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ISSN 1518235-5

9 771518 235000
MINISTÉRIO DA SAÚDE
Secretaria de Atenção à Saúde
Departamento de Atenção Básica

Brasília / 2008
Sumário

Revista Brasileira 3 Apresentação


4 Entrevistas
Saúde da Família Claunara Schilling Mendonça
Diretora do Departamento de Atenção Básica, do Ministério
Nº 20 da Saúde.
Jaqueline Moll
Coodenadora do PSE do MEC.
8 Programa Saúde na Escola – articulação da saúde e da educação
como dever de casa.
12 Recife: semente de mudanças.
16 Cidadania e saúde – um posicionamento contra a violência no
Rio de Janeiro.
22 Grupo domiciliar de aleitamento materno para as famílias da
comunidade da Vila Vintém.
24 A Terapia Comunitária como instrumento de transformação
junto à escola.
29 Criança feliz, feliz a brincar.
32 Equipe de Saúde Bucal aposta na parceria com escola para
promover a ortodontia preventiva e interceptativa.
36 Em Tocantins, projeto Sorrindo para o Futuro resgata a dignidade
de crianças.
42 Educação nutricional – construção compartilhada do conhecimento.
46 Multiplicadores de cautela.
52 O Controle Social se concretizando por meio de Mãos Jovens.
55 Cola na idéia: a melhor proteção é a sua consciência.
59 O esforço que dá resultados!
62 Escola saudável, gente feliz!
67 Há dez anos, Estado do Acre leva saúde às escolas.
68 Artigo
A importância das ações de prevenção e promoção à saúde
bucal para a comunidade escolar
Simone Tetu Moysés.

Departamento de Atenção
Básica – DAB
Esplanada dos Ministérios,
Bloco G. Edifício Sede, Sala 655
CEP: 70.058-900 -- Brasília/DF
Telefone: (61) 3448-8337
Apresentação Revista Brasileira
Saúde da Família

Apresentação proferida pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, no lançamento do


Programa Saúde na Escola (PSE), em Recife, Pernambuco, no dia 4 de setembro de 2008,
nas dependências da Escola Estadual São Francisco de Assis, Bairro de Imbiribeira.

O lançamento do Programa Saúde na Escola é marco importante e um passo ou-


sado. O presidente Luis Inácio Lula da Silva acredita que é uma revolução. Eu tenho
certeza. A concepção é simples, mas o impacto, fantástico. Até 2010, 26 milhões de
alunos do Ensino Fundamental e Médio serão beneficiados com essa política que inves-
tirá R$ 800 milhões.
O que vai acontecer nas escolas? As Equipes Saúde da Família (compostas por mé-
dico, enfermeiro, dentista, auxiliar de enfermagem e agente comunitário de saúde), que
hoje cobrem 100 milhões de brasileiros e fazem o trabalho de promoção e de prevenção
fundamental, trabalharão junto com as escolas.
Duas vezes por ano, os médicos, odontólogos e enfermeiros examinarão as crianças.
Vão verificar o peso e altura; o desenvolvimento conforme a faixa de idade; a pressão,
para ver se há problema de hipertensão arterial; a atualização do calendário de vacina-
ção; e a acuidade visual e auditiva.
Quando houver algum problema, será garantido o exame médico com oftalmologista
e otorrinolaringologista, a doação de óculos e, se necessário, implante coclear ou algum
equipamento que ajude a ouvir melhor. Além disso, com dentistas, será avaliada como
está a saúde bucal dessa garotada, se tem cárie, se tem problema de canal, se tem
problema de gengiva. Tudo pelo SUS.
A escola deve ter um professor motivado e boas condições de funcionamento, mas
o aluno também precisa de saúde para poder acompanhar com qualidade o ensino
que lhe é dado.
O programa possui outra importante dimensão, que é o da promoção à saúde e pre-
venção, com alimentação saudável, atividade física e medidas e informações sobre o ta-
bagismo, álcool e doenças sexualmente transmissíveis. Nesse processo, temos de levar
orientação e informação e desenvolver uma cultura de paz, para a construção de uma
sociedade sem violência, que já é uma das principais causas de morte dos jovens.
E tem mais: o trabalho se estende aos professores, quando haverá uma conversa,
discussão, capacitação desses profissionais, para que ajudem os alunos a alcançar uma
consciência de prevenção e promoção à saúde. Com os pais, a idéia é que, nas escolas,
por meio da estratégia Saúde da Família, ocorram reuniões para discutir as relações
entre educação e saúde.
A ação é muito importante, porque é o encontro da saúde com a educação. Melhora
a saúde dos alunos e permite que aprendam melhor, com um aproveitamento escolar
mais adequado.
Esse é o Programa Saúde na Escola. É uma revolução que o governo do presidente
Lula está propondo na melhoria da saúde e da educação brasileira!

Ministério da Saúde
Revista Brasileira
6 Saúde da Família

promovendo o acesso à informação passa a ser alvo das ações de saúde


e oportunizando escolhas saudáveis da ESF.
e habilidades para que os alunos,
suas famílias e a comunidade vi- Revista: Levando-se em
vam melhor. Portanto, ao contrário consideração que educação
da medicalização, o programa está e cultura são determinantes
centrado na promoção à saúde, na de saúde, o que a senhora
prevenção das doenças e, claro, no espera, a médio prazo, como
caso de identificação de agravos ou resultado dessa parceria
doenças, na sua resolução efetiva. para ambos os setores, edu-
cação e saúde?
Revista: Já houve tenta- Claunara: Partimos do pres-
tivas anteriores de atendi- suposto que saúde é fruto de boas
mento de saúde nas escolas condições de vida, de trabalho,
públicas brasileiras que, à educação, cultura e lazer, portan-
exceção de algumas ações to, trata-se de aumentar a opor-
de Saúde Bucal, trouxeram tunidade de novas relações entre
poucos resultados efetivos. os alunos, cidadãos brasileiros e
O que faz o MS trabalhar na as políticas públicas com base na
perspectiva que com o PSE realização de ações intersetoriais.
será diferente? Nossa missão é construir um país
Entrevista Claunara: É um projeto que com cidadãos responsáveis, aptos
respeita o que vem sendo constru- para viver a plenitude da vida com
Claunara Schilling ído nas duas redes sociais, a rede saúde e felicidade.
de educação e a rede de saúde, em
Mendonça busca do desenvolvimento integral Revista: Considerando as
dos alunos. As experiências ante- diferenças étnico-sociais dos
Diretora do Departamento riores, como a citada, que ocorreu estados brasileiros e suas es-
de Atenção Básica nos anos 60 e 70, sofreram pela colas públicas, as políticas
do Ministério da Saúde questão da descontinuidade das de promoção à saúde no am-
ações e desvinculação dos profis- biente escolar que o Brasil
sionais com as famílias e a comu- implanta agora atendem às
nidade onde estavam inseridas as demandas de todas as espe-
Revista Brasileira Saúde escolas, bem como a dificuldade cificidades regionais?
da Família: A Sr.ª acredita da integralidade das ações e co- Claunara: Assim como aten-
que a sociedade possa vir a ordenação do cuidado na rede de der às necessidades da população
pensar no PSE como um pro- serviços, quando necessário. No é uma característica da atenção
grama que visa a medicar o projeto atual, a Equipe Saúde da primária/Saúde da Família, as dife-
fracasso escolar? Família (ESF), por meio de seus rentes realidades deverão ser con-
Claunara S. Mendonça: O profissionais, já é responsável por templadas nas ações do PSE. A Po-
desempenho escolar resulta da in- um dado território-família-comu- lítica de Promoção à Saúde, cujas
terface de muitos fatores que per- nidade. Dessa maneira, os alunos ações prioritárias foram incorpo-
passam questões como a compe- que necessitarem de um acompa- radas no Componente II do PSE,
tência do professor, as diferenças nhamento mais próximo deverão apontam necessidades importantes
particulares entre os alunos no ser alvo de ações continuadas pela a nível nacional como a alimenta-
despertar de suas habilidades e ESF, como a realização de “visitas ção saudável, as práticas corporais
capacidades, o ambiente familiar domiciliares”. Essa é uma tec- e a atividade física, a prevenção e
e comunitário, enfim... uma gama nologia muito importante para o o controle do tabagismo, uso de
enorme de fatores contribuem ou aprofundamento de diagnóstico e álcool e outras drogas, a redução
dificultam o aprendizado. para ajudar a apontar para reais dos acidentes de trânsito e a redu-
A busca de melhores resultados soluções dos fatores que estão pro- ção da violência e a cultura da paz,
em saúde para a população é uma duzindo a doença. A solução para bem como a promoção ao desen-
das diretrizes da Saúde da Família. um problema grave como a desnu- volvimento sustentável. É claro que
Os profissionais das equipes, jun- trição ou a obesidade não se dará a escolha das ações deve respeitar
tamente com os professores, têm o somente na escola, mas no seio a diversidade sociocultural de nos-
papel de ofertar condutas e interven- da família. Não é apenas o aluno so país e os projetos apresentados
ções eticamente aceitáveis, princi- que tem um problema de saúde, é a partir das instâncias gestoras lo-
palmente aumentando a capacidade esse aluno inserido em todo o seu cais tanto no conhecimento quanto
de um ambiente escolar saudável, contexto familiar-comunitário que na formulação das soluções para
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os problemas a serem enfrentados. por exemplo; na prevenção secun-


