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CADERNOS

& CONSERVAÇÃO
RESTAURO 1 2 10 €

ANO

NÚMERO

PREÇO
EDITORIALProcuramos, com este segundo número dos Cadernos do Instituto Português de Conservação e Restauro,
responder a uma necessidade sentida por todos quantos se dedicam profissionalmente à conservação e ao restauro, ou
se preocupam com as problemáticas da preservação do património, em dispor de documentos normativos que enquadrem
a profissão nos aspectos metodológicos e éticos e que desenhem a evolução dos seus objectivos e princípios.
Como é sabido, os textos fundamentais sobre a conservação e restauro – os já com valor histórico e as reflexões mais
recentes–, não se encontram vertidos para português e só podem ser consultados na língua original ou através das
muitas traduções que os nossos vizinhos ibéricos têm vindo a disponibilizar. Para este facto contribuem segura-
mente a modesta dimensão da nossa produção editorial, ainda mais sentida no tocante à literatura de âmbito cien-
tífico e tecnológico, assim como a pequena dimensão do universo potencial de leitores, atendendo ao número dos
profissionais que se dedicam estritamente à conservação e restauro, embora seja já mais considerável a fatia de mer-
cado correspondente ao número dos potenciais interessados nas temáticas ligadas à defesa do património. Ainda
assim, deverá ser realçado o facto de há longos anos o país, a comunidade profissional, os estudantes e investi-
gadores, disporem de uma instituição onde pode ser consultada a bibliografia internacional de referência, desde os
textos fundadores da disciplina da conservação e restauro, às abordagens contemporâneas, nas suas vertentes téc-
nicas, até às especulações mais de índole filosófica.

3 Restauro

9 ICOM

15 ECCO

21 AIC

31 Pavia

33 Encore

41 Nara
CADERNOS
& CONSERVAÇÃO
E RESTAURO 1 1 500.

ANO

NÚMERO

PREÇO
2,49 €

EDITORIAL É com grande satisfação que damos hoje início à publicação dos Cadernos técnicos do Instituto Português
de Conservação e Restauro, e anunciamos para breve o início da publicação do nosso Boletim.

Estas duas iniciativas inserem-se nas atribuições do IPCR no domínio da produção editorial própria e da divulgação
regular e periódica de conhecimentos inerentes à sua actividade científica e funcionamento interno.
Fica assim criado mais um instrumento que nos permitirá reforçar a nossa política de defesa do Património, em par-
ticular e especialmente no domínio da Conservação Preventiva.

Ocorre este lançamento por ocasião do 1º Encontro Científico do IPCR – “A Conservação Preventiva e as Exposições
Temporárias” – sendo natural que traduza algumas das ideias a discutir nesses trabalhos. Com efeito, esta é a filosofia
que enforma a nossa intervenção: contribuir para que os bens culturais disponham de condições ambiente, sejam
guardados, transportados e expostos com cuidados que previnam a sua degradação e evitem o recurso ao restauro. Esta
é uma tarefa que implica um empenhamento e uma nova mentalidade de quantos têm à sua guarda o Património que
é de todos nós e que devemos transmitir às gerações futuras, como legado precioso dos que nos precederam e contribuiram
assim para a nossa identidade.

3 Para uma Estratégia Europeia de


Conservação Preventiva

11 Conservação preventiva em
museus, bibliotecas e arquivos
Região Autónoma dos Açores

27 Para uma especificação de normas


de iluminação

A necessidade do rigor
39 em conservação preventiva —1

43 1
Centro de documentação sobre
conservação preventiva
Refiro-me à Biblioteca do antigo Instituto de José de Figueiredo, hoje
IPCR, onde são disponibilizados para consulta cerca de 5 000 títulos da
literatura fundamental sobre a preservação do Património, assim como
dezenas de títulos de publicações periódicas especializadas, a que se estão
a juntar os centros de documentação que se sedimentam nas Universidades
e Politécnicos com formação nesta área.
Mas nada substitui o facto de se disporem dos instrumentos fundamentais
na nossa língua e esse é um imperativo a que o IPCR, apesar da modéstia
dos seus recursos, não podia deixar de responder. Em abono da verdade, impõe-se dizer que o Boletim da Associação
para a Defesa da Conservação e Restauro (ADCR) tem igualmente tido esta preocupação e já trouxe a público textos
importantes, nomeadamente o Documento de Pavia que também incluímos neste número por ser uma das traves-mestras
do esforço crescente que a nível europeu se vem desenvolvendo para a afirmação, o reconhecimento público e a credi-
bilização junto das diferentes instâncias do poder da profissão de conservador-restaurador, assim como da necessidade
de formação, ao mais alto nível, que esta disciplina implica. Para além deste documento, incluímos três códigos de ética
de distintas organizações, a ECCO (European Confederation of Conservator-Restorers’ Organizations), o ICOM-CC
(International Council of Museums – Comittee for Conservation) e o AIC (American Institute for Conservation of
Historic and Artistic Works), recomendações para a formação ao nível universitário do ENCoRE (European Network
for Conservation-Restoration Education) e as Recomendações da APEL (Acteurs du Patrimoine Européen et Légis-
lation), igualmente sobre o reconhecimento dos níveis de qualificação exigidos para esta actividade e o Documento de
Nara sobre o “respeito pela diversidade cultural e patrimonial na área da conservação”.
Este número inclui ainda o texto “Restauro, entre o existir e ser”, onde se reflecte sobre a evolução do conceito de
restauro e o modo como foi sendo plasmado na legislação que enquadra a preservação do Património em Portugal.
Resta esperar que esta recolha de textos possa constituir-se como um instrumento de trabalho e de reflexão, mais um
contributo para a afirmação da Conservação e Restauro como importante actividade profissional que constitui igual-
mente uma área de estudo, investigação e desenvolvimento de enorme potencial.

Ana Isabel Seruya


Directora do IPCR

1
ficha técnica

Direcção Ana Isabel Seruya • Coordenação Rui Ferreira da Silva • Traduções Ana Isabel Seruya, Gabriela Carvalho, Alexandra Curvelo, Francisca Figueira, Emilia Matos e Associação para a Defesa da

Conservação e Restauro (ADCR) • Edição Instituto Português de Conservação e Restauro – Rua das Janelas Verdes – 1249-018 Lisboa • Tel. 21 393 42 00 • Fax. 21 397 00 67 • e-mail. ipcr@ipcr.pt

www.ipcr.pt • Créditos Fotográficos IPCR Todos os direitos reservados • Design João Machado • Produção João Machado Design Lda • Pré-impressão Loja das Ideias • Impressão Orgal • ISSN 1645-

1902 • Depósito legal 184 033/02 Distribuição nacional

Os documentos originais podem ser consultados em http://palimpsest.stanford.edu/byorg/ecco/ • http://aic.stanford.edu/ • http://www.encore-edu.org/encore/documents/cp.pdf

http://www.apel-eu.org/ • http://www.unesco.org/whc/archive/nara94.htm • http://www.icom.org/

2
RESTAURO, ENTRE O EXISTIR
E SER

Mário Pereira De entre as múltiplas formações que intervêm O ano de 1793, com a criação do Museu Central
Subdirector do IPCR nas acções de Conservação e Restauro, interes- das Artes de Paris (que absorve as colecções
sa-nos considerar, aqui e agora, a actividade do reais), é um importante marco para a história da
Conservador-restaurador sem poder deixar de conservação e restauro. Como que estabelece
ter em conta que é precisamente quando cami- uma fronteira ao apontar para uma nova menta-
nhamos para uma sociedade que se prenuncia lidade pela forma diferente de o restaurador se
como hiper-especializada que mais se sente a posicionar perante uma colecção pública.
necessidade da interdisciplinaridade. É neste novo contexto, com o desenvolvimento
É importante, quando falamos de Conservação do fenómeno museístico, em que a sociedade
e restauro, passar um olhar por aquele que foi declara expressamente o seu interesse por
o percurso do restaurador e verificar como alguns objectos, é neste âmbito e neste enqua-
começou por ser uma profissão/actividade dramento de colecções, que agora são públicas,
relativamente incaracterística, anónima e que surge o restaurador profissional. Temos,
necessariamente unida ao artista. assim, um profissionalismo que se vai afirman-
O processo de profissionalização só terá lugar do à medida que o restauro vai deixando de
com o aparecimento das colecções públicas, estar sujeito ao gosto do cliente privado e ultra-
nos primeiros museus, onde ficará “encrava- passando as imposições do coleccionador.
da”, para, ao longo do Séc. XX, se ir dispersan- É, pois, na oficina do Museu, em que o trabalho
do e consolidando por outros serviços. do restaurador se efectua sobre “bens da
O restaurador artista aparece ligado a um contex- nação”, e já não sobre património privado, que
to específico do colecionismo, em que havia uma surge a necessidade de se justificar a interven-
ambiência que aceitava com naturalidade os ter- ção e em que, por isso, passa a ser produzida
mos repintar, retocar, recompor, integrar, reinte- documentação sobre a intervenção, passa a
Frontal de Altar. Igreja do Convento de grar, reconstruir e restaurar, e em que existia uma ser necessário fundamentá-la sob o ponto de
N.ª Sra. da Conceição. Almodôvar efectiva ligação entre criação e restauro, o que, vista histórico- artístico e em que se vai tor-
naturalmente, propiciou o artista restaurador. nando cada vez mais essencial o conhecimento
Colunas de Altar
Capela do Bom Jesus,Convento da
É a própria evolução do conceito de obra de de Física e de Química.
Arrábida arte (estilo, mestre e autoria), sobretudo quan- É aqui, nesta actividade pública, que se vai cal-
do a antiguidade aparece como um valor digno, deando o restaurador com um perfil que é ao
apreciado, e merecedor em ser conservado, mesmo tempo humanista e cientista1.
1
Cf. Maria Dolores Ruiz de Lacanal – que opera a transformação do conceito de res- Para além da vertente artística, e porque se
El Conservador-Restaurador de Bienes tauro e são estas conceptualizações que confe- trata de intervenção num Património que
Culturales: História de la profesión. rem, a partir de então, um respeito que é tam- agora é colectivo, terá de haver um respeito
Editorial Sintesis, 1999. bém histórico- artístico. pela comunidade, ou seja, estamos também

3
perante problemas de ética requeridos pela de arte do arbitrio; e o arbitrio é n’este caso
intervenção. uma falsificação, uma ratoeira aos vindouros, e
Os problemas que se prendem com a profissão mentira aos contemporaneos.
e com teorias de restauro, têm vindo a ser (...) Ora Boito citando um provérbio oriental:
objecto de várias “doutrinas” que atingiram as «é vergonha enganar os de agora, maior ver-
suas máximas expressões com Cesari Brandi e gonha enganar os vindouros», condemna a
Paul Philipot. theoria de Viollet le Duc por levar fatalmente á
falsificação(...).” 3
Em Portugal, Mendes Leal afirmava, em 1858, Portugal não passou à margem das grandes
que, apesar dos Alvarás de 1721 e 1802 serem querelas que caracterizaram o Séc. XIX, Ruskin,
“uma prova da zelosa solicitude e grande ilus- Boito e Viollet le Duc tinham, entre nós, os seus
tração (...) e uma precaução patriótica contra defensores e os seus detractores.
as cegas temeridades do camartelo (...) infeliz- Entretanto, o vazio legal, existente entre nós,
mente não tem sido cumprida e muitos anos fez com que iniciativas como as da Real Asso-
vão frustrados para este empenho de naciona- ciação dos Architectos e Archeologos Portu-
lidade de progresso e dignidade”.2 guezes não pudesse ter dado andamento à
No Séc. XIX, sobretudo depois da extinção das famosa relação dos monumentos nacionais
Ordens Religiosas (1834), apesar de as ques- proposta em 1880, por Vilhena Barbosa, para
Ressurreição de Lázaro (pormenor) tões relacionadas com o Património serem tra- classificação. A título informativo talvez impor-
Charola do Convento de Cristo. Tomar zidas para a “ordem do dia” com Herculano, te sublinhar que esta proposta dividia os
Mouzinho de Albuquerque, Possidónio da “Monumentos Nacionais e Padrões Históricos e
Silva, Sousa Holstein, Vilhena Barbosa e Commemorativos de Varões Illustres” em seis
Ramalho Ortigão, desde muito cedo que assis- classes que iam desde os “Monumentos histo-
timos a alguma complacência política com o ricos e artisticos, e os edifficios que sómente se
incumprimento da legislação referente ao recommendam pela grandeza da sua construc-
património, ao mesmo tempo que grassa o ção, pela sua magnificencia ou por encerrarem
abandono, o desleixo e a incúria. primores de arte” até aos “Monumentos pre-
“Em todos os paizes civilisados se affirmam os historicos Dolmens ou antas, men-hirs, mamu-
cuidados, as responsabilidades, e os carinhos nhas, etc.” passando por “Edifícios Importan-
em salvar puras as reliquias do passado, em tes para o estudo da história das artes em Por-
evitar arranjos pittorescos, suppostas restau- tugal, ou sómente históricos, mas não grandio-
rações que estraguem, desnaturem, falsifi- sos ou simplesmente recommendaveis por
quem o trabalho artistico. qualquer excellencia de arte” e por “Monumen-
Em Portugal fizeram-se innumeras barbarida- tos levantados em logares publicos pela grati-
des; gastaram-se grossas quantias em serenos dão nacional, em honra de homens que bem
vandalismos. Quando era muito melhor respei- mereceram da patria”.4
tar integralmente o que estava(...). As designações utilizadas para a sistematização
Restaurar! diz Viollet le Duc. Conservar salvar das diferentes Classes, para além da sua impor-
da ruina! diz-se hoje: porque já se tem a expe- tância cultural, não deixam, também elas, de ser
riencia do que pode fazer, do mal irreparavel sociológica e politicamente relevantes.
que pode produzir o architecto no edificio, o Em 1898, Elvino de Brito criou o Conselho
2
Gabriel Pereira, Monumentos Nacio- pintor nas telas e nas taboas pintadas; prodi- Superior dos Monumentos Nacionais que, em
nais, Livraria Ferreira, Lisboa, 1909. gios de engenho talvez, mas que se arriscam 1901, viria a ser reformulado pelo Ministro das
3
Idem muito a ser falsificações. Obras Públicas, conselheiro Vargas.
4
Relação dos Monumentos Nacionais. (...) Com a theoria de Viollet de Duc não há O ano de 1901 foi um ano importante para o
Imprensa Nacional, Lisboa, 1904. saber ou engenho capazes de salvar as obras Património Cultural português. Em 30 de

