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FONTE: http://www.iecomplex.com.br/textos/Roland2.htm

A INTERPRETAÇÃO COMPLEXA DA LEI DE HUME E DA


FALÁCIA NATURALISTA.

Fermin Roland Schramm, PhD

Introdução
O pensamento complexo está baseado ou - se quisermos evitar o imaginário
fundacionista e/ou hierárquico amplamente criticado e até desqualificado por boa parte
da filosofia da ciência póspopperiana do século XX - vinculado ao método de saber
distinguir sem separar e juntar sem confundir (Morin), ou seja, de saber fazer, por um
lado, as distinções necessárias entre âmbitos de pertinência diferentes (que definem
classes de objetos e tipos lógicos diferentes) e, por outro lado, de detectar os vínculos
entre eles, considerados necessários e significativos, para dar conta das práticas
simbólicas humanas. Podemos sintetizar tal método pela dupla conjunção e/ou, que
deve ser entendida seja como uma coisa e a outra seja como uma coisa ou a outra.
Isso traz evidentemente uma série de problemas lógicos para aqueles
acostumados a pensar nos termos da lógica clássica, que devem respeitar os princípios
de não contradição e do terceiro excluído, e que é justamente o que o método complexo
pretende superar por considerar que a realidade e as práticas humanas, inclusive as
cognitivas, não podem ser reduzidas a este tipo de lógica.
Do ponto de vista fenomenológico, este tipo de procedimento não é nada mais
que um outro estilo de pensar o sujeito no Mundo, atribuindo sentido a seres e coisas e
sendo significado por eles, ou seja, uma maneira de reinventar um lugar para o sujeito,
entendido não mais como mero ser-jogado-no-mundo, entendido como algo externo e
imposto, mas como ator deste mundo, agindo e pensando-se como ser e não como
simples objeto. Em outros termos, a fórmula da conjunção complexa e/ou, indicada pelo
verbo dasein aplicado a um observador, significa, no meu entender, e antes de tudo, um
estar junto com as coisas (mitsein) e com os outros seres (miteinardersein); uma
maneira de o observador pensar o Mundo dos entes e dos seres, vivenciando coisas e
seres, e vivenciando-se a si mesmo como um desses seres ou coisas, numa espécie de
treinamento para poder aproximar-se (talvez ilusoriamente) do imaginário do outro que
nos determina e objetiva.
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Sendo assim – costuma-se dizer – o método da complexidade preocupa-se tanto


com o todo como com as partes, sem confundir seus âmbitos de pertinência irredutíveis;
com os objetos e/ou os sujeitos e seus contextos; com a objetividade e a subjetividade;
com os aspectos quantitativos e qualitativos dos saberes; com a teoria e a prática e, no
caso da atividade cognitiva científica, com fatos e valores.
A seguir, pretendo mostrar como o método da complexidade pode ser aplicado
para pensar a relação entre “fatos” e “valores”. Este problema tem ocupado a mente dos
pensadores que se ocupam das relações entre ciência e ética desde que David Hume, em
seu Tratado da Natureza Humana (III, I, 27), chamou a atenção sobre aquela que
considerava um sofisma, consistente em deduzir “o que deve ser” daquilo que “é”, e que
durante pelo menos os últimos dois séculos e meio e constitui, a meu ver, uma das
questões teóricas mais complicadas tanto da epistemologia e da lógica como da ética
aplicada e da bioética.

Características comuns entre pensamento complexo e bioética


Começarei com duas citações: uma de Edgar Morin, bastante conhecido pelo
público informado brasileiro; a outra de Van Rennselaer Potter, o reconhecido criador
do neologismo bioética.
“[O pensamento complexo] é o pensamento capaz de juntar, contextualizar,
globalizar, mas também de reconhecer a singularidade, o individual, o concreto.
(...) O pensamento complexo não se reduz nem à ciência nem à filosofia, mas
permite a comunicação entre elas. (...) O pensamento que junta pode esclarecer
uma ética da solidariedade” (Morin)1[1]

“[A bioética é] o conhecimento de como usar o conhecimento para a


sobrevivência humana e para melhorar a condição humana. (...) A bioética é uma
nova ética científica que combina a humildade, a responsabilidade e a
competência, que é interdisciplinar e intercultural, e que intensifica o sentido da
humanidade.” (Potter)2[2]