O que o governo federal faz com dária, quando se realiza screening
“Nossa missão é
o PSE é aportar subsídios para os para hipertensão nos alunos; na
gestores, profissionais de saúde, prevenção terciária, quando se construir um país
professores e alunos estarem mo- previne complicações, como no com cidadãos
bilizados para esses temas. caso de alunos que já têm doença responsáveis, aptos
instalada ou incapacidades; quer para viver a plenitude
Revista: Existem políticas seja na prevenção quaternária,
da vida com saúde
semelhantes de promoção que é a capacidade de identificar
à saúde na escola noutros riscos de super medicalização, e felicidade”.
países latino-americanos? O protegendo crianças e adolescen-
Brasil se baseou em algum tes de condutas médicas invasivas
exemplo particular? ou intervenções desnecessárias.
Claunara: A saúde escolar tra- O fato de os alunos saberem a necessários conforme o caso. Em
dicionalmente é alvo das ações de quais intervenções eles devam se situações em que se suspeite de
saúde na Atenção Primária à Saú- submeter, ou seus colegas, ou fa- violência doméstica, por exemplo,
de, portanto, como a América Lati- miliares e amigos, e a garantia de o ACS representará um importan-
na (e Caribe) não tem bons exem- acessar a essas ações, no tempo te elo tanto com a família quanto
plos de sistemas de saúde com certo, no lugar certo, com custos e para os órgãos de defesa das crian-
essa orientação, existem ações e qualidade corretos. Conhecer esse ças e adolescentes, como é o caso
políticas focalizadas, mais centra- direito é parte do “empoderamen- dos Conselhos Tutelares. O próprio
das nas ações clínicas nas esco- to” dos alunos e deu papel de pro- fato de realizar visitas domiciliares
las. Com exceção talvez de Cuba tagonista previsto no PSE. já impacta na redução dos casos
e Costa Rica. A grande inovação de violência doméstica.
do PSE no Brasil é justamente Revista: Qual é o papel do
implantarmos a partir do modelo ACS no PSE? Revista: O que há de no-
brasileiro de atenção primária, que Claunara: Seu trabalho na vidade no PSE, desde seu
são as Equipes de Saúde da Famí- escola é uma extensão de seu tra- lançamento, dia 4 de setem-
lia. Quando o Ministério da Saúde balho essencialmente comunitário. bro de 2008? Como está o
aumenta os incentivos financeiros Suas ações vão variar de acordo andamento de implantação
para que as equipes realizem as com os planejamentos estabeleci- do programa?
ações junto às escolas, estamos dos pelas ESF e escolas, a partir Claunara: A adesão foi um
incentivando as ações interseto- da realidade epidemiológica e so- sucesso! Tivemos 86% de adesão
riais previstas nessa política. cial de cada uma das localidades. dos municípios do anexo 1 da por-
Para cada ação prioritária prevista taria, daqueles municípios prioriza-
Revista: Com a implanta- no PSE estará colocado o papel dos pelo baixo IDEB e que tinham
ção do PSE, ao longo dos anos, do ACS. Ele pode acompanhar as 100% de cobertura Saúde da Famí-
será possível diluir a cultura reuniões de pais e professores pro- lia; e 97% de adesão dos municí-
da medicalização na popula- movidas pela comunidade escolar. pios do anexo 2 da portaria, os mu-
ção brasileira e fortalecer os Ele deverá também ter uma agen- nicípios com escolas que aderiram
hábitos preventivos às situa- da própria para realizar suas ações ao Projeto Mais Educação, ou seja,
ções de risco à saúde? ao longo do ano letivo, conforme que implantaram o contraturno es-
Claunara: As ações de promo- o previsto para cada ação. Suas colar. A saúde e a educação dos
ção à saúde e prevenção de doen- atividades são, por exemplo, au- municípios estão, com o apoio dos
ças e agravos são o carro-chefe do xiliar na aferição de altura e peso estados, elaborando seus projetos,
PSE. A inclusão de temas de saú- dos estudantes, ajudando a equi- discutindo os indicadores destes es-
de no projeto político-pedagógico pe a construir os índices de massa colares e traçando seus planos para
das escolas, onde a saúde passa corporal e identificar os casos de acompanhamento durante o ano de
a ser também tema para o ensi- desnutrição e obesidade. Realizará 2009. Já foi possível perceber a ri-
no de português, matemática ou a aferição da acuidade visual nas queza dessas discussões e quanto
química, é um grande avanço na escolas, poderá acompanhar o en- será importante para esses escola-
perspectiva da promoção à saúde sino de escovação e a aplicação de res terem acesso às ações de saú-
e prevenção das doenças. A aten- flúor. As ações dos ACS têm inter- de por meio do Programa Saúde na
ção primária e a estratégia Saúde face na atenção clínica, na promo- Escola. O que o Ministério da Saúde
da Família são o local preferencial ção e prevenção, no agendamento e da Educação fazem com o PSE é
para realizar ações de prevenção, ao equipamento de saúde quando colocar em evidência e reforçar as
quer seja na prevenção primária, necessário, na interlocução com experiências exitosas nos municí-
ou seja, atuar na redução do risco as famílias e com os demais equi- pios e estados brasileiros nesta im-
de ficar doente, com as vacinas, pamentos sociais que se façam portante articulação saúde/escola.
Revista Brasileira
8 Saúde da Família

Revista Brasileira Saúde da pressam, por exemplo, na compre-


Família: Por que o Ministério ensão da relação que a escola esta-
da Educação se lançou, em belece com a comunidade. Quando
conjunto com o da Saúde, no se pensa em “subir” os muros da
Programa Saúde na Escola? escola, como saída para uma situa-
Jaqueline Moll: A educação ção de violência, a escola pode es-
brasileira vive um momento muito tar se isolando de sua comunidade.
importante, de expansão do acesso É preciso baixar os muros da escola,
e de uma tentativa muito articulada a transformação em questão é a que
entre a União, os Estados e os mu- leva ao reencontro da escola com a
nicípios, universidades públicas e vida, em sua pulsação. Não há como
movimentos sociais para qualificar pensar que se pode trabalhar essa
esse acesso das classes populares relação sem que as diferentes áreas
à educação pública, materializan- do poder público que incidem sobre
do-o em termos de aprendizagem e a vida dessa comunidade comecem a
permanência. O Ministério da Edu- dialogar entre si, a partir das necessi-
cação (MEC), nesse contexto, por dades dessas comunidades. Trata-se
meio do Plano de Desenvolvimento de uma compreensão sobre a ação no
da Educação, além de promover a território, o espaço em que os usuá-
elaboração de planos de ações arti- rios dos serviços públicos vivem.
culadas com Estados e municípios,
Entrevista combina os objetivos educacionais Revista: Como se deram as
com a oferta de políticas públicas. conversas e acertos para que
Jaqueline Moll Para isso, orienta-se por meio de
ações intersetoriais que articulam a
o PSE fosse lançado com a
atual configuração?
Coodenadora do PSE do MEC oferta de políticas públicas com os Jaqueline: É um diálogo de vá-
projetos político-pedagógicos, en- rios anos. Eu, particularmente, assu-
raizados nos territórios, pois é neles mi a coordenação do programa, no
que as escolas estão situadas. Nós MEC, há cerca de um ano e essa é
A diretora de Educação Integral, Di- estamos consolidando uma políti- uma aproximação que já vinha acon-
reitos Humanos e Cidadania da Secre- ca de Educação Integral, induzida tecendo pelo reconhecimento de que
taria de Educação Continuada, Alfa- pelo Programa Mais Educação, que as questões de saúde e de educação
betização e Diversidade do Ministério procura materializar as políticas de precisam ser tratadas em uma pauta
da Educação (MEC), Jaqueline Moll, é educação, atenção e desenvolvi- comum. Trabalhamos com a idéia de
pedagoga, mestre em Educação pela mento integral, conforme a Portaria construção de uma cultura de rela-
PUC-RS, doutora em Educação pela Interministerial nº 17, de abril de ção estável entre os profissionais de
UFRGS, com parte do Doutorado rea- 2007. Essas políticas partem da educação pública e os profissionais
lizado na Universidade de Barcelona, compreensão do desenvolvimento de saúde pública. Um dos grandes
e professora da Faculdade de Educa- da criança considerada em sua in- objetivos, em última instância, é pro-
ção e do Programa de Pós-Graduação teireza física, motora, cognitiva, ati- mover o encontro entre esses profis-
em Educação da UFRGS. tudinal, de convivência social e as- sionais e desenvolver estratégias para
Jaqueline é autora dos livros Alfabe- sim por diante. Desse modo, não dá o acompanhamento do processo de
tização possível: reinventando o ensi- pra pensar, nessa perspectiva, sem desenvolvimento dos estudantes de
nar e o aprender (Editora Mediação); a aproximação com as questões da modo que o trabalho dos educadores
Educação de jovens e adultos (Edito- saúde. A ação intersetorial no cam- potencialize o dos profissionais da
ra Mediação); Para além do fracasso po da educação, aliada à saúde, saúde e vice-versa.
escolar (Editora Papirus); Ciclos na nasce de uma demanda clara que é
escola, tempos na vida – abrindo a construção de políticas para aten- Revista: E como deve ser o
possibilidades (Editora Artmed); e der a essa integralidade. trabalho para a formação dos
Histórias de vida e histórias de esco- Além desses aspectos, no desen- jovens multiplicadores?
la: elementos para uma pedagogia volvimento integral entram as polí- Jaqueline: Estamos construindo
da cidade (Vozes). ticas de cultura, assistência social, estratégias. Não há dúvidas de que,
Atualmente também é professora educação ambiental, comunicação, quando um jovem altera o seu modus
colaboradora do Programa de Pós- ou seja, o rol de campos para pro- vivendi em relação à alimentação, ao
Graduação em Educação da Universi- mover a qualidade da educação comportamento sexual, em relação
dade de Brasília e coordena, no MEC, como parte de um projeto de socie- ao conjunto de ações promotoras de
os Programas Saúde na Escola e Mais dade democrática. saúde, ele se torna capaz de influen-
Educação. Nesta entrevista fala sobre A escola vem passando por uma ciar muito mais outros jovens, mais
o Programa Saúde na Escola. série de transformações que se ex- do que os próprios professores. Eu
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não gosto muito da idéia de multi- terão que atravessar a rua. Há esco-
plicador, porque essa denominação “Estamos trabalhando las municipais e estaduais às vezes
pode estar associada à reprodução na organização e numa mesma avenida, no mesmo
de conhecimentos ou de técnicas, eu proposição de processos bairro, em que os professores não se
gosto de pensar o jovem como “pro- formativos que, além de conhecem, mesmo sabendo que, ao
tagonista” dos processos educativos, informar e formar findar o 4º ou 5º ano do Ensino Fun-
pressupondo os processos de criação profissionais de educação damental, a criança sairá da escola
e recriação que serão deflagrados e saúde, sensibilizem e municipal e irá para a estadual. O
com base nos engajamentos, na es- Programa Saúde na Escola vai cola-
encantem para essas
cuta sensível desses jovens e nas tro- borar para essa aproximação.
cas de conhecimentos.
novas possibilidades”.
Revista: Quais são os outros
Revista: Até que ponto você parceiros, além do próprio Mi-
acredita que as Equipes Saúde e oportunidades educativas; e com nistério da Saúde, por meio da
da Família têm a Saúde Escolar uma intencionalidade educativa aber- estratégia Saúde da Família,
como algo compreendido? ta ao debate por meio da oferta de que o MEC poderá, eventual-
Jaqueline: Eu acho que essa re- atividades diferenciadas que integram mente, contar para o futuro
alidade é muito diversa no contexto os campos de acompanhamento pe- do PSE?
brasileiro, por exemplo, tive a oportu- dagógico, cultura, meio ambiente, es- Jaqueline: A Educação Integral
nidade de ir à III Mostra (Nacional de porte e lazer, artes, inclusão digital e já se materializa no Programa Mais
Produção em Saúde da Família, que direitos humanos. Nessas escolas já Educação, que reúne os ministérios
aconteceu em agosto de 2008, em existe a abertura para campos de co- da Cultura; do Esporte; do Meio Am-
Brasília) e fui surpreendida positiva- nhecimento que até então eram con- biente; de Ciência e Tecnologia; do
mente, pois vi inúmeros trabalhos de siderados genericamente como temas Desenvolvimento Social e Comba-
Equipes Saúde da Família que já tra- transversais e que, com a ampliação te à Fome, que, juntos, promovem
zem esse diálogo, são equipes de São da jornada escolar para um mínimo uma importante articulação das re-
Paulo, Fortaleza, Tocantins, de vários de sete horas diárias, têm o desafio des de proteção social, somando-se
lugares muito diferentes entre si. Algu- de se consolidarem como vivências à própria Presidência da República,
mas equipes poderão estranhar o es- curriculares. Desse modo, esperamos por meio do projeto Escolas Irmãs
paço escolar como espaço de trabalho, também que haverá abertura para as e do Projovem. Então o esperado é
contudo o propósito do PSE é estabe- Equipes de Saúde da Família. que naturalmente haja a aproxima-
lecer o diálogo, aproximar profissionais ção desses também com o PSE e
da educação e da saúde, respeitando Revista: No PSE, assim como com o Ministério da Saúde já que o
as especificidades locais e amadure- na própria estratégia Saúde conjunto das ações de promoção e
cendo esta intersetorialidade. da Família, os municípios têm prevenção da saúde é multidiscipli-
uma grande importância na nar em sua natureza e intersetorial
Revista: E, em contrapar- tomada de posições e mesmo em sua materialidade.
tida, como devem se posicio- da decisão da adoção ou não
nar os profissionais de edu- do programa. Isso faz com Revista: As pesquisas de
cação ao abrirem suas salas que as escolas municipais se- avaliação previstas para o pro-
de aula para os profissionais jam, a princípio, mais favore- grama levarão em conta so-
de saúde? cidas. Como ficam então as mente dados estatísticos ou
Jaqueline: Acredito que, na- escolas estaduais e federais? também opiniões de profissio-
quelas escolas onde já se tem uma Há uma preocupação especí- nais da Saúde da Família?
percepção mais global do desenvol- fica com elas? Jaqueline: As duas coisas, pois
vimento das crianças e adolescentes, Jaqueline: Trabalhamos no não dá para pensar em avaliação que
holística mesmo, onde processos edu- PSE com o conceito de Territórios leve em conta só dados e números,
cativos compreendem o sujeito inteiro de Responsabilidade. Esse conceito esses são importantes porque nos
e a capacidade de pensar indissocia- pretende ajudar a construir várias dão um mapa da realidade, mas é
da das outras dimensões e relações alianças. Uma dessas alianças é jus- preciso ir aos territórios, entrevistar e
mais amplas da vida, a abertura para tamente entre as Equipes Saúde da observar os atores sociais in loco, co-
o Programa Saúde na Escola poderá Família e a escola e entre as escolas lher informações e percepções acerca
ser maior. Enfatizamos que um dos de diferentes redes/sistemas. A ques- do programa, envolvendo aí as equi-
públicos do PSE é o conjunto de es- tão que está posta aqui é que cada pes de educação, de saúde, os pais e
colas que compõem o Programa Mais escola, como cada ESF, se compre- estudantes, enquanto agentes desse
Educação que propõe um projeto de enda no território em que atua, na programa. Buscaremos acompanhar
Educação Integral, em tempo inte- relação com as configurações sociais e monitorar o processo de implanta-
gral. Trata-se de uma política públi- existentes nesse território. E para as ção e avaliar continuamente o pro-
ca para ampliar tempos, espaços mudanças se efetivarem as escolas cesso de implementação do PSE.
Revista Brasileira
10 Saúde da Família

