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André Veríssimo
Joel Rosnay um dos nomes associados a teorias de tendência sistémica e ecológica, nos
seus livros O Macroscópio (1977) e Caminhos da Vida (1984) faz a apologia dos
valores que emergem na sociedade organizada com base no pensamento; este permite
uma visão global do mundo associada a uma abordagem unificadora, capaz de integrar
os contributos oferecidos pela ecologia, pelas teorias dos sistemas e da informação. 1
O conceito mesmo de cultura pode parecer sinónimo de cultura da morte, como se, a
cultura da morte fosse um pleonasmo ou uma tautologia. Porém semelhante
redundância é a única que pode fazer que se leia a diferença cultural e o encerramento
dos limites. Porquanto que toda cultura significa um tratado ou um tratamento da morte,
cada uma delas trata do fim segundo diferentes segmentos. A diferença entre a natureza
e a cultura mesmo no caso entre a vida biológica e a cultura entre o homem e o animal,
é como costuma pensar-se de modo habitual de acordo com a doxa filosófica - a relação
com a morte e transmutação das civilizações -- a verdadeira fronteira do humano estaria
aí! ( Jacques Derrida, In princeps). O instrumento da civilização é a educação.
Todavia, uma análise mais subtil põe à vista que o educador é para si mesmo o seu
primeiro próximo. A experiência levinasiana do «face a face», do «olhos nos olhos», é
aquela que ele tem permanente e intrinsecamente consigo mesmo. Cada qual começa
por ser responsável por si mesmo. E quanto mais êxito tiver nessa auto-responsabilidade
mais apto fica a ser responsável pelo outro. Por outro lado, quanto mais alta for a
efectivação da sua responsabilidade pelo outro mais o próprio é responsável por si. De
qualquer modo, o próprio é o primeiro outro de e para si mesmo. Cuidar de si,
eticamente, é já cuidar eticamente do outro. Aplicada esta doutrina ao educador, vê-se
que a sua própria pessoa ética não é dissociável da pessoa ética do educando nem do
trabalho educativo propriamente dito. Não é possível, a esta luz, separar o processo de
aperfeiçoamento do educando do do educador. Aquilo a que se chama formação
continua de professores pode ser apenas - e é-o no pensamento da maioria dos que
falam nela - a visão degradada dum processo de formação bem mais exigente e
complexo: o da formação integral como pessoa do educador. Assim, a formação
continua faz parte dum processo ético radical, que tudo inclui. É que as exigências que o
outro - o educando - faz ao educador são exigências que este tem de fazer a si próprio: o
apelo profundo do educando ao educador é, em todos os instantes, ético, como será
psicológico ou psicoterapêutico.
Por conseguinte, "toda a liberdade da habitação deriva do tempo que resta sempre ao
habitante. O incomensurável, isto é, o incompreensível formato do meio deixa tempo. A
distância em relação ao elemento a que o eu está entregue só o ameaça na sua morada,
no futuro"3. Por outras palavras, o futuro insondável que pairava sobre o instante de
fruição, tio presente como ela, passa a conceber-se como futuro, isto é, como algo que
ainda não é (presente) e contra o qual o eu pode mobilizar a sua energia para transmutar
o "definitivo" em "não-definitivo". Isto é sempre o objecto de estudo no tempo infindo
do acto educativo. Ora, o trabalho exprime, precisamente, o tempo que adia o perigo do
elemento, dominando-o, até transformar por completo a sua natureza insondável em
pura indeterminação, mero receptáculo de toda a determinação possível. A paciência
que devemos mover para iluminar e proporcionar aos outros o ser mesmo que
desabrocha em cada atitude e crescimento do conhecimento ou da compreensão.
Em tais situações, então, não há nenhum dito adequado. Ainda, no imperativo em falar
o que nós sentimos, nós encontramos uma situação em que é o Dizer que importa.
Importa que eu estou lá, falando, compartilhando de uma proximidade e de uma
incerteza com o Outro. Este sozinho, testemunha à saciedade como nós estamos
implicados em cada das outras vidas.
Levinas anota que nós todos estamos carregados em um mundo do Dizer maternal; que
alguém está dizendo que algo nos importa por muito tempo antes que nós possamos
dizer o que está sendo dito. Esta interacção ética vulnerável não ocorre numa relação
trans-espacial à outra de que pode ser compreendido nos termos da geometria euclidiana
- nenhuma compreensão planeada de ser separado do Outro é inata. Antes que nós
possamos conceber tal separação é que nós estamos na proximidade, Levinas afirma. E
é neste muito incerto caminho que a mesma proximidade contudo responsável, em que
nós estamos e nos recolhemos em nossas falhas de articulação. O Dizer expõe a nossa
não-separação do Outro. Desde que eu não posso separar-me de outro, eu não posso
rejeitá-lo como eu posso por exemplo jogar afastado de alguma coisa.
Consequentemente, eu não posso limitar a minha responsabilidade para o outro com
quem eu estou face-a-face. A minha responsabilidade para com eles adere-me além de
meu controle. Eu sou Guardião do meu irmão.
Como Levinas, Noddings reconhece que o importar-se ético deriva de " de se importar
natural " que brilha acima e por se elevar do amor maternal. Escreve: " nós amamos,
não porque nos é requerido amar mas porque o nosso relacionar natural dá nascimento
ao amor. É este amor, este importar-se natural, que faz o possível Ético. Noddings
reconhece também algo como a resistência ética de Levinas na abertura da conversação.
