. Por isso mesmo, a filosofia pode ser “perigosa’, por ‘exemplo, quando desestabiliza o status quo ao se con- frontar com o poder. f o que afirma o historiador da Glosofia Frangois Chatelet: Desde que ha Estaclo — da cidade grega as burocracias contempordneas—, a ideia de verdade sempre se voltou, finalmente, para o lado dos poderes[..]. Por conseguinte, a contribuigdo especitica da filosofia que se coloca a servico da liberdade, de todas as liberdades, €a de minar, pelas anadlises que ela opera e pelas ages que desencadeia, as instituigdes repressivas € simplificadoras: quer se trate da ciéncia, do ensino, da traducdo, da pesquisa, da medicina, da familia, da policia, do fato carcerario, dos sistemas burocraticos, © que importa € fazer aparecer a mascara, deslocé-la, arrancé-la.? Ease Sempre ha os que ignoram os filésofos. Mas ni3o € 0 caso dos ditadores: estes os fazer calar, pela censura, porque bem sabem quanto eles ameacam seu poder, E bem verdade, alguns dirao, sempre houve e ainda haveré pensadores que bajulam os poderosos e que emprestam suas vozes e argumentos para defender tiranos. Nesse caso, porém, estamos diante das fra- quezas do ser humano, seja por estar sujeito a enga- nos, sea por sucumbir ao temor ou ao desejo de pres- tigio e gloria. @ informacdo, conhecimento e sabedoria Para melhor entender o campo da experiéncia filo- s6fica, 0 filésofo espanhol Fernando Savater faz. uma distingdo entre informagio, conhecimento e sabedoria. Aproveitamos os trés t6picos para comenté-los livre mente a seguir. ® Informagao Ao lermos um jornal, uma determinada noticia pode nos chamar a atengo, como a que simulamos a seguir, a partir de dados recolhidos na midia. A gravidez na adolescéncia quase sempre € uma gravidez nao planejada e, por isso, indesejada, Desde 1970, a incidéncia de casos tem aumentado significativamente, ao mesmo tempo que tem diminuido a média de idade das adolescentes gravidas. Na maioria das vezes, a gravidez na adolescéncia ocorre entre a primeira ea quinta relacdo sexual, e a jovem gravida procura o servico de satide para fazer o pré-natal apenas entre 0 terceiro e o quarto més de gravidez ® Conhecimento Para explicar essa noticia, podemos langar mao de uma série de conhecimentos. Por exemplo: + aciéncia da histdria descreve as transformacies do comportamento sexual desde a década de 1960 e analisa suas causas, mostrando o afrou- xamento das regras que proibiam a atividade sexual antes do casamento, principalmente para, as mulheres; + a sociologia investiga a repercussao desses compor- tamentos nos novos modelos de familia (aumento do nimero de divércios; liberago da mulher; ampliagio do espago da mulher no mercado de trabalho; as familias monoparentais, em que as criangas vivem apenas com um genitor, na maior parte das vezes, a mae; as unides de pessoas do mesmo sexo); + a biologia descreve como se dé a concepgio — e descobre processos de contracepefio —, conheci- mentos que podem explicar os riscos da gravidez precoce para a satide das mais jovens; Status quo. Expressao l das coisas, situacdo vigente, que significa estado atual + CHATELET, Frangois Hstvia da flosoi: ides, outrinas. x. VIL Rio de Janeiro: Zahar, 5d. p30. Aexperigncia filoséfica Capitulo 1 ce +4 antropologia (cientifica) compara esse tipo de compoi e suas consequéncias em diver- as cult ent sicologia investiga os conilitos de uma gravi- z indesejada, o dificil confronto com a familia, a reacdo emocional do jovem futuro pai, a brusca, ruptura dos projetos de vida diante de novos e nnesperados encargos ete. Intimeras outras ciéncias ocupam-se desse assunto, sem nos esquecermos de que mesmo as pes- soas ndo especializadas analisam esse fato pelo senso comurn, baseando-se nos seus conhecimentos, valores e crengas. Protect me from what | want. Intervencao de Jenny Holzer. Londres, 1988. Jenny Holzer é uma artista conceitual que ao final da década de 1970 e durante a década de | 1980 faziaintervengées nos espagos piblicos | de diversas cidades. Suas frases instigantes, propiciavam a reflexéo filoséfica: o que significa Protect me from what I want ("Protejame do que eu desejo")? Quero que alguém me proteja? Ou sou eu mesmo que devo fazé-1o? E por que | (ou quando) haveria eu de me proteger do meu desejo? Qual é a relagio entre desejo e razdo? ® Sabedoria O conceito de sabedoria recebeu varios significados aolongo da histéria humana, Vamos escolher aquele que diz respeito as decisées refletidas que visam buscar um caminho para o bem-viver, Nesse sentido, por sabedoria entendemos um conceito amplo, que tanto inclui a ati- tude do filésofo como também de qualquer pessoa. Diante do tema que propusemos discutir — a gravi- dez precoce —, as questées que se colocam so iniime- ras: 0 que significa para esses jovens se descobrirem futu- ros pais? Qual é 0 sentido desse acontecimento para suas vidas? Que atitude tomar diante do fato consumado: levar a gravidez até o final ou abortar? Diwvida dramé- tica, que exige reflexo ética e envolve questées como liberdade dos jovens versus direito & vida da crianca. A propésito do tema da liberdade e da escolha auténoma, transcrevemos trechos de dois filésofos franceses, que podem servir como ponto de partida para uma reflexdo sobre a gravidez precoce e nao planejada. A filésofa francesa Simone de Beauvoir diz: Nenhuma questéo moral se coloca para a crianca, enquanto ela ¢ incapaz de se reconhecer no passado, dese prever no futuro; é somente quando os momentos de sua vida comecam a organizar-se em conduta que ela pode decidir e escolher. Concretamente, € através da paciéncia, da coragem, da fidelidade que se confirma 0 valor do fim escolhido e que, reciprocamente, manifesta-se a autenticidade da escolha. Se deixo para {rds um ato que pratiquei, ao cair no passado ele se torna coisa; nao € mais do que um fato estdpido e opaco, Para impedir essa metamorfose, é preciso que, sem cessar, eu 0 retome e ojustifique na unidade do projeto em que estou engajado.[..] Assim, ndo poderia eu hoje desejar autenticamente um fim sem queré-lo através de ‘minha exist€ncia inteira, como futuro deste momento presente, como passado superado dos dias vir: querer € comprometer-me a perseverar na minha vontades Leia agora este trecho de outro fildsofo francés, Georges Gusdorf: A liberdade é uma das maiores reivindicaces da adolescéncia, mas a liberdade que ela reivindica é uma sombra da liberdade auténtica, tanto quanto a espontaneidade criadora que se imagina descobrir na crianca nao passa de uma sombra e o simulacro de * BEAUVOIR, Simone de. Moral da ambiguidade. Rio de Janeiro: Paz e Tetra, 1970. p. 20 Unidade 1 Descobrindo a filosofia ee um verdadeiro poder criador. A liberdade adolescente 6 uma adolescéncia da liberdade, uma liberdade de aspiragao, uma aspiracao a liberdade, sem contetido preciso, na onda das paixdes e a confuso dos sentimentos e das ideias. [..] A juventude nao & a idade da liberdade, mas o tempo de aprendizado da liberdade, a liberdade nao sendo definivel pela ausencia e restrigao, ou a revolta contra as restrigBes. © homem livre € aquele que, tendo feito a prova dos diversos aspectos, dos componentes da personalidad, chegou a pdr em ordem a consciéncia que tem de si mesmo, no projeto de sua afirmacao no mundo. & absurdo imaginar que a crianga, 0 rapaz, possa um belo dia entrar no gozo de sua liberdade, vinda a ele como uma dadiva do céu. A liberdade de um ser humano se faz dificilmente, ela se conquista dia a dia, ela € 0 desafio de uma conquista, ausente nos comegos da vida, desenha-se no decorrer dos anos de formagdo que correspondem a um percurso através do labirinto mitico das significacdes e possibilidades da existéncia, Procura do sentido, procura do centro, tomada de consciéncia da autenticidade pessoal, nao sem angtstia nem sofrimento’ GJrara terre A partir dos dois trechos transcritos, de Beauvoir © Gusdorf, levante as caracteristicas pelas quais eles expdem o que entendem por escotha livre. Em seguida, estabeleca uma relacio com a noticia de jor- nal sobre a gravidez de adolescentes, £3 E possivel definir filosofia? Talver. voce esteja se perguntando: Como entao definir 0 que ¢ filosofia? 0 filésofo alemio Edmund Husserl diz que ele sabe o que ¢ filosofia, ao mesmo tempo que nao sabe. Isto 6, a explicitacdo do que € a filosofia ja ¢ uma questio filoséfica. E adverte que apenas os pensadores pouco exigentes se contentam com definigdes cabais. (EFmnoroaa losofia. A palavra filosofia (philos-sophia) significa “amor sabedoria” ou “amizade pelo saber’. Pitagoras (68.1 aC}, fl6sofo e matemstico grego, teria sido 0 primeito a usar o termo filésofo, por nao se considerar um *sabio" (sophos), mas apenas alguém que ama e procura.a sabedoria, Além disso, a filosofia no est4 & margem do mundo, nem constitui uma doutrina, um saber aca- bado ou um conjunto de conhecimentos estabeleci- dos de uma vez por todas. Ao contrario, a filosofia pressupée constante disponibilidade para a inda- gacdo, Por isso, Platio e Aristételes disseram que a primeira virtude do filésofo é admirar-se, ser capaz. de se surpreender com 0 ébvio e questionar as ver- dades dadas. Essa é a condigao para problematizar, o que caracteriza a filosofia nao como posse da ver- dade e sim como sua busca. ® O processo do filosofar Kant, fildsofo alemao, assim se refere ao filosofar: Nao € possivel aprender qualquer filosofia; [36 € possivel aprender a filosofar, ou seja, exercitar o talento da razdo, fazendo-a seguir os seus principios universais em certas tentativas filosoficas ja existentes, mas sempre reservando a razio 0 direito de investigar aqueles principios até mesmo em suas fontes, confirmando-os ou rejeitando-os Em que essa citacdo de Kant pode orientar seu contato com a filosofia? Ela serve para advertir que, mesmo estudando o pensamento dos grandes filéso- fos—eéimportantequeseconhegaoquepensaram—, voc’ mesmo deve aprender a filosofar, exercer 0 direito de refletir por si préprio, de confirmar ou rejeitar as ideias e os conceitos com os quais se depara. Em outras palavras, a filosofia é sobretudo a experiéncia de um pensar permanente. Mais que um saber, a filosofia é uma atitude diante da vida, tanto no dia a dia como nas situa- cOes-limite, que exigem decisées cruciais. Por isso, no seu encontro com a tradigio filoséfica, 6 preferivel nao recebé-la passivamente como um ‘produto, como algo acabado, mas compreendé-la como proceso, reflexdo critica e auténoma a res- peito da realidade. ‘Simulacro. Representacio, imitacéo. Situaco-limite. Expressao que se refere a situacdes ‘extremas de adversidade, como a ameaca de morte, uma doenca, a perda de um ente querido, experiéncias que ‘medificam nosso olhar sobre nosso cotidiano. + GUSDORE, Georges. Impasse eprogressos da lberdade,Sio Paulo: Convivio, 1979. p. 107-108. «KANT, Immanuel. Critica da rasdo pura. Sao Paul: Abril Clturl, 1980p. 407. A oxperiéncia filoséfica Capitulo 1 » Areflexao filosofica JA dissemos que a reflexdo néio é privilégio do filé- sofo. © que, portanto, distingue a reflexio filoséfica das demais? 