A família contemporânea – pai, mãe e filhos – está em transfor-


mação. As estruturas familiares são as mais diversas. Há núcle-
os familiares encabeçados somente por mães, há filhos de mais
de um casamento com um dos pais morando juntos, a adoção
também é uma alternativa, há também as avós que criam ne-
tos... Mas, em praticamente todas as possibilidades, há quase
sempre uma constante: a presença de crianças e jovens.
E esses filhos e filhas passam por diversas fases em seu de-
senvolvimento: planejamento, concepção, gestação, parto,
primeira infância até que chegam à idade escolar. Aí então,
pela primeira vez, os cuidadores dessas crianças passam a
dividir a responsabilidade pela formação moral, social, inte-
lectual, física e emocional com outros importantes agentes: os
profissionais de educação.
E é nessa importante fase da vida de um indivíduo em que
se dão inúmeras mudanças e é construída a base sobre a
qual se formará o futuro adulto.
A estratégia Saúde da Família, como o próprio nome sugere,
tem a função social de prestar atendimento e apoio irrestrito
à saúde de todos os membros familiares. Logo, no caso das
crianças e jovens, com qual melhor aliado podem contar as
Equipes Saúde da Família que senão com a escola?

Programa Saúde na Escola –


articulação da saúde e da
educação como dever de casa
“As crianças deste país terão
o respeito do governo”.
Com essa frase, o presi-
dente Luis Inácio Lula da Silva
abriu, no dia 4 de setembro, em
Recife, Pernambuco, o lança-
mento oficial do Programa Saú-
de na Escola (PSE).
11

Com uma afinada parceria, os O programa será prioritário


Ministérios da Saúde e da Educa- nos 1.242 municípios, de todo o “O Programa Saúde na Escola
ção lançam um programa de gover- Brasil, com os menores Índices de é uma ação ousada dos
no que propõe a articulação e inte- Desenvolvimento da Educação Bá- Ministérios da Saúde e
gração de ações desenvolvidas, na sica (IDEB) e nos 52 municípios Educação, uma verdadeira
ponta, pelas escolas da rede públi- que já participam do Programa revolução, pois, além de
ca de ensino em conjunto com as Mais Educação, do Ministério da exames e equipamentos,
Equipes Saúde da Família (ESF). A Educação (que oferece atendi- o programa vai reforçar a
partir de agora, esses estudantes mento escolar em tempo integral). prevenção à saúde e construir
serão avaliados periodicamente por Mas, para que seus estudantes uma cultura de paz nas escolas.
O PSE resultará em impactos
essas equipes. sejam atendidos, os municípios
muito positivos para a saúde
O objetivo principal é identifi- precisam aderir ao programa, por
das crianças brasileiras”.
car, o quanto antes, em crianças isso é fundamental a participação
e jovens, fatores de risco e preve- e engajamento de toda a socieda- José Gomes Temporão,
nir e promover saúde, por meio de de, que deve cobrar dos prefeitos ministro da Saúde.
avaliações do estado nutricional, o PSE em suas cidades.
incidência precoce de hipertensão
e diabetes, controle de cárie, acui- Objetivos ousados
dade visual e auditiva e também completa Antônio Dercy Silveira
psicológica do aluno. A adesão dos municípios ao Filho, coordenador do PSE e as-
Segundo a diretora do Depar- Programa Saúde na Escola será sessor técnico do Departamento
tamento de Atenção Básica, do gradativa, mas as metas já foram de Atenção Básica, do Ministério
Ministério da Saúde, Claunara definidas: em 2008 a proposta é da Saúde.
Schilling Mendonça, “o Programa de que 10% do total das ESF de Conheça a estrutura do PSE
Saúde na Escola proporcionará à todo o Brasil estejam inseridas no
comunidade escolar a participação programa. Em 2009, os ministé- O Programa Saúde na Escola está
em programas e projetos que arti- rios esperam que esse percentual dividido em quatro áreas de atuação.
culem saúde e educação para o en- aumente para 30%. Para 2010, 1 – Avaliação das condições de saú-
frentamento das vulnerabilidades é esperado 50% e, em 2011, a de dos alunos, que compreende:
que possam comprometer o pleno meta é de 70% das equipes inse- – Avaliação clínica e psicossocial;
desenvolvimento das crianças e jo- ridas no PSE. – Estado nutricional;
vens brasileiros”. “A nossa lógica de ação está – Incidência precoce de hipertensão
na própria proposta da Saúde da e diabetes;
Família, pois, se o acesso à saúde – Saúde bucal (controle de cárie
é direito de todos e uma Equipe e outros);
Saúde da Família atende, em mé- – Acuidade visual e auditiva; e,
dia, 3.500 mil pessoas, os estu- ainda
dantes têm de fazer parte desse – Avaliação psicológica do estudante.
total e sabemos que dentro dessa
média temos aproximadamente 2 – Promoção à saúde e preven-
960 escolares por equipe e, se ção – trabalhará as dimensões
é nas escolas que eles estão, é da construção de uma cultura de
pra lá que também devemos ir”, paz e combate às diferentes ex-
pressões de violência, consumo
de álcool, tabaco e outras drogas,
bem como a abordagem à educa-
ção sexual e reprodutiva, além de
estímulo à atividade física e prá-
ticas corporais.
Antônio Dercy Silveira Filho, coordenador
do PSE no MS. 3 – Educação permanente e ca-
pacitação de profissionais e de
jovens – essa etapa será oferecida
pela Universidade Aberta do Bra-
sil, do Ministério da Educação, em
Revista Brasileira
12 Saúde da Família

interface com os Núcleos de Te-


lessaúde, do Ministério da Saúde,
e observará os temas da saúde e
constituição das equipes de saúde
que atuarão nos territórios do PSE.

4 – Monitoramento e avaliação
da saúde dos estudantes, que se-
rão feitos por intermédio de duas
pesquisas:
– A primeira, a Pesquisa Nacional
de Saúde do Escolar (Pense), em
parceria com o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE),
que contemplará os itens da ava-
liação das condições de saúde e o
perfil socioeconômico das escolas
públicas e privadas nas 27 capitais
brasileiras. O resultado dessa pes-
quisa servirá para que as escolas e
as equipes de saúde tenham parâ-
metro para a avaliação da comuni-
dade estudantil;
– A segunda pesquisa será o En-
carte Saúde no Censo Escolar
(Censo da Educação Básica),
elaborado e aplicado no contexto nicípios cobertos pelas Equipes As ações do PSE serão acom-
do Projeto Saúde e Prevenção nas Saúde da Família. Na prática, panhadas por uma comissão inter-
Escolas (SPE) desde 2005. Essa será a integração das redes de setorial de educação e de saúde,
sondagem consiste em questões educação e do Sistema Único de formada por pais, professores e re-
ligadas mais diretamente ao tema Saúde e isso tende a se consoli- presentantes da saúde, que pode-
DST e Aids. dar ao longo do tempo”. rão ser os integrantes da equipe de
O tempo de execução de cada Ainda segundo Antônio, “as ex- conselheiros locais. Os municípios
uma dessas áreas será planejado periências anteriores nesse campo, terão de manifestar interesse em
pela Equipe Saúde da Família (ESF) com a colocação de equipes de saú- aderir ao programa. Uma Portaria
levando em conta o ano letivo e o de (médicos e dentistas) dentro das do Ministério da Saúde definirá
projeto político-pedagógico da esco- escolas, não prosperaram devido ao os critérios e recursos financei-
la. Isso possibilitará às escolas te- alto custo que implicava manuten- ros pela adesão e orientará, tam-
rem um planejamento anual acerca ção dessas equipes e à descontinui- bém, a elaboração dos projetos
das ações do PSE. dade do cuidado, não se integrando pelos municípios.
às famílias dos escolares. O PSE, ao
Ações efetivas contrário, garantirá que as ESF que
Materiais de apoio
atuam na comunidade também tra-
Para Antônio Silveira, “todas balhem na escola numa ação contí- à ponta do programa
as ações serão possíveis nos mu- nua e integrada”.
Além do incentivo financeiro, o
Ministério da Saúde ficará responsá-
vel pela publicação de almanaques
O IDEB é o indicador da qualidade do ensino brasileiro. Nele, para distribuição aos alunos das es-
é considerado o rendimento escolar, ou seja, a taxa média de colas atendidas pelo PSE. A tiragem
aprovação de um aluno. A avaliação conta com três exames: ao da publicação poderá chegar a 300
final da 4ª e da 8ª série do Ensino Fundamental e da 3ª série do mil exemplares em 2008. O Minis-
Ensino Médio. O IDEB é obtido com o resultado da média dos tério da Saúde, por meio do DAB,
alunos nessas provas dividido pelo tempo médio de conclusão de publicará a edição dos Cadernos
uma série. de Atenção Básica – Saúde Escolar
13