4
Dezembro publicou-se o Decreto com a “decla-
ração das bases da classificação dos imóveis
que devam ser considerados monumentos
nacionais, e bem assim dos objectos mobiliá-
rios de reconhecido valor intrínseco ou extrín-
seco pertencentes ao Estado, a corporações
administrativas ou a quaisquer estabelecimen-
tos públicos (...) os objectos mobiliários classi-
ficados pertencentes ao Estado são considera-
dos inalienáveis e imprescritíveis; os das cor-
porações e estabelecimentos públicos, excep-
tuados os museus, não poderão ser restaura-
dos, reparados nem alienados sem autorização
do ministro, ouvido o Conselho ”.
Desde 1901 que a legislação tem vindo a enqua-
drar aquilo que tem sido o alargamento do con-
ceito de Património Cultural. Assim, em 1932,
pelo Decreto n.º 20.985 é introduzida a figura de
“Imóvel de Interesse Público” e, pelo Decreto n.º
21.875, é autorizado o estabelecimento de
“Zonas Especiais de Protecção”, o “Imóvel de
Valor Concelhio” só virá a ser reconhecido em
1949, pela Lei n.º 2.385 que promulga as dispo-
sições sobre a protecção e conservação de todos
os elementos ou conjuntos de valor arqueológi-
co, histórico artístico ou paisagístico concelhios.
Em 1972 , a UNESCO, na Convenção de Paris,
como que vem a fechar o círculo das modalidades É, efectivamente, um importante passo para res- Ressurreição de Lázaro (pormenor)
inseríveis nos actuais modelos de património ao ponder a uma realidade que começava a exigir
promulgar a “Convenção sobre a Protecção do maiores definições. No próprio preâmbulo deste
Património Mundial, Cultural e Natural”. Dec-Lei fala-se da necessidade do trabalho de
No entanto, e apesar desta evolução jurídi- equipa interdisciplinar (História, Arqueologia,
co/conceptual, foi necessário esperar pelo Química...) para justificar o técnico de Conserva-
Dec.-Lei n.º 245/80, de 22 de Julho, para, no ção e Restauro que classifica como sendo aque-
seu Art.º 8º, encontrarmos referências expres- le que “(...) sabe garantir a preservação das con-
sas às atribuições e competências dos profis- dições materiais do objecto, identificá-lo como
sionais de conservação e restauro... “O técni- falso ou verdadeiro e restaurar-lhe a aparência e
co de Conservação e Restauro sabe analisar as a estrutura quando a acção do tempo, incúria ou
causas de deterioração dos bens culturais que qualquer catástrofe as alterou”.
lhe sejam confiados e decidir do tratamento A profissão de Conservador-restaurador que
mais adequado; sabe executar todas as tare- sempre estivera indefinida, e sem qualquer tipo
fas que dizem respeito à sua especialidade e de enquadramento jurídico/funcional, começava
tem capacidade para ensaiar novos métodos e agora a dar os primeiros passos no sentido da
produtos e para orientar os técnicos auxiliares sua definição e da sua regulamentação.
e artífices que façam parte da sua equipa de Tinham-se criado as condições para viabilizar
trabalho”. uma formação direccionada para a conservação

5
Nenhuma disposição legal a instituiu, regula a
sua organização e funcionamento ou estabele-
ce as condições de execução dos trabalhos.
Umas vezes procede-se como se dependesse
da Junta Nacional da Educação, outras vezes
como se constituísse um anexo do Museu.
Ao fim e ao cabo ninguém exerce nela efectiva
e regular superintendência: a Junta, em cujo
orçamento se inscreve a verba que permite
mantê-la embora precariamente, não o pode
fazer , porque isso não é compatível com a sua
índole, e o Museu, naturalmente, retrai-se por
falta de título que legitime a sua intervenção.
Nestas condições, e com recursos financeiros
muito limitados, a oficina, durante largos anos
servida pela perícia e a intuição admiráveis de
Luciano Freire e de Fernando Mardel, não tem
podido corresponder, com a amplitude requerida,
à missão que, embora de facto, lhe está confiada.
Nem sequer às pinturas dos museus dispensa
Ressurreição de Lázaro (pormenor) e restauro e é na sequência deste diploma que, na medida necessária a vigilância e tratamen-
em 1981, funcionou, no IJF, o primeiro curso to que elas reclamam.
que habilitou profissionais para intervir nesta E, além destas muitas obras espalhadas pelo
área. No entanto, promovida pelo IPPC (Eng.º País, mal defendidas das injúrias dos homens
António Lamas), a Escola Superior de Conser- e do tempo, arrumadas em locais sem a devida
vação e Restauro só viria a ser criada pelo Dec- preparação, expostas a fortes oscilações de
Lei n.º 431/89. Foi, pois, esta a Escola que, jun- temperatura, carecem dos seus cuidados, e, à
tamente com o Instituto Politécnico de Tomar falta deles, vão sofrendo grandes danos ou se
(Portaria n.º 623/89), prepararam os primeiros vão perdendo.
técnicos que, com formação específica, come- (...) O novo Instituto recebe, em homenagem
çaram a dar resposta às crescentes solicita- devida a quem tão altos e devotados serviços
ções de um mercado em alta. prestou à arte, o nome de José de Figueiredo.
Tendo como sede o edifício que foi o primeiro
Há um notório desfasamento entre o que se no Mundo a ser estudado e construído espe-
passa na formação e aquele que é o exercício cialmente para instalação de serviços desta
de uma actividade com ela relacionada. Em natureza, compreende duas secções: laborató-
relação a esta actividade podemos situar o ano rio e oficina.
de 1965 como o ano charneira, uma vez que, A primeira, destinada a favorecer, pela utiliza-
com a publicação do Dec-Lei n.º 46.758 se pro- ção de processos físicos e químicos de análise,
cessa um importante salto qualitativo. “(...) A quer o estudo das obras de arte, quer a prepa-
oficina de beneficiação de pintura, que duran- ração do seu restauro, encontra-se já apetre-
te muitos anos funcionou no antigo Convento chada com material para exames de raios X, de
de S. Francisco da Cidade e que em 1946 se raios infravermelhos e de raios ultravioletas,
transferiu para dependências do edifício cons- para fotografias à luz rasante e à luz das lâm-
truído junto ao Museu Nacional de Arte Antiga, padas de sódio, para macro e microfotografia.
tem mera existência de facto. (...) Na dependência desta secção ficam as equi-

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pas móveis de restauradores organizadas para servar preventivamente, evitando, sustendo ou
percorrerem o País e procederem, nos próprios retardando a degradação dos materiais (...). O
locais em que as obras se encontrem, os traba- restauro, e mesmo a conservação curativa, pas-
lhos menos complexos. Realizados a tempo, sam assim a reger-se pelo principio da «inter-
esses trabalhos evitarão quase sempre que as venção mínima». Porém, reduzir a intervenção
moléstias progridam e venham a causar mais directa sobre as obras de arte e demais bens
tarde prejuízos de difícil ou impossível reparação. patrimoniais não significa diminuição de neces-
(..) O restauro de obras de arte pertencentes ao sidades em matéria de investigação e formação
Estado (...) só pode ser executado pelo Instituto. de técnicos.”
Trata-se de precaução plenamente justificada Estamos, no início do Séc. XXI, empenhados no
pela delicadeza das operações em que se des-
dobra o restauro e pelos perigos que ele oferece
se conduzido com menos perícia ou escrúpulo”.
Como vemos, nem sempre a consciência da
delicadeza de uma intervenção leva a tomadas
de posição consequentes. A criação do IJF, em
1965, regulariza a situação de uma oficina que
assim funcionava desde 1911.

Encontramo-nos, de novo, numa fase crucial


para a evolução da Conservação e Restauro. Pri-
meiro, a publicação do Decreto-Lei n.º 342/99,
que criou o Instituto Português de Conservação
e Restauro e que é a resposta institucional aos
desafios que hoje se colocam à Conservação e
restauro; seguidamente, a publicação do Decre-
to-Lei n.º55/2001, que é o diploma de carreiras
da área da Conservação e Restauro e que se ins-
titui como o diploma fundamental para o enqua-
dramento jurídico da profissão, e, por fim, a
publicação da Lei n.º 107/2001, que estabelece
as bases da política e do regime de protecção e equilíbrio harmonioso entre o binómio Inter- Ressurreição de Lázaro (pormenor)
valorização do Património Cultural e que no seu venção/Formação e a apetrecharmo-nos com
Art.º 59 determina que “as intervenções físicas ferramentas que nos permitam estar aptos a
ou estruturantes em bens móveis classificados compreender a Conservação não só como um
(...) são obrigatoriamente asseguradas por téc- conjunto de teorias mais ou menos bem elabo-
nicos de qualificação legalmente reconhecida”. radas, mas também como uma filosofia, uma
Estes enquadramentos procuram integrar as ética e uma política que envolve uma grande
novas formas de “ver” as intervenções, tal multiplicidade de agentes.
como aparece expresso no preambulo do Dec-
Lei nº 342/99 “(...)os avanços da ciência con-
duziram ao aparecimento e adopção cada vez
mais generalizada de um novo conceito em
matéria de conservação, alterando profunda-
mente a relação entre o conserva-
dor/restaurador e o Objecto. Trata-se de con-

7
ICOM – INTERNATION COUNCIL OF
MUSEUMS/COMMITTEE FOR CONSERVATION
– CÓDIGO DE ÉTICA DA COMISSÃO PARA
A CONSERVAÇÃO DO ICOM

CODE OF ETHICS OF THE ICOM COMMITTEE Setembro de 1984, o Grupo de Trabalho traba-
FOR CONSERVATION lhasse mais o conteúdo da Definição. Esta últi-
ma versão é o resultado das revisões feitas por
“O Conservador-Restaurador: Definição da Ray Isar, Janet Bridgland e Christoph von Imhoff,
Profissão” entre Novembro de 1983 e Agosto de 1984.

Preâmbulo: O Código de Ética da Comissão para a Conser-


O presente documento baseia-se num texto vação do ICOM foi publicado no n.º 4 da News-
preparado na Alemanha por Agnes Ballestrem, letter da Comissão, em 1986.
que o submeteu como documento de trabalho
ao Standards and Training Committee (Comis-
são para os Padrões e Formação) do ICCROM, 1. Introdução
Altar (pormenor da zona da maqui- no encontro de Novembro de 1978 ( ST 1/3). O
neta). Capela do Bom Jesus. Working Group for Training in Conservation and 1.1 A finalidade deste documento é a de fixar os
Restoration (Grupo de Trabalho para a Forma- objectivos, princípios e requisitos funda-
Busto-relicário. Capela Relicário.
Mosteiro de Alcobaça.
ção em Conservação e Restauro) do ICOM dis- mentais dos profissionais da conservação.
cutiu pela primeira vez este documento no 1.2 Na maioria dos países, a profissão do con-
encontro realizado em Zagreb em 1978. Foi servador-restaurador1 carece ainda de defi-
publicada uma versão revista com uma intro- nição: quem quer que conserve e restaure é
1
A adopção deste termo ao longo do dução de H.C. von Imhoff na pré-impressão denominado conservador ou restaurador,
texto constitui um compromisso, na relativa ao encontro trienal da Comissão para a independentemente da duração e âmbito
medida em que o mesmo profissional Conservação do ICOM, que decorreu em Otta- da respectiva formação.
é designado por “conservador” nos wa, Canadá, em 1981, (artigo 81/22/0). O docu- 1.3 A preocupação com os princípios de ética
países de língua Inglesa, e “restaura- mento foi posteriormente re-escrito por Elea- profissional e as normas a observar para
dor” nos países de língua Românica e nor McMillan e Paul N. Perrot. A nova versão foi com os objectos em tratamento e respecti-
Germânica. apresentada e, salvo pequenas emendas, una- vos proprietários, conduziu a inúmeras ten-
2
Certas profissões relacionadas com nimemente adoptada durante a reunião interi- tativas de definição da profissão e da sua
a conservação, designadamente os na do Grupo de Trabalho para a Formação em distinção face a outras profissões afins2,
Arquitectos de Conservação, Cientis- Conservação e Restauro, realizada em Dresden assim como de estabelecer requisitos espe-
tas e Engenheiros, e todas as que a 5 de Setembro de 1983, tendo sido submeti- cíficos de formação. Outras profissões,
contribuem para a conservação, não da à Direcção da Comissão na reunião de Bar- nomeadamente a de médico, advogado e
são referidas neste documento, visto celona de 26 de Novembro de 1983. A Direcção arquitecto, passaram também por uma fase
já estarem regulamentadas por nor- sugeriu que antes da apresentação do docu- de auto-análise e definição, tendo fixado
mas profissionais reconhecidas. mento à Comissão na reunião de Copenhaga em normas amplamente aceites. Chegou agora

9
vadas de conservação, ou de modo inde-
pendente. A sua função é a de conhecer o
aspecto material de objectos de significa-
do histórico e artístico, com o objectivo de
prevenir a sua degradação e de aumentar a
nossa compreensão sobre eles, para per-
mitir uma melhor distinção entre o que é
original e o que é falso.