1[1]
MORIN, E. 1997. Le besoin d’une Pensée Complexe. In: Représentation el Complexité (org. Candido
Mendes). Rio de Janeiro, Ed. Educam/Unesco/ISSC, pp. 85-96, p. 95.
2[2]
POTTER, V. R. 1998. Bioetica puente, bioetica global y bioetica profunda, Bioetica. Cuadernos del
Programa Regional de Bioetica, 7: 21-35, p. 32.
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O que estas citações têm em comum? Qual é a preocupação comum dos dois
autores?
Embora dito em termos diferentes, acredito não estar muito errado ao dizer que
tanto o sociólogo Morin quanto o cancerologista Potter se preocupam em primeiro lugar
com o sentido que deveria tomar o conhecimento para o bem-estar de cada humano e da
humanidade como um todo. Isso no que diz respeito aos fins do conhecimento.
Em segundo lugar, do ponto de vista pragmático - que diz respeito aos meios
considerados adequados para atingir tais fins - ambos os autores propõem o mesmo tipo
de caminho (ou metodos): o caminho da interdisciplinaridade; da contextualização; da
preocupação com os nexos entre seres, coisas e enfoques diferentes, por um lado, e o
caminho da solidariedade, por outro.
Em outros termos, os fatos que o conhecimento produz parecem estar numa
solidariedade profunda com os valores que tais fatos implicam, e é isso que tanto Morin
quanto Potter parecem sugerir.
Mas se esta interpretação for correta, os dois autores estariam infringindo a
assim chamada lei de Hume, formulada no começo do século XX (1903) pelo filósofo
analítico George Edward Moore e que interdita derivar o que deve ser daquilo que
(supostamente) é, caso contrário cometer-se-ia um paralogismo chamado falácia
naturalista.3[3]
No entanto, quando atualmente se pensa nos reais e possíveis efeitos do
conhecimento (de fato cada vez mais um saber-fazer) sobre seres e coisas, em
particular, sobre a qualidade de vida de indivíduos e populações humanas consideradas
em seus ambientes, podem surgir sérias dúvidas sobre a validade da lei de Hume.

Crítica da lei de Hume


A lei de Hume e as críticas que lhe foram feitas pela lógica moderna e pelo
construtivismo mereceriam, evidentemente, uma análise mais aprofundada daquela que
será apresentada a seguir. No entanto, não é tanto a discussão epistemológica sobre a
pertinência, ou não, do naturalismo ético que nos interessa aqui, pois nossa preocupação
consiste e apresentar uma versão complexa da mesma, capaz de dar conta da lei e de
evitar as conseqüências contraintuitivas de sua aplicação rígida.