Para os quatro primeiros


anos do programa, estão ses. Precisamos, primeiro, alocar Aos municípios caberá a criação
previstos cinco milhões de dinheiro para poder fazer esse pro- de um grupo de trabalho interseto-
consultas oftalmológicas grama, mas, de qualquer forma, rial para elaborar e implementar o
e o fornecimento de 460 vamos fazer agora o que tinha que PSE, estabelecer territórios a partir
mil óculos, bem como 800 ser feito”, ressaltou o presidente da vinculação entre as escolas e as
mil avaliações auditivas da República, na ocasião do lan- Unidades Básicas de Saúde, definir
e o fornecimento de çamento do PSE. metas de atendimento locais e, por
33 mil próteses auditivas. Para a ponta, nas ESF, o Mi- fim, encaminhar o projeto para a
nistério da Saúde prevê o Incenti- homologação da Comissão Inter-
vo PSE, que dará a cada Equipe gestora Bipartite (CIB).
Saúde da Família, por meio de um Apesar de a opção pelo pro-
para as mais de 5.500 ESF que repasse fundo a fundo, uma parce- grama ser municipal, é obrigação
atuarão nas escolas. Nessa publi- la a mais do valor que ela recebe dos Estados apoiarem suas ges-
cação, serão compiladas informa- mensalmente. Atualmente os mu- tões municipais.
ções úteis sobre os problemas de nicípios que contam com a estra-
saúde mais prevalentes na faixa tégia Saúde da Família recebem o
etária escolar. incentivo que varia de seis a nove
Investimento mil reais – com o PSE, em vez de Os profissionais da ponta
12 parcelas, serão 13. desse programa, da saúde e
Até o fim de 2008, o programa Esse valor será pago em duas da educação receberão kits
beneficiará dois milhões de estu- vezes, nos meses de março e se- com medidor de altura, fita
dantes de 690 escolas, em 647 tembro, e fará parte do bloco de fi- métrica, balança portátil,
municípios, o que representará nanciamento da Atenção Básica. infantômetro (equipamen-
investimento de R$ 34,5 milhões. to para se medir crianças
Para atingir a meta global – mais Saúde e escola: gestão conjunta deitadas), esfignomanô-
de 23 milhões de jovens –, o go- entre município, Estado e União metro pediátrico (aparelho
verno federal aplicará R$ 844 mi- de medir pressão arterial
lhões até 2011. Apesar de o município poder es- de alta precisão), estetos-
A idéia original era lançar o colher ter ou não o PSE, a gestão cópio infantil, tabelas de
PSE em março de 2008, mas o desse programa é tripartite, ou seja, Sneller (triagem visual),
programa sofreu um atraso em sua se dá entre município/Estado/União. métodos contraceptivos,
implantação devido à rejeição, por Caberá aos Ministérios da Saúde e macromodelo odontológi-
parte dos parlamentares, para a Educação possibilitar a integração co (para educação bucal),
prorrogação da Contribuição Pro- entre as secretarias municipais e es-
cartões com gráficos de
visória sobre Movimentação Fi- taduais das respectivas áreas, bem
crescimento infantil, DVDs
nanceira (CPMF). “Não pudemos como subsidiar o planejamento inte-
com teleaulas sobre temas
colocar em prática porque não foi grado das ações do programa, apoiar
de saúde e educação, ví-
aprovada a CPMF. Agora, estamos os gestores das cidades e dos Esta-
deos do Saúde na Escola,
fazendo com algum atraso aquilo dos, estabelecerem os indicadores
que poderíamos ter feito há me- de avaliação do programa.
álbuns seriados e cartazes.
Para as ESF, além desse
material, serão enviados
o Manual de Alimentação
Principais metas do Programa Saúde na Escola
Saudável e o Guia de Edu-
• Atingir 23.520 milhões de alunos das escolas públicas brasileiras cação Permanente dos Pro-
até 2011; fissionais de Saúde. E para
• Criação de grupos de trabalho nos municípios e inserção dos temas os profissionais de educa-
de saúde nos projetos político-pedagógicos das escolas; ção o kit será acrescido do
• Educação permanente para 39.400 professores e profissionais de Guia de Educação Perma-
saúde em caráter presencial e não-presencial no quadriênio 2008-2011; nente do Jovem Multipli-
• Monitoramento das questões de saúde dos alunos por meio de pes- cador, um kit Promoção às
quisas e levantamentos; Práticas Corporais e Ativi-
• Prevenção e educação para saúde sexual e reprodutiva nas escolas; dades Físicas nas Escolas,
• Constituição dos territórios de responsabilidade entre escolas estadu- acompanhado de alguns
ais, municipais e Equipes Saúde da Família. materiais esportivos.
Revista Brasileira
14 Saúde da Família

Na capital de Pernambuco, a escola piloto do PSE


inicia os seus trabalhos

Recife: semente de mudanças


O Programa Saúde na Escola escola procura incluir transver- aluno. Mas podemos acionar tam-
foi oficialmente lançado no dia 4 salmente essa questão: “Abor- bém a Equipe nesse sentido, pois,
de setembro, na Escola Estadu- damos a questão do saneamento enquanto eles para nós são pais
al Francisco de Assis, no Recife. nas matérias de ciências, geo- e mães, para a unidade de saú-
Com cerca de 1.200 alunos, essa grafia, ecologia e outras e agora de, eles são pacientes, usuários e
escola, localizada no Bairro do teremos mais um reforço com as têm outro tipo de relacionamento.
Imbiribeira, uma região das mais equipes (Saúde da Família)”. Então algum tipo de dificuldade
pobres da capital pernambucana, Manoel também levanta outro que temos de trabalhar com esses
é a piloto desse programa. benefício dessa parceria, que é o pais a gente pode dividir e não só
Segundo Manoel Albuquer- lidar com os pais. “Aqui na escola a questão dos alunos”, completa.
que, diretor da escola, o maior os professores lidam com os alu- A primeira ação efetiva do PSE
benefício do PSE é “a rede social nos cerca de quatro, cinco horas junto à comunidade escolar foi a
que se forma ao redor da esco- por dia, nós da direção já lida- realização de um diagnóstico da
la”. O diretor conta que a Fran- mos também diretamente com os clientela estudantil, e esse levan-
cisco de Assis está inserida num pais e os chamamos quando há a tamento estruturou toda a manei-
bairro com pouca infra-estrutura necessidade de um acompanha- ra como os profissionais trabalha-
de saneamento básico e que a mento específico de determinado rão o novo programa.
15

ligado aos hábitos alimentares e à


escovação adequada. “Por isso”,
coloca o dentista, “é necessário que
nossa visão nesse programa vá além
da assistencial. Temos quase 68%
do total de alunos com cáries, então
é preciso que venhamos à escola,
Para Manoel Albuquerque, diretor da Escola Estadual
Francisco de Assis, o fato de uma escola estadual ter
façamos os atendimentos cabíveis,
sido selecionada para ser a piloto do Programa Saúde a aplicação tópica de flúor, pales-
na Escola indica “o próprio caráter universal que tem tras, mas mais importante ainda
o programa, para o qual o que importa é chegar ao
aluno da rede pública, não importa se é escola mu- é a necessidade de se trabalhar a
nicipal, estadual, federal, cefet (centros de formação prevenção e a conscientização des-
tecnológica), enfim”. O PSE vem também auxiliar as sas crianças a respeito da respon-
escolas no déficit de assistência à Saúde Mental, “a
maioria das escolas públicas”, segundo Manoel, “não sabilidade delas próprias sobre sua
conta com um psicólogo ou psicopedagogo, e agora saúde”. Outro enfoque de George
a própria equipe de saúde vai poder encaminhar os é a “problematização” da questão,
casos que nós temos aqui para quem pode atender às
necessidades de nossos alunos nesse campo”. procurando dar ao tratamento ou-
tro objetivo como “a futura inser-
ção desses jovens no mercado de
trabalho”, ele diz que procura lem-
Denominado de Perfil Nutricio- questão nutricional, pois, devido à brá-los “que terá mais chance de
nal, de Pressão Arterial e de Saúde alimentação inadequada, consumo conseguir uma boa colocação no
Bucal de Escolares, esse diagnósti- excessivo de açúcares, refrigerantes futuro aquele que tiver uma melhor
co, feito em parceria com a Equipe e outros, os alunos podem desenvol- aparência, que tiver dentes saudá-
Saúde da Família da Unidade Básica ver a obesidade e isso aumenta não veis, um sorriso mais bonito e isso
de Cafesópolis (vinculada à escola) só o número de hipertensos, mas passa pela prevenção”.
e com os profissionais de educação, também de incidência de males de Já para a secretária municipal de
analisou 269 alunos, com idades saúde bucal”, conta a enfermeira. Saúde do Recife, Maria Tereza Cam-
entre 10 e 19 anos, sendo 57,6% O dentista da Equipe de Saúde pos, o PSE vem resgatar uma dívida
meninas e 42,4% meninos. Bucal da UBS de Imbiribeira George que o SUS tem com a comunidade
Observou-se que, do total de es- Gusmão está acompanhando a ESF escolar. “Isso porque, dentro da Saú-
tudantes, 69% encontram-se entre de Cafesópolis no atendimento à de da Família, quando implantada,
os 12 e os 15 anos, caracterizando comunidade escolar desde o lança- a gente tem a função de ir às es-
aí a prevalência da adolescência. mento do programa. O dentista co- colas, cadastrar e orientar, mas não
Uma tendência nacional, a Tran- loca que o índice de CPO-D (dentes tínhamos isso na rotina do serviço.
sição Nutricional, também foi obser- permanentes cariados, perdidos e Não estava no rol de atividades que
vada na escola, visto que o total de obturados) entre as crianças de 12 uma Equipe tinha que fazer e agora
estudantes com sobrepeso e obe- anos é 1,66 e aumenta para 2,77 está definido”, coloca a secretária.
sidade é de 27,1% enquanto o de aos 15. O aumento encontrado “Então eu defendo que as equipes
desnutridos soma 3,9%. Os eutrófi- significativo, segundo George, está estejam dentro da escola para res-
cos (com peso normal) são 69%.
A enfermeira Jacileide Cândida,
que também é a gerente do territó-
rio 6.1 (que engloba os bairros da
zona sul do Recife de Pina, Boa Via-
gem, Brasília Teimosa, Imbiribeira
e Ipsep), afirma que o aumento do
número de sobrepeso e de obesos
encontrado não significa que esses
Segundo a enfermeira da UBS/SF Cafesó-
jovens estejam adequadamente polis (vinculada à Escola Francisco de As-
nutridos. “Observamos na escola sis) Jacileide Cândida, a partir da implan-
também, nesse diagnóstico, a cons- tação do PSE nas escolas, as Equipes
Saúde da Família “poderão contar, além
tatação de que 3% dos alunos es- dos recursos financeiros, com apoio téc-
tão hipertensos, fora outros 3% em nico, e esse apoio será importante, pois
situação limítrofe com essa ques- estaremos lidando com um público bem
específico, com suas necessidades pró-
tão. Isso está diretamente ligado à
prias e suas demandas”.
Revista Brasileira
16 Saúde da Família

Cidade
Pioneira
Para a coordenadora de
Saúde Bucal da Secretaria
Municipal de Saúde (SMS) do
Recife, Nilcema Figueiredo,
um dos motivos de a cidade
ter sido escolhida para ser
pioneira no PSE “está no fato
do Recife já trabalhar na pers-
pectiva de município saudá-
vel, e esse formato preconiza
o atendimento à assistência
desde a promoção à saúde até
O dentista George ao lado do presidente
a reabilitação, do nascimento
Lula, no dia do lançamento do PSE, aten- à morte e a Atenção Básica é
dendo um aluno na Escola Estadual São a porta de entrada”.
Francisco de Assis.
A filosofia de municípios
saudáveis iniciou-se em fins
dos anos 1970, dentro de
gatarem os alunos também para as um processo de evolução
do ministro da Saúde, José Gomes
unidades de saúde, para acabar com conceitual da promoção à
Temporão, entre outros, esteve saúde e nos moldes propos-
aquele preconceito de que unidade presente também o secretário de tos pela Carta de Ottawa, e
de saúde é a cara da mulher, ‘por- Cultura do Estado de Pernambu- entende que na saúde, den-
que a mulher fica grávida’, ‘porque co, Ariano Suassuna, internacio- tro de uma ótica ampliada
a mulher ganha nenê’ e ‘porque a nalmente reconhecido e autor de de qualidade de vida das
mulher leva a criança’. O unidade de obras que refletem bem a vida no pessoas, os locais públicos
saúde no Brasil, tradicionalmente, é sertão nordestino. Dono de uma vi- são locais potenciais de pro-
vista como um espaço feminino. O são de mundo moldada por quem moção à saúde e, justamente
PSE vem para ajudar a desmistificar viveu, na idade escolar, de perto os por isso, a escola é um dos
isso e tornar a UBS como um espa- problemas da aridez da seca e da locais ideais.
ço para todos e todas e temos que pobreza, Ariano, enquanto também
trabalhar essa consciência ainda na representante da cultura, entende
escola”, ressalta a secretária. bem pelo que passam as crianças,
Juliana Pinheiro, coordenadora especialmente as menos favoreci-
da Atenção Básica da SMS do Reci- das economicamente.
fe, enfatiza que, se em um primeiro
momento foram trabalhadas ques- Itinerância de arte e educação
tões relacionadas à saúde bucal, hi-
pertensão e nutrição, “num segundo Ariano atualmente desenvolve
estágio da implantação do Programa um trabalho no qual leva a cultura
Saúde na Escola em Recife, iremos para o interior do Estado de Per-
trazer outros temas para discussão, nambuco, com suas aulas-espetá-
como a saúde sexual, a reproduti- culo, uma forma de ampliar o con-
va, a mental (o sofrimento psíqui- tato das pessoas com a cultura, e
co). Utilizaremos também a rede já faz um paralelo entre trabalho e a
constituída pela Rede Academia da proposta do PSE de levar os pro-
Cidade (uma iniciativa da prefeitura fissionais de saúde para as esco-
do Recife que estimula a prática de las. “Isso é excelente, acho que do
esportes nas escolas da cidade)”. mesmo jeito que um dos meus tra-
Tereza Campos, secretária municipal de
balhos é mostrar um tipo de arte
Saúde, educação e cultura Saúde do Recife, coloca que “a capital
às pessoas que normalmente não pernambucana deu um salto qualitativo
vão ao teatro... tem gente que tem e quantitativo no que se refere à Saúde
Na ocasião do lançamento do da Família. Tínhamos em 2000 27 Equi-
PSE, além do presidente da Repú- ido ver o nosso espetáculo que pes Saúde da Família, hoje, em 2008, já
blica, Luis Inácio Lula da Silva, e nunca pisou num teatro porque são mais de 240 ESF, numa cobertura de
54% da população”.
17