3. O Impacto e a Ordenação das acti-


vidades do Conservador-Restaurador

Busto-relicário (pormenor). o momento de definir a profissão de con- 3.1 O Conservador-Restaurador tem uma res-
servador-restaurador. Esta acção deve aju- ponsabilidade específica, na medida em
dar a profissão a alcançar a paridade de que actua sobre originais insubstituíveis
estatuto com disciplinas como as de con- que são, por vezes, únicos e de grande
servador ou arqueólogo. valor artístico, histórico, científico, cultural,
social ou económico. O valor de tais objec-
tos reside nas características da sua fabri-
2. A actividade do Conservador- cação, no seu testemunho enquanto docu-
-Restaurador mentos históricos e, consequentemente,
na sua autenticidade. Os objectos “são
2.1 A actividade do conservador-restaurador uma expressão significativa da vida espiri-
(conservação) compreende o exame técni- tual, religiosa e artística do passado, mui-
co, a preservação, e a conservação-restau- tas vezes testemunhos de uma situação
ro do bem cultural: histórica, quer sejam trabalho do mais ele-
Exame: é o procedimento preliminar efec- vado nível, quer simples objectos de uso
tuado para determinar o significado docu- quotidiano”3
mental de um artefacto; estrutura e mate- 3.2 A qualidade documental do objecto histó-
riais originais; a amplitude da sua deteriora- rico é a base para a pesquisa em História
ção, alteração e perda; e a documentação da Arte, Etnografia, Arqueologia e em
destes resultados. outras disciplinas de base cientifica. Daí,
Preservação: são as medidas tomadas para a importância de preservar a sua integri-
retardar ou prevenir a deterioração ou danos dade física.
de bens culturais através do controlo do seu 3.3 Dado que o risco de manipulação prejudi-
meio ambiente e/ou tratamento da sua estru- cial ou de transformação do objecto é ine-
tura, com a finalidade de os manter, tanto rente a qualquer medida de conservação
quanto possível, num estado inalterado. ou restauro, o conservador-restaurador
Restauro: é a acção empreendida para tor- deve trabalhar em íntima colaboração com
nar compreensível um artefacto deteriora- o conservador ou outro especialista rele-
do ou danificado, com o mínimo de sacrifí- vante. Juntos devem distinguir entre o
3
G. S. Graf Adelmann, “Restaurator cio da sua integridade estética e histórica. necessário e o supérfluo, o possível e o
und Denkmalpflege” in Nachrichten- 2.2 Os conservadores-restauradores traba- impossível, a intervenção que valorize as
blatt der Denkmalpflege in Baden- lham em museus, em serviços oficiais de qualidades do objecto, e a que prejudica a
Württemberg, Vol.8 No. 3, 1965. protecção do património, em empresas pri- sua integridade.

10
3.4 O conservador-restaurador deve estar avaliar uma situação, actuar imediatamente,
consciente da natureza documental de um e avaliar o seu impacto.
objecto. Cada objecto contém – isolada- 3.8 A cooperação interdisciplinar é de uma
mente ou em conjunto –, mensagens e importância fundamental, dado que hoje o
informações históricas, estilísticas, icono- conservador-restaurador tem de fazer
gráficas, tecnológicas, intelectuais, estéti- parte de uma equipa. Assim como o cirur-
cas e/ou espirituais. Ao deparar-se com gião não pode ser simultaneamente radio-
estes dados no decorrer da investigação e logista, patologista e psicólogo, também o
do trabalho sobre o objecto, o conserva- conservador-restaurador não pode ser um
dor-restaurador deve estar sensibilizado e especialista em História da Arte ou da Cul-
ser capaz de reconhecer a sua natureza, tura, Química e/ou outras ciências humanas
deixando-se guiar por eles durante a exe- ou naturais. Como o trabalho do cirurgião,
cução da sua tarefa. também o do conservador-restaurador pode Busto-relicário (pormenor da policromia).
3.5 Desta forma, todas as intervenções devem
ser precedidas de um exame metódico e
científico com vista ao entendimento do
objecto em todas as suas vertentes, devendo
tomar-se em linha de conta todas as conse-
quências de cada manipulação. Quem, por
falta de formação, não for capaz de executar
tais exames, ou quem, por falta de interesse
ou por outras razões, negligencie este pro-
cedimento, não pode ser incumbido da
responsabilidade do tratamento. Só um
conservador-restaurador bem formado e
experiente pode interpretar correctamente
os resultados de tais exames e prever as
consequências das decisões tomadas.
3.6 Uma intervenção sobre um objecto artístico
ou histórico deve seguir a sequência
comum a toda a metodologia científica:
investigação das fontes, análise, interpre-
tação e síntese. Só assim, o tratamento
pode preservar a integridade física do
objecto e tornar acessível o seu significa-
do. Importa salientar que esta abordagem
aumenta a nossa capacidade de decifrar a
mensagem científica do objecto, contribuin-
do assim para um novo conhecimento.
3.7 O conservador-restaurador trabalha no
próprio objecto. O seu trabalho, à seme-
lhança do cirurgião é, acima de tudo, uma
arte/habilidade manual. Porém, como no
caso do cirurgião, a habilidade manual
deve estar associada ao conhecimento teó-
rico e à capacidade de, simultaneamente,

11
Altar (pormenor da cúpula) e deve ser complementado pelas desco- Um critério básico de tal distinção assenta
bertas analíticas e de investigação dos no facto dos conservadores-restauradores
académicos. Esta colaboração funcionará não criarem novos objectos culturais atra-
bem se o conservador-restaurador estiver vés das actividades que exercem. É da com-
apto a formular as suas questões de forma petência das profissões artísticas e artífi-
científica e rigorosa, e a interpretar as res- ces e artesanais, como ferreiros, dourado-
postas no contexto adequado. res, marceneiros, decoradores e outros,
reconstruir fisicamente o que já não existe,
ou o que já não pode ser preservado. Con-
4. Distinção de Profissões Afins tudo, também eles podem beneficiar imenso
com os achados dos conservadores-restau-
4.1 As actividades profissionais do conservador- radores, e com a sua orientação.
restaurador são distintas das profissões 4.2 Só um conservador-restaurador com for-
artísticas ou das praticadas por artífices. mação sólida, bem preparado, experiente e

12
altamente sensibilizado pode estabelecer 5.5 Em todas as etapas desta formação, deve
se uma intervenção num objecto de signifi- ser dada ênfase principal à prática, nunca
cado histórico e/ou artístico pode ser efec- perdendo de vista a necessidade de desen-
tuada por um artista, um artífice ou um volver e afinar uma compreensão dos facto-
conservador-restaurador. Só ele, de res técnicos, científicos, históricos e estéti-
comum acordo com o conservador ou com cos. O objectivo final da formação é o de
outro especialista, possui os meios neces- preparar profissionais aptos a realizar, de
sários para examinar o objecto, determinar forma ponderada, intervenções de conser-
o seu estado, e avaliar a importância docu- vação muitíssimo complexas e a documen-
mental da sua materialidade. tá-las integralmente, com vista a que o tra-
balho e os relatórios contribuam não só
para a preservação, mas também para uma
5. Formação teórico-prática do compreensão aprofundada de aconteci-
Conservador-Restaurador mentos históricos e artísticos relacionados
com os objectos em tratamento.
5.1 Para corresponder às características e espe-
cificações profissionais acima mencionadas, Copenhaga, Setembro de 1984
o conservador-restaurador deve receber for- ICOM Committee for Conservation
mação artística, técnica e científica, susten-
tada por uma sólida formação geral.
5.2 A formação prática deve contemplar o
desenvolvimento da sensibilidade e da
habilidade manual, a aquisição de conheci-
mento teórico sobre materiais e técnicas,
assente numa metodologia de rigor cientí-
fico que permita desenvolver a capacidade
de resolver problemas de conservação
seguindo uma abordagem sistemática,
recorrendo a uma investigação rigorosa e
interpretando os dados criticamente.
5.3 A formação teórica deve abranger as
seguintes matérias:
• História da Arte e das Civilizações
• Métodos de investigação e de documentação
• Conhecimento de tecnologia e materiais
• Teoria e Ética da conservação
• História e tecnologia da conservação-
-restauro
• Química, Biologia e Física dos processos de
deterioração e dos métodos de conservação.
5.4 É unanimemente reconhecido que um está-
gio constitui parte essencial de um progra-
ma de formação. Este deve ser concluído
com uma tese ou dissertação final, e ser
reconhecido como equivalente a um grau
universitário. Altar (cúpula, lanternim e pináculo)

13
ECCO • EUROPEAN CONFEDERATION OF
CONSERVATOR-RESTORERS’ ORGANIZATIONS –
CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO
CONSERVADOR-RESTAURADOR

“PROFESSIONAL Directrizes Profissionais da E.C.C.O. benefício da nossa geração e das gerações


GUIDELINES: futuras.
THE PROFESSION AND THE (I) A PROFISSÃO O Conservador-restaurador contribui para o
entendimento dos bens culturais relacionados
CODE OF ETHICS” 1993.
Realizado pela “European Confederation of com o seu significado histórico e estético e
Conservator-Restors’ Organizations” (ECCO) e com a sua integridade física.
adoptado em Assembleia Geral (Bruxelas, 11 de O Conservador-restaurador é o responsável e é
Junho 1993) quem realiza o diagnóstico, os tratamentos de
conservação e restauro dos bens culturais, e a
documentação de todos os procedimentos.
Introdução
Exame/Diagnóstico consiste na determinação
Os objectos a que a sociedade atribui um parti- da composição e estado de conservação do
cular valor artístico, histórico, documental, bem cultural; identificação, natureza e exten-
estético, científico, espiritual ou religioso, são são das alterações; avaliação das causas de
normalmente designados por “bens culturais”. deterioração; determinação do tipo e extensão
Os bens culturais constituem uma herança do tratamento necessário. Inclui o estudo da
material e cultural a ser perpetuada para as documentação relevante.
gerações vindouras.
Uma vez que a sociedade atribui ao Conserva- Conservação Preventiva consiste na acção
dor-restaurador o cuidado destes bens, é dele indirecta para retardar deteriorações e preve-
não só a responsabilidade para com estes nir danos, através da criação de condições
bens, como também para com o proprietário ou óptimas para a preservação dos bens culturais,
responsável legal, o autor ou criador, o público desde que compatíveis com a sua utilização
e a posteridade. Estas premissas têm como social. A Conservação Preventiva abarca a cor-
objectivo a salvaguarda dos bens culturais, recta utilização e manuseamento, transporte,
indiferentemente do seu proprietário, datação, acondicionamento e exposição.
estado de conservação ou valor.
Conservação Curativa consiste essencialmente
na acção directa aplicada sobre os bens culturais,
I. O papel do Conservador-restaurador com o objectivo de retardar futuras deteriorações.