0 filésofo brasileiro Dermeval Saviani, no livro Educagiio brasileira: estrutura e sistema, na tentativa de se aproximar de uma defini¢ao possivel, concei- tua a filosofia como uma reflex radical, rigorosa ¢ de conjunto sobre os problemas que a realidade apre- senta. Explicaremos esses trés t6picos, @fimoroaa Reflexao. Reflectere, em latim, significa "fazer retroce- der’, ‘voltar atrés’ Portanto, refletir € retomar o pré- rio pensamento, pensar o ja pensado, voltar para si ‘mesmo e questionar 0 j@ conhecido. Radical. Er latim, radix, radcis significa "raiz’, mas também "fundamento’, “base” a) Radical A filosofia é radical, néo no sentido corriqueiro de ser inflexivel — nesse caso seria a antifilosofial —, ‘mas porque busca explicitar os conceitos fundamen- tais usados em todos os campos do pensar e do agi Por exemplo, a filosofia das ciéncias examina os pres- supostos do saber cientifico: 6 ela que reflete sobre o que a comunidade cientifica define como ciéncia, como a ciéncia se distingue da filosofia e de outros tipos de saber, quais so as caracterfsticas dos diver- sos métodos cientificos, qual a dimensio de verdade das teorias cientificas e assim por diante. O mesmo se 44 com a psicologia, ao abordar 0 conceito de liber- dade: indagar se o ser humano é livre ou determinado j4¢ fazer filosofia, b) Rigorosa Os fildsofos desenvolvem um pensamento rigo- oso, justificado por argumentos, coerente em suas diversas partes. 0 uso de linguagem rigorosa evita as ambiguidades das expresses cotidianas, o que permite a interlocugao com outros filésofos a partir de conceitos claramente definidos. Por isso criam expressdes novas ou alteram o sentido de palavras usuais. Por exemplo, enquanto 0 termo ideia no gtego arcaico (eidos: forma’) significava a intuigao sensfvel de uma coisa (aquilo que se vé ou 6 visto), Platao criou 0 conceito de ideia para referir-se & concepgio racional do conhecimento, a forma ima- terial de uma coisa. Por exemplo, as pessoas ¢ as coisas belas so percebidas pelos meus sentidos, mas a beleza é uma ideia pela qual compreendo a esséncia — ou seja, aquilo que faz com que uma Unidade 1 Descobrindo a filosofia coisa seja bela. Nesse sentido, para ele as ideias s mais “reais” que as prdprias coisas. No entanto, 0 conceito de ideia seria rein ventado ao longo da histéria da filosofia, assu- mindo conotagdes diferentes em Descartes Kant, Hegel e assim por diante. E pelo Tigo’ dos conceitos que se inovam os caminhos da reflexdo. E isso néo significa que um filésofo “suplanta” outro, porque qualquer um deles pode — e deve — ser revisitado sempre. GJraratoem Vocé jé ouviu falar em ética aplicada? & um ramo da filosofia contemporanea que trata de questées prati- as que, por sua vez, exigem justificacao racional. So ramos da ética aplicada: a bioética, a ética ambien- tale a ética dos negdcios, que refletem, por exemplo, sobre a manipulacao do genoma humano,o desastre ecoldgico e a responsabilidade social das empresas, respectivamente. Fotocomposicio mostrando maos que envolver o pianeta Terra, 2000, A partir dessa figura, faca uma reflexio sobre a ética ambiental: quais sio as. tesponsabilidades humanas (para o bem e para o mal) pelo destino do planeta? Proponha um titulo para a imagem escreva um breve texto sobre 0 assunto, ¢) De conjunto A filosofia é um tipo de reflex4o totalizante, de conjunto, porque examina os problemas relacio- nando os diversos aspectos entre si. Mais ainda, o objeto da filosofia é tudo, porque nada escapa a seu interesse. Por exemplo, o fildsofo se debruga sobre assuntos tao diferentes como a moral, a politica, a ciéncia, 0 mito, a religiéo, 0 cémico, a arte, a téc- nica, a educagdo e tantos outros. Daf o carater trans- disciplinar da filosofia, ao estabelecer 0 elo entre as diversas expresses do saber e do agir. Desse modo, avango da biologia genética desperta a discussio filos6fica da bioética; a produgio artistica provoca a reflexio estética e assim por diante. (Joana saben mais AAs areas de investigacao filosofica Os campos classicos da investigacio filosofica so: Logica, Metafisica, Teoria do Conhecimento, Epistemologia, Filosofia Politica, Etica, Estética, Para saber de sua abrangencia, consulte os verbetes no Vocabulario, no final do liv. Existem também indmeras aplicacdes da filosofia a reas especificas do conhecimento.Veja alguns exem- pos: ilosofa da educacio,filosofiada inguagem, flo- sofia do diteito,flosofia da religiao, filosofia de cada uma das ciéncias[filosofia da matemstica, da histéria, da biologia etc) e assim por diante. Um filésofo Lembremosa figura de Sécrates. Dizem que era um homem feio, mas que, quando falava, exercia estra- ‘sho fascinio, Procurado pelos jovens, passava horas discutindo na praga publica. Interpelava os transeun- tes, dizendo-se ignorante, e fazia perguntas aos que Julgavam entender determinado assunto: “O que é ‘coragem e a covardia?”, “O que é a beleza?”, “O que é a justica?”, “O que é a virtude?”. Desse modo, Sécrates ‘no fazia prelegdes, mas dialogava. Ao final, o inter- Tocutor conclufa nao haver safda sendo reconhecer a ‘prépria ignordncia. A discussdo tomava entdo outro rumo, na tentativa de explicitar melhor 0 conceito. ‘Vejamos entiio esses dois momentos, que Sdcrates denominou ironia e maiéutica, ETIMOLOGIA Ironia. Do grego elronei,“acao de perguntar fingindo ignorar” Maléutica. Do grego maieutiké, “arte de fazer um parto”. No sentido comum, usamos a ironia para dizer algo e expressar exatamente o contratio. Por exemplo: afir- mamos que alguma coisa ¢ bonita, mas na verdade insinuamos que é muito feia. Diferentemente, para Sécrates, a ironia consiste em perguntar, simulando no saber. Desse modo, o interlocutor expe sua opi- nido, & qual Sécrates contrapée argumentos que o fazem pereeber a ilusio do conhecimento. ‘A maiéutica centra-se na investigagio dos concei- tos, Para tanto, Sécrates faz novas perguntas para que seu interlocutor possa refletir. Portanto nao ensina, mas 0 interlocutor descobre 0 que j sabia, Sécrates dizia que, enquanto sua mée fazia parto de corpos, ele ajudava a trazer & luz. ideias. O interessante nesse método é que nem sempre as discusses levam de fato a uma conclusio efetiva, mas ainda assim trazem o beneficio de cada um abando- nara sua doxa, termo grego que designa a opinio, um conhecimento impreciso e sem fundamento, A partir daf, é possivel abandonar o que se sabia sem critica e atingir 0 conhecimento verdadeiro QUEM £7 Séerates (c. 470-309 aC). Nasceu viveu em Atenas, Grécia, Filho de um escultor e de uma parteira, Sécrates conhecia a doutrina dos fildsofos que o antecederam e de seus contemporaneos.Discutia em praca publica sem nada cobrar. Nao deixou livros, porisso conhecemos _Bustode suas idelas por meio de seus disci: Sdcrates, pulos, sobretudo Platao e Xenofonte. elt ‘Acusado de corromperamocidadee 8t€80 do e século IV ac. negaros deuses ofciais da cidade, fol condenado 8 morte. Esses aconteci- mentosfinais saorelatados no didlogodePlatio.Defesa de Sécrates. £m outra obra, Fédon, Socrates discutecom, 0s discipulos sobre aimortalidade da alma,enquanto aguarda omomentode bebera cicuta, Na maioria dos didlogos platénicos, Sécrates é 0 protagonista. ®» “S6 sei que nada sei” Em certa passagem de a Defesa de Sderates, na gual se refere as caliinias de que foi vitima, o pré- prio filésofo lembra quando esteve em Delfos, local em que as pessoas consultavam o ord: culo no templo de Apolo para saber sobre assun- tos religiosos, politicos ou ainda sobre o futuro, Ordculo, Resposta da divindade as perguntasfeitas pelos devotos. Aexperiéncia filoséfica Capitulo 1 fa L4, quando 0 seu amigo Querofonte consultou Pitia indagando se havia alguém mais sdbio do que seu mestre Sécrates, ouviu uma resposta negativa. Surpreendido com a resposta do ordculo, Sécrates resolveu investigar por si proprio quem se dizia sébio. Sua fala é assim relatada por Plato: Fui ter com um dos que passam por sabios, porquanto, se havia lugar, era ali que, para rebater o ordculo, mostraria ao deus: “Eis aqui um mais sabio que eu, quanto tu disseste que eu o eral”. Submeti a exame essa pessoa — €escusado dizer o seu nome: era um dos politicos. Eis, Atenienses, a impressao que me ficou do exame € dda conversa que tive com ele; achei que ele passava por sibio aos olhos de muita gente, principalmente aos seus préprios, mas ndo 0 era. Meti-me, entio, a explicar-lhe que supuna ser sabio, mas ndo o era. A consequéncia foi tomnar-me odiado dele e de muitos dos circunstantes. Ao retirar-me, ia concluindo de mim para comigo: “Mais bio do que esse homem eu sou: é bem provavel que nenhum de nés saiba nada de bom, mas ele supde saber alguma coisa e ndo sabe, enquanto eu, se ndo sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um nadinha ‘mais sabio que ele exatamente em nao supor que saiba 0 que nao sei”. Dai fui ter com outro, um dos que passam por ainda mais sabiose tive a mesmissima impressdo, também ali me tornei adiado dele e de muitos outros.” Ao ler essa passagem, podemos entender como a maxima socratica “s6 sei que nada sei” surgiu como onto de partida para o filosofar. Podemos entio fazer algumas observacées: + Sécrates nao esté voltado para si mesmo como um pensador alheio ao mundo, e sim na praga piblica. + Seu conhecimento no deriva de um saber aca- bado, porque é vivo e em processo de se fazer, tendo por conteido a experiéncia cotidiana. + Guia-se pelo principio de que nada sabe e, dessa perplexidade primeira, inicia a interrogacdo e 0 guestionamento de tudo que parece Sbvio. + Aocriticar o saber dogmatico, nao quer com isso dizer que ele préprio seja detentor de um saber, Desperta as consciéncias adormecidas, mas no se considera um “farol” que ilumina: 0 caminho novo deve ser construfdo pela discussao, que 6 intersubjetiva, e pela busca das solugdes, + Sécrates é “subversivo” porque “desnorteia’, per- turba a “ordem” do conhecer e do fazer, e por isso incomoda tanto os poderosos. Unidade 1 Descobrindo a filosofia Em um cantaro atica (séc, Va.C), a Pitia é consultada por um rel Muitas cidades gregas tinham ordculos, nos quais sacerdotisas chamadas de Pitias ou Pitonisas atendiam pessoas que vinham de longe para consulté-las sobre problemas pessoais, de negécios ou de politica. Em Delfos, um dos mais importantes oriculos, a Pitia, em transe, ouvia o deus Apolo. Suas respostas eram interpretadas por sacerdotes com palavras sébias, mas as vezes ambiguas. Para nao concluir. Comecamos este capitulo com o diglogo em que um camponés pensa que “um filésofo é uma pessoa que nao liga para nada’. E terminamos com Sécrates, gue, interrogando as pessoas que transitavam pela praca publica, as fazia pensar, o que despertou a ira dos poderosos. Entretanto, teria o filésofo resposta para tudo? E ldgico que nao. Vimos que Sécrates faz muitas per- guntas, questiona, busca interlocutores a fim de com- partilhare discutir suas indagagSes. Mas nem sempre esses didlogos chegavam a uma resposta definitiva. Por isso costumamos dizer que a filosofia éa procura, mas no a posse, da verdade. Pitia. Também chamada Pitonisa. Sacerdotisa que, em transe, proferia a resposta do deus Apolo as perguntas formuladas, Dogmatico, No contexto, saber baseado em crenca no Justificada, sem questionamentos. Intersubjetivo, Entre sujeitos, entre diferentes pessoas, PLATAO. Defesa de Sécrates. v. I S40 Paulo: Abril Cultural, 1972. p. 15. (Colegio Os Pensadores), itura complementar ba do “pega e lincha” srtigo,opsicanalista Contardo Calligaris reere-se ao assassinato de uma menina, la, cujos principais suspeitos eram o prépriopaie a madrasta. Ao mesmo ternpo, ta sobrea tarba — amultidao desordenada —constituida por pessoas que vem @.gritam, xingam, ameacam, cercam a residéncia dos supostos crimtinosos, dos crianga e as delegacias. E0 autor indaga: “Por que estavam ali? A qual neces- a obedeciam sua presenca ea truculéncia de suas vozes?”, elo que sinto e pelo que ouco ao redor de mim, individuos da turba] esto errados. 