não tem condições. Eles não têm


oportunidades e eu tenho dado
Um causo (real) de Suassuna
essas aulas-espetáculo em lugares
que sequer tem um teatro. Quer
sobre sua infância e
dizer, o teatro é um espaço, nor-
malmente no Brasil, freqüentado
sua formação
por uma elite econômica, cultural
O secretário de Cultura do Estado de Pernambuco conta uma
e política; o povo não tem acesso.
história que viveu, ainda na infância, e que, segundo ele, o aju-
Então, a mesma coisa digo, tem
gente que não vai a nenhum hos- dou a moldar sua consciência cívica e sua preocupação com os
pital, nenhum posto de saúde para temas ligados à educação e às condições de aprendizado das
se informar sobre preceitos míni- crianças, especialmente no sertão nordestino e em condições de
mos de saúde, então é muito bom exclusão social:
que o pessoal da saúde vá até a “Eu, pessoalmente, passei por um experiência que tenho contado
escola”, enfatiza o autor teatral. aí Brasil afora. Eu sempre tive muita consciência social e acho que
“Eu acredito que esse progra- a causa disso é o fato de eu ter estudado numa escola pública, no
ma (PSE) é muito bom, que isso sertão da Paraíba. Lá eu tinha três colegas, três irmãos, que nem na
vai melhorar a qualidade do en- cidade moravam, eles eram da zona rural e iam à pé por quilômetros
sino, mas precisamos lembrar para a escola. Esses meninos eram alvo de zombaria pelos outros
que, antes do problema da saú- porque eram considerados ‘burros’, ‘sem inteligência’. Eles não se
de, temos neste país o problema integravam aos demais. Na hora do recreio, o professor nos deixava
da fome. Eu acho que esse é o meia hora soltos no quintal da escola, que era pequeno, mas dava
problema, pois temos 18% da po- para brincar um pouco, e eles ficavam em pé, encostados numa pa-
pulação brasileira abaixo da linha
rede, e os outros meninos passavam e davam-lhes bilhetinhos (tapas
de pobreza, na faixa de miséria
na cabeça – Ariano mostra dando um tapa de leve em sua própria
mesmo. Daí eu acho que uma
nuca). E eles não reagiam, só faziam baixar a cabeça. Então, ven-
pessoa que fala mal por exemplo
de um programa como o Bolsa- do aquela situação, eu naturalmente me aproximei deles e ficamos
Família, num país desses, ela amigos. Nessa época, minha mãe me dava, para fazer o lanche, um
não tem a consciência social do pão com manteiga e isso era o meu lanche. Um dia, na hora que
alcance desse problema. Porque fui comer o meu pão, percebi o mais velho dos irmãos olhando e eu
você não pode tratar do proble- instintivamente perguntei: –– Você quer metade? Ele disse, Quero!
ma da educação, da saúde se não Dei a ele a metade do pão oferecida e ele partiu esse pedaço em
cuidar do problema da fome pri- três e deu aos outros dois irmãos. Eles chamavam Ozório, Pedro
meiro”, enfatiza Suassuna. e Davi... Aí eu fiquei dando o pão todo dia e eles comendo... Pois
O secretário lembra também uma bem, anos depois encontrei com Pedro e conversando ele me dis-
passagem em que ressalta a impor- se: –– Ariano, aquele pedaço de pão era o primeiro e único café
tância das ações de saúde estarem da manhã que a gente tomava. Porque não tinham condições.
aliadas à educação e à cultura. Ele disse que tinham que
Segundo Suassuna, preocupado estudar até meio-dia e a ca-
com a questão da saúde dos índios, beça doía de fome. E como
principalmente com a tuberculose,
é que um menino desses ia
doença para a qual o organismo dos
ter condições de estudar?
indígenas não tem defesas naturais,
Por isso ele era chamado
Noel Nutels o procurou certo dia:
“Então ele me procurou, para que de burro, mas ele não era
eu recomendasse a ele um poeta burro nada, ela era um fa-
capaz de escrever sobre os perigos minto! Então desde menino
da tuberculose. Nesse tempo mora- eu tomei consciência desse
va no Recife um grande autor de fo- problema horroroso, desse
lhetos chamado Belardo Monteiro. abismo social que separa os
Eu os apresentei e ele encomendou privilegiados dos despossuí-
esse folheto de cordel. Até o título dos neste país. Eu, inclusi-
era ótimo, A Fera Invisível, quer di- ve, coloquei essa história no
zer, a fera que devora a pessoa sem meio de um romance que
a pessoa saber”. fiz”, diz Ariano Suassuna.
Revista Brasileira
18 Saúde da Família

A cidade do Rio de Janeiro é famosa no mundo inteiro


pelas suas belezas naturais, seu povo acolhedor, sua
arquitetura que por vezes faz com que a própria natu-
reza surja ainda mais bela aos olhos de quem a vê. No
entanto é notório também que, nas últimas décadas,
a fama vem sendo creditada à crescente violência que
oprime e adoece a população, seja do asfalto, seja do
morro – gírias locais comumente usadas para designar,
respectivamente, aquelas pessoas com melhor poder
aquisitivo e aquelas menos favorecidas, que moram
nas favelas ou comunidades periféricas.

Cidadania e saúde –
um posicionamento
contra a violência
no Rio de Janeiro
De uma forma geral, na cidade do
Rio de Janeiro, o panorama da saú-
de ainda é fortemente marcado por
uma rede assistencial com hospitais
públicos de grande porte, postos de
atendimento médicos (os PAM), que
se caracterizam por ambulatórios de
especialidades e centros municipais
de saúde, nos quais predomina o
atendimento sob demanda espontâ-
nea e aqueles atendimentos atrelados
a programas de saúde, como o de
controle de diabetes e hipertensão.
Ao observar o local de atuação das
Equipes Saúde da Família (ESF) na ci-
dade do Rio de Janeiro, percebe-se que
os profissionais estão onde são mais
necessários, “temos uma concentração
desses profissionais em áreas de maior
risco social, ou seja, nas favelas e vilas.
Ou seja, há sim um esforço, por par-
te da Atenção Básica no município,
em alcançar quem mais precisa”, Vista geral do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, umas das co-
coloca a psicóloga Ana Aguiar. munidades mais carentes da capital fluminense conta com o trabalho
dedicado das Equipes Saúde da Família.
19

Na cidade, classificada pela Violência e Saúde – temente da intervenção clássica do


Secretaria Municipal de Saúde um diálogo complexo psiquiatra ou do psicólogo, se insere
por distritos sanitários, a atuação num contexto de trabalho multidis-
das 53 Equipes Saúde da Família, A concepção e proposta dos ciplinar, que promove a construção
locadas no distrito sanitário 3.1, Encontros Temáticos partiram da de alternativas terapêuticas que res-
corresponde aos bairros de Man- percepção a partir das Oficinas peitem o saber popular, os valores
guinhos, Bonsucesso, Ramos, Ola- Permanentes de Saúde Mental, da comunidade e a singularidade de
ria, Penha, Brás, Cordovil, Parada implementadas desde 2006. São cada sujeito”, pondera a psicóloga
de Lucas, Jardim América e Vigá- encontros mensais para transmis- Ana Lúcia Machado Aguiar.
rio Geral, além da Ilha do Gover- são de saberes e construção com- Os profissionais envolvidos nas
nador. Toda essa região responde partilhada de projetos terapêuticos, oficinas perceberam a necessidade
por cerca de 870 mil habitantes, dos quais participam, além dos re- de se trabalhar no enfrentamento
do total de mais de seis milhões presentantes dos Centros de Apoio do problema da violência. E tive-
de habitantes da capital. Psicossocial (CAPS), profissionais ram como guia nessa construção o
Nesse distrito estão localiza- de nível superior, médio e ACS. O respaldo conceitual do Informe Es-
das duas das maiores favelas do objetivo dessas oficinas é “capacitar pecial do WOLA (The Washington
Rio: os Complexos do Alemão e da os profissionais da Atenção Básica, Office on Latin America – Escritório
Maré. Desde 2003, as ESF vêm no município, na compreensão das de Washington na América Latina),
sendo implantadas nessa área. ações da saúde mental que, diferen- publicado em outubro de 2006.

Mapa do Rio de Janeiro com delimitação dos distritos sanitários

Somente o Complexo do Alemão


tem hoje uma população de mais de 95
mil habitantes com Índice de Desenvol-
vimento Humano (IDH) de 0,587, ele-
vado índice de desemprego e baixa
taxa de escolaridade.

Proposta de enfrentamento

Esse é o quadro sobre o qual se


insere tanto as Equipes Saúde da Fa-
mília quanto a população atendida e
sua realidade. Mas o que de fato,
visto as (muitas) dificuldades, pode
ser feito por um profissional da es-
tratégia Saúde da Família?
E justamente sobre a violência Parte da equipe de trabalho que está à frente dos Encontros Temáticos – Violência e Saúde:
que recai sobre a população mais mulheres dedicadas que vêem na estratégia Saúde da Família uma possibilidade de inter-
carente, os ‘favelizados’, os pro- venção positiva junto a comunidades que atualmente sofrem com os males causados pela
violência. No alto à esquerda, a psicóloga Ana Aguiar; ao seu lado a supervisora operacional
fissionais da Saúde da Família do do Grupo de Apoio Técnico da Saúde da Família do distrito 3.1, Fátima Virgínia Siqueira de
distrito 3.1 elaboraram um projeto Menezes Silva; a Agente Comunitária de Saúde Iris Márcia Pereira da Silva, e à direita a en-
fermeira Carla Lima Cerqueira Abreu. Sentadas a partir da esquerda, a dentista Maria Hildete
inovador: o Encontro Temático – dos Santos Couto de Souza; a médica Cláudia Barbosa Zukuin Antas, da UBS Baiana, e,
Violência e Saúde. à direita, a agente comunitária Marilza Santana.
Revista Brasileira
20 Saúde da Família