Calvário. Misericórdia de O papel fundamental do Conservador-restau- Restauro consiste na acção directa sobre os
Proença-a-Velha rador é a preservação dos bens culturais para bens culturais danificados ou deteriorados,

15
com o intuito de facilitar a sua compreensão, Directrizes Profissionais da E.C.C.O.
respeitando dentro dos limites possíveis, o seu
aspecto estético, histórico e integridade física. (II) CÓDIGO DE ÉTICA

É ainda da competência do Conservador-


-restaurador: I. Princípios gerais para a aplicação
do código
• Desenvolver programas de inspecção e acções
de conservação e restauro, Artigo 1. O Código de Ética diz respeito aos
• Emitir pareceres técnicos e dar assistência princípios, obrigações e comportamentos, que
técnica para a conservação e restauro dos cada Conservador-restaurador, como membro
bens culturais, de uma organização aderente à E.C.C.O., deve
• Elaborar relatórios técnicos dos bens cultu- aplicar na prática da sua profissão.
rais, excluindo qualquer juízo de valor sobre o Artigo 2. A profissão de Conservador-restaurador
seu valor de mercado, constitui uma actividade de interesse público e
• Realizar estudos de investigação sobre a con- deve ser praticada na observância de todas as
servação e restauro, leis e acordos pertinentes, tanto a nível nacio-
• Desenvolver programas educacionais e leccio- nal como europeu, especialmente no que diz
nar conservação e restauro, respeito aos bens culturais roubados.
• Divulgar a informação obtida através do Artigo 3. O Conservador-restaurador executa o
exame, tratamento ou investigação, seu trabalho directamente nos bens culturais e
• Promover um entendimento mais profundo é pessoalmente responsável perante o proprie-
da conservação e restauro. tário e a sociedade. O Conservador-restaurador
tem o direito de, em todas as circunstâncias, se
recusar a qualquer solicitação que ele entenda
II. Diferenciação de outros profissionais estar em contradição com os termos ou espírito
deste código.
O Conservador-restaurador não é nem um artis- Artigo 4. O não cumprimento dos princípios,
ta, nem um artesão. Enquanto que o artista ou obrigações e proibições do Código, constitui
o artesão estão envolvidos na criação de novos uma prática anti-profissional e conduzirá a um
objectos ou na manutenção e restauro desses descrédito da profissão.
objectos, num sentido funcional, o Conserva-
dor-restaurador tem como preocupação a pre-
servação dos bens culturais. II. Obrigações relativas aos Bens
Culturais

III. Formação Académica Artigo 5. O Conservador-restaurador deve res-


peitar o significado estético e histórico e a inte-
Para manter os padrões da profissão, o profis- gridade física dos bens culturais que lhe foram
sional de conservação e restauro deve ter uma confiados para tratamento.
formação e ensino com grau universitário ou Artigo 6. O Conservador-restaurador, em cola-
equivalente. boração com outros profissionais relacionados
com os bens culturais, deve, na actividade de
preservação desses bens, ter em consideração
a respectiva função social.

16
Artigo 7. O Conservador-restaurador deve
reger-se pelos mais elevados padrões, inde-
pendentemente de qualquer opinião sobre o
valor de mercado dos bens culturais. Embora
possam existam circunstâncias que limitem a
extensão da acção de um Conservador-restau-
rador, o respeito pelo Código nunca deve ser
comprometido.
Artigo 8. Antes de intervir em quaisquer bens
culturais, o Conservador-restaurador deve ter
em consideração todos os aspectos relativos à
conservação preventiva e deverá cingir-se ape-
nas ao tratamento necessário.
Artigo 9. O Conservador-restaurador deve optar
por usar produtos, materiais e procedimentos
que, de acordo com o actual nível do conheci-
mento, não danifiquem os bens culturais, o
meio ambiente ou as pessoas. A forma de utili-
zação e os materiais aplicados não devem inter-
ferir, sempre que possível, com futuros diagnós-
ticos, tratamentos ou análises. Devem também
ser compatíveis com os materiais constituintes
dos bens culturais e, tanto quanto possível, fácil
e completamente reversíveis.
Artigo 10. A documentação de um bem cultural
deve incluir registos do exame, intervenções de Artigo 14. Em qualquer situação de emergência Nossa Senhora do Leite (pormenor).
conservação e restauro e outras informações em que um bem cultural esteja em perigo imi- Mosteiro do Lorvão
consideradas relevantes. Esta documentação nente, o Conservador-restaurador, qualquer
torna-se parte integrante do objecto cultural e que seja a sua área de especialização, deve dar
deve estar disponível para consulta. toda a assistência possível.
Artigo 11. O Conservador-restaurador apenas Artigo 15. O Conservador-restaurador nunca
deve realizar o trabalho se tiver competência para deve remover materiais dos bens culturais, a
o fazer. O Conservador-restaurador não deve não ser que seja estritamente indispensável
começar ou continuar um tratamento que não para a sua preservação, ou que interfira com o
seja do melhor interesse para o bem cultural. seu valor histórico ou estético. Os materiais
Artigo 12. O Conservador-restaurador deve removidos devem ser conservados, sempre
empenhar-se no enriquecimento dos seus que possível, e o procedimento devidamente
conhecimentos e capacidades, com o objectivo documentado.
de melhorar a qualidade do seu trabalho a nível Artigo 16. Sempre que a utilização de um bem
profissional. cultural seja incompatível com a sua preserva-
Artigo 13. Sempre que se mostre necessário ou ção, o Conservador-restaurador deve discutir
pertinente, o Conservador-restaurador deve com o proprietário ou seu responsável legal a
consultar historiadores de arte ou especialistas forma de executar uma reprodução de forma a
em análises científicas, e deve participar con- não danificar o original.
juntamente numa troca ampla de informação.

17
Altar (pormenor da cúpula) III. Obrigações para com o proprietá- Artigo 21. O Conservador-restaurador deve con-
rio ou responsável legal tribuir para o desenvolvimento da profissão,
através da partilha de experiência e informação.
Altar. Capela do Bom Jesus. Convento
Artigo 17. O Conservador-restaurador deve Artigo 22. O Conservador-restaurador deve
da Arrábida
informar o proprietário sobre toda e qualquer empenhar-se para promover um entendimento
Calvário. (pormenor S. João Evangelista)
acção solicitada, e especificar os meios ade- profundo da profissão e uma ampla consciên-
quados para a sua manutenção futura. cia da conservação e restauro entre os outros
Artigo 18. O Conservador-restaurador é obrigado profissionais e o público.
a manter confidencialidade profissional. Sem- Artigo 23. Os registos relativos à conservação e
pre que queira fazer referência a um bem cul- restauro pelos quais o Conservador-restaura-
tural, deve obter o consentimento do proprie- dor é responsável são sua propriedade intelec-
tário ou responsável legal. tual (assunto relativo aos termos do contrato
de trabalho).
Artigo 24. O envolvimento com o comércio cul-
IV . Obrigações para com os colegas tural de bens culturais não é compatível com as
e a profissão actividades do Conservador-restaurador.
Artigo 25. O Conservador-restaurador só deve
Artigo 19. O Conservador-restaurador deve publicitar o seu trabalho com recurso a meios
manter um espírito de respeito pela integrida- adequados e informativos.
de e dignidade dos colegas e da profissão.
Artigo 20. O Conservador-restaurador deve, A Confederação Europeia das organizações de
dentro dos limites do seu conhecimento, com- Conservadores-restauradores (E.C.C.O.) prepa-
petência, tempo e meios técnicos, participar rou estas Directrizes profissionais baseadas no
na formação de estagiários e assistentes. O estudo de documentos de organizações nacio-
Conservador-restaurador é responsável pela nais e internacionais ligadas ou não à conser-
supervisão do trabalho realizado pelos assis- vação. “Conservador-restaurador: uma defini-
tentes e estagiários e tem a responsabilidade ção da profissão (ICOM-CC, Copenhague 1984)
última sobre o trabalho realizado sob a sua foi o 1º documento adoptado pela ECCO.
supervisão.

18
AIC • AMERICAN INSTITUTE FOR CON-
SERVATION OF HISTORIC AND ARTISTIC
WORKS – CÓDIGO DE ÉTICA E
DIRECTRIZES PARA O EXERCÍCIO
DA PROFISSÃO

CÓDIGO DE ÉTICA DO AIC ventiva, o diagnóstico, a documentação, o


tratamento, a investigação e o ensino, mas
sem se circunscrever a estes.

Introdução II. Todas as acções do profissional da conser-


vação devem reger-se por um respeito pro-
O principal objectivo dos profissionais da con- fundo para com os bens culturais, o seu
servação, pessoas com uma formação extensa carácter e significado únicos, e para com o
e conhecimentos especializados, é a preser- povo ou a pessoa que os criou.
NOTA: A primeira formulação de vação dos bens culturais. Chamam-se bens
directrizes para a prática e para as culturais aos objectos individuais, estruturas III. Embora reconhecendo o direito da sociedade
relações profissionais de qualquer ou colecções integradas. É material que pos- a utilizar de forma adequada e respeitosa
grupo de conservadores-restau- sui um significado que pode ser artístico, his- os bens culturais, o profissional de conser-
radores de arte foi produzida pela tórico, científico, religioso ou social, e consti- vação deve servir como defensor da preser-
Comissão de Normas e Procedimen- tui um legado insubstituível e de valor inesti- vação dos bens culturais.
tos Profissionais do International mável, que deve ser preservado para as gera-
Institute for Conservation –American ções futuras. IV. O profissional da conservação deve traba-
Group (agora AIC), em 1961. Estas Para se atingir este objectivo, os profissionais lhar dentro dos limites da sua competência
normas foram adoptadas em 1963 e da conservação assumem uma série de obriga- e formação pessoais, bem como dentro dos
publicadas nos Studies in Conserva- ções para com os bens culturais, os seus pro- limites dos meios disponíveis.
tion em Agosto de 1964. O primeiro prietários ou quem detém a sua custódia legal,
Código de Ética dos conservadores- para com a profissão, e para com a sociedade V. Ainda que as circunstâncias possam limitar
restauradores da América do Norte como um todo. Este documento, o Código de os recursos disponíveis numa dada situação
foi aprovado em 1967, em Ottawa, no Ética e Directrizes para o Exercício da Profissão particular, a qualidade do trabalho realizado
Canadá. Os dois documentos foram do “American Institute for Conservation of His- pelo profissional da conservação não deverá
revistos e actualizados em 1979 e toric and Artistic Works” (AIC), estabelece os ficar comprometida.
1985. A versão final que agora se princípios que devem reger os profissionais da
publica foi aprovada por votação dos conservação e outros que estejam envolvidos VI. O profissional da conservação deve lutar
membros do American Institute for na salvaguarda dos bens culturais. por seleccionar métodos e materiais que ,
Conservation em 1994. com base num conhecimento actualizado,
I. O profissional da conservação deve lutar por não afectem negativamente os bens cultu-
atingir os padrões mais elevados possíveis rais ou o seu futuro diagnóstico, investiga-
Princesa Santa Joana (pormenor). em todos os aspectos relacionados com a ção científica, tratamento, ou função.
Museu de Aveiro conservação, incluindo a conservação pre-

21
Visão de S. Paulo. (pormenor) VII. O profissional da conservação deve docu- os danos ou deteriorações dos bens culturais,
mentar o exame, a investigação científica e estabelecendo directrizes para a sua utiliza-
o tratamento, produzindo registos e relató- ção continuada e a sua manutenção, reco-
rios permanentes. mendando as condições ambiente apropria-
VIII. O profissional da conservação deve reconhe- das ao seu armazenamento e exposição, e
cer a sua responsabilidade para com a con- encorajando processos adequados de manu-
servação preventiva, esforçando-se por limitar seamento, acondicionamento e transporte.

22
IX. O profissional da conservação deve actuar XI. O profissional da conservação deve pro- Visão de S. Paulo. Casa dos Patudos.
com honestidade e respeito em todas as mover a sensibilização para e o entendi- Alpiarça

relações profissionais, procurando assegu- mento da conservação, através de uma


rar os direitos e oportunidades de todos os comunicação aberta com os profissionais
que trabalham na profissão, e reconhecer o afins e o público.
conhecimento especializado dos outros.
XII. O profissional da conservação deve traba-
X. O profissional da conservação deve contri- lhar de forma a minimizar os riscos pes-
buir para a evolução e crescimento da pro- soais e os acidentes com os seus colabora-
fissão, um campo de estudo que abrange as dores, o público, e o meio ambiente.
ciências exactas e as ciências humanas.
Esta contribuição pode traduzir-se quer no XIII. Cada profissional da conservação tem a
desenvolvimento contínuo das aptidões e obrigação de promover o entendimento
conhecimentos profissionais, quer na parti- de, e a adesão a este Código de Ética.
lha de informação e experiência com os cole-
gas, quer no aumento do corpo de conheci-
mentos escritos da profissão, quer ainda
providenciando e promovendo oportunida-
des de formação neste campo.