Escreve: o diálogo é aberto-fechado; isto é, num diálogo genuíno, nenhuma parte sabe
da disposição que a vontade é - do seu resultado.
Levinas e Noddings ambos tentam discutir sobre uma incorporação suave do encontro
ético radical do cuidado dentro de um projecto ético maior, provavelmente ecológico.
Perdem o seu empiricismo no ponto em que se movem do natural, empírico,
importando-se. No caso de Levinas, isto ocorre na sua tentativa de reconstruir uma
racionalidade do face-a-face. Para Noddings, entretanto, a diferença vem com as
tentativas de ver os outros como uma pessoa com a sua subjectividade e com possuir o
seu ego. Isto põe-na outra vez em probabilidades de acordo com Levinas. A sua
diferença face a Levinas, entretanto, trá-la mais perto das escritas de Derrida. Isto faz
deste exemplo uma exigência para uma ética aporética da hesitação que possa expandir
a nossa compreensão em se importar com a educação e com o Outro.
3. Para Meyrowitz quanto menor for o número destes sistemas de informação também
menores serão as diferenças entre os distintos grupos sociais. A identidade do grupo,
quando só existiam os media impressos, distinguia-se pela partilha da mesma
informação e de igual acesso a ela entre os seus diversos elementos. Cada grupo criava
restrições à integração de mais elementos se eles não pudessem de algum modo aceder
ao tipo de informação que lhes é comum. A comunicação impressa não protagoniza a
igualdade de acesso à informação visto dirigir-se a um determinado público capaz de
descodificar com facilidade o que lhe é mostrado. Em contradição com a realidade
vigente nos media impressos, os media electrónicos fornecem uma informação que não
é discriminatória ou redutora, pois está ao alcance de qualquer um, sem requerer uma
descodificação complexa. É esta acessibilidade que torna mais fácil e desejável a
integração social. Contudo o reverso também pode existir. Ao mostrar informações
sobre tudo e todos sem restrições, corre-se o risco de surgirem conflitos oriundos de
tomadas de partido sobre determinado assunto e, como consequência, a desagregação
social. A noção de grupo como bloco inacessível e inabalável perde crédito e retira-lhe
o poder de controlar exclusivamente o desenrolar das suas actividades.
Meyrowitz realça, neste contexto, a famosa frase "The whole world is watching", para
mostrar que os efeitos dos conteúdos da informação electrónica marcam profundamente
o seu impacto frente aos princípios morais e políticos estabelecidos. Os benefícios que
daí advêm consubstanciam-se no facto de que o conhecimento sobre os outros pode
desmistificar rivalidades existentes e conduzir a uma empatia pelo outro grupo em
exposição. Este conhecimento generalizado da realidade pode levar a uma autoavaliação
dos potenciais alvos de assunto, alterando os seus procedimentos anormais e
autocorrigindo os seus erros. A identidade de grupo também se reflecte na relação entre
o posicionamento físico e o acesso à informação. Para muitos grupos sociais o contacto
com a informação está dependente da sua localização física. No caso dos prisioneiros,
um dos casos apontados por Meyrowitz, enquanto pertencentes à sociedade
exclusivamente impressa estavam naturalmente interditos ao acesso à informação sobre
o mundo para além dos muros do huis-clos. O seu isolamento devia-se ao facto de
estarem vinculados a espaços particulares.
DERRIDA, Jacques, "Violence and Metaphysics", trans. Alan Bass, in Writing and
Difference (Chicago: University of Chicago, 1978), 79-153
DERRIDA, Jacques, "Violence and Metaphysics", trans. Alan Bass, in Writing and
Difference (Chicago: University of Chicago, 1978), 79-153
NOVAK, J. D. (1981) - Uma teoria da Educação. Trad. de Marco António Moreira. São
Paulo: Livraria Pioneira Editora.
NODDINGS, Nel, The Challenge to Care in Schools (New York: Teachers College
Press, 1992), 23, hereafter CCS.
PERRENOUD, PH. (1993) - Não mexam na minha avaliação: para uma abordagem
sistémica da mudança pedagógica. In ESTRELA, A. e NOVOA, A.. Avaliação em
Educação: Novas Perspectivas. Porto: Porto Editora.
Para a presente reflexão, o trabalho de Ferry tem como aspecto de especial interesse
algumas das interrogações de fundo que coloca. E nomeadamente a primeira: saber
como é que a natureza pode ser um sujeito de direito uma vez que, manifestamente, ela
não é um agente capaz da reciprocidade que sempre exige a ordem jurídica. O
fundamentalismo ecológico passa ao lado do (incontornável) facto de que «é sempre
para os homens que o direito existe, é para eles que a árvore ou a baleia se podem tornar
objectos de uma forma de respeito, reconhecida pelas legislações, não o inverso». Ferry
acusa ainda o recurso no debate actual a algum vitalismo exagerado e generalizado, que
torna depois possível ou plausível afirmações como a de que «a biosfera dá vida tanto
ao vírus da sida como ao bebé foca, à peste e à cólera como à floresta e ao ribeiro. Mas
a questão que de imediato ocorre também é igualmente clara e evidente: «poderá, com
seriedade, dizer-se que o HIV é sujeito de direito ao mesmo título que o homem?» in
Ética e ecologia: perspectivas para uma discussão na actualidade, Gil A. Baptista
Ferreira; Universidade da Beira Interior (texto online www.ubi.pt )