0 espetéculo oduzido pela morte de Isabella. Resta que eles ‘nossa cumplicidade, contam com ela. Gritam seu a frente para que, todos juntos, constituamos de sujeito coletivo que eles representariam: ‘nds, © matamos Isabella; ‘nds’, que somos diferentes sino; ‘nds’, que, portanto, vamos inchar os ‘cul- Em parte, a irritaco que sinto ao contemplar a pega elincha’ tema ver com isto: elesse agitam Jevar na danca com eles, ¢ eu ndo quero ir. servem sempre para a mesma coisa. Os ame- pequena classe média que, no Sul dos Estados ‘no século XIX e no comeco do século XX, salam ar negros procuravam s6 uma certeza: a de smo vale para os alemaes que safram para ‘85 comércios dos judeus na Noite de Cristal, ou #4505 0u poloneses que faziam isso pela Europa =) afora, cada vez que desse: queriam sobretudo ‘sua diferenca. Regra sem excegdes conhecidas: a sexasperada de afirmarsua diferenca é propria de as questées. derando o que foi visto no t6pico “Informagao, conhecimento e sabedoria", ‘quem se sente ameacado pela similaridade do outro. No ‘aso, 0s membros da turba gritam sua indignacao porque precisam muito proclamar que aquilo nao é com eles. Querem linchar porque é o melhor jeito de esquecer que ontem sacudiram seu bebe para que parasse de chorar, até que ele ficou branco. Ou que, na outra noite, voltaram bébados para casa e nao se lembram em quem bateram e quanto. Nos primeiros cinco dias depois do assassinato de Isabella, um adolescente morreu pela quebra de um tobo- 4gua, uma crianga de 4 anos foi esmagada por um poste derrubado por um dnibus, uma menina pulou do quarto andar apavorada pelo pai bébado, um menino de 9 anos foi queimado com um ferro de marcar boi. Sem contar as criancas que morreram de dengue. (..] ‘Aturba do ‘pega elincha’ representa, sim, alguma coisa que estd em todos nés, mas que nao é um anseio de jus- tiga. Apropria necessidade enlouquecida de-se diferenciar dos assassinos presumidos aponta essa turma como repre- sentante legitima da brutalidade com a qual, apesar de estatutos e leis, as criancas podem ser e continuam sendo vitimas dos adultos.” CCALLIGARIS, Contardo, A turba do “pega elincha”. Em: Folha de Paulo, llustrada, 24 abr. 2008, ‘Qual é a informagio focada por Calligaris nesse artigo? ‘consultério, como o autor interpreta a informagéo? | O autor nos fomece pistas para a teflexdo sobre a vida (a sabedoria) e, por- “anio, para o filosofar. Por exemplo, leva-nos a indagar ‘mesma linha, identifique outros questionamentos por ele sugeridos. sseado no conhecimento psicanalitico e na experiéncia analitica em seu que é a justiga?”. se com seu grupo para discutir um dos temas filoséficos sugeridos no 42) da questo anterior, Fagam um resumo com os principais tépicos da dis- para apresentar & classe Loitura complementar tividades ?Revendo o capitulo Gramsci afirma que “néo se pode pensar em nenhum homem que nao seja também filésofo", Ent, o que cada um de nés tem em comum com 0 filésofo? E em que dele nos distinguimos? Converse com seu colega para identificar quais tém sido suas principais “questées filoséficas”. ©B explique o que Edmund Husserl quis dizer com a aparente ambiguidade segundo a qual ele “sabe” €, a0 Mesmo tempo, “nao sabe" o que é filosofia. De acordo com o senso comum, radical signi- fica brusco, violento ou inflexivel, extremado. Explique por que nao é esse o sentido que se atribui a filosofia quando a consideramos wma reflexéo radical. A partir do que vocé estudou sobre Sécrates, responda. a) O que significa a maxima socratica "so sei que nada sei"? Ela se refere a Sdcrates ou a prépria filosofia? Como? b) Em que consiste o método socratico? Explique. ©) Os inimigos de Sécrates acusavam-no de cor- tomper a juventude. Segundo a tradigdo filos6- fica, seria outra a intengao do filésofo. Explique. Em seguida, retina-se com seus colegas para imaginar quem seriam, hoje, os inimigos de Socrates. Aplicando os conceitos Releia os itens sobre informagao, conhecimento e sabedoria. Com seus colegas, escolha outra noticia de jornal e levante possiveis questées filosétficas a respeito dela. TB Veja a tira de Femando Gonsales e Angeli e explique qual é a critica feita pelos cartunistas &s pessoas que desvalorizam a filosofia. Posicione-se a respeito. Se 0 objeto da filosofia ¢ tudo, procure identificar, com o seu grupo, temas de diferentes campos filo s6ficos interessantes afilosofia — moral, politica etc Senecessérrio, consulte o quadro "Para saber mais — As areas de investigagao filoséfica” e também o Vocabulario, no final do livro. {GB “=m Alosofia, sao os proprios conceitos através dos quais compreendemos o mundo que se tornam t6pico de investigagao. Afilosofia de uma disciplina, como a filosofia da histéria, da fisica ou do diteito, nao pro- cura resolver problemas histéricos, fisicos ou legais, ‘mas antes estudar os conceitos que estruturam 0: ‘per: samento em tais disciplinas, e tornar claros os seus fandamentos e pressupostos. Nesse sentido, a filo sofia é o que acontece quando uma pratica se toma autoconsciente.” (Simon Blackbur. Dicionério Oxford 4e filosofia. Rio de Janeito: Zahar, 1997 p. 149) A partir das informacées acima, responda. a) De quais questées se ocupa o historiador? B)E 08 filésofos da histéria, que tipo de questées 0s inguieta? ‘BD Retomeasindagagdes do final da introducdo a Unidade, em que comentamos a ousadia daqueles trés artista, ¢ explique em que medida Sécrates e 0s filésofos pos- teriores também abrem fendas no guarda-sol das opi niées prontas, instaurando 0 caos. e Caiu no vestibular (UFMG) Leia este trecho. Ja filosofia néo é a revelagao feita ao ignorante Por quem sabe tudo, mas o diélogo entre iguais que se fazem ciimplices em sua miitua submissio 4 forga da razdo e no a razdo da forga.” (Fernando Savater. As perguntas da vida. Sao Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 2,) Com base na leitura desse trecho e em outros conhe- cimentos sobre o assunto, redija um texto deste- cando duas caracteristicas da atitude filosofica. Benedito Cujo, de Fernando Gonsales e Angeli. Em: Fotha de SPaulo, 16 out. 1985, Caderno Fovest. A consciéencia mitica Esta tela do pintor flamengo Peter Paul Rubens faz mengao a Icaro, personagem mitico. Segundo uma das versées do mito grego, Dédalo e seu filho {caro estavam presos no labirinto de Creta, como castigo por ter ajudado Teseu a encontrar o Minotauro e mata- Assim relata Pierre Grimal: “Dédalo, a quem nao faltavam recursos, fabricou para fcaro e para si mesmo umas asas que colou com cera aos seus ombros e aos do filho, Em seguida, ambos levantaram ‘yoo. Antes de partir, Dédalo recomendara a icaro que nao voasse nem muito baixo nem muito alto. {caro, porém, orgulhoso, nao deu ouvidos aos conselhos do pai e elevou-se nos ares, aproximando-se tanto do Sol que a cera derreteu e o imprudente caiu no mar que, a partir desse momento, se chamou Mar Icério"? A partir da imagem e do relato acima, e antes de ler o capitulo, explique que significado um mito teria para os povos da Antiguidade. Em seguida, elabore uma interpretagao atual para o mito de {caro. condo da mitolagia grega e romana. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, sd. p. 241. Dois relatos miticos Costumamos dizer que a filosofia é grega, por ter nascido nas colénias gregas no século VI a.C. E antes da filosofia, que tipos de pensamentos ocupavam a mente das pessoas? ‘Vamos primeiro examinar 0 mito, modo de cons- ciéncia que predomina nas sociedades tribais e que nas civilizagdes da Antiguidade ainda exerceu sig- nificativa influéncia. Ao contrério, porém, do que muitos supéem, 0 mito nao desapareceu com o tempo. Esté presente até hoje, permeando nossas esperangas e temores, como veremos. Entre os povos indigenas habitantes das ter- ras brasileiras, encontramos varias verses sobre a origem da noite. Um desses relatos é 0 dos maué, nativos dos rios Tapajés e Madeira. Segundo eles, no inicio s6 havia o dia, Cansados da luz, foram ao encontro da Cobra-Grande, a dona da noite. Ela atendeu ao pedido com a condigao de que os indf- genas lhe dessem 0 veneno com que os pequenos animais como aranhas, cobras e escorpides se pro- tegiam. Em troca, receberam um coco com a reco- mendagao de s6 abri-lo ao chegarem & maloca. Ao ouvirem rufdos estranhos saindo dele, néo resisti- ram a tentagdo e assim deixaram escapar anteci- padamente a escuridao da noite. Aténitos e perdi- dos, pisaram nos pequenos bichos, cujas picadas venenosas mataram muitos deles. Desde entao, os sobreviventes aprenderam os cuidados que deve- riam tomar quando a noite viesse. | | | ounLoRALaNAcerYO D0 NLSEUDE ATE CoMEROAINEA DAL dizer hoje? Unidade 1 Descobrindo a filosofia De modo semelhante aos maué, os gregos dos tem pos homéricos narram 0 mito de Pandora, a primeir= mulher. Em uma das muitas versdes desse mito, Zeus enviou um presente aos humanos, mas coma intengio de puni-los por terem recebido o fogo do tita Prometex que 0 roubara dos Céus, Pandora levava consigo ume caixa, queabriupor curiosidade, deixando escapar todos os males que afligem a humanidade. Conseguiu, pores feché-la a tempo de reter a esperanca, tinica man de suportarmos as dores e os sofrimentos da vida. Nos dois relatos, percebemos situagées aparen- temente diversas, mas que se assemelham, pois ambos tratam da origem de algo: entre os indigenas, como surgiu a noite; ¢ entre os gregos, a origem dos males. E trazem como consequéncias dificuldades que as pessoas devem enfrentar. A leitura apressada do mito nos leva a com- preendé-lo como uma maneira fantasiosa de expli- car arrealidade, quando esta ainda nfo foi justificade pela razdo. Sob esse enfoque, os mitos seriam len- das, fébulas, crendices e, portanto, um tipo inferior de conhecimento, a ser superado por explicagées mais racionais. Tanto é que, na linguagem comum. costuma-se identificar 0 mito & mentira. EFemoroan