23
sujeita a uma revisão formal por parte de Trono Patriarcal (pormenor) Patriar-
DIRECTRIZES PARA O EXERCÍCIO DA cado de Lisboa
especialistas.
PROFISSÃO DO AIC
3. Leis e Regulamentos: O profissional da con-
servação deve conhecer as leis e regulamentos
O profissional da conservação deve seguir as que possam ter relevância para a sua actividade
directrizes seguintes, conjuntamente com o profissional. Dentro destas leis e regulamen-
Código de Ética do AIC, na procura de uma ética tos contam-se as que se prendem com os direi-
de trabalho. tos dos artistas e do seu património, saúde e
segurança no trabalho, materiais de carácter
sagrado ou religioso, objectos de escavações,
Conduta Profissional espécies em perigo, testemunhos humanos e
bens roubados.
1. Conduta: A adesão ao Código de Ética e 4. Desempenho Profissional: Independente-
Directrizes para o Exercício da Profissão da con- mente da natureza da sua situação profissio-
servação é uma questão de responsabilidade nal, o profissional da conservação deve guiar-
pessoal. O profissional da conservação deve se por padrões adequados de segurança, pro-
guiar-se sempre pela intenção deste documento, tecção, contratos, honorários e publicidade.
reconhecendo que circunstâncias específicas 4 A. Saúde e Segurança: O profissional da con-
podem afectar legitimamente as decisões servação deve ter conhecimento das questões
profissionais. relacionadas com a segurança dos materiais e
2. Divulgação: Nas relações profissionais, o procedimentos e disponibilizar essa informa-
profissional da conservação deve partilhar ção aos outros, consoante apropriado.
informação completa e rigorosa sobre a eficá- 4 B .: Protecção O profissional da conservação
cia e valor dos materiais e procedimentos. Ao deve providenciar condições de trabalho e
procurar e divulgar essa informação, bem acondicionamento apropriadas para a salva-
como aquela relativa à análise e investigação, guarda dos bens culturais.
o profissional da conservação deve reconhe- 4 C. Contratos: O profissional da conservação
cer a importância da informação publicada pode vir a estabelecer acordos contratuais com
particulares, instituições, empresas ou orga-
nismos governamentais, desde que não
entrem em conflito com os princípios prescri-
tos no Código de Ética e Directrizes para o
Exercício da Profissão.
4 D. Honorários: Os honorários cobradas pelos
profissionais da conservação devem ser propor-
cionais aos serviços prestados. A repartição das
honorários é aceitável, sempre que baseada na
divisão do serviço ou da responsabilidade.
4 E. Publicidade: A publicidade e outras repre-
sentações do profissional da conservação
devem apresentar uma descrição exacta das
suas credenciais e dos serviços que presta.
5. Comunicação: A comunicação entre o pro-
fissional da conservação e o proprietário,
responsável ou agente autorizado do bem
cultural é essencial para garantir um acordo

25
que reflicta a partilha de decisões e expecta- mação decorrente do exame, investigação cien-
tivas realistas. tífica ou tratamento do bem cultural, não deve
6. Consentimento: O profissional de conserva- ser publicada ou tornada pública, sem autori-
ção deve actuar apenas com o consentimento zação escrita.
do proprietário, responsável ou agen- 8. Supervisão: O profissional da conservação é
te autorizado. O proprietário, res- responsável pelo trabalho delegado noutros
ponsável ou agente deve ser infor- profissionais, estudantes, estagiários, volun-
mado sobre quaisquer circunstân- tários ou subordinados. O trabalho só deve ser
cias que impliquem alterações sig- delegado ou subcontratado se o profissional
nificativas ao estabelecido anterior- da conservação o puder supervisionar directa-
mente. As alterações devem ser mente, assegurar uma adequada supervisão
participadas, sempre que possível, ou tenha um conhecimento suficiente do pro-
antes de terem lugar. fissional que lhe permita confiar na qualidade
7. Confidencialidade: À excepção do do seu trabalho. Sempre que oportuno, o pro-
previsto no Código de Ética e Direc- prietário, responsável ou agente deve ser
trizes para o Exercício da Profissão, informado da delegação do trabalho.
o profissional da conservação deve 9. Formação: Dentro dos limites do conheci-
manter relações de trabalho confi- mento, capacidade, tempo e meios/recursos, o
denciais com o proprietário, respon- profissional de conservação é encorajado a
sável, ou agente autorizado. A infor- envolver-se na formação do pessoal de conser-
vação. Os objectivos e obrigações de ambas as
partes devem ser acordados mutuamente.
10. Consulta: Uma vez que nenhum profissio-
nal pode ser perito em todos os aspectos da
conservação, poderá ser conveniente consul-
tar outros colegas ou, em certos casos, suge-
rir ao proprietário, responsável ou agente
autorizado, um profissional que seja mais
experiente ou esteja melhor equipado para
realizar o trabalho pretendido. Se o proprietá-
rio solicitar uma segunda opinião, o pedido
deve ser respeitado.
11. Recomendações e Referências: O profissio-
nal de conservação não deve fazer recomenda-
ções, sem o conhecimento directo da competên-
cia e experiência do outro colega. Qualquer refe-
rência ao trabalho dos outros profissionais deve
basear-se em factos e no conhecimento pessoal,
e não em informações veiculadas por terceiros.
12. Depoimentos contrários: O profissional de
conservação pode ser solicitado a prestar depoi-
mento em acções legais ou processos adminis-
trativos relativos a falta de conduta ética. Os tes-
temunhos relacionados com estes assuntos
Trono Patriarcal devem ser prestados nesses processos ou de
acordo com o parágrafo 13 destas Directrizes.

26
13. Mau comportamento: As alegações sobre Conservação Preventiva
má ética profissional devem ser relatadas por
escrito ao presidente da AIC. Estes casos são 20. Conservação Preventiva: O profissional da
estritamente confidenciais. As violações ao conservação deve reconhecer a importância cri-
Código de Ética e Directrizes que constituam tica da conservação preventiva como o meio mais
falta de ética na conduta podem conduzir a eficaz de, a longo prazo, promover a preservação
processos disciplinares. dos bens culturais. O profissional da conservação
14. Conflito de interesses: O profissional da deve estabelecer directrizes para o uso e cuidado
conservação deve evitar situações nas quais continuados, recomendar condições ambiente
exista um conflito potencial de interesses que adequadas para o armazenamento e exposição e
possa afectar a qualidade do trabalho, condu- encorajar processos adequados de manusea-
zir à divulgação de informações falsas, ou dar mento, embalagem e transporte.
ideia de inexactidão.
15. Actividades profissionais relacionadas: O
profissional da conservação deve ter em espe- Tratamento
cial consideração o considerável potencial de
conflito de interesses em actividades como a 21. Adequação: O profissional da conservação
autenticação, avaliação ou negócio de arte. actua no âmbito de um cuidado permanente
dos bens culturais, e raramente será o último
responsável da conservação dum bem cultural.
Exame e Investigaçâo Científica O profissional da conservação deve apenas
recomendar ou realizar tratamentos que se jul-
16. Justificação: Um exame cuidado dos bens guem adequados à preservação das caracterís-
culturais é a base de todas as acções futuras ticas estéticas, conceptuais e físicas dos bens
realizadas pelo profissional da conservação. culturais. Sempre que a “não intervenção” for a
Antes da realização de qualquer exame ou teste opção que melhor sirva a preservação dos bens
que possa causar alterações nos bens culturais, culturais, pode ser apropriado recomendar a
o profissional da conservação deve justificar a não realização de qualquer tratamento.
necessidade de todos os procedimentos. 22. Materiais e Métodos: O profissional da
17. Amostras e Testes: Antes de se remover conservação é responsável pela escolha dos
qualquer material procedente dum bem cultu- materiais e métodos adequados aos objectivos
ral, deve pedir-se consentimento ao proprietá- específicos de cada tratamento específico, de
rio, responsável, ou agente. Só se deve remo- acordo com a prática correntemente aceite. As
ver a quantidade mínima suficiente e registar- vantagens dos materiais e métodos escolhidos
se essa remoção. Quando se julgue necessá- devem ser equacionadas, tendo em conta os
rio, o material removido deve ser conservado. potenciais efeitos negativos em futuros exames,
18. Interpretação: As declarações sobre data- investigação científica, tratamento e função.
ção, origem ou autenticidade, devem apenas 23. Compensação de perdas: Qualquer inter-
fazer-se com base em provas idóneas. venção realizada para colmatar uma perda
19. Investigação Científica: O profissional da deve ser documentada nos registos e relató-
conservação deve seguir padrões científicos e rios de tratamento e registos fotográficos e
protocolos de pesquisa estabelecidos. deve ser detectável através de métodos de
exame habituais. Essa compensação deve ser
reversível e não modificar, falseando, as carac-
terísticas estéticas, conceptuais e físicas

27
conhecidas do bem cultural, em especial ao vação deve preparar um plano que descreva o
remover e ocultar material original. processo de tratamento. Esse plano deve tam-
bém incluir a justificação e os objectivos do tra-
tamento, abordagens alternativas, se possí-
Documentação veis, e os potenciais riscos. Sempre que apro-
priado, esse plano deve ser submetido como
24. Documentação: O profissional da conser- uma proposta ao proprietário, responsável ou
vação tem obrigação de produzir e manter agente autorizado.
registos rigorosos, completos e permanentes 27. Documentação do Tratamento: Durante o
de exames, amostragem, investigação científi- tratamento, o profissional da conservação
ca e tratamento. Sempre que apropriado, os deve manter documentação datada que inclua
registos devem ser escritos e pictóricos. O tipo um registo ou descrição das técnicas e proce-
e extensão da documentação pode variar de dimentos envolvidos, os materiais utilizados e
acordo com as circunstâncias, a natureza do sua composição, a natureza e extensão de
objecto, ou de se tratar de documentar um todas as alterações, e ainda qualquer informa-
objecto em particular ou uma colecção. Os ção adicional descoberta ou averiguada de
objectivos dessa documentação são: qualquer outra forma. Um relatório baseado
• estabelecer o estado de conservação dos nestes registos deve resumir essa informação
bens culturais; e fornecer, conforme necessário, recomenda-
• ajudar à preservação dos bens culturais, for- ções para os cuidados subsequentes.
necendo informação útil para futuros trata- 28. Preservação da Documentação: A docu-
mentos e contribuindo para o aumento do mentação é uma parte de valor incalculável da
corpo de conhecimentos da profissão; história dos bens culturais e deve ser produzida
• ajudar o proprietário, responsável ou agente e mantida de uma forma tão permanente quanto
autorizado, e a sociedade como um todo, na praticável. Devem ceder-se ao proprietário,
apreciação e utilização dos bens culturais, responsável ou agente autorizado, cópias dos
melhorando o entendimento das característi- relatórios de exame e tratamento, e devem ser
cas estéticas, conceptuais e físicas do objec- avisados da importância de manter estes
to; e ajudar o profissional da conservação, ao materiais junto com os bens culturais. A docu-
fornecer uma referência que pode auxiliar o mentação é também uma parte importante do
desenvolvimento continuo dos conhecimen- corpo de conhecimentos da profissão. O profis-
tos e ao fornecer registos que ajudem a evi- sional da conservação deve empenhar-se em
tar equívocos e litígios desnecessários. preservar estes registos e permitir o acesso
25. Documentação do Exame: Antes de qual- adequado aos outros profissionais, desde que
quer intervenção, o profissional da conservação o acesso não transgrida acordos relativos à
deve efectuar um exame detalhado do bem cul- confidencialidade.
tural e fazer os registos apropriados. Estes
registos e os relatórios deles decorrentes
devem identificar o bem cultural e incluir a data
do exame e o nome do profissional que o reali-
zou. Devem também incluir , consoante apro-
priado, uma descrição da estrutura, materiais,
estado de conservação e história pertinente.
26. Plano de Tratamento: Após o exame e
antes do tratamento, o profissional da conser-

28
Situações de Emergência Alterações

29. Situações de Emergência: As situações de 30. Alterações: Quaisquer alterações propos- Trono Patriarcal (pormenor)
emergência podem colocar sérios riscos de tas ao Código de Ética e Directrizes para o Exer-
danificação ou perda dos bens culturais, que cício da Profissão devem iniciar-se por uma
podem implicar uma intervenção imediata por petição à Direcção do AIC, por pelo menos 5
parte do profissional da conservação. Numa Fellows ou membros profissionais do AIC. A
situação de emergência, que ameace os bens Direcção providenciará para que a Comissão
culturais, o profissional da conservação deve adequada prepare as emendas para votação,
tomar todas as iniciativas razoáveis para a pre- de acordo com os procedimentos descritos na
servação dos bens culturais, reconhecendo secção VII das leis. A aceitação das alterações
embora que nem sempre possa ser possível ou modificações deverá ter a concordância de
respeitar integralmente as Directrizes para o pelo menos dois terços dos votos de todos os
Exercício da profissão. Fellows e membros profissionais do AIC.