O documento traz um estudo sobre ção conjunta no manejo de situações Dificuldade: “Quando se é
as pandillas juveniles (gangues ju- de violência”, segundo uma das in- morador e profissional, tudo
venis) na América Central e aponta tegrantes do grupo de coordenação fica mais difícil. Pois não po-
três grandes fatores de risco: vio- do projeto, a psicóloga Ana Aguiar. demos falar de certas coisas.
lência doméstica, instabilidade Com início das atividades em 2007, Para não se prejudicar en-
econômica e instituições comuni- a proposta da ferramenta é estimular quanto morador”.
tárias débeis. O relatório ressalta a construção de abordagens a partir Possibilidade: “Melhor forma
também, afirma Ana Aguiar, “os do trabalho em equipe. de tratar esse tema é agindo
benefícios trazidos por investimen- O trabalho começou com ofici- de forma indireta, por meio de
tos em programas de prevenção da nas mensais de leitura de textos parcerias para incentivo ao es-
violência e o impacto direto sobre a que abordam o tema da violência porte e atividades educacionais
saúde mental dessa população”. e exposição comentada de filmes. e grupos que ensinem ocupa-
Para trabalhar esses pontos, fo- Sempre participam do encontro ções profissionalizantes”.
ram elaboradas, em parceria com dois representantes de cada ESF, Outro exemplo:
os profissionais da estratégia Saúde sendo um ACS e um profissional Dificuldade: “Sentimento de
da Família, novas oficinas. A Ofici- de nível superior. Essa divisão per- estar invadindo a privacidade/
na de Qualificação de Práticas, que mitiu um maior leque de opiniões autoridade familiar”.
propõe encontros regulares abor- e de pontos de vista. No encontro “Chefe de família, a mãe, que
dando a cada sessão temas diferen- deu-se também a aplicação de um na maioria das vezes não en-
tes, com profissionais das ESF, e a questionário curto abarcando os contramos em casa, por estar
Oficina Temática, que trabalha com pontos-chave para elaboração de trabalhando”.
todas as equipes um mesmo tema uma proposta de enfrentamento: Possibilidades: “Reunir famí-
por um período de oito meses. -- No seu território, em qual ciclo lias para a discussão que abor-
de vida (criança, adolescente, daria as causas, conseqüências
Dinâmica dos jovem adulto, idoso) a equipe e soluções para o fim ou a re-
Encontros Temáticos reconhece mais fatores de ris- dução da violência familiar”.
co para violência? “Acompanhamento das famí-
Elaborado em parceria com a -- Quais dificuldades e possibili- lias que temos o conhecimen-
divisão de Saúde Mental da cidade, dades que a equipe encontra to acerca da violência”.
o Encontro Temático “foi concebido para trabalhar a violência nes- E assim, sucessivamente, come-
para ser uma experiência coletiva se ciclo de vida? çaram as trocas de idéias, experiên-
para discutir a percepção e constru- Divididas em oito grupos, as cias e possibilidades reais de inter-
equipes confrontaram as respostas venção na vida de muitos jovens. A
e iniciaram a discussão de um pro- Agente Comunitária de Saúde Maril-
jeto terapêutico. Logo se observou za Santana, da Unidade Básica de
que o ciclo de vida adolescente/jo- Saúde Esperança, no Complexo do
vem adulto é aquele com mais fato- Alemão, relata um dos muitos ca-
res de risco. sos que vivenciou: “O de uma mãe
Entre uma das causas mais im- que, infelizmente, estava vinculada
portantes desse fator de risco está o ao tráfico, como usuária, e, por isso,
acesso desse jovem ao trabalho e às não deixava as crianças saírem de
Equipes Saúde da Família. casa, passava quase todas as noites
A partir das respostas obtidas com fora, colocando em risco não só a
o questionário, foi elaborada uma car- saúde, mas a própria segurança das
tografia que serve como parâmetro e crianças”. Segundo Marilza, ela não
guia para a construção de estraté- podia confrontar diretamente a mãe
gias de embate à violência, sobretu- sobre o uso de drogas, pois, além de
do para os profissionais da ponta da estar indo contra o poder paralelo
estratégia, os ACS e as enfermeiras, que se estabeleceu na comunidade,
sobre como lidar, caso a caso, com a simples menção ao problema po-
esses jovens em risco social. deria fazer com que a mãe se fechas-
O texto foi construído balancean- se ainda mais ao diálogo. Então Ma-
do as dificuldades e possibilidades rilza procurou agir de outra maneira,
de atuação, a exemplo: conversando com essa mãe, às vezes
21

mais duramente, sobre o futuro que O diálogo nos limites propõe uma sutil analogia entre o
essa situação de quase total aban- da grande tela antigo comércio de escravos e a
dono estaria proporcionando aos atual exploração da miséria pelo
filhos, uma vez que não lhes dava Entre os recursos utilizado s marketing social que forma uma
a devida atenção e carinho. “Como para prover o debate de idéias e solidariedade de fachada. Esse fil-
agente de saúde, eu tive a obrigação incentivar a discussão, foram exi- me discute os espólios de nosso
de alertar essa mãe que, caso con- bidos dois filmes que trazem a te- passado escravista: as persisten-
tinuasse essa situação, o conselho mática da violência e sua inserção tes desigualdades econômicas e
tutelar deveria ser acionado e, sob o nas favelas. Um deles foi “Última sociais. O longa conta a história
risco de perder a guarda dos filhos, Parada 174”, do diretor Bruno Bar- de uma ONG fictícia que compra
finalmente conseguimos sensibilizar reto, produzido em 2007 e com ro- computadores para o Projeto In-
essa moradora, para que pelo me- teiro inspirado na história real do formática na Periferia, porém esse
nos voltasse para casa para dormir seqüestro do ônibus 174, no Rio equipamento é superfaturado, ca-
com os filhos, que comparecesse à de Janeiro, no ano de 2000. O fil- racterizando uma fraude e se uti-
unidade de saúde, que os levassem me reconstrói a vida de Sandro do lizando das boas intenções de jo-
também... e assim estamos lidando Nascimento, um menino de rua que vens. Traz à tona uma discussão
com essa mãe, tentando aos poucos sobreviveu à chacina da Candelária sobre o papel desses jovens e da
ganhar essa batalha”. e que, após alguns anos, foi o res- educação na realidade em que vi-
Já a ACS Iris Márcia Pereira da ponsável pelo seqüestro do ônibus vem. Em paralelo, corre outra tra-
Silva, da UBS Baiana, diz que pro- que terminou com a sua morte por ma no filme, a de uma escrava grá-
cura confrontar os que ficam nas policiais. Antes de ser uma apologia vida fugitiva, do século XVIII, que,
ruas, pedindo-lhes que retornem à marginalidade, a película procura ao ser devolvida ao seu “dono” pelo
para casa, “sempre quando vejo reconstruir o caminho trilhado pelo capitão-do-mato, prefere abortar a
um grupinho parado numa esquina, seqüestrador, de abandono social, dar à luz um filho escravo.
procuro me aproximar, perguntar de falta de perspectivas, que o le-
o que estão fazendo ali. Se não é vou a um trágico desfecho. A inten- Saúde, educação e cidadania
horário escolar, eu aconselho a eles ção foi alertar aos jovens o rumo
irem para casa, ficar com a mãe, que pode tomar uma vida ligada às Para Fátima Virgínia Siquei-
fazer o dever de casa da escola ou drogas e longa das possibilidades ra de Menezes Silva, supervisora
pelo menos ir jogar bola, ter alguma que a educação pode oferecer. operacional do Grupo de Apoio
atividade saudável, que não seja fi- O outro filme exibido, “Quan- Técnico da SF e dos Agentes Co-
car na rua, parado, exposto ao peri- to vale ou é por quilo?”, de Sér- munitários de Saúde, do distrito
go e ao aliciamento”. gio Bianchi, produzido em 2005, 3.1, “é importante que as equipes
de todo o distrito dialoguem, pois
os problemas muitas vezes são os
mesmos, são compartilhados e
passam pelas áreas em comum,
como as escolas da comunidade,
com as quais procuramos fazer
um trabalho de conscientização
junto à diretoria, para justamente
tentar alcançar esses jovens e es-
sas crianças”.
A médica da UBS Baiana,
também no Complexo do Alemão,
Cláudia Barbosa Zukuin Antas re-
força: “Como pediatra eu venho
observando ao longo dos anos que
A Agente Comunitária de Saúde Marilza Santana faz sim muita diferença a educa-
é uma das muitas profissionais de uma das uni-
dades básicas de saúde situadas no Complexo ção. Em trabalhos que venho rea-
do Alemão. O sorriso nunca ausente, mesmo lizando, proponho um projeto tera-
numa realidade onde parece que os males cau- pêutico e educacional ainda para
sados pela violência batem à porta diariamen-
te, demonstra a força de uma profissional que as crianças na primeira infância
carrega o sentimento que dá nome à unidade e é surpreendente a resposta que
onde atua: Esperança.
Revista Brasileira
22 Saúde da Família

Casos reais debatidos e apresentados


Durante os Encontros Temáticos, os profissio- de jovens que enfrentam algum desses problemas,
nais obtiveram a colaboração de usuários que esta- dispostas a compartilhar seu ponto de vista, o de
vam recebendo atendimento nas Unidades Básicas quem vive o problema “na pele”.
de Saúde. Para a médica Ana Mello, uma das coordena-
Foram apresentados casos de violência intra- doras do projeto, “os depoimentos valorizaram a
familiar: dois de violência física e dois de abuso importância dos espaços coletivos e democráticos
sexual (pai e padrasto/adolescente). de discussão para se conseguir uma aproximação
Para discutir a violência urbana: adolescentes dos profissionais ao tema”. Mesmo entendendo a
envolvidos com tráfico de drogas compareceram à dificuldade, sobretudo para os ACS, de se expor
reunião e expuseram não só seus problemas, como ao tentar confrontar uma situação de violência,
foram abordados também os assassinatos de jovens, para Ana, a avaliação de casos reais e a discus-
nem sempre ligados à problemática das drogas. são proposta “buscam encontrar uma coexistência
A prostituição de meninas na pré-adolescência e pacífica com os fatores geradores de violência que
as doenças sexualmente transmissíveis nesse grupo permitam a continuidade do trabalho sem paralisar
também foram abordadas com a corajosa presença diante de tais agravos”.

temos delas, o quanto de diferen- Cláudia ressalta que o projeto metralhadora? Então utilizamos o
ça que isso faz para essas crianças pedagógico para crianças que vi- tá-tá-tá da metralhadora. A palavra
ao chegarem à idade escolar, isso vem nesse tipo de realidade surte casa também, pois a casa que elas
reflete na capacidade de rendimen- mais efeito quando se trabalha com conhecem não é aquela bonitinha
to escolar. Só é possível promover os próprios elementos que cercam dos livros, toda colorida, com telha-
mudanças em qualquer comunida- essa criança, “na alfabetização, por do, não, a noção de casa para eles é
de, seja na questão da violência, exemplo, começamos a trabalhar um barracão, geralmente apertado,
seja na questão da saúde, dos di- dentro da perspectiva do projeto onde dormem muitas pessoas, então
reitos humanos, se houver um in- Fala Maria Favela, que propõe essa é essa imagem com a qual vamos
vestimento concreto e bem plane- dinâmica. Quais sons essas crianças trabalhar, assim trazendo a educa-
jado em educação”. estão acostumadas a ouvir? – É o de ção para a realidade delas”.

Durante o Encontro
Temático – Violência e
Saúde, os profissionais
debateram as suas di-
versas experiências.
Nesta foto, uma ACS
mostra, por meio da
árvore genealógica de
uma das famílias de sua
área, como podem ser
complexas as relações
familiares que se esta-
belecem atualmente em
nossa sociedade.
23

Cartografia da violência
Segue abaixo a cartografia, dividida nos temas mais ressaltados pelos profissionais, elaborada a partir
dos Encontros Temáticos: – Código do silêncio, Violência explicitada, Família e Ciclos de vida.

Código do silêncio
Dificuldades Possibilidades
“Quando se é morador e profissional, tudo fica mais difícil. Pois não pode- “Quando a pessoa está sendo vítima da violência ela nos procura não
mos falar de certas coisas. Para não se prejudicar enquanto morador.” como morador, mas como profissional. Nós temos sempre uma solução,
“É fazer a comunidade falar sobre esse assunto que tanto incomoda. No ou quase uma, para tentarmos pelo menos amenizar um pouco.”
nosso território as pessoas não querem discutir essa “ferida” e já acham
“A melhor forma de tratar esse tema é agindo de forma indireta, por meio
que o contexto da violência é normal, além disso, o morador tem muito
medo de tocar nesse assunto, pois acha que isso pode fazê-lo se compro- de parcerias para incentivo ao esporte e atividades educacionais e grupos
meter com o poder paralelo.” que ensinem ocupações profissionalizantes.”
“O ciclo de violência dentro da comunidade.” “A tentativa constante de coexistência pacífica com os fatores provocadores
“Alguns assuntos são proibidos na comunidade.” da violência.”
“Há necessidade do silêncio em relação ao que e a quem provoca a violência.”
“Não fazer visitas a algumas casas.”