Mito, Mythos, em grego, significa “palavra’,"o que se diz’, “narrativa’. A consciencia mitica é predomi- ante em culturas de tradi¢ao oral, quando ainda ngo ha escrita. O pintor pernambucano Rego Monteiro é um artista do ¢ modernismo brasileiro que recorre aos temas dos mitos indigenas. Nessa aquarela, vernos o contraste entre as raizes arcaicas indigenas e o tratamento contemporaneo da imagem. Observe o tzago fino, a delicadeza dos gestos — o indio mais parece um bailarino — e a moga, que se deixa levar sem. resisténcia. Ao fundo, a lua emoldura o casal. Que mito esté representado na pintura? O boto é um mamifero cetéceo comum nas guas do Rio Amazonas. Segundo a lenda do Boto-Cor-de-Rosa, noite ele emerge do rio e se transforma em um belo ¢ inesistivel homem que seduz as mogas ¢ as engravida. As maes advertem as filhas ara o perigo que ele representa, Tal como na proposta de Rego Monteiro, podemos nos perguntar: o que esse mito tem a nos O boto. Vicente do Rego Monteiro, 1921. No entanto, o mito é mais complexo e muito mais expressivo e rico do que supomos quando apenas 0 tomamos como o relato frio de lendas desligadas do ambiente que as fez surgir. No s6 os povos tribais ou as civilizagées anti- gas elaboram mitos. A consciéncia mitica persiste em todos os tempos e culturas como componente ‘indissocidvel da maneira humana de compreender e sobretudo sentir a realidade, como veremos adiante. © 0 que é mito? Como processo de compreensio da realidade, 0 mito ndo élenda, pura fantasia, mas verdade. Quando ‘pensamos em verdade, é comum nos referirmos & coeréncia Iégica, garantida pelo rigor da argumen- tacdo e pela apresentagdo de provas. A verdade do mito, porém, resulta de uma incuigéo compreensiva dia realidade, cujas raizes se fandam na emogio e za afetividade. Nesse sentido, antes de interpretar 0 mundo de maneira argumentativa, o mito expressa fo que desejamos ou tememos, como somos atrafdos elas coisas ou como delas nos afastamos. ‘Nao se trata, porém, de qualquer intuigao. Para ‘melhor circunscrever 0 conceito de mito, precisa- ‘mos de outro componente — o mistério —, pois ele sempre 6 um enigma a ser decifado e como tal representa nosso espanto diante do mundo. acc (Omistério €algoquenao podemos compreender, por | _serinacessivelrazaoe dependerda fé. Um problema algo queainda nao compreendemos, mas cujares- t posta nos esforcamos para descobrir. Vocé poderia dar um exemplo de cada um desses conceitos? Segundo alguns intérpretes, o “falar sobre o mundo” simbolizado pelo mito esta impregnado do desejo humano de afugentar a inseguranga, os temo- tes e a angistia diante do desconhecido, do perigo e da morte. Para tanto, os relatos miticos se sustentam na crenga, na fé em forcas superiores que protegem ‘ou ameagam, recompensam ou castigam. Entre as comunidades tribais, os mitos consti- tuem um discurso de tal forga que se estende por todas as esferas da realidade vivida. Desse modo, 0 sagrado (ou seja, a relagdo entre a pessoa e o divino) permeia todos os campos da atividade humana. Por isso, os modelos de construgao mitica séo de natu- reza sobrenatural, isto 6, recorre-se aos deuses para essa compreensao do real. © Os rituais Segundo Mircea Eliade, historiador romeno estu- dioso das religiées, uma das caracteristicas do mito é fixar os modelos exemplares de todos os ritos e de todas as atividades humanas significativas. Desse modo, os gestos dos deuses sao imitados nos rituais. Essa é a justificativa dada pelos tedlogos e ritualis- tas hindus: “Devemos fazer o que os deuses fizeram no principio’; “Assim fizeram os deuses, assim fazem os homens’. Eliade exemplifica com a resposta dada pelos arunta, povos nativos-da Austrélia, a respeito da maneira pela qual celebravam as ceriménias: “Porque os ancestrais assim o prescreveram’. Em seus rituais, porém, os arunta no se limitavam a representar ou imitar a vida, 0s feitos eas aventuras, dos ancestrais: tudo se passava como se os antepas- sados aparecessem de fato nas ceriménias, O tempo sagrado 6, portanto, reverstvel, ou seja, a festa religiosa nao 6 simples comemoracao, mas a ocasitio pela qual o evento sagrado, que teve lugar no passado mitico, acontece novamente. Caso con- trério, a semente nao brotard da terra, a mulher nao sera fecundada, a érvore nao dar frutos,o dia nao sucedera a noite. Sem os ritos, é como se os fatos naturais descritos nao pudessem se concretizar. > Exemplos de rituais Amaneira mégica pela qual os povos tribais agem sobre o mundo pode ser exemplificada pelos intime- 10s rifos de passagem: do nascimento, da infancia para a idade adulta, do casamento, da morte. Assim diz Mircea Eliad quando acaba de nascer, a crianca s6 dispoe de uma existéncia fisica, nado € ainda reconhecida pela familia nem recebida pela comunidade. Sao os Fitos que se efetuam imediatamente apés o parto aie conferem ao recém-nascido o estatuto de ‘Vivo’ propriamente dito; € somente gracas a estes ritos que ele fica integrado na comunidade dos vivos. [..] Para certos povos, [...]a morte de uma pessoa 36 € reconhecida como valida depois da realizagio das cerimOnias funerdrias, ou quando a alma do defunto foi ritualmente conduzida a sua nova morada, no outro mundo, € i embaixo, foi aceito pela comunidade dos mortos.? 2 ELIADE, Mircea. 0 sagrado eo profano. Lisboa: Livros do Brasil. = d.p. 43-144 itiea Capitulo 2 Ainda hoje, a maioria das religides contempora- neas mantém os ritos préprios de sua crenea: cul- tos, cerimOnias, oferendas, preces, templos, festas objetos religiosos. ® Transgressao do tabu No ambiente da tribo, o equilfbrio pessoal depende da preponderancia do coletivo, o que facilita a adap- tagao do individuo a tradigdo. Ora, no universo em que predomina a consciéncia coletiva, a desobe- diéncia ultrapassa quem violou a proibigéo, podendo atingir a familia, os amigos e, As vezes, toda a tribo, E 0 caso do tabu, termo que significa proibigdo, interdito, e que entre os povos tribais assume caré- ter sagrado. O mais primitivo tabu é 0 do incesto, mas hé imémeros outros, como o impedimento de tocar em algum objeto, animal ou em alguém. Por exemplo: em algumas tribos ind{genas as mulheres menstruadas nao devem tocar nos utensilios mas- culinos porque, contaminados, provocariam males ¢ desgracas; a vaca é ainda hoje um animal sagrado na India e nao deve ser molestada, Quando nas tribos a proibigdo é transgredida, Sao feitos ritos de purificagdo, como abster-se de alimentos, retirar-se para local isolado, submeter- -sea cerimOnias de abluedo, em que se lava o corpo ou parte dele, Outros procedimentos sio os rituais do “bode expiatério”: apés a ‘transgressdo ter provo- cado doenca em um individuo ou o mal ter atingido toda a tribo, o sacrificio de animais ou de pessoas é um processo de “expiagao”, ou seja, de purificagao. (Qian stmuns Ainda hoje termo tabu é usado no sentido sagrado, ‘mas também no no religioso: a proibicio de pro- hunciar algumas palavras, como as referentes 2 cer tas partes do corpo, ou evitar dizer “cancer” ou “aids” substituindo os nomes por‘aquela doenca”O"tabu’ dda virgindade feminina foi imposicao severa até 2 década de 1960, quando ocorreu a chamada revolu- ‘0 sexual. E ainda se costuma dizer nos jogos que um time“quebrou um tabu" ao vencer outro do qual ha muito perdia. @ Teorias sobre o mito Entre as indimeras teorias sobre 0 mito, citamos as de antropélogos, como Bronislaw Malinowski e Claude Lévi-Strauss; de filésofos, como Ernst Cassiret, Georges Gusdorf, Roland Barthes e Michel Foucault; de psicanalistas, como Sigmund Freud e seu discfpulo dissidente Carl Jung: de historiadores, como Mircea Eliade e tantos outros. Unidade 1 Descobrindo a filosofia ® As fungdes do mito Alguns teéricos explicam o mito pela fungaio que desempenha no cotidiano da tribo, garantindo a tra- digdo e a sobrevivéncia do grupo. ‘Vejamos alguns exemplos. + A origem da agricultura: segundo o mito indigena tupi, a mandioca, alimento bésico da tribo, nasce do timulo de uma crianca cha- mada Mandi; no mito grego, Perséfone é levada por Hades para seu castelo tenebroso, mas, a pedido de sua mae, Deméter, retorna em certos perfodos: esse mito simboliza o trigo enterrado como semente e renascendo como planta. +A fertilidade das mulheres: para os arunta, os espititos dos mortos esperam a hora de renas- cer e penetram no ventre das mulheres quando elas passam por certos locais. + 0 cardter magico das dancas e desenhos: quando os homens pré-histéricos faziam pin- turas nas paredes das cavernas, representando a captura de renas, talvez néo pretendessem enfeitd-las nem apenas mostrar suas habili- dades pictéricas, mas agir magicamente, para garantir de anteméo o sucesso das cagadas; essa suposi¢ao se deve ao fato de que geral- mente os desenhos eram feitos nas partes mais escuras da caverna. Pintura rupestre em Lascaux, Franca, c.1§ mil anos atras. Incesto. Relacdo sexual entre parentes consanguineos ou afins ? O carater inconsciente do mito Outros intérpretes da linha psicolégica, como und Freud, fundador da psicandlise, e seu ‘pulo dissidente Carl Jung, acentuam o card- existencial e inconsciente do mito, como reve- 1 do sonho, da fantasia, dos desejos mais pro idos do ser humano. Por exemplo, ao analisar mito de Edipo, Freud realea o amor e 0 édio mnscientes que permeiam a relacdo familiar. E se refere ao inconsciente coletivo, que seria ontrével nos grupos e nas pessoas em qual- época ou lugar. 0 mito como estrutura Outra linha de interpretagéio do mito é a do -opélogo Lévi-Strauss, representante da corrente turalista. Como o nome diz, trata-se de procu- ‘rar a estrutura bésica que explica os mais diversos mritos, procedimento que valoriza mais o sistema do ‘gue os elementos que o compdem. Os elementos, serem relativos, sé tém valor de acordo com a si¢do que encontram na estrutura a que perten- m. Ou seja, um fato isolado ou um mito isolado o possuiem significado em si. QUEM £7 Claude Lévi-Strauss (1908- 2009), antropélogo e filé- sofo, nasceu na Bélgica viveu na Franca. Na década de 1930, foi professor da Universidade de S30 Paulo © pesquisou tribos indige- nas do Brasil Central. Suas principais obras: A vida Familiar e social dos indios mhambiquaras, Tristes t1- picos, Antropologia estru- tural, O pensamento selva- gem, entre outras. Claude Lévi-Strauss, 1990. “nconsciente coletivo. Para Jung, o inconsciente ‘éricos diferentes. 