29
DOCUMENTO DE PAVIA

CONSIDERANDO que o Património Cultural, nidos em Pavia em Outubro de 1997, recomen-


móvel e imóvel, é fundador da identidade cul- dam que, na base do documento redigido pela
tural europeia, no respeito pelas diversidades classe profissional, no seio da Confederação
nacionais e regionais; Europeia de Associações de Conservadores-
-restauradores (European Confederation of
CONSIDERANDO a natureza específica deste Conservator-Restors’ Organizations – “ECCO
Património, o seu carácter não renovável, a Professional Guidelines”) e em colaboração
obrigação moral de garantir o seu acesso às com todos os especialistas do sector, a União
gerações presentes e vindouras e de sensibili- Europeia encoraje as seguintes acções:
zar os profissionais do sector, o público e as
tutelas para a sua génese, a sua história, a sua 1. O reconhecimento e a promoção da conser-
fragilidade e a sua preservação; vação-restauro como disciplina leccionada,
para todas as categorias de bens culturais, a
CONSIDERANDO a necessidade de assegurar nível universitário ou reconhecido como
para o Património Cultural o mais alto nível da equivalente, com acesso ao doutoramento.
conservação-restauro, ou seja, capaz de lhe 2. O desenvolvimento da interdisciplinaridade
garantir a autenticidade e prolongar a existência; entre Conservadores-restauradores e os
representantes das ciências exactas e huma-
Virgem da Boa Morte. Igreja da CONSIDERANDO que esta conservação-restau- nas, tanto no ensino como na investigação.
Madre de Deus ro de alto nível deve assentar no reconhecimen- 3. A promoção do perfil do Conservador-res-
to imprescindível de um estatuto profissional do taurador assente nas normas profissionais
RX
Conservador-restaurador a nível europeu; definidas pela ECCO (93/94), no seu papel
na tomada de decisão desde a concepção de
CONSIDERANDO que o Conservador-restaura- um projecto e na sua responsabilidade na
dor deve participar nas decisões desde a con- comunicação com os profissionais do sector,
cepção de um projecto de conservação-restau- o público e as tutelas.
ro e que, em colaboração com os outros par- 4. A definição, a nível europeu, do conjunto de
ceiros envolvidos, deve assumir as responsabi- competências profissionais específicas do
lidades na esfera da sua competência, espe- Conservador-restaurador.
cialmente no diagnóstico, definição, realização 5. O impedimento da proliferação das formações
e documentação dos tratamentos. não qualificadas que não correspondem às
regras da profissão.
Os peritos das profissões envolvidas na con- 6. Um justo equilíbrio entre o ensino teórico e
servação-restauro do Património Cultural, reu- prático integrados, bem como o ensino das

31
Virgem da Boa Morte. Igreja da estratégias de comunicação, na formação vo e jurídico deve incluir disposições sobre:
Madre de Deus dos Conservadores-restauradores. • A qualificação das empresas ou das equi-
7. A implementação imediata de um programa pas de profissionais responsáveis pelos
de cooperação e intercâmbio, no âmbito de projectos de conservação-restauro;
uma rede europeia de instituições de forma- • As especificações a incluir no caderno de
ção e investigação em conservação-restauro. encargos, para qualquer projecto de con-
8. A realização, pela classe profissional, de um servação-restauro.
estudo comparativo dos diferentes sistemas 12. A publicação de um glossário multilíngue,
educativos (objectivos, conteúdos e níveis). baseado nas definições conceptuais que cons-
9. Uma maior difusão da informação, mediante tam das obras de referência da disciplina.
a publicação dos dados e trabalhos em con- 13. A disponibilização de meios apropriados
servação-restauro. para assegurar uma melhor comunicação
10. A promoção e desenvolvimento da investi- entre os profissionais do sector, o público e
gação em conservação-restauro. as tutelas.
11. A criação de um quadro regulamentar que
garanta a qualidade das intervenções nos
bens culturais ou no seu meio ambiente, SUMMIT EUROPEU
com o fim de evitar os efeitos negativos das Pavia 18-22 de Outubro de 1997.
pressões de mercado. Este quadro normati-

32
ENCORE- EUROPEAN NETWORK FOR CONSERVA-
TION-RESTORATION EDUCATION – CLARIFICA-
ÇÃO DA FORMAÇÃO EM CONSERVAÇÃO-
RESTAURO A NÍVEL UNIVERSITÁRIO OU
EQUIVALENTE RECONHECIDO1

Nossa Senhora da Boa Morte. Igreja Antecedentes Declaração de Bolonha para a Área do Ensino
do Carmo. Beja Superior. Um esboço do documento de clarifi-
Como resultado de um Encontro de represen- cação foi apresentado e aprovado na 2ª
tantes de 30 instituições de ensino europeias, Assembleia Geral do ENCoRE, em Novembro de
* Nota da tradução: visto os títulos em Novembro de 1997 em Dresden, foi funda- 1999 em Berna. O documento foi melhorado
académicos dos países de língua da em 23 de Maio de 1998, em Copenhaga, por um grupo de trabalho representativo de 11
inglesa não terem, por vezes, um uma rede europeia de instituições de ensino e instituições-membros do ENCoRE criado na 2ª
equivalente Português, ou assumi- investigação em conservação-restauro do Assembleia Geral, e discutido por todos os
rem outro significado [por exemplo, património cultural – “ENCoRE”. Os membros membros do ENCoRE. A versão final foi discuti-
Master’s level – MA ou MSc –, que fundadores acordaram nos estatutos da asso- da, editada e aprovada por unanimidade na 3ª
equivale a uma Licenciatura e não a ciação e confirmaram o seu estatuto legal. Assembleia Geral do ENCoRE, em Junho de
um Mestrado (MPhil)], optou-se, Um dos objectivos fundamentais do ENCoRE é 2001, Munique.
sempre que possível, por proceder- promover a investigação e o ensino no campo
se à respectiva equivalência. da conservação-restauro do património cultu-
1
NOTA: No presente documento, o ral, com base nas directivas e recomendações René Larsen
conservador-restaurador é definido das Directrizes Profissionais da Confederação
como um licenciado em conservação- Europeia de Organizações de Conservadores-
restauro. Um licenciado em ciências Restauradores E.C.C.O., de 1993, e do Docu- Clarificação da Formação em Conser-
exactas ou naturais que trabalhe na mento de Pavia, de Outubro de 1997. vação e Restauro ou equivalente
área da conservação-restauro pode A necessidade de clarificação do nível universi- reconhecido
ser definido como um cientista da tário, ou equivalente reconhecido, para a for-
conservação mação dos conservadores-restauradores, foi O Documento de Pavia (1997) define a conser-
2
Documento de Pavia. Preservação sublinhada no Encontro que reuniu em Viena, vação-restauro como “disciplina leccionada,
do Património Cultural: À procura de em 1998, representantes de 43 instituições de para todas as categorias de bens culturais, a
um perfil Europeu do conservador- ensino, investigação e organizações de conser- nível universitário ou reconhecido como equi-
restaurador. Encontro Europeu. vadores-restauradores. No documento aprova- valente, com acesso ao doutoramento”2. O
Pavia, 18-22 de Outubro de 1997. do nesta reunião define-se que esta tarefa Encontro de Viena (1998) expressou a necessi-
3
Documento de Viena. Conferência deverá ser coordenada pelo ENCoRE, em asso- dade de clarificação da formação em conserva-
europeia “A framework of competen- ciação com o projecto CON.B.E.FOR. (Conser- ção-restauro a nível universitário e equivalente
ce for conservator-restorers in Euro- vadores-Restauradores do Património Cultural reconhecido (Documento de Viena parte 3)3.
pe” 30 de Novembro – 1 de Dezem- na Europa: Centros de Ensino e Institutos. Uma Acrescente-se ainda que na “Agenda for the
bro de 1998. Investigação Comparada). Future” (“Agenda para o Futuro”) do Documen-
4
Conservadores-Restauradores do O presente documento é o contributo do ENCo- to de Viena, estabelece-se que esta tarefa deve
Património Cultural na Europa: Cen- RE para esta clarificação, levando em conta a ser coordenada pelo ENCoRE em associação

33
tros de Educação e Institutos. Uma com o projecto CON.B.E.FOR. (2000)4. A presente A Disciplina da Conservação-Restau-
Investigação Comparada (Conser- publicação é a contribuição do ENCoRE para ro
vators-Restorers of Cultural Herita- esta clarificação, tomando em linha de conta a
ge in Europe: Education Centers Declaração de Bolonha para a área do Ensino A disciplina da conservação-restauro é uma
and Institutes. A Comparative Universitário Europeu (1999)5. ciência empírica, dedicada à prevenção e trata-
Research) CON.BE.FOR. Associazio- mento da deterioração dos bens do património
ne Giovanni Secco Suardo, Lurano cultural. Caracteriza-se por ser uma conjuga-
(BG), Itália, 2000, ISBN 88-8420- Introdução ção de conhecimento teórico e de competência
001-6. prática, e inclui a capacidade para julgar de
5
Declaração de Bolonha. A Forma- A conservação-restauro de objectos do patri- uma forma sistemática questões éticas e esté-
ção Superior Europeia. Declaração mónio cultural é, fundamentalmente, uma dis- ticas. Tem as suas origens nas artes e ofícios,
Conjunta dos Ministros Europeus da ciplina humanística académica que se insere na assim como nas ciências humanas, exactas e
Educação (The Bologna Declaration. disciplina global da conservação de todo o naturais. O que distingue o conservador-res-
The European higher education património cultural. Em 1996, no relatório intitu- taurador do artista ou artífice é a realização, de
area. Joint declaration of the Euro- lado “Our Creative Diversity”, da World Commis- forma cognitiva e sistemática, da análise, diag-
pean Ministers of Education). Bolo- sion on Culture and Development da UNESCO, nóstico e solução dos problemas, como base
nha, 19 de Junho de 1999. foi definida a base política e filosófica para das aptidões práticas para conservar e restau-
6
A Nossa Diversidade Criativa. todas as suas actividades, como um direito que rar. Uma base sólida de destreza prática e um
Relatório da Comissão Mundial pertence a toda a humanidade6. conhecimento da informação, da complexida-
para a Cultura e Desenvolvimento A existência, acesso e protecção necessárias do de e interactividade do comportamento mate-
da UNESCO (Our Creative Diversity. património cultural como um direito de toda a rial do objecto, e das influências ambientais, é
Report of the UNESCO World Com- humanidade implicam enormes exigências de o que distingue o conservador-restaurador dos
mission on Culture and Develop- qualidade, assim como o controlo democrático e profissionais de outras áreas académicas
ment), 1996. um olhar público sobre todos os aspectos das afins. Estas definições formam a base, e carac-
actividades e gestão do património cultural, terizam, a formação e a investigação na área
incluindo a formação. A qualidade, controlo da conservação-restauro.
democrático e perspectiva pública aprofundada
sobre a formação em conservação-restauro, só
podem ser asseguradas através de uma formação Formação em Conservação-Restauro:
académica a nível universitário, validada pelo Níveis e Progressão
Governo, e que conduza a títulos académicos pro-
tegidos e internacionalmente reconhecidos. Enquanto disciplina académica, a conserva-
Instituições de ensino que não se designem por ção-restauro baseia-se, por definição, no nível
universidades, mas que ofereçam programas de mais alto de investigação. A base da formação
estudo que, em duração, conteúdo e qualidade, em conservação-restauro consiste num equilí-
possam ser considerados pelos respectivos brio adequado entre ensino teórico e prático
órgãos de acreditação governamentais (como os integrados, tal como definido no “Documento
Ministérios de Educação) equivalentes e/ou com- de Pavia”.
patíveis com um título universitário, devem ser Deve-se pois procurar que o conservador-res-
reconhecidas como sendo do mesmo nível. taurador credenciado para uma prática profis-
sional independente seja, por definição, um
graduado a nível de Licenciatura, por uma uni-
versidade ou organismo reconhecido como
equivalente pelo Governo, ou a nível de inves-
tigação de Doutoramento (PhD). Um programa
de estudo em conservação-restauro a nível de

34
Nossa Senhora da Boa Morte. Igreja
Bacharelato deveria ser encarado como um
do Carmo. Beja
requisito de admissão ao grau de Licenciatura,
e não como uma qualificação para a prática
profissional independente. O nível de admissão
para a formação académica em conservação-
restauro deve ter como exigência mínima o cor-
respondente ao Gymnasium, Ensino Secundá-
rio, Baccalaureat, ou equivalente. Tal como
definido pela investigação do projecto
CON.B.E.FOR., a duração mínima deve ser de 7
No questionário do CON.BE.FOR,
três anos para o grau de Bacharel, antes do página 483, Secção B, Questão 24,
ingresso no grau de Licenciatura. A duração pode ser consultada uma lista com a
total dos estudos para a entrada na profissão, identificação de outros temas consi-
ou para prosseguir para o grau de doutoramento, derados importantes em qualquer
deve ser de cinco anos. Há ainda necessidade curso de conservação. CON.BE.FOR.
de se estabelecer um acordo claro entre países Associazione Giovanni Secco Suar-
em termos de equivalências, no que respeita ao do, Lurano (BG), Itália, 2000, ISBN
acesso, conteúdo, nível e duração dos progra- 88-8420-001-6:
mas de estudo dos graus de Bacharelato e Química
Licenciatura. Física
Biologia
Ciências da Terra (Geologia, Minera-
Formação em Conservação-Restauro: logia, Pedologia)
Conteúdo História da arte, Arqueologia, Etno-
logia, História, Paleografia
A descrição que se segue dos conteúdos da for- Filosofia, Estética
mação em conservação-restauro abrange progra- História da Tecnologia da Arte
mas de estudo do nível graduado a pós-graduado. História da conservação-restauro
O projecto CON.B.E.FOR. identificou 20 temas da ponderação crítica dos problemas de natu- Exegese das fontes técnicas
considerados essenciais para o conteúdo de reza ética e estética deve também fazer parte Processos de degradação
um programa de formação em conservação-res- integrante do programa de estudo. Ambiente (clima, luz, segurança, etc...)
tauro7. A natureza integrante, significado e fun- Os Licenciados em conservação-restauro Exposição, armazenamento e manu-
ção do património cultural devem ter um papel devem estar aptos a: seamento
central em todos os aspectos do programa. • planear, coordenar e realizar trabalho prático Ciência da conservação dos materiais
Devem integrar-se cuidadosamente no curricu- de conservação-restauro, incluindo trabalho Exame e documentação técnica e
lum temas teóricos auxiliares, directamente experimental e de desenvolvimento baseado científica
relacionados com a prática da conservação-res- em metodologia científica. Relatório do estado de conservação,
tauro, que deveria constituir a parte principal • planear, coordenar e realizar análises cientí- avaliação e diagnóstico
do programa. Os estudos práticos de conserva- ficas elementares e estar aptos a interpretar Metodologia da conservação-restauro
ção-restauro devem incluir trabalho a um nível e avaliar análises mais avançadas realizadas Princípios teóricos e éticos da
avançado e proporcionar o conhecimento de por outros. conservação-restauro
metodologias científicas teóricas e/ou experi- • fazer observações e avaliações rigorosas de Gestão e aspectos legais no campo
mentais, tornando o estudante apto a partici- objectos individuais e de colecções, incluindo da conservação-restauro
par em trabalhos de desenvolvimento científi- o estudo dos materiais e das técnicas (identi- Capacidades de comunicação
co. Por outro lado, uma abordagem sistemática ficação e datação), bem como de questões éti- Regulamentos de saúde e de segurança