3[3]
MOORE, G. E. 1998. Principia Ethica. São Paulo, Ed. Ícone.
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O que se pode inicialmente dizer é que a lei de Hume não apresenta problemas
numa concepção pré-kantiana (ou pré-construtivista) do conhecimento, segundo a qual
quando conhecemos estaríamos “espelhando” a realidade como ela é (para utilizar a
metáfora querida do filósofo neopragmatista norteamericano Richard Rorty, também
bastante conhecido pelo público informado brasileiro) ou, para utilizar os próprios
termos de Kant, estaríamos atingindo o númeno ou a coisa em si, a coisa como ela
(supostamente) é. Já numa concepção kantiana e a fortiori pós-kantiana, o
conhecimento não atinge o númeno ou, como diria Lacan, o real, mas sim o fenômeno,
isto é, a realidade “filtrada” pela mente, a qual sempre parte de um ponto de vista e de
um contexto discursivo-existencial, e que o pai da lingüística moderna, Ferdinand de
Saussure, sintetizou pela fórmula é o ponto de vista que cria o objeto, entendendo este
ponto de vista como uma construção simbólica, produto da linguagem e portanto um
construto necessariamente social. Esta concepção do conhecimento é o que funda a
epistemologia construtivista que, a meu ver, é a condição do surgimento do pensamento
complexo.
O construtivismo se dá basicamente em duas etapas. Primeiro, através da
negação kantiana que afirma que não conhecemos númenos, mas tão somente
fenômenos. Segundo, através da afirmação saussuriana e de toda a filosofia da
linguagem do século XX, segundo a qual nosso conhecimento tem alguma forma de
objetividade, só que esta não consistiria em conhecer o que (supostamente) é sem saber
previamente o que se quer saber daquilo que (supostamente) é, ou seja, sem que o ato de
conhecer esteja vinculado a alguma função prática (mesmo que seja o mero deleite
intelectual). O biólogo e epistemólogo chileno Humberto Maturana sintetizou este fato
afirmando que tudo o que é dito é dito por um observador para alguém.
O que queria dizer Maturana com isso?
Essencialmente duas coisas. A primeira é que o processo do conhecimento
depende de um ponto de vista que é produzido por um observador. Esta afirmação é
mutatis mutandis a mesma de Saussure. Mas Maturana introduz algo a mais quando
afirma que o que é dito (isto é, conhecido) é dito para alguém. Isso quer dizer que as
afirmações que pretendem ter um valor cognitivo só podem tê-lo dentro de um domínio
consensual de linguagem, que permite a alguns fazer afirmações e a outros verificar,
aceitando ou refutando tais afirmações num domínio de troca simbólica.
Mas isso não é tudo, pois quem fala para alguém age ou, melhor dito, o
conhecimento implica uma prática, um autor que é simultaneamente ator no contexto do
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grande teatro do mundo. Ou seja, pensar e agir são inseparáveis, embora não
confundíveis. Esta foi, aliás, a grande lição de Jean Piaget, para quem a interação entre
sujeito e objeto é a fonte do pensamento, e isso desde a primeira infância, pois, como
ele afirmara, a criança constrói o mundo ao construir-se a si mesma. Recentemente,
alguns ex-alunos de Piaget foram mais longe, identificando totalmente pensar e agir, o
que a meu ver é bastante problemático. Este foi o caso de Pierre Mounoud, ao estudar o
pensamento que está no agir e que faz com que se gerem novos programas de ação. Em
outros termos – nos termos de Mounoud - , a ação não seria mero pré-requisito do
pensamento mas a sua tradução, o que permitiria subverter as teorias clássicas tanto do
desenvolvimento como do conhecimento, visto que Mounoud afirma de fato a
imanência do pensamento à ação. Assim sendo, o racionalismo de Mounoud permitiria
corrigir o cogito ergo sum cartesiano pelo ago ergo cogito pragmático. Mais do que
isso, permitiria juntar racionalismo e pragmatismo numa única fórmula: ago ergo
cogito, ergo sum, que a meu ver sintetiza a concepção complexa da relação entre
pensamento e ação.
A consequência disso (que aqui resumi muito) é que o mesmo sujeito que
conhece (o assim chamado sujeito epistêmico) pode ser o sujeito que age e que, agir
sobre o outro, é também sujeito ético.
Mas, aqui, é preciso fazer uma distinção ulterior, sem a qual não é possível
repensar em termos complexos a lei de Hume. Trata-se da distinção entre a categoria de
ação e a categoria de agir, ou comportamento. Esta distinção é sociológica e afirma em
substância que a ação pode ser separada de seu(s) ator(es), ao passo que o agir (ou
comportamento) implica sempre numa dimensão relacional, isto é, implica sempre ação
inter-individual ou social. Em outros termos, existe ação social quando, na relação com
os outros (que podem ser pessoas stricto sensu ou outros seres como animais, gerações
futuras ou o próprio meio ambiente)4[4] quem age o faz dando um sentido intencional
àquilo que faz ou diz, isto é, quando existe escolha, decisão e escopo, assim como
previsão das prováveis consequências para o(s) outro(s), resultantes de tais escolhas.
Uma primeira formulação, ainda incompleta, dessa distinção entre ação e
comportamento deve-se a Max Weber, mas Weber tinha ainda uma concepção
demasiadamente subjetivista do ator, visto que esqueceu as condições objetivas
(implícitas ou explícitas)5[5] da interação, o que provavelmente lhe impediu de tirar todas
4[4]
Esta observação permite dar conta do debate em ética aplicada sobre os seres sencientes, o meio e as
gerações futuras.
5[5]
Isto é, inconscientes ou conscientes.
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as consequências de sua ética da responsabilidade, o que começou a ser feito a partir da