0 heréi vivia, portanto, na dependéncia dos deuses e do destino, faltando a ele a nogio de von- tade pessoal, de liberdade. Mas isso nao o diminufa diante das pessoas comuns, ao contrério, ter sido escolhido pelos deuses era sinal de valor e em nada essa ajuda desmerecia a yirtude do guerreiro belo e bom, que se manifestava pela coragem e pela forca, sobretudo no campo de batalha. (Femina Virtude. vem do latim vir, virtus; primitivamente, vir significa o homem vir, forte, corajoso. PARA SABER MAIS, Alliada trata da guerra de Troia (que em grego é lion) e a Odisseia, do retorno a Itaca, terra natal de Ulisses (Odisseus & o nome grego de Ulisses). Essa viagem foi cheia de peripécias, por isso cos- tumamos chamar de odisseia uma aventura mirabolante. Na vida dos gregos, as epopeias desempenharam_ uum papel pedagégico significativo. Descreviam a historia grega—operfododacivilizagaomicénica— © transmitiam os valores culturais mediante o elato das realizagGes dos deuses e dos antepas- Sados. Por expressarem uma concepcao de vida, ‘desde cedo as criangas decoravam passagens des- ses poemas. As agées heroicas relatadas nas epopeias mos- tam a constante intervengao dos deuses, ora para Hades. £ o nome do Deus do Mundo Subterraneo, que entre os romanos chamava-se Pluto. Também designa o Mundo dos Mortos. Hércules é 0 nome romano do semideus grego Héracles, filho de Zeus e de urna mortal. Conhecido por sua forga fisica, enfrentou intimeros desafios, principalmente devido & célera e vinganga da deusa Hera, esposa de Zeus, enciumada pela traigio do marido, Na imagem Hércules se cobre com a cabega e a pele do Leo de Némea, um monstro que matou no primeiro de seus doze trabalhos. Na tela do pintor italiano renascentista, o herdi enfrenta a Hidra de Lema, espécie de serpente de varias cabecas que voltavam a crescer depois de corladas. Segundo intérpretes, a hidra seria o pantano de Tena — que Hércules conseguira secar — e as cabecas, as nascentes-d'égua que até entio nao paravam de jorrar, Outros comparam a hidra ao delta dos rios, com suas enchentes. Nao por acaso, a palavra hidra vem do grego significa Ha nesse relato varias referéncias ao que vimos até aqui sobre os mitos. Procure identificé-las. Além disso, faga uma interpretagao atual do mito, destacando algum acontecimento ou sentimento que poderia ser Hércule Hydra. Ante di : 8 7 esate Mee simbolizado pelo mito da Hidra de Lerna. Jacopo Pollaiuolo, 1475, * HOMERO. ilfada (em forma de prosa). 9, ed. Rio de Janciro: Ediouro, 1999. p.72 Aconsciéncia mitica Cay Diferentemente do que hoje entendemos por vir- tude, para os gregos esse valor correspondia exceléncia © A superioridade, objetivo supremo do heréi guerreiro. Essa virtude se destacava igualmente na assembleia dos guerreiros, pelo poder de persuasio do discurso. GJrarateriem Oconceito de virtude variou entre os filésofos, mas em geral designa uma disposicao ética para realizar © bem, o que supde autonomia e nao mais imposi- 0 do destino. Vocé saberia indicar algumas virtu des desejavels para o convivio humano? b) Hesiodo Hesfodo, outro poeta que teria vivido por volta do final do século Vill e prinefpios do Vil a.C., produziu uma obra com particularidades que tendem a supe- rara poesia impessoal e coletiva das epopeias. Essas caracteristicas novas so indicativas do periodo arcaico, que entao se iniciava, ‘Mesmo assim, suas obras ainda refletem o inte- resse pela crenca nos mitos, Em Jeogonia, Hesiodo relata as origens do mundo e dos deuses, em que as forcas emergentes da natureza vao se transfor- mando nas préprias divindades. Por isso a teogo- nia é também uma cosmogonia, na medida em que narra como todas as coisas surgiram do Caos para compor a ordem do Cosmo. fEFimmotocia Teogonia. Do grego théos, "deus" e gonos, “origem". Cosmogonia. Do grego kosmos, “mundo”, “ordem’, “beleza’. Caos. Para 0s gregos,o vazio nici. Por exemplo, do Caos surgiu Gaia, ou Geia (a ‘Terra, elemento primordial), que, sozinha, deu ori- gem a Urano (0 Céu), Em seguida, uniu-se a Urano, gerando os deuses eas divindades femininas. Um de seus filhos é Cronos (Tempo), que toma o poder do paie é destronado pelo filho Zeus. Os deuses gregos permaneceram por muito tempo na cultura ocidental da Antiguidade e foram assimilados pelos romanos, com outros nomes. Por exemplo, Cronos é Saturno, Zeus 6 Jipiter, Atena é Minerva, Afrodite é Vénus ¢ assim por diante. G Omito hoje Perguntamos ento: e hoje, o desenvolvimento do pensamento reflexivo teria decretado a morte da consciéncia mitica? Augusto Comte, fundador do positivism, res ponde afirmativamente: ao explicar a evolucao da humanidade, define a maturidade do espirito humano pela superacao de todas as formas miticas ¢ religiosas. Dessa maneira, opée radicalmente mito e azo, a0 mesmo tempo que inferioriza 0 mito como tentativa fracassada de explicagio da realidade. (Sima som was Positivismo. Consulte 0 Vocabulério, no final do livro,e o capi- ‘tulo 1s,’ critica da metafisica’. No entanto, ao criticar 0 mito e exaltar a ciéncia, contraditoriamente o positivismo fez nascer 0 mito do cientificismo, ou seja, a crenga cega na ciéncia como ‘inica forma de saber possivel. Desse modo, 0 positi- vismo mostra-se reducionista, jé que, bem sabemos, a ciéncia ndo é a tinica interpretagio valida do real, De fato, existem outros modos de compreensiio, como 0 senso comum, a filosofia, a arte, areligiao, e nenhuma delas exclui o fato de o mito estar na raiz dainteligibilidade. A fungao fabuladora persiste nao 86 nos contos populares, no folclore, como também na vida diéria, quando proferimos certas palavras ricas de ressonncias miticas — casa, lar, amor, pai, mie, paz, liberdade, morte — cuja definigdo obje- tiva nao esgota os significados que ultrapassam os limites da propria subjetividade. Essas palavras nos remetem a valores arquetipicos, modelos universais que existem na natureza inconsciente e primitiva de todos nés. “origem’. ® A permanéncia do mito O mito ainda é uma expresso fundamental do viver humano, o ponto de partida para a compreen- sii do ser. Em outras palavras, tudo o que pensamos € queremos se situa inicialmente no horizonte da imaginagéo, nos pressupostos miticos, cujo sentido existencial serve de base para todo trabalho poste- rior da razao. Comecemos pelas histérias em quadrinhos de super-herdis. Elas se fundam no maniquefsmo, que exprime o arquétipo da luta entre o bem e 0 mal, polarizando herdis de um lado e bandidos de outro; além disso, a dupla personalidade do personagem principal (pessoa comum e super-heréi) atinge em cheio os anseios de cada um de superar a propria inexpressividade e impoténcia, tornando-se excep- cional e poderosa. 3 8g Coringa, o inimigo de Batman, segundo seu criador, Bob Kane, em 1940. Nas historias em quadrinhios destaca-se o confronto mitico entre o bem eo mal Os contos de fada retomam os mitos universais daluta contraas forgas do mal: a madrasta,o lobo, a ‘bruxa contrapdem-se a figuras frégeis como Branca “de Neve, Cinderela, Chapeuzinho Vermelho, Joao e aria: quando o bem vence o mal, so apaziguados temores infantis. Personalidades como artistas, politicos e esportis- que a midia se incumbe de transformar em figuras smplates, exaltam a imaginaco humana ao repre- itarem todo tipo de anseios, como sucesso, poder, jeranca, atrago sexual. Intimeros s&0 os exemplos as figuras que, por motivos diversos, so conside- las excepcionais — Madonna, Che Guevara, Ayrton 1a — e que s vezes tornam-se fugazes, devido & jidez da midia em promové-las e esquecé-las. No campo da politica, até as mais racionais ies6es a partidos politicos e correntes de pensa- nto supéem esse pano de fundo mitico no qual movemos em diregao a valores que sé posterior ante podem ser explicitados pela razdo. O prevalecimento do maniqueismo, em certas circunstancias, traz o risco de preconceitos — eis 0 lado sombrio de alguns mitos —, devido & tendén- cia em separar de modo simplista as pessoas, grupos ou nacionalidades, como antepostas. Por exemplo, © nazismo de Hitler difundiu-se a partir da ideia da raga ariana como raga purae desencadeou movimen- tos de persegui¢ao que culminaram no genocidio de judeus, ciganos e homossexuais, Recentemente, diante dos ataques de grupos terroristas da Al Qaeda aos Estados Unidos, ainda ha quem generalize a ava- liagdo atribuindo o mal a todo povo arabe. GJrarteriem Os arianos sao um subgrupo indo-europeu que velo das estepes da Asia e se expandiu pela Europa, Segundo a concepcao racista do nazismo, deles descendiam os alemaes, que constituiam uma “raga pura’. Vocé ja notou como as doutrinas racis: ‘tas consideram inferiores pessoas ou grupos que so apenas diferentes? Onosso comportamento também épermeado de rituais, mesmo que secularizados, isto é, nao religio- 808: as comemoragées de nascimentos, casamentos aniversérios, a entrada do ano-novo, as festas de formaturae de debutantes, os trotes de calouros nos fazem lembrar ritos de passagem. Examinando as manifestagdes coletivas no cotidiano da vida urbana do brasileiro, descobrimos componentes miticosno carnaval e no futebol, ambos como manifestagées do imaginério nacional e da expansio de forcas inconscientes. Para finalizar... mito néo se reduz a simples lendas, mas faz parte da vida humana desde seus primérdios ¢ ainda persiste no nosso cotidiano como uma das experiéncias posstveis do existir hamano, expre: sas por meio das crengas, dos temores e desejos que nos mobilizam. No entanto, hoje os mitos néo emergem com a mesma forga com que se impuse- ram nas sociedades tribais, porque o exercicio da critica racional nos permite legitimé-los ou rejeité- -los quando nos desumanizam. ‘Maniqueismo. Atitude de quem estabelece uma ‘oposicao simplista entre algo (ou alguém) que representa o bem e outro que representa mal Aconsciéncia mitica Capitulo 2 Leitura complementar Leia os dois textos e responda ds questoes na sequéncia. 1. A tortura, a memoria 2. Os trotes de calouro “[...] Na exata medida em que a iniciagao €, ine- gavelmente, uma comprovacao da coragem pessoal, esta se exprime ~ se € que podemos dizé-lo — no silencio oposto ao sofrimento, Entretanto, depois da iniciacao, j& esquecido todo 0 sofrimento, ainda sub- siste algo, um saldo irrevogavel, os sulcos deixados no corpo pela operacao executada com a faca ou a pedra, as cicatrizes das feridas recebidas. Um homem iniciado é um homem marcado. 0 objetivo da inicia~ a0, em seu momento de tortura, € marcar 0 corpo: no ritual iniciat6rio, a sociedade imprime a sua marca rno corpo dos jovens. Ora, uma cicatriz, um sulco, uma marca so indeléveis. Inscritos na profundidade da pele, atestardo para sempre que, se por um lado a dor pode nao ser mais do que uma recordacao desa~ gradavel, ela foi sentida num contexto de medo e de terror. A marca € um obstaculo ao esquecimento, 0 pr6prio corpo traz impressos em si os sulcos da lem- branga — 0 corpo é uma meméria. Pois 0 problema é nao perder a meméria do segredo confiado pela tribo, a meméria desse saber de que doravante sao depositarios os joven iniciados, Que sabem agora o jovem casador guaiaqui, o joven guerreiro mandan? A marca proclama com seguranca 0 seu pertencimento ao grupo: 'Es um dos nossos € nao te esquecerds disso.’ [.. Avaliara resistencia pessoal, proclamar um perten- cimento social: tais sao as duas fungées evidentes da iniciagao como inscrigao de marcas sobre o corpo.” CLASTRES, Pierre. sociedade contra 0 Estado. 2. ed Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978. . 