35
cas e estéticas, em colaboração com historia- estar apto a continuar a desenvolver o trabalho
dores de arte, arqueólogos e outros especia- de investigação e de desenvolvimento no
listas. Administrar e gerir o armazenamento, campo da conservação-restauro. O grau de
manuseamento e exposição de artefactos. doutoramento em conservação-restauro cons-
• participar em projectos de investigação de titui a base de recrutamento de investigadores
conservação-restauro, na qualidade de e formadores que venham a desenvolver no
assistentes de investigação. futuro a prática e a investigação em conserva-
ção-restauro.
Actualmente há poucas faculdades ou escolas
Formação em Conservação-Restauro: de conservação-restauro independentes, no
Avaliação conjunto das instituições educativas, que ofe-
reçam acesso directo a graus superiores em
As avaliações devem ser cuidadosamente pla- conservação-restauro. Para realizarem a sua
neadas e variadas, devendo incluir tanto avalia- progressão de graus de bacharelato para licen-
ções formativas como avaliações sumativas, de ciatura, mestrado (Mphil), doutoramento
forma a permitir uma atempada apreciação (PhD), o caminho normal a seguir pelos alunos
rigorosa do aluno nos seus progressos teóricos seria o de obter o primeiro grau na mesma área
e práticos. Deve recorrer-se à avaliação contí- temática do grau superior. Apesar de presente-
nua no ensino prático, devendo os exames/ mente existirem muitos cursos em conserva-
avaliações finais ser concebidos de modo a per- ção-restauro a nível de Licenciatura, a maioria
mitir que os alunos demonstrem competência dos alunos que se graduam em conservação-
em todas as áreas abrangidas pelo programa. restauro não têm um percurso específico defi-
Deve recorrer-se a examinadores externos para nido para chegarem ao doutoramento. Mesmo
integrarem o júri final de examinadores e, ideal- quando o tema de investigação se enquadra
mente, ao longo de todo o programa de estudo, no campo da conservação-restauro, o doutora-
na qualidade de consultores curriculares e mento integra-se na maior parte dos casos na
moderadores da avaliação. área temática da faculdade em que o aluno
está inscrito, como seja a História da Arte,
Ciência Aplicada, etc. É necessário apoiar os
Formação em Conservação-Restauro: alunos que se graduam em estudos de conser-
Estudos no âmbito do Doutoramento vação-restauro, para que se possam matricular
em graus superiores dessa disciplina.
Os estudos a realizar no âmbito do doutora-
mento em Conservação-restauro podem con- Aprovado por unanimidade pela terceira Assem-
sistir em investigação básica, investigação bleia Geral do ENCoRE, a 22 de Junho de 2001
aplicada, desenvolvimento experimental, ou
numa combinação. Devido à complexidade Membros do Grupo de Trabalho:
desta área, pode na maioria dos casos ser uma
combinação, por exemplo, de investigação René Larsen (Coordenador) Dinamarca
básica aplicada e de pesquisa aplicada para Agnés le Gac Portugal
um desenvolvimento experimental. Com excep- Christophe Zindel Suiça
ção dos processos de deterioração e do desen- Friedmann Hellwig Alemanha
Gabriela Krist Áustria
volvimento da conservação-restauro, os temas
Joost Caen Bélgica
de investigação podem integrar-se nos campos
Mathias Knaut Alemanha
da teoria, filosofia e história da conservação. Rená Hoppenbrouwers Holanda
O doutorado em conservação-restauro deve Ulrich Schiessl Alemanha

36
APEL - ACTEURS DU PATRIMOINE
EUROPÉEN ET LÉGISLATION –
RECOMENDAÇÕES E DIRECTRIZES
PARA A ADOPÇÃO DE PRINCÍPIOS
COMUNS SOBRE A CONSERVAÇÃO-
RESTAURO DO PATRIMÓNIO CULTU-
RAL NA EUROPA

Introdução qualidade dos serviços e trabalhos de conser-


vação-restauro.
O património cultural contribui para a defini- O papel fundamental do conservador-restaura-
ção da identidade europeia. Ele constitui uma dor é o de preservar os bens culturais para o
expressão fundamental da riqueza e da diver- benefício das gerações presentes e futuras. O
sidade cultural na Europa. Testemunho único conservador-restaurador contribui para a iden-
do passado, a protecção do património cultural tificação, apreciação e compreensão dos bens
representa um interesse comum dos Estados culturais, no que respeita ao seu significado
europeus que devem assegurar a sua trans- estético e histórico e à sua integridade física.
missão às gerações futuras. Nem todos os Estados europeus adoptaram já
Para responder a essa obrigação, cada Estado medidas que visem o reconhecimento de um
criou Instituições e serviços especializados, e nível de formação e uma qualificação elevada
adoptou um enquadramento legislativo no qual para o acesso à profissão de conservador-res-
os bens culturais, reconhecidos pelo seu valor taurador. Para fazer face a essas insuficiências
histórico ou artístico, ou ainda por outros crité- institucionais, a Confederação Europeia de
rios patrimoniais, ficam sujeitos a um regime Associações de Conservadores-Restauradores
jurídico que pode, nomeadamente, contemplar (ECCO) adoptou, em 1993, as « Regras profissio-
medidas para a sua conservação-restauro. nais da ECCO», definindo as condições para o
Alguns bens culturais não são abrangidos por exercício da conservação-restauro, o nível de
esse regime de protecção ou ainda não foram formação requerido para o exercício da profis-
classificados de acordo com os critérios pro- são e os princípios deontológicos que esses
postos pelo enquadramento legal. Esses bens profissionais devem respeitar. Até ao momento,
não deixam de ser menos uma parte do patri- dezanove associações profissionais, repartidas
mónio cultural e deve-lhes ser assegurada por quatorze Estados europeus, adoptaram as
uma conservação-restauro segundo princípios Directrizes Profissionais I, II e III da ECCO.
que garantam a qualidade das intervenções e a A nível europeu e em parceria com outras enti-
perenidade desse património. dades, a ECCO contribuiu para a difusão des-
No entanto, a análise dos sistemas jurídicos sas regras profissionais e normas deontológi-
de protecção dos bens culturais e o recensea- cas para a conservação-restauro, nomeada-
mento das situações com que são confronta- mente pelo seu envolvimento na adopção do
dos os profissionais da conservação-restauro, Documento de Pavia em 1997, aquando da
revelam graves lacunas susceptíveis de com- cimeira consagrada à definição de um perfil
prometer a eficácia dos princípios de protec- europeu do conservador-restaurador. Esse
ção enunciados pelos sistemas jurídicos e a documento foi ratificado pelo Comité de con-

37
De facto, a qualidade das intervenções e pro-
jectos de conservação-restauro é uma condição
essencial para assegurar uma protecção e pere-
nidade do património cultural Europeu. Esta
qualidade está estreitamente relacionada com
o reconhecimento a nível Europeu do estatuto
profissional de conservador-restaurador.
Nesta perspectiva, estas recomendações e direc-
trizes enunciam as medidas mínimas que os sis-
temas jurídicos nacionais deveriam formular de
forma a reconhecer a especificidade da conser-
vação-restauro dos bens culturais, e portanto, a
necessidade de um nível de qualificação elevado
para o exercício dessa mesma profissão.

Directrizes

1. Definição de conservação-restauro:
A conservação-restauro deverá ser definida
como toda a intervenção, directa ou indirecta,
Marioneta do Teatro Wayang Kolet servação do Conselho Internacional dos sobre um objecto ou um monumento, pratica-
(Indonésia). Museu de Etnologia Museus (ICOM). da de forma a salvaguardar a sua integridade
No Documento de Viena em 1998, a comunidade material e garantir o respeito do seu significa-
profissional, com o apoio da ECCO, identificou a do cultural, histórico, estético e artístico.
necessidade de clarificar o papel e a responsa-
bilidade dos conservadores-restauradores nos Esta definição condiciona a natureza, extensão
processos de conservação-restauro. Em 2000, o e limites das medidas que podem ser tomadas,
relatório sobre os «conservadores-restaurado- assim como as intervenções que podem ser
res dos bens culturais na Europa: centros e ins- levadas a cabo no património cultural.
titutos de formação (CON.BE. FOR)» colocou em
evidência a necessidade de uma qualificação e 2. Protocolo para os projectos de conserva-
de um nível de formação elevados dos conser- ção-restauro:
vadores-restauradores. Esse objectivo é nomea- A programação, adjudicação ou o lançamento
damente desenvolvido pelo European Network a concurso das intervenções de conservação-
for Conservation – Restoration Education (ENCo- -restauro devem fazer referência a um protocolo
RE) que propõe princípios comuns para a forma- que respeite o encadeamento das diferentes
ção de conservadores-restauradores. etapas do processo de conservação-restauro,
Os esforços da comunidade profissional cons- abaixo enumeradas:
tituem apenas uma etapa, devendo os poderes
públicos – responsáveis pela protecção do • Iniciativa do projecto de conservação-restauro
património cultural – dar-lhes continuidade de • Exame preliminar, diagnóstico e decisão de
forma a assegurar a disseminação de normas intervenção
comuns que regulem a entrada na profissão e • Formulação do projecto e a sua aprovação final
a prática da conservação-restauro, assim como • Desenvolvimento da intervenção de conser-
os princípios deontológicos. vação-restauro

38
• Acompanhamento e avaliação das intervenções
• Documentação
• Manutenção e conservação preventiva

E precedendo todas ou parte destas etapas do


processo,

• Selecção do prestador de serviços

Os Estados devem adoptar medidas jurídicas


para assegurar que este procedimento seja
respeitado nos projectos de conservação-res-
tauro de forma a que a sua implementação
garanta a qualidade das intervenções e a lon-
gevidade dos bens culturais.

3. Adopção de medidas nacionais:


O protocolo de intervenção de conservação-
restauro inclui etapas que têm de ser mencio-
nadas na legislação nacional. Em concreto, o
sistema jurídico nacional relativo à conserva-
ção-restauro, terá também de especificar as
etapas que deverão ser levadas a cabo antes e • Acompanhamento contínuo e avaliação das Marioneta (Indonésia).
depois da intervenção, propriamente dita. intervenções. Esta etapa deve assegurar que
o controlo da qualidade, durante e após as
Anterior à intervenção: intervenções, se realiza de acordo com os
princípios enunciados na Carta de Atenas
• Iniciativa de um projecto de conservação-res- para o restauro de monumentos históricos
tauro. O envolvimento de conservadores-res- (adoptada em 1931), na Carta internacional
tauradores no estabelecimento de políticas sobre a conservação e o restauro de monu-
de estratégia e gestão dos bens culturais mentos e sítios (Carta de Veneza), adoptada
deve ser formalmente enunciado e definido. pelo ICOMOS, em 1965. A realização desta
• Exame preliminar, diagnóstico, e decisão de etapa deve ser confiada a profissionais pos-
intervenção. Esta etapa, essencial na conduta suidores das competências requeridas em
de um projecto de conservação-restauro, conservação-restauro.
incluindo a documentação, requer a alocação
de um orçamento específico. Intervenções específicas:
• Formulação do projecto e sua aprovação
final. As responsabilidades respectivas dos • Manutenção e conservação preventiva. Estas
actores envolvidos nesta etapa devem ser etapas, essenciais nos processos de conserva-
identificadas. Assim, na formulação do pro- ção-restauro, requerem a identificação dos
jecto, o papel do conservador-restaurador níveis de cuidados apropriados, que devem ser
deve ser explicitamente previsto e preciso. prescritos num programa de manutenção deta-
lhado e a alocação de orçamentos específicos.
Durante e após a intervenção: • Documentação. Esta etapa consiste num
registo apurado, escrito e pictórico de todos

39
Marionetas (Indonésia). os procedimentos que foram levados a cabo e 4. Responsabilidades no processo de conser-
a justificação dos mesmos. O relatório docu- vação-restauro:
mental deve ser entregue ao proprietário ou à A sequência das operações, desde a prescrição
tutela do bem patrimonial e deve poder vir a à execução e controlo de qualidade, deve estar
ser consultado. Os requisitos para o seu arma- sob a responsabilidade de uma equipa interdis-
zenamento, manutenção, exposição ou con- ciplinar que inclua conservadores-restaurado-
sulta devem ser especificados nesse documen- res. Nesse caso, as responsabilidades do con-
to. Os direitos de autor, morais ou materiais, servador-restaurador têm de ser reconhecidas
dos profissionais envolvidos na documenta- em todas as fases, especialmente para as rela-
ção, devem ser respeitados. cionadas com o exame preliminar, diagnóstico e
Esta etapa, essencial num projecto de conser- decisão da intervenção, formulação do projecto,
vação-restauro, requer a alocação de um acompanhamento e avaliação da intervenção,
orçamento específico. conservação preventiva e manutenção.