Violência explicitada
Dificuldades Possibilidades
“Violência externa da comunidade gerando intenso convívio com a força “Fazer reuniões mensais com a comunidade.”
paralela e todos os malefícios que ela traz.” “Formação de pequenos grupos por microárea com vários temas com par-
“O tráfico de drogas... grupo fechado que não aceita aproximação ticipação dos residentes de Saúde da Família.”
da equipe.”
“Nenhuma, não tem tráfico.”
“Fazer a população entender que a violência não é só tiro e polícia.”
“Acesso ao módulo após violência policial.”

Família
Dificuldades Possibilidades
“Falta de abertura para falar no assunto e despertar o interesse das famí- “Reunir famílias para a discussão que abordaria as causas, conseqüências
lias para essa discussão.” e soluções para o fim ou a redução da violência familiar.”
“Conflito entre familiares.” “Mural abordando o tema violência infantil (imagens com intuito de sen-
“Sentimento de estar invadindo a privacidade/autoridade familiar.” sibilizar a população).”
“Chefe de família, a mãe, que na maioria das vezes não encontramos em “Acompanhamento das famílias que temos o conhecimento acerca
casa, por estar trabalhando.” da violência.”
“Filhos de pais diferentes.” “Grupos de mães com ênfase nas adolescentes e primigestas.”
“Falta de perspectiva de vida, ‘facilidade’ de dinheiro rápido vindo do
tráfico associada à dificuldade financeira da família.”
“Diversas mães com pouca idade gerando, muitas vezes, o despreparo para
o cuidado e o vínculo afetivo, assim como a privação dos direitos delas.”
“Ausência de referência paterna.”

Ciclos de vida
Dificuldades Possibilidades
“As dificuldades são as envolvidas no nosso próprio conceito sobre a vida. “Trabalho educativo intenso junto com a comunidade.”
As barreiras e preconceitos que trazemos da nossa própria vivência.” “Para conseguir alcançar esses grupos (jovens e adolescentes), temos que ir
“Os adolescentes não têm uma participação ativa nos encontros, não pro- às escolas ou a locais onde eles se reúnem, como na ONG Afro-Reggae.”
curam para tirar possíveis dúvidas, quando chega até nós é porque já tem “Oficinas para os adolescentes e parcerias com outras instituições.”
um problema instalado.”
“Oficina para os adolescentes por meio de parceiros sociais, grupos e
“Os jovens, principalmente homens, são trabalhadores, o que dificulta, rodas sobre a violência.”
devido ao horário, o nosso encontro com eles.”
“Envolver a família no cuidado.”
“Difícil acesso ao jovem em razão da influência do tráfico.”
“Tentar sensibilizar no sentido de se ter alguma qualidade de vida por
“Valorização social da coragem = uso de armas.” meio de encontros contínuos com esses jovens.”
“A facilidade de se envolver com o poder paralelo.” “Trabalho em equipe com seus familiares é papel importante, levantando
“Falta de informações, educação, projetos para ocupar o tempo ocioso a auto-estima deles e de seus familiares.”
dos jovens.” “Criar um grupo, fazer passeios, atividades de lazer, criar vínculos e con-
fiança entre os componentes desse grupo. Entrar em certos assuntos por
meio estratégicos, como jogos etc.”
“Grupos realizados pelos ACS, que são jovens e pertencem à mesma
comunidade, para falar sobre sexo, drogas e violência.”
Revista Brasileira
24 Saúde da Família

Um grupo de agentes comunitárias vem realizando


um trabalho intenso e dedicado junto às muitas mu-
lheres que vivem numa das áreas mais necessitadas
da capital do Estado do Rio de Janeiro.

Grupo domiciliar de aleitamento


materno para as famílias da
comunidade da Vila Vintém

Conscientizar a população da im- revoltadas, não queriam estar com


portância e promover a amamentação aquela criança. Há também outra di-
entre as moradoras da Vila Vintém: ficuldade, a influência das avós, vizi-
um desafio ao qual se dedicam sete nhos, que oferecem opiniões antigas, “As jovens querem ir ao
Agentes Comunitárias de Saúde (ACS) prejudicando as nossas orientações”. baile funk e deixar o bebê
desde a constatação do curto período Joelma de Albuquerque Azamba, com alguém, aí começa a
em que as mães oferecem aos recém- também ACS, completa dizendo que introduzir a mamadeira,
nascidos o aleitamento exclusivo. “ainda há, talvez pela própria idade atrapalhando todo o
O início do trabalho se deu em ju- delas, a preocupação com a parte processo da amamentação.”
lho de 2005 a partir da observação estética e é comum que essas jovens
Joelma Azamba, ACS.
pelas ACS, entre outros fatores, de que queiram ir ao baile funk e deixar o
o número de adolescentes grávidas vi- bebê com alguém. Aí começam a in-
nha aumentando na comunidade. troduzir a mamadeira, atrapalhando
O grupo começou a promover todo o processo da amamentação,
reuniões na própria Unidade Básica devido à confusão de bicos”.
de Saúde Vila Vintém, em Realengo,
Rio de Janeiro, com mais de 14.600
habitantes cadastrados pela estratégia
Saúde da Família. Porém, após um
ano de tentativas, o trabalho não surtiu
o impacto esperado. Segundo a ACS
Maria do Carmo Magalhães de Souza,
as tentativas “não obtiveram o sucesso
esperado porque a maioria das mães
da área é adolescente, com dificulda-
des de se adaptar à nova condição, di-
ficuldades por causa de horários, pois
muitas gostam de sair e com isso não
dormem bem à noite”, coloca.
Maria das Graças Guinarte, outra
ACS da equipe, enfatiza as dificulda-
des de lidar com adolescentes grá-
vidas: “Elas ficam tensas, nervosas,
a maioria não está preparada para
a maternidade. Algumas até ficam Parte da Equipe Saúde da Família que
atua junto à comunidade da Vila Vintém.
25

efetivo e apresentando resultados a exemplo, pegar a criança de forma


Mudando o foco da ação
partir do momento em que a equi- mais correta, alguns até mesmo já
Foi preciso repensar estratégias pe conhece a maneira como cada chegaram pra mim perguntando
para que alcançassem o objeti- núcleo familiar se estrutura e como como é que se faz o armazenamen-
vo esperado com as mães e seus este vive. As condições quase nun- to adequado do leite materno”,
recém-nascidos: aumentar a preva- ca são as ideais para propiciar uma conta Andreza, satisfeita com os
lência do aleitamento materno na amamentação tranqüila. As casas reflexos dos trabalhos.
comunidade e, a partir de 2007, são, em geral, pequenas e dividi- A “pega” do bebê e o correto
o grupo se reestruturou e passou das por um grande número de pes- posicionamento da mãe estão en-
a realizar atividades domiciliares, soas. Isso além de fatores externos, tre as maiores dificuldades obser-
nas casas das puérperas. como o excesso de ruídos. Assim, vadas pela equipe, segundo coloca
Segundo Raquel Nascimento, foi imprescindível que o trabalho a enfermeira Raquel, aliadas ao
enfermeira, um dos principais ob- fosse voltado também às pessoas ingurgitamento mamário, “em vir-
jetivos desse trabalho com cada em volta das nutrizes, para que tude da pouca freqüência das ma-
mãe é aumentar a interação de elas (pais, avós, demais familiares madas em algumas mulheres”, res-
cada uma das 4.323 famílias da e até mesmo vizinhos) favoreçam salta. Essa observação foi feita pela
comunidade sobre o assunto e a condições mais amenas para os equipe durante todo um período de
participação destas no processo instantes da amamentação. visitas domiciliares, de outubro de
da amamentação: “Procuramos 2007 a fevereiro de 2008.
conscientizar todos os familiares
Envolvimento dos pais Outros efeitos buscados são a
de que esta não é uma atividade diminuição da morbimortalidade in-
As visitas domiciliares “são fantil e o aumento do aleitamento
isolada da mulher e incentivamos
sempre marcadas com antecedên- exclusivo até os seis meses de vida
os pais a participarem desse mo-
cia, privilegiando horários com pre- da criança. Conforme demonstra
mento importante tanto na vida de
senças de outros familiares, para o consolidado dos indicadores da
suas companheiras como na vida
que as orientações sejam trans- Saúde da Família na Vila Vintém,
de seus filhos”, ressalta Raquel. Já
mitidas a todos por meio de uma a média do primeiro semestre de
a ACS Amanda Caetano Pacheco
educação em saúde domiciliar”, 2008, de aleitamento exclusivo, en-
enfatiza que muitas mães “às ve-
enfatiza Andreza de Laia, auxiliar tre as crianças de zero e três meses
zes não têm ninguém para ajudar a
de enfermagem, que ressalta como e 29 dias, é de 88,30%, chegando
olhar os filhos, então, dessa forma
efeito direto dessa ação o aumen- ao pico de 91,38% em março. Esse
(com o atendimento domiciliar),
to no número de pais mais envol- trabalho começa quando as mulhe-
funciona melhor. Antes só faláva-
vidos com a amamentação. “Eles res estão no período de gestação, a
mos com as mães e agora, com o
(os pais) estão participando mais e porcentagem de crianças pesadas
trabalho domiciliar, conseguimos
até mesmo ajudam a mulher a, por ao nascer é de 100%.
envolver todos os que estão pre-
sentes nas casas na hora das visi-
tas”, completa.
São realizadas, só para esse
projeto, 48 visitas de ACS por mês.
Esse trabalho vem se tornando mais

“Procuramos conscientizar
os familiares de que não é
uma atividade isolada da
mulher e incentivamos os
pais a participarem desse
momento importante
tanto na vida de suas
companheiras como na
vida de seus filhos.” Grupo de mães lactantes se
Raquel Nascimento, enfermeira. reúne na Unidade Básica de
Saúde Vila Vintém.
Revista Brasileira
26 Saúde da Família

Hoje no mundo nada mais fica isolado por muito tem-


po e o diálogo entre as práticas humanas ultrapassa
territórios e alcança públicos inesperados.
Na grande cidade de São Paulo – a capital cosmopo-
lita da América do Sul –, uma abordagem terapêutica
criada em Fortaleza, no Ceará, vem sendo utilizada
por equipes da estratégia Saúde da Família como ins-
trumento modificador de realidades.