128-129. > ndelével, Que nao desaparece. f | Questées Neste trecho, Adorno trata do horror que foram os campos de exterminio (como o de Auschwitz, cidade da Pol6nia) no tempo de Hitler. Ao analisar a violencia, 0 sadismo que permeia de modo ambiguo comportamentos aparentemente ‘normais”, reflete sobre “o perigo de que tudo acontega de novo”. “[.J aquilo que gera Auschwitz, 0s tipos caractersticos a0 mundo de Auschwitz, constituem presumivelmente algo demnavo. Por um lado, eles representam a identificacao cega.com ocoletivo. Por outro, s4otalhados para manipular massas, coletivos, tais como os [lideres nazistas] Himmler, Hoss, Eichmann. Considero que o mais importante para enfrentar 0 perigo de que tudo se repita é contrapor-se a0 poder cego de todas os coletivos, fortalecendo a resis- ‘@ncia frente aos mesmos por meio do esclarecimento do problema da coletivizagao, Isto nao é tao abstrato quanto possa parecer ao entusiasmo particpativo, especialmente das pessoas jovens, de consciéncia progressista. 0 ponto de partida poderia estar no sofrimento que os coletivos infligem no comego a todos 0s individuos que se fiiam a eles. Basta pensar nas primeiras experiéncias de cada um na escola. € preciso se opor aquele tipo de folk-ways, habi- 40s populares, ritos de iniciacao de qualquer espécie, que infligem dor fsica ~muitas vezes insuportvel—a uma pes- soa como preco do direito de ela se sentir um fiiado, um membro do coletivo. A brutalidade de habitos tais como os trotes de qualquer ordem, ou quaisquer outros costumes arraigados desse tipo, € precursora imediata da violén« nazista. Nao foi por acaso que 0s nazistas enalteceram cultivaram tais barbaridades com o nome de “costumes”. fis aqui um campo muito atual para a ciéncia. Ela pode- tia inverter decididamente essa tendéncia da etnologia encampada com entusiasmo pelos nazistas, para refrear esta sobrevida simultaneamente brutal e fantasmagorica desses divertimentos populares.” ADORNO, Theodor W,“Educagio aps Auschwitz”. Em: Educaeao ¢emancipagdo. Rio de Janeiro: Paze Terra, 1995, 127-128 Identifique o que os dois textos (de Clastres e de Adomo) tém de semelhante. © Entre os ritos contemporaneos, 0 trote violento de calouros poderia ser uma expressio degenerada do rito de iniciagéo primitive? Explique qual é a posigao de Adomo. Posicione-se a respeito. Unidade 1 Leltura complementar £3 © que Clastres quer dizer quando afirma que “um homem iniciado é um homem marcado" e “o corpo é uma meméria"? Hoje em dia ha jovens que se tatuam. 0 que pode significar essa necessidade de uma “marca” inde~ ével no proprio corpo? ?Revendo o capitulo E comum associarmos os mitos as lendas, des- tacando 0 aspecto inverossimil desses relatos. Como se pode criticar esse modo de compreen- der o mito? _ {Bd 0 miistério do mito ¢ abordado por tedricos que © explicam de maneira diversa. Escolha uma das, tendéncias (funcionalismo, psicandlise, estru- turalismo) e explique como o mito é por ela compreendido. FB Embora o mito ainda fosse um componente impor- tante nas mais antigas civilizagées (Mesopotamia, Egito, Grécia), em que se distingue do papel que ele exercia anteriormente nas sociedades tribais? Zz possivel ainda se falar em mitos contempora- neos? Justifique sua resposta. } Aplicando os conceitos $B Leia as citacdes a seguir e interprete-as tendo em vista a concepgao de ser humano transmitida pe- las epopeias. a) “Eu sou uma divindade que te guarda sem ccessar, em todos os trabalhos” (a deusa Atena a Ulisses). b) “Nao sou eu o culpado, mas Zeus, o Destino ea Erinia, que camiinha na sombra” (Agamémnon, rei de Micenas, depois de um desvario momen- tdneo, durante a guerra de Troi). BD observe a imagem, leia o texto e responda. tes persequido pelas Erinias. William Bouguereau, 1862, A historia de Orestes, filho de Agamémnon e Clitemnestra, é relatada nos poemas homéricos e na tragédia de Esquilo Oresteia, uma trilogia. Ao voltar da guerra de Troia, Agamémuon é assas- sinado pela sua mulher e por Egisto. Quando adulto, Orestes retomna a cidade de Argos e, com a autorizago do deus Apolo, vinga-se matando a mae ¢ seu amante, 0 matricidio provocou a ira das Erinias, deusas que personificam a vin- ganga: elas punem os homicidas com remorsos de modo implacavel, com torturas que podem levar a loucura, Discuta com seu colega. a) Esse mito pode simbolizar comportamentos que ainda hoje atormentam as pessoas? Na leitura complementar do capitulo 1, “A expe- riéncia filoséfica”, Calligaris comenta o assassi- nato de uma menina em que o paie a madrasta so os principais suspeitos. A reagdo popular seria algo semelhante & acdo das Erinias? b) Dé outros exemplos. )Disserta SS Com base nesta citacéio, faga uma dissertagao sobre o tema: “Os bons e maus mitos do nosso tempo". “L..] o mito propée todos os valores, puros e impu- ros. Nao é da sua atribuicao autorizar tudo o que ‘sugere. Nossa época conheceu o horror do desen- cadeamento dos mitos do poder e daraga, quando seu fascinio se exercia sem controle. A sabedoria 6 um equilibrio. 0 mito prope, mas cabe a cons- ciéncia dispor. E foi talver porque um raciona- lismo estreito demais fazia profissdo de desprezar os mitos, que estes, deixados sem conttole, torna- ramrse loucos." (Georges Gusdorf. Mito e metafi- sica. Sao Paulo: Convivio, 1979. p. 308.) Debate GB Em grupo, pesquisem sobre os mitos subjacentes nas produgdes culturais (telenovelas, propagan- das, filmes, historias em quadrinhos, programas humoristicos etc.). Elaborem um relatério para ser apresentado a classe. Em seguida haveré um debate sobre os temas expostos. ‘ rinas.Deusas da vinganca também chamadas O nascimento da filosofia Filésofos da Grécia Antiga Periodo pré-socrético | Periodo cléssico eriada helenistica Fonte: ABRAO, Bernadete Siqueira [et al. Encilopédia do Estudante. istéra da losofa dda Antiguidade aos pensadores do século XXI.v. XI Sio Paulo: Moderna, 2008. p. 17 Consulte o mapa dos principais fildsofos gregos e identifique aqueles que correspondem ao periodo pré-socritico. Observe em que regifio (Jénia ou Magna Grécia) e em que cidade eles se estabeleceram. Em seguida veja como os filésofos do periodo classico (Sécrates, Plato) se fixam em Atenas. Embora Aristételes tenha nascido em Estagira, cidade da Macedénia, foi em Atenas que fundou sua escola. Localize também os filésofos do helenismo, que se deslocam da Grécia continental e se espalham pelas ilhas. $9 Situando no tempo Neste capftulo veremos o processo pelo qual se deu @ passagem da consciéncia mitica para a consciéncia filoséfics grega. ‘Vejamos de inicio um quadro que abrange desde’ s miticos até o século II a.C. (Sima sane was Periodiza¢ao da histéria da Grécia Antiga Givilizagao micénica(sécs. XX a Xll aC), Desenvolveu-se desde o inicio do segundo milénio aC. Tem esse nome pela importancia da cidade de Micenas, de onde, por volta de 1250 a, partiram Agamémnon, Aquiles ¢ Ulisses para sitiar e conquistar Troia ‘Tempos homeéricos (sécs. Xl Vill.C.). Na transicao de um mundoessencialmente rural, os senhoresenrique- cidos formaram a aristocracia proprietaria de terras, ‘que fez recrudescer o sistema escravista. Nesse periodo teria vivido Homero (séc.1X ou Villa) Periodo arcaico (sécs. Vill a VI aC). Com a formacao das cidades-estados (pdlels), ocorreram grandes alte- rages sociaise politicas, bem comoo desenvolvimento © Uma nova ordem humana Costuma-se dizer que os primeiros filésofos foram gregos e surgiram no periodo arcaico, nas colénias gregas. Embora reconhegamos a importancia de shbios que viveram na mesma época em outros luga- res, suas doutrinas ainda estavam mais vinculadas & religido do que propriamente a reflexaio filoséfica. Qaasa«s 0s sabios que viveram no Oriente no século VI ac, amesma época em quea filosofia surgiu na Grécia, foram: Confiicio e Lao Ts€ na China; Gautama Buda nna India; Zaratustra na Persia Alguns autores chamaram de “milagre grego” a passagem da mentalidade mitica para o pensa- mento critico racional e filosdfico, destacando 0 cardter repentino e tinico desse processo. Outros estudiosos, no entanto, criticam essa visio simplista e afirmam que a filosofia na Grécia nao é fruto de um salto, do “milagre” realizado por um povo privi- legiado, mas éa culminagiio do processo gestado ao longo dos tempos. Por enquanto, fiquemos com alguns fatos do periodo arcaico que ajudaram a alterar a visio mitica predominante e contribufram para o surgi- mento do filésof + ainvengéio da escrita e da moeda; -aleiescrita; +a fundacdo da plis (cidade-Estado). © Ainvengao da escrita A consciénela mitica predomina em cultu- ras de tradicdo oral, quando ainda nfo hé escrita. Mesmo apés seu surgimento, a escrita reserva-se do comércio ¢ a expansao da colonizacao grega. No inicio desse periodo teria vivido Hesiodo. No final do século Vile durante 0 século VI aC. surgiram os pri- meiros filésofos. Periodo classico (sécs. V€ IV aC). Auge da civilizagao gregas na politica, o apogeu da democracia ateniense; desenvolvimento das artes literatura e filosofia; época ‘em que viveram os sofistas € os fildsofos Sécrates, Platao e Aristételes. Periodo helenistico (sécs. lll I!a.C). Decadéncia pol ‘tica, dominio macedonico e conquista da Grécia pelos romanos; culturalmente, significativa influéncia das civilizagées_orlentais; florescimento das filosofias estoica e epicurista aos privilegiados, aos sacerdotes e aos reis, e geral- mente mantém o cardter magico: entre os antigos. egipcios, por exemplo, a palavra hierdgiifo significa literalmente “sinal divino’. Na Grécia, jé existira uma escrita no perfodo micénico, mas restrita aos escribas que exerciam fungées administrativas de interesse da aristocra- cia palaciana. Com a violenta invasio dérica, no século XII a.C,, a escrita desapareceu junto com a civilizagéo micénica, para ressurgir apenas no final do século IX ou VIII a.C., por influéncia dos fenicios. Em seu ressurgimento, a escrita assumiu funcéo diferente. Suficientemente destigada da influencia religiosa, passou a ser utilizada para formas mais, democréticas de exercicio do poder. Enquanto os rituais religiosos eram cheios de formulas mégicas, termos fixos e inquestionados, 08 escritos passaram a ser divulgados em praca publica, sujeitos & discussao e a critica. Isso néo significa que a escrita se tornasse acesstvel a todos, muito pelo contrario, j4 que a maioria da popula- do era constituida de analfabetos. O que esté em destaque é a dessacralizagao da escrita, ou seja, seu desligamento do sagrado. A escrita gera nova idade mental porque a pos- tura de quem escreve é diferente daquela de quem apenas fala. Como a escrita fixa a palavra para além de quem a proferiu, exige maior rigor e clareza, 0 que estimula o espfrito eritico. Além disso, a reto- mada posterior do que foi escrito — nao s6 por con- tempordneos, mas por outras geracdes — abre os horizontes do pensamento e proporciona o distan- ciamento do vivido e o confronto das ideias. Portanto, a escrita surge como possibilidade maior de abstragio, de uma reflexdio aprimorada que tenderé a modificar a prépria estrutura do pensamento, O nascimento da filosofia Capitulo 3 eo » O surgimento da moeda Na época da aristocracia rural, de riqueza basea- da em terras e rebanhos, a economia era pré-mone- téria, Os objetos usados para troca vinham carre- gados de simbologia afetiva e sagrada. As relagdes sociais, impregnadas de carater sobrenatural, eram fortemente marcadas pela posicao social de pessoas consideradas superiores, devido a origem divina de seus ancestrais. Entre os séculos Ville Via.C., deu-se o desenvolvi- mento do comércio maritimo, decorrente da expan- sao do mundo grego, com a colonizagao da Magna Grécia (atual sul da Ttélia e Sicflia) e da Jonia (hoje litoral da Turquia). 