E, para todas as etapas antes, durante e após a 5. Qualificações do conservador-restaurador:


intervenção assim como para as intervenções Os requisitos para a entrada na profissão de
específicas: conservador-restaurador e para a sua prática
subsequente deverão ser integrados num siste-
• Selecção dos prestadores de serviços. O dossier ma que reconheça um alto nível para as qualifi-
do projecto deve especificar que só devem ser cações profissionais validadas por uma autori-
consideradas as candidaturas apresentadas dade pública e definidas por associações pro-
por conservadores-restauradores que respon- fissionais de conservadores-restauradores
dam aos seguintes requisitos: alto nível de qua- representadas a nível Europeu. Este sistema
lificação profissional e observância dos princí- deve ser baseado no nível académico (grau uni-
pios deontológicos acordados pelas associa- versitário ou equivalente reconhecido) e na
ções profissionais de conservadores-restaura- qualidade da experiência profissional adquirida
dores que estejam representadas a nível Euro- e deve ainda prever medidas para os casos de
peu. Para os casos de gestão, adjudicação ou falta ou má conduta profissional.
concurso, devem ser previstas cláusula de
forma a assegurar que prevaleçam as conside-
rações sobre a qualidade, em relação ao factor
económico, quer no processo de selecção, quer
no dossier apresentado pelo prestador de ser-
viços. Um conservador-restaurador deve parti-
cipar no processo de pré-selecção.

40
DOCUMENTO DE NARA SOBRE
A AUTENTICIDADE

Preâmbulo nacionalismo agressivo e da supressão das


culturas das minorias, clarificar e iluminar a
1. Nós, os especialistas reunidos em Nara memória colectiva da humanidade é o con-
(Japão), gostaríamos de reconhecer o espírito tributo essencial trazido pelo respeito da
generoso e a coragem intelectual das autorida- autenticidade na prática da conservação.
des japonesas que, oportunamente, providen-
ciaram um fórum em que pudéssemos questio-
nar o pensamento convencional no campo da Diversidade Cultural e Diversidade
conservação e debater formas e meios de alar- do Património
gar os nossos horizontes para fomentar um
maior respeito pela diversidade cultural e patri- 5. A diversidade das culturas e do património no
monial na prática da conservação. nosso mundo é uma insubstituível fonte de
riqueza espiritual e intelectual para toda a
2. Queremos também reconhecer o valor do humanidade. A protecção e valorização da
documento-base para discussão, providen- diversidade cultural e patrimonial, no nosso
ciado pela Comissão do Património Mundial, mundo, deve ser activamente promovida
com o intuito de aplicar o teste da autentici- como aspecto essencial do desenvolvimento
dade, de forma a respeitar integralmente os humano.
valores sociais e culturais de todas as socie-
dades, ao examinar o excepcional valor uni- 6. A diversidade da herança cultural existe no
versal dos bens culturais propostos para tempo e no espaço, e exige o respeito pelas
integrar a Lista do Património Mundial. outras culturas e de todos os aspectos dos
seus sistemas de crenças. Nos casos em que
3. O Documento de Nara sobre a Autenticidade os valores culturais pareçam estar em conflito,
é concebido dentro do espírito da Carta de o respeito pela diversidade cultural exige o
Veneza de 1964, é elaborado a partir dele, e reconhecimento da legitimidade dos valores
completa-o enquanto resposta ao alarga- culturais de todas as partes.
mento do âmbito e interesses do património
cultural no nosso mundo contemporâneo. 7. Todas as culturas e sociedades têm as suas
raízes em formas e meios particulares de
4. Num mundo sujeito cada vez mais às forças expressão, materiais e imateriais, que
da globalização e homogeneização, num constituem o seu património e devem ser
mundo em que a procura da identidade cul- respeitados.
tural é por vezes prosseguida no meio dum

41
rísticas originais e subsequentes do patrimó-
nio cultural, e do seu significado, é um requi-
sito básico para avaliar todos os aspectos da
autenticidade.

10. A autenticidade, considerada desta forma e


tal como enunciada na carta de Veneza, apa-
rece como o factor qualificativo essencial res-
peitante aos valores. O entendimento da
autenticidade desempenha um papel funda-
mental em todos os estudos científicos do
património cultural, no planeamento da con-
servação e do restauro, bem como nos pro-
Retábulo da Sé de Coimbra 8. É importante sublinhar um princípio funda- cedimentos de inscrição utilizados pela Con-
(pormenor) mental da UNESCO, segundo o qual o patri- venção do Património Mundial e outros
mónio cultural de cada um é património cul- inventários do património cultural.
tural de todos. A responsabilidade pelo
património cultural e pela sua gestão perten- 11. Todos os juízos dos valores atribuídos aos
cem, em primeiro lugar, à comunidade cultu- bens culturais, bem como a credibilidade das
ral que o gerou e, subsequentemente, a fontes de informação com eles relacionados
quem o tem ao seu cuidado. Contudo, para podem diferir de cultura para cultura, e
além destas responsabilidades, a adesão às mesmo no seio da mesma cultura. Não é pois
cartas e convenções internacionais, desen- possível basear os juízos sobre valores e
volvidas para a conservação do património autenticidade em critérios fixos. Pelo contrá-
cultural, também obriga à consideração dos rio, o respeito devido a todas as culturas
princípios e responsabilidades que deles requer que todos os bens culturais sejam
emanam. É, pois, altamente desejável que considerados e analisados dentro dos con-
cada comunidade encontre um equilíbrio textos culturais a que pertencem.
entre os seus próprios requisitos e os de
outras comunidades culturais, desde que o 12. Consequentemente, é da maior importância e
atingir este equilíbrio não mine os seus valo- urgência que, dentro de cada cultura, se reco-
res culturais fundamentais. nheça a natureza específica dos seus valores
patrimoniais e a credibilidade e veracidade
das fontes de informação relacionadas.
Valores e Autenticidade
13. Dependendo da natureza do património cul-
9. A conservação da herança cultural em todas tural, do seu contexto cultural e da sua evo-
as suas formas e em todos os períodos his- lução ao longo do tempo, os juízos sobre
tóricos, está enraizada nos valores atribuí- autenticidade podem estar ligados a uma
dos ao património cultural. A nossa capaci- grande variedade de fontes de informação.
dade em entender estes valores depende, Alguns aspectos das fontes poderão incluir a
em parte, da medida em que as fontes de concepção e forma, materiais e substância,
informação sobre estes valores possa ser uso e função, tradições e técnicas, localiza-
compreendida como credível ou verdadeira. ção e ambiente, espírito e expressão, e
O conhecimento e compreensão destas fon- outros factores internos e externos. A utiliza-
tes de informação, relativamente a caracte- ção destas fontes oferece a possibilidade de

42
descrever o património cultural nas suas podem ter vários aspectos em comum, incluin- Retábulo da Sé de Coimbra
dimensões específicas, na perspectiva artís- do os esforços necessários para: (pormenor)
tica, histórica, social e técnica. • assegurar que a avaliação da autenticidade
envolva uma colaboração multidisciplinar e a
utilização apropriada de todos os conheci-
Apêndice I mentos e capacidades técnicas disponíveis;
• assegurar que os valores reconhecidos
Recomendações para follow up (propostas por sejam verdadeiramente representativos
H. Stovel) duma cultura e da diversidade dos seus inte-
resses, em monumentos e sítios concretos;
1. O respeito pela diversidade cultural e patri- • documentar claramente a natureza particular
monial requer esforços conscientes para evi- da autenticidade dos monumentos e sítios
tar a imposição de fórmulas mecanicistas ou para constituir um guia prático para trata-
processos estandardizados ao tentar definir mento e monitorização futuros;
ou determinar a autenticidade de monumen- • actualizar as avaliações de autenticidade à
tos ou sítios particulares. luz da evolução dos valores e contexto.
2. A determinação da autenticidade de uma
forma que respeite a diversidade das culturas 3. São particularmente importantes os
e dos patrimónios requer atitudes que encora- esforços para assegurar o respeito pelos
jem as culturas a dotar-se de métodos de aná- valores reconhecidos, e que a sua deter-
lise e de instrumentos que reflictam a sua minação inclua esforços por construir, na
natureza e necessidades. Estas atitudes medida do possível, um consenso multi-

43
disciplinar e comunitário relativamente a preensão dos valores representados pelos pró-
esses valores. prios bens culturais, bem como o respeito pelo
4. As atitudes devem basear-se e facilitar a papel que esses monumentos e sítios desem-
cooperação internacional entre todos os penham na sociedade contemporânea.
interessados na conservação do património
cultural, para aumentar o respeito universal
e a compreensão da diversidade de valores e Apêndice II
expressões culturais.
Definições

Conservação: integra todos os esforços desti-


nados a compreender o património cultural,
conhecer a sua história e significado, assegu-
rar a sua salvaguarda material e, eventualmente,
a sua exposição, restauro e valorização (enten-
de-se património cultural como incluindo
monumentos, grupos de edifícios e sítios de
valor cultural, tal como definido no artigo 1º da
Convenção do Património Mundial).

Fontes de informação: todas as fontes mate-


riais, escritas, orais e figurativas que possibili-
tam conhecer a natureza, especificações, signi-
ficado e história do património cultural.

O Documento de Nara sobre a Autenticidade foi


Retábulo da Sé de Coimbra 5. A continuação deste diálogo e a sua extensão esboçado pelos 45 participantes na Conferência
(pormenor) às várias religiões e culturas do mundo consti- de Nara sobre a Autenticidade no quadro da
tuiu um pré-requisito para aumentar o valor Convenção do Património Mundial, realizada em
prático de se considerar a autenticidade na con- Nara, Japão, de 1 a 6 de Novembro de 1994, a
servação da herança comum da humanidade. convite da Agência para os Assuntos Culturais
6. A sensibilização acrescida do público em rela- (Governo do Japão) e o Município de Nara. A
ção a esta dimensão fundamental do patrimó- Agência organizou a Conferência de Nara em
nio é absolutamente necessária para se conse- cooperação com a UNESCO, ICCROM e ICOMOS.
guir as medidas concretas que permitam a sal- Esta versão final do Documento de Nara foi edi-
vaguarda dos testemunhos do passado. Isto tada pelos relatores gerais da Conferência de
significa que se desenvolva uma maior com- Nara, o Sr. Raymond Lemaire e o Sr. Herb Stovel.

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CADERNOS
& CONSERVAÇÃO
E RESTAURO 1 1 500.

ANO

NÚMERO

PREÇO
2,49 €

EDITORIAL É com grande satisfação que damos hoje início à publicação dos Cadernos técnicos do Instituto Português
de Conservação e Restauro, e anunciamos para breve o início da publicação do nosso Boletim.

Estas duas iniciativas inserem-se nas atribuições do IPCR no domínio da produção editorial própria e da divulgação
regular e periódica de conhecimentos inerentes à sua actividade científica e funcionamento interno.
Fica assim criado mais um instrumento que nos permitirá reforçar a nossa política de defesa do Património, em par-
ticular e especialmente no domínio da Conservação Preventiva.

Ocorre este lançamento por ocasião do 1º Encontro Científico do IPCR – “A Conservação Preventiva e as Exposições
Temporárias” – sendo natural que traduza algumas das ideias a discutir nesses trabalhos. Com efeito, esta é a filosofia
que enforma a nossa intervenção: contribuir para que os bens culturais disponham de condições ambiente, sejam
guardados, transportados e expostos com cuidados que previnam a sua degradação e evitem o recurso ao restauro. Esta
é uma tarefa que implica um empenhamento e uma nova mentalidade de quantos têm à sua guarda o Património que
é de todos nós e que devemos transmitir às gerações futuras, como legado precioso dos que nos precederam e contribuiram
assim para a nossa identidade.

3 Para uma Estratégia Europeia de


Conservação Preventiva

11 Conservação preventiva em
museus, bibliotecas e arquivos
Região Autónoma dos Açores

27 Para uma especificação de normas


de iluminação

A necessidade do rigor
39 em conservação preventiva —1

43 1
Centro de documentação sobre
conservação preventiva

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