obra de Hans Jonas e de sua teoria da responsabilidade ôntica.
Portanto, é no nível do sujeito em situação, que interage com seu meio, povoado
de entes e seres (quaisquer estes sejam), que a junção entre fatos e valores pode se dar.
Com efeito, o sujeito epistêmico (que conhece) é o sujeito pragmático (que age), que é o
sujeito moral (que interage com o outro).
Mas isso não é suficiente para derrubar a lei de Hume, visto que o fato de tratar-
se do mesmo sujeito não impede que se possam fazer distinções entre a dimensão
epistêmica, a dimensão pragmática e a dimensão moral de um mesmo sujeito, o que de
fato deve ser feito se aplicarmos o método da complexidade que, como sabemos deve
saber também distinguir (embora não separar). Afinal, se é correto afirmar - como fez
Saussure - que é o ponto de vista que cria o objeto, um ponto de vista não implica
necessariamente outro nem a confusão entre pontos de vista distintos do ponto de vista
espaço-temporal.
Entretanto, pode-se supor também que exista um ponto de vista – que
chamaremos aqui de complexo – capaz de juntar os pontos de vista anteriores sem
subsumir um ao outro. E como, isso seria possível?
A solução não é fácil pois sempre permanece a suspeita de que o ponto de vista
complexo queira, de fato, ser uma espécie de meta-ponto de vista, com pretensões
holísticas e globalizantes, o que seria contrário ao espírito de incerteza e incompletude
que anima o pensamento complexo. Em outros termos, perder-se-ia as singularidades
que, como vimos na citação de Morin, fazem parte do pensamento complexo. Ademais,
o eventual meta-ponto de vista da complexidade deveria fazer as contas com a
antinomia e a teoria dos tipos lógicos de Russell, segundo a qual tal meta-ponto de vista
não faria parte da mesma classe dos outros pontos de vista.
Devido a essas dificuldades, uma solução provisória consiste em respeitar prima
facie a distinção entre universo dos fatos e universo dos valores, afirmando, por
exemplo, a independência antropológica dos valores morais dos fatos científicos, logo a
distinção entre sujeito epistémico e sujeito moral. Isso vale, mutatis mutandis, quando
se pense em fatos e valores morais, ou seja, quando consideramos fatos morais ações
propriamente ditas, que serão estudadas como fatos, por exemplo, pela sociologia.
No entanto, esta distinção é não só epistemológica. Ela é também estratégica,
pois permite enfrentar o niilismo heideggeriano - hoje tão na moda seja entre
“apocalípticos” seja entre “integrados” (como dizia Umberto Eco num famoso livro do
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começo dos anos Setenta) - segundo o qual o humano ter-se-ia tornado refém do Gestell
(“arrazoamento”) da tecnociência, a qual teria uma lógica própria (que Heidegger
chama de “essência” da técnica) e independente das decisões humanas. Isso é, a meu
ver, uma conseqüência lógica da indistinção entre universo dos fatos e universo dos
valores, ou seja o resultado de uma falácia naturalista. E pouco importa se a técnica é de
fato algo artificial, ou “não natural”, pois Heidegger parece submete-la a um mesmo
tipo de finalismo intrínseco, supostamente típico dos processos naturais (pelo menos
numa visão pré-darwiniana).
Por outro lado, o fato de manter distintos fatos e valores não impede, também
prima facie, que nós nos preocupemos com as relações que, nós humanos,
estabelecemos entre os dois universos, isto é, que nós nos preocupemos com aquilo que
podemos chamar de multiversum, constituído pelas percepções que possamos ter das
relações entre fatos e valores num determinado momento histórico.

Conclusões

Concluindo esta rápida reflexão sobre a interface entre ciência e ética, pode-se
dizer que o pensamento complexo que, como mostrou Isabelle Stengers, não é um
paradigma mas mais um desafio ou um état d’esprit, pode senão superar a lei de Hume,
pelo menos torná-la válida prima facie, dentro do espírito “enfraquecido” de nossa
modernidade tardia (ou pósmodernidade como preferem alguns).
Neste sentido existe uma analogia profunda – que talvez indique a emergência
de uma nova sensibilidade ou um outro Zeitgeist - entre as preocupações dos
pesquisadores do pensamento complexo e os pesquisadores em ética aplicada e bioética,
que não trabalham mais, de preferência, com deveres e valores absolutos, mas com sua
versão contextualizada e historicizada de princípios que, na melhor das hipóteses, são
válidos prima facie.
É por isso provavelmente que Ilya Prigogine chamou nossa época de “era da
incerteza”. Para alguns, este Zeitgeist é muito ruim e angustiante, razão pela qual
gostariam que voltássemos a certezas e a valores plenos e norteadores do agir em
qualquer circunstância. Para outros, entre os quais me incluo, este é o preço de nossa
liberdade, conquistada a duras penas durante séculos, a qual só pode dar-se com
responsabilidade, isto é, respondendo individual e – quando possível - coletivamente
aos vários tipos de desafio que nosso mundo nos coloca. Uma das formas mais sublimes
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desta responsabilidade é a solidariedade, mas para atingi-la é preciso uma revolução


antropológica que, talvez, não sejamos ainda prontos a receber.
Além disso, só existe a santidade, que não sei se é deste mundo. Aquém disso,
existe a necessária proteção que as instituições (como o Estado) devem dar a seus
cidadãos, para poder ser consideradas por eles moralmente legítimas.

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