0 enriquecimento dos comer- ciantes acelerou a substituigao de valores aristocré- ticos por valores da nova classe em ascensdo. A moeda, inventada na Lidia — regio da atual Turguia —, apareceu na Grécia por volta do século Vil aC., vindo facilitar os negécios e impulsionar 0 comércio. Com 0 recurso da moeda, os produtos que antes se restringiam ao seu valor de uso passaram a ter valor de troca, isto é, transformaram-se em mer- cadoria. Emitida e garantida pela pdlis, a moeda fazia reverter seus beneficios para a prdpria comunidade. Dols lados de uma moeda grega encontrada em Atenas, c. 440 aC. 5 g Q : 4 Nessa moeda grega, vernos a deusa Atena e a coruja, simbolo da sabedoria. Por consequéncia, a coruja passou a representar também a filosofia. Além desse efeito politico de democratizagao de um valor, amoeda sobrepunha aos simbolos sagrados eafetivos o carter racional de sua concepeao:amoeda representa uma convengSo humana, nogéo abstrata devalor que estabelece amedida comum entre valores diferentes, Nesse sentido,ainvengo da moeda desem- penha papel revolucionétio, por vincular-se ao nasci- ‘mento do pensamento racional critico, D A lei escrita Antes de tratarmos da transformacao da pélis & preciso destacar a importancia de legislado- res como Dracon (séc. VII a.C.), Sélon e Clistenes (séc. VI a.C.), que sinalizaram uma nova era: a jus- tiga, até entdo dependente da interpretagao da von- tade divina ou da arbitrariedade dos reis, tornou-se codificada numa legislagao escrita, Regra comum a todos, norma racional, sujeita & discussdo e 4 modi- ficagao, a lei escrita passou a encarnar uma dimen- sao propriamente humana. As reformas da legislagao de Clistenes fundaram, a pélis sobre nova base: a antiga organizagio tri- bal foi abolida e estabeleceram-se relagdes que no mais dependiam da consanguinidade, mas eram determinadas por uma organizagao administrativa. Essas modificagdes expressam o ideal igualitério ‘que preparava a democracia nascente, jé que a uni- fieagdo do corpo social aboliu a hierarquia fundada no poder aristocrético das familias, que se assen- tava na submissao e no dominio. Segundo Jean-Pierre Vernant, helenista e pensa- dor francés, os que compdem a cidade, por mais diferentes que sejam por sua origem, sua classe, sua funcao, aparecem de uma certa maneira ‘semelhantes uns aos outros”. Se de inicio a igualdade existia apenas entre os guerteiros, “essa imagem do mundo humano encontraré no século VI sua expresso rigorosa num conceito, o de isonamia: igual participacao de todos os cidadaos no exercicio do poder.’ ‘A pélis buscava garantir a isonomia, do mesmo modo que a isegoria, a igualdade do direito da pala- vra na assembleia. fETmmorocia sonomia. Dogrego isos"igual.enomnos;"e(igualdade de direitos perante a lei no regime dernocratico). Ieegoria. Do grego isos,"igual’, e agoreuo,"discursar em pubblico”. GJixeaterene Poderiamos dizer que ainda hoje a isonomia e a ise- ‘goria so principios extensivos a todos os cidadaos ‘em nosso pais? © VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. 2. ed. S40 Paulo Difel, 1977. p42. © O cidadao da polis Para Vernant, o nascimento da pélis (por volta dos sécs. VIII e VII a.C.) é um acontecimento deci- sivo que “marca um comeco, uma verdadeira inven- ac", por ter provocado grandes alteragées na vida social e nas relagdes humanas. ‘A originalidade da polis é que ela estava cen- tralizada na agora (praga piiblica), espaco onde se debatiam os problemas de interesse comum. Separavam-se na pélis 0 dominio piblico e o pri- vado: isso significava que ao ideal de valor de san- gue, restrito a grupos privilegiados em fung&o do nascimento ou fortuna, se sobrepunha a justa dis- tribuigao dos direitos dos cidadaos como represen- tantes dos interesses da cidade. Desse modo era elaborado 0 novo ideal de jus- tiga, pelo qual todo cidadao tinha direito ao poder. A nogao de justica assumia cardter politico, e néo apenas moral, ou seja, nao dizia respeito apenas ao individuo e aos interesses da tradigdo familiar, mas, 4 sua atuagdo na comunidade. A pélis se fez pela autonomia da palavra, néo mais a palavra magica dos mitos, palavra dada pelos deuses e, portanto, comum a todos, mas a palavra humana do conflito, da discussao, da argu- mentagio. Expressar-se por meio do debate fez nascer a politica, que permite ao individuo tecer seu destino na praca piblica. Da instauragdo da CO século de Pericles Phllipp von Foltz, 853, Na agora ateniense, logo abaixo da acrépole, © povo se retine para a assembleia em que os oradores discutem os destinos da cidade. ordem humana surgiu 0 cidaddo da pélis, figura inexistente no mundo da comunidade tribal e das aristocracias rurais, » A consolidagao da democracia Embora os regimes oligdrquicos nao tenham sido extirpados, em muitas péleis consolidaram-se os ideais democraticos. Entre elas, Atenas éum modelo classico. 0 apogeu da democracia ateniense ocorreu no século V a.C., quando Péricles governava. Os cidadaos livres, ricos ou pobres, tinham acesso & assembleia. Tratava-se da democracia direta, em que ndo eram escolhidos representantes, mas cada cidadao participava ele mesmo das decisées de interesse comum. No entanto, quando falamos em democracia ateniense, é bom lembrar que a maior parte da populagdo se achava excluida do processo politico, tais como os escravos e os estrangeiros (metecos), mesmo que estes fossem prdsperos comerciantes. ‘Alids, quanto mais se desenvolvia a ideia de cida- dania, com a consolidagao da demoeracia, a escra- vidao representava ainda mais um contraponto indispensdvel, 4 que ao escravo eram reservadas as tarefas dos trabalhos manuais e das atividades dié- rias de sobrevivéncia, E diftcil fazer 0 célculo demogréfico de Atenas, mas no decorrer do século V a.C. a populagao variou entre meio milhdo a 250 mil habitantes, dos quais a majoria era constituida por escravos. Excluidos os estrangeiros, as mulheres eas criancas, restavam. apenas entre 10 a 14% de cidadaos propriamente ditos capacitados para participar das discussdes na Agora e decidir por todos. Apesar disso, o que vale enfatizar éa mutagio do ideal politico e uma concepeo inovadora de poder, a democracia. 0 hdbito da discussao ptiblica, na gora, estimulava o pensamento racional, argumen- tativo, mais distanciado das tradigGes miticas. © Os primeiros filésofos A grande aventura intelectual dos gregos no comegou propriamente na Grécia continental, mas nas colénias da Jénia e da Magna Grécia, onde flo- rescia 0 comércio. Os primeiros filésofos viveram por volta dos séculos Vile VIa.C. e,mais tarde, foram clas- sificados como pré-socraticos, quando a diviséo da filosofia grega centralizou-se na figura de Sécrates. ‘Assembleia. Em grego se diz agord, local de reuniao para decidir assuntos comuns. Designa também a praca principal das pdleis, local onde se instalava o mercado. Onascimento da filosofia Capitulo 3 ES Os escritos dos filésofos pré-socrdticos desa~ pareceram com 0 tempo, e s6 nos restam alguns fragmentos ou referencias de filésofos posterio- res, Sabemos que geralmente escreviatn em prosa, abandonando a forma poética caracterfstica das epopeias, dos relatos miticos. (Jonna sae mas Periodos da filosofia grega Pré-soeratico (séc. Vil ¢ Vi aC) Os primeiros fild- sofos ocupavam-se com questdes cosmologicas, iniciando a separacao entre a filosofia e 0 pensa- mento mitico. Sécratico ou classico (séc. V e IV aC). Enfase nas uesties antropalégicas e maior sistematizacao do pensamentto, Desse periodo fazem parte os sofistas, opréprio Sécrates, seu discipulo Plataoe Aristoteles, discipulo de Platao, Pés-socratico (séc. Il € ll aC). Durante o helenismo, preponderou 0 interesse pela fisica ¢ pela ética. Surgiram as correntes filosoficas do estoicismo (Zenao de Citio), do hedonismo (Epicuro} ¢ do ceti- cismo (Pirro de Elida). (linea sasex was Entre os primelros flésofos, Pit’goras foio que pela primeira vez usou a palavra filosofia e ainda hoje € estudado em cursos de geometria. Vocé conhece 0 teorema sobre a hipotenusa e os catetos do tridn- gulo retangulo? ® O principio de todas as coisas Os primeiros pensadores centraram a aten- cdo na natureza e elaboraram diversas concep- des de cosmologia. Note que dizemos cosmolo- gia, conceito que se contrapée 4 cosmogonia de Hesfodo. Enquanto no perfodo mitico a cosmo- gonia relata o princ{pio como origem no tempo (0 nascimento dos deuses), as cosmologias dos pré-socrdticos procuram a racionalidade consti- tutiva do Universo. ‘Todos eles procuram explicar como, diante da mudariga (do devir), podemos encontrar a estabili- dade; como, diante do miiltiplo, descobrimos o uno. Ao perguntarem como seria possivel emergir o cosmo do caos — ou seja, como da confusao inicial surge 0 mundo ordenado —, os pré-socraticos buscam o prin- cfpio (em grego, a arkhé) de todas as coisas, entendido nao como aquilo que antecede no tempo, mas como _fundamento do ser. Buscar a arkhé 6 explicar qual é 0 elemento constitutivo de todas as coisas. As respostas dos filésofos & questo do funda- mento das coisas, da unidade que pode explicar a ea Unidade 1 Descobrindo a filosofia multiplicidade, so as mais variadas. Vejamos algu- mas delas +Para Tales de Mileto (640-c.548 a.C.), astr6- nomo, matemitico e primeiro fildsofo, a arkhé 62 4gua; + De acordo com PitAgoras (séc. VI a.C), filésofo e matematico, o mimero é a esséncia de tudo: todo 0 cosmo é harmonia, porque é ordenado pelos niimeros. ‘Monocordio de Pitagoras em ilustracao, 560-480 dC. © monocérdio — como o nome diz —é um instrumento de uma corda s6. Nele, Pitégoras fer experiéncias para mostrar que a misica se expressa em linguagem matemitica. ‘Ao calcular os intervalos entre os diferentes pontos pressionados na corda, descobriu arelagdo entre as notas musicais e as proporgdes no seu comprimento. Faca uma pesquisa para explicar com mais detalhes quais foram as proporgées estabelecidas por Pitagoras no seu experimento. Se necessario, consulte alguém que conhega teoria musical, matemiética ou ainda fisica. + Para Anaximandro (610-547 a.C.), 0 fundamento dos seres é uma matéria indeterminada, ilimi- tada (dpeiron, em grego), que daria origem a todos os seres materiais. + Para Anaximenes (588-524 a.C.), €0 ar, que pela rarefagdo e condensagio faz nascer e transfor- ‘mar todas as coisas. + Parménides de Eleia (c.544-450 a.C.) e Herdclito de Eifeso (sécs. VI-V a.C.) desenvolveram teorias que entraram em conilito e instigaram os filé- sofos do perfodo classico (como veremos no capitulo 13, “A busca da verdade"). Enquanto para Parménides o ser real é imével, imutével e A teoria dos quatro elementos ~ terra, agua, ar e fogo — faz parte da Homem na balanca dos quatro elementos. Autor desconhecido, 1532. ‘tradigao de varios povos antigos. A que foi elaborada por Empédocles tornou-se a mais conhecida e aceita na cultura ocidental até o século XVII, quando o cientista Lavoisier contestou sua validade. ‘0 movimento é uma ilusao, para Heréclito tudo fluie tudo 0 que é fixo é ilusdo: “néio nos banha- mos duas vezes no mesmo rio”. + Anaxéigoras (499-428 a.C.), nascido em Clazémena, mudou-se para Atenas, onde foi mestre de Péricles. Sustentava que as “sementes” de todas as coisas foram ordenadas por um prinefpio inteligente, uma Inteligéncia cdsmica (ious, em grego). + Os quatro elementos, terra, gua, ar e fogo, cons- tituem a teoria de Empédocles (483-430 a.C.). + 0s fil6sofos Leucipo (séc. V a.C.) e Demécrito (c.460-¢.370 a.C.) so atomistas, por conside- rarem 0 elemento primordial constitufdo por 4tomos, particulas indivisiveis. Como para eles também a alma era formada por dtomos, esta- mos diante de uma concep¢ao materialista e determinista. G Mito e filosofia: continuidade e ruptura J podemos observar a diferenga entre o pen- samento mitico e a filosofia nascente: a cosmolo- gia racional distingue-se da cosmogonia mitica de Hesfodo. Para estudiosos como o inglés Francis Mcdonald Cornford, no entanto, apesar das diferengas o pen- samento filoséfico nascente ainda apresentava vin- culagdes com o mito. Examinando os textos dos 011110 AN NIRA pRe| QO fil6sofos jénicos, Cornford descobriu neles a mesma estrutura de pensamento existente no relato mitico: 08 jénios afirmavam que, de um estado inicial de indisting&o, separam-se pares opostos (quente e frio, seco e timido), que vao gerar os seres naturais (0 céu de fogo, o ar frio, a terra seca, 0 mar imido). Para eles, a ordem do mundo deriva de forcas opos- tas que se equilibram reciprocamente, ea unidio dos opostos explica os fenémenos metedricos, as esta- ges do ano, o nascimento e a morte de tudo o que vive. Ora, para Cornford, essa explicagao racional se assemelha aos relatos de Hesfodo na Teogonia, segundo os quais Gaia gera sozinha, por segregacao, 0 Céu eo Mar; depois, da unido de Gaia com Urano resulta a geragdo dos deuses, Embora em parte concorde com o fato de que a filosofia deriva do mito, em Mito e pensamento entre os gregos Vernant contrapée-se a Cornford ao desta- car 0 novo, “aquilo que faz precisamente com que a filosofia deixe de ser mito para se tornar filosofia’. ‘Nesse sentido, existe uma ruptura entre mito e filosofia. Enquanto 0 mito é uma narrativa cujo con- tetido nao se questiona, a filosofia problematiza e, portanto, convida a discussao. No mito a inteligibi- lidade é dada, na filosofia ela é procurada, A filoso- fia rejeita o sobrenatural, a interferéncia de agentes divinos na explicagiio dos fenémenos, Ainda mais: a filosofia busca a coeréncia interna, a definigaio rigo- rosa dos conceitos; organiza-se em doutrina e surge, portanto, como pensamento abstrato. Onascimento da filosofia Capitulo 3 ae Leitura complementar Leia 0 texto de Nietzsche sobre Tales de Mileto e responda as questées. Tales, 0 primeiro fil6sofo “A filosofia grega parece comecar com uma ideia absurda, coma proposigao: a dgua €a origem e amattiz de todas as coisas. Seré mesmo necessdrio deter-nos nela e levé-la a sério? Sim, e por trés razdes: em pri- lugar, porque essa proposigao enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz ‘sem imagem e fabulacao; enfim, em terceiro lugar, por- que nela, embora apenas em estado de crisdlida, esta contido 0 pensamento: ‘Tudo 6 um’. A razao citada em pprimeiro lugar deixa Tales ainda em comunidade com 95 religiosos e supersticiosos, a segunda o tira dessa sociedade e no-lo mostra como investigador da natu- reza, mas, em virtude da terceira, Tales se tomna o pri- fil6sofo grego. Se tivesse dito: ‘Da agua provém atterra’, teriamos apenas uma hipdtese cientifica, falsa, mas dificilmente refutavel. Mas ele foi além do cientf- fico. Ao expor essa representa¢ao da unidade através da hipotese da agua, Tales nao superou o estagio infe- rior das nogGes fisicas da época, mas, no maximo, sal- tou sobre ele. As parcas e desordenadas observacoes de natureza empirica que Tales havia feito sobre a presenca e as transformacées da égua ou, mais exata- mente, do Gmido, seriam o que menos permitiria ou mesmo aconselharia tao monstruosa generalizacdo; 0 que 0 impeliu a esta foi um postulado metafisico, uma renga que tem sua origem em uma intui¢do mistica € que encontramos em todos os fldsofos, ao lado dos esforcos sempre renovados para exprimi-la melhor —a proposicao: ‘Tudo é um’ [.-] Quando Tales diz: “Tudo é agua’, o homem [... pressente a solucdo altima das coisas e vence, com esse pressentimento, o acanhamento dos graus inferiores do conhecimento.” ‘NIETZSCHE, Friedrich. A filosafia na época tréigica dos gregos, § 3. Em: Os pré-socrdticos. Sao Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 16. (Colegio 0s Pensadores) } Questoes Oome Tales de Mileto (6q0- 6.548 a.C), de origem fenicia,viveuem Mileto, naJOnia.€ considerado © primeiro filésofo © um dos Sete Sabios da Grécia. Foi também matemético: enquanto 0s egipcios conheciam uma geometria pré- ica, Tales transforou esse saberempiricoem conhecimento cienti- fico. E atribuido a ele o teorema de Tales (dois ‘triangulos so iguais quando possuern um ado igual compreen- dido entre dois angulos iguais) e teria calculado a altura de uma pirdmide comparando a sombra dela ‘com sua prépria sombra, Como astrénomo, teria pre- visto um eclipse solar Talvez porter viajado muitoe conhecidoas cheias do Nilo, ntuiu que a agua deve- ria sero principio de tudo, por estar ligada a vida, germinacao, mas também a corrupcao e & putre- facao. Por considerar a agua um “deus inteligente’ conclui que todas as coisas esto cheias de deuses” Como nao restou nada do que escreveu —se éque escreveu—, nem todos os relatos a seu respeito so confiaveis. Tales de Mileto,imagem do sécullo XI, Metafisica. Termo que adquiriu contornos diferen- tes no transcurso da histéria da filosofia. Na tradi- 620 aristotélica é estudo do “ser enquanto ser” (do ser absoluto e dos primeiros principios).A metafisica procura analisar conceitos basicos como Deus, alma, mundo. Atualmente, trata-se do campo da filosofia que investiga questdes que esto por trés ou além daquelas que so objeto das ciéncias, como identi- dade, verdade, existéncia, conhecimento, significado, causalidade, necessidade,liberdade Identifique no trecho selecionado as trés razdes destacadas por Nietzsche se- gundo as quais podemos levar a sério a reflexio de Tales de Mileto sobre a agua como principio de tudo. B_ Em ane sentido a reflexio de Tales é filosética e, portanto, se distingue do mito e da ciéncia? Leitura complementar Unidade 1 MILTON OWESTANGER GETTY Nace muse ACEI LNDRES Nai ?Revendo o capitulo £3} A passagem da mentalidade mitica para o pensa- mento filoséfico é justificada por alguns teéricos coma tese do “milagre grego", posi¢do descartada por outros. Em que consiste essa tese e que expli- cages the podem ser contrapostas? FB oual é a importancia da agora para 0 desenvolvi- mento da democracia na Grécia Antige? EB © ame significa dizer que a democracia grega era uma democracia direta? Sob esse aspecto, em que se distingue das atuais democracias? Identifique as caracteristicas comuns a reflexdo dos filésofos pré-socraticos. »Aplicando os conceitos $8 “Em todas as literaturas, a prosa é posterior ao verso, como a reflexdo o é & imaginagao. A litera- tura grega nao faz excegao a regra, antes a acen- tua, pois o desnivel cronologico entre ambas deve importa uns trés séculos.” (Maria Helena Rocha Pereira. Estudos de histéria da cultura classica. v. 1. Cultura grega. 3. ed. Lisboa: Fundagao Caloustes Gulbenkian, 1970. p. 198, a) A que obras em verso se refere o texto? E a que obras em prosa? b) Quando prevalecem o verso e a prosa na cul- tura grega? ©) 0 que o texto quer dizer com a oposigao entre imaginagio ¢ reflexdo? © Na Grécia Antiga, o surgimento da escrita propi- ciou o nascimento da filosofia. E hoje, os altos indices de analfabetismo constituiriam um obsta- culo ao desenvolvimento da consciéncia critica de seus cidadaos? ‘Tomando por base o significado da agora na pélis democritica, quais seriam as “égoras" nas demo- cracias contempordneas? {GB} Neste fragmento de um texto de Empédocles, ha elementos que denotam ruptura em relagao a0 pensamento mitico. Identifique-os. “Esta [luta das duas forgas] é manifesta na massa dos membros humanos: as vezes, unem-se pelo amor todos os membros que atingiram a cor- poreidade, na culminancia da vida florescente; outras, divididos pela cruel forca da discérdia, erram separados nas margens da vida. Assim também com as arvores e peixes das éguas, com os animais selvagens das montanhas e os pas- saros mergulhées levados por suas asas.” (G. Bornheim. Os fildsofos pré-socrditicos. 3. ed. S40 Paulo: Cultrix, 1977. p. 70.) )Dissertagao GB Faca uma dissertagéo sobre o tema "A filosofia é filha da cidade”. Nela vocé deve descrever e jus- tificar a vinculagdo entre a fundagao da pélis e 0 nascimento da filosofia. 2 Caiu no vestibular (UEL-PR) “Ha, porém, algo de fundamentalmente novo na maneira como os gregos puseram a ser- vigo do seu problema tiltimo — da origem e es- séncia das coisas — as observagdes empiricas que receberam do Oriente e enriqueceram com as suas préprias, bem como no modo de sub- meter ao pensamento tedrico e causal o reino dos mitos, fundado na observagao das realidades aparentes do mundo sensivel: os mitos sobre 0 nascimento do mundo.” (W. Jaeger, Paideia, 3. ed. ‘Sao Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 197.) Com base no texto e nos conhecimentos sobre a relagdo entre mito e filosofia na Grécia, é correto afirmar. a) Em que pese ser considerada como criagao dos greg0s, a filosofia se origina no Oriente sob 0 influxo da religiéo e apenas posteriormente chega a Grécia. b) A filosofia representa uma ruptura radical em elagéo aos mitos, uma nova forma de pen- samento plenamente racional desde suas origens. ©) Apesar de ser pensamento racional, a filosofia se desvincula dos mitos de forma gradual. @) Filosofia e mito sempre mantiveram uma rela- ‘ga0 de interdependéncia, uma vez que o pen- samento filoséfico necessita do mito para se expressar, ¢) 0 mito jé era filosofia, uma vez que buscava respostas para problemas que até hoje séo objeto da pesquisa filoséfica. Justifique com argumentos a escolha da alterna- tiva assinalada.

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