A Terapia Comunitária
como instrumento de
transformação junto à escola
A Unidade Básica de Saúde Vila de intervir efetivamente nesta par-
Espanhola, na Zona Norte da capi- cela da população acompanhada
tal paulista, está inserida em uma pela Equipe Saúde da Família”.
comunidade com alto índice de vul- Nesse contexto, a Terapia Comu-
nerabilidade social e violência. In- nitária (TC) tem sido, desde 2005,
dicadores de saúde demonstram a um instrumento de transformação
precariedade das condições de vida por permitir a reflexão, facilitar a es-
da comunidade. cuta e compreensão de si e do outro.
Aliado a isso, tem sido um de- A Terapia foi utilizada como uma es-
safio para os profissionais de saú- tratégia de acolhimento dos adoles-
de estabelecer um diálogo franco centes da Escola Municipal de Ensi-
e direto com os adolescentes. Um no Fundamental Humberto Dantas.
grupo, segundo a enfermeira Pa- Uma das profissionais que con- A enfermeira Patrícia Pinheiro
trícia Pinheiro, “categoricamente duzem esse trabalho é a enfermeira durante uma sessão de Tera-
refratário às propostas de ações Patrícia Pinheiro. Com dois anos de pia Comunitária.
realizadas pela unidade de saúde, formação em TC, Patrícia construiu,
onde o diálogo tanto familiar quanto junto com os Agentes Comunitários tes, da comunidade escolar e com
com os profissionais de saúde fica de Saúde (ACS) da unidade, um mo- uma linguagem própria.
inviabilizado rotineiramente, o que delo de Terapia Comunitária adequa- Segundo a enfermeira, “o método
determinou a busca de uma forma do às necessidades dos adolescen- utilizado inicialmente foi o de oferecer
a TC aos alunos da escola. No início
dos trabalhos pensávamos que tería-
mos dificuldade de vinculação com o
grupo e inclusive receio de não con-
seguir seguir os passos da TC. Com
o desafio assumido e compartilhado,
aos poucos conseguimos construir
um espaço aconchegante de expres-
são onde a emoção pudesse ser vi-
vida por todos e as histórias tiveram
Alunos da Escola Muncipal de Ensino lugar para serem contadas e revistas.
Fundamental Humberto Dantas em uma Os temas mais escolhidos foram:
sessão de Terapia Comunitária.
morte, luto e perdas afetivas, carên-
27

cia afetiva e medo do desconhecido”. também sérios, como a gravidez


Esses temas refletem a realidade em na adolescência, que atingiu, só no
que muitos desses jovens vivem, pois ano de 2006, 10 meninas aqui da
tanto a UBS Vila Espanhola quanto a Humberto Dantas”, coloca Patrícia,
Escola Humberto Dantas estão inseri- reforçando a importância do diálogo
das numa comunidade da zona norte entre ensino e saúde.
da capital paulista, uma área ainda
com muitos problemas sociais a ven- O dia-a-dia na escola
cer e marcada pela violência – tema
constante nos relatos. A dinâmica dos encontros é bas-
Para a execução dos trabalhos, tante parecida com a TC como foi
houve um comprometimento não desenvolvida há 18 anos, com pou-
só da Equipe Saúde da Família cas adaptações: em círculo, todos
(ESF) junto à escola, mas também, se colocam de frente uns aos outros
entusiasma-se Patrícia, “um grande e as atividades começam sempre
envolvimento dos profissionais da com uma brincadeira em grupo,
escola, da diretoria e dos profes- “esse momento lúdico no início da A coordenadora pedagógica da Escola Mu-
sores. Estes, em particular, sofrem atividade”, coloca o ACS Carlos Edu- nicipal de Ensino Fundamental Humberto
Dantas, Beatriz de Souza Araújo.
muito com a incapacidade de lidar ardo Cardoso, “é fundamental para
sozinhos com temas novos que se ‘acalmar’ os ânimos, para todos re-
apresentam na escola e acabam por laxarem, porque, em geral, os temas
refletir no aprendizado e no próprio tratados são fortes e há uma grande colocar seu ponto de vista: “Esse
rendimento escolar desses jovens, carga de emoção entre todos”. trabalho vem mudando a situação
como questões de transtornos men- Assim, com esse relaxar, pas- na escola”, enfatiza, “essa parceria
tais, angústia, depressão e outros sada a euforia inicial do encontro – nossa da educação com a saúde
males advindos da convivência com pelo grande número de pessoas na nos faz sentir que não estamos so-
a violência e diversos problemas sala e pela timidez que isso possa zinhos. O mundo atual está mudando
causar em alguns, a ESF e os profis- rápido e, na minha visão, precisamos
sionais de educação, em conjunto, cada vez mais nos unir em esforços
“Com o desafio assumido iniciam os trabalhos. conjuntos, pois precisamos trabalhar,
e compartilhado, aos poucos Nessa etapa os adolescentes estão por exemplo, a questão da sexualidade
conseguimos construir um livres, para quem quiser colocar suas com os jovens e isso passa por saúde,
espaço aconchegante preocupações, frustrações, conquistas, e eles (referindo-se à Equipe Saúde da
de expressão onde a emoção alegrias e dúvidas para a roda que, em Família) precisavam alcançar o públi-
pudesse ser vivida por todos e seguida, por meio de votação, deci- co que está aqui. Ou seja, esse tipo
as histórias tiveram lugar para de o tema a ser debatido no dia. de parceria e de solução é o que nos
serem contadas e revistas.” A coordenadora pedagógica da vai fazer alcançar mais fundo no co-
Patrícia Pinheiro, enfermeira Escola Humberto Dantas, Beatriz de ração e na cabeça dessa meninada”,
da UBS Vila Espanhola. Souza Araújo Barros, é categórica ao entusiasma-se Beatriz. “A justificativa
dessa proposta seria a abertura de
um canal de diálogo, pois o diálogo
tanto familiar quanto com os profis-
sionais de saúde era inviabilizado por
falta de propostas que permitissem o
encontro”, enfatiza Patrícia.

Jovens que vivem


os problemas da adolescência
(e as questões sociais
que os cercam)
Os jovens da Escola Municipal de
Ensino Fundamental Humberto
Jéssica Santos Campos, de 19
Dantas durante um encontro de
Terapia Comunitária desenvolvi- anos, aluna do 2º ano do Ensino
do na sala de aula.
Revista Brasileira
28 Saúde da Família

“Essa parceria nossa


não gostava de ser apontada. Mas serem “podados”. “E eles têm razão,
da educação com a saúde é muito difícil lidar com isso, saber é preciso estabelecer um consenso
nos faz sentir que não estabelecer os limites, mesmo para entre os pais e os jovens, de se es-
estamos sozinhos. se ter segurança, sabe?”, desabafa. tabelecer limites, mas também de se
O mundo atual está Já para Laudicéia Abreu, de 16 estabelecer relações de confiança”.
mudando rápido e, anos, também no 2º ano, a Terapia Beatriz, que conviveu com as
na minha visão, precisamos Comunitária a ajudou a conquistar a duas jovens na escola, conta a dife-
cada vez mais nos unir em confiança da família, especialmen- rença que observa em ambas: “Essas
te do “pai rígido”. “Hoje eu entendo duas meninas, para mim, são exem-
esforços conjuntos.”
mais o meu pai, que na verdade que- plos de superação. As duas eram fe-
Beatriz de Souza Araújo Barros,
ria era me proteger do mundo, dos chadas, cada uma por seus motivos
coordenadora pedagógica. perigos da rua, mas eu também pre- pessoais, e era difícil chegar até elas,
cisei provar para ele que sou digna de mas, desde que iniciaram no projeto
confiança, que eu sou responsável e da Terapia conosco, mudaram e hoje
Médio, foi uma dessas jovens que dou orgulho para ele”, diz Laudicéia. são jovens mais seguras de si, do
participaram das primeiras turmas “No início ele não acreditava muito seu potencial”.
de TC. Atualmente ela não estuda na terapia, nos encontros, mas com o Jéssica tem planos de fazer facul-
mais na Humberto Dantas, mas tempo que eu fui mudando, amadu- dade de Educação Física e voltar à
manteve os vínculos, tanto com os recendo, ele passou a acreditar mais escola como professora, e Laudicéia,
professores quanto com a Equipe em mim”. Laudicéia conta que era desde que entrou no grupo de teatro
Saúde da Família. “Participar des- muito tímida e que nem sempre con- da escola, uma sugestão dos profis-
sas atividades pra mim foi mui- seguia expressar adequadamente seu sionais da TC como uma ferramenta
to importante”, diz Jéssica, “me ponto de vista, “às vezes eu explodia para exercitar o ouvir e o falar pe-
ajudou a superar algumas coisas mesmo, arrumava confusão, mas era rante os outros, se “apaixonou” pelo
que me machucavam muito, como porque eu tinha muita dificuldade de palco e tem projeto de prosseguir
a falta do meu pai (Jéssica conta me colocar... com as conversas na es- atuando, aproveitando uma caracte-
nunca ter tido um contato próximo cola eu fui aprendendo a me expres- rística familiar muito forte – Laudi-
com o pai). Quando eu era mais sar, entende? Então eu não precisei céia é musicista, como o pai.
nova, às vezes ouvia comentários mais brigar, comecei a vencer pelo A Terapia Comunitária, segundo a
sobre isso, sobre as outras meni- ‘papo’, pela conversa”. ACS Daniela Varolli, tem dois objeti-
nas e meninos terem o pai perto e Para a enfermeira Patrícia, esse é vos principais, um deles é o “exercitar
eu não. Antes eu só chorava, hoje um ponto bastante comum entre as o ouvir, pois você vem e fala de seus
eu aprendi a me valorizar, ainda te- famílias: o prender muito o jovem, problemas, mas deve prestar atenção
nho uma família que gosta de mim com o objetivo de lhe poupar do aos do colega. E assim eles desco-
e isso é o que importa”, desaba- mundo, de protegê-lo. Mas os adoles- brem que têm mais em comum do
fa. Além dos problemas familiares centes vêem isso como uma forma de que de diferente. Eles se reconhecem
tão comuns na sociedade de hoje uns nos outros e aí se estabelecem
– que ainda precisa lidar com toda laços de cumplicidade e amizade”.
uma reestruturação nos modelos No dia 2 de outubro uma nova tur-
até então aceitos como o concei- ma de Terapia Comunitária se iniciou
to de família –, os jovens, particu- na Escola Municipal de Ensino Funda-
larmente os das zonas periféricas mental Humberto Dantas, com alunos
das grandes cidades, ainda têm de da 8ª série do Ensino Fundamental
lidar com o espólio da violência. e do 1º ano do Ensino Médio. Nesse
Jéssica conta que já, há cerca de primeiro encontro, os temas discuti-
dois anos, viu pessoas sendo mor- dos foram bastante livres, sendo que
tas na sua frente. “Eu procuro não as questões colocadas para debates
me envolver, mas não posso deixar obedeceram ao desejo de cada um.
de conversar com as pessoas. Não Chama a atenção o fato de a maioria
é por saber que fulano faz algo er- dos temas levantados ter relação com
rado que eu não vou conversar com a aceitação dos jovens perante a tur-
ele, afinal moramos todos na mes- ma, ficando clara a fase em que estão
ma comunidade e eu não posso ser vivendo, em que as questões relacio-
As jovens Laudicéia e Jéssica, dois
aquela que julga os outros, como eu exemplos de superação conquis- nadas às mudanças com o próprio
tados na Terapia Comunitária.
29

corpo interferem na maneira com que te desenvolve o falar, pois os jovens


esses jovens se relacionam e se colo- têm muitos problemas, pela própria
cam frente aos outros. natureza da idade deles, das trans-
Por fim, entre os temas apresen- formações, e isso os ajuda muito,
tados, foi feita a votação para definir pois percebem que todos passam por
qual seria o tema a ser abordado na- questões muito semelhantes”, coloca
quele encontro. E, assim por diante, a ACS Daniela Varolli, que participa
cada encontro terá um tema próprio, uma vez por semana dos grupos de
o que fará que, com o tempo, uma TC na escola. “Para nós, é visível tam-
gama maior de assuntos seja aborda- bém a mudança de atitude dos pais:
da e novas discussões sejam feitas. já conseguimos que determinada
Angélica Ferreira, de 13 anos, adolescente aqui da escola que tem
diz ter adorado a TC, que participou problemas com uma mãe ausente,
pela primeira vez: “Nossa, muito le- que chegasse para ela e dissesse: Para os estudantes Eduardo e Angélica,
gal, a gente não imagina as coisas ‘Mãe, em tal hora eu precisei de a Terapia Comunitária trouxe a surpresa
de saber que os problemas da adoles-
que pode escutar aqui. E eu também você e não fui atendida, a vejo como cência podem ser compartilhados e que,
pude expressar meus sentimentos um espelho de exemplo a ser segui- com isso, eles não precisam se sentir
para todos”. Angélica, que colocou do, mas preciso que você me ajude a constrangidos perante os colegas.

durante a terapia ter, por vezes, sido fortalecer essa imagem, sendo mais
rude com os colegas, na tentativa de presente’. Quando essa adolescen-
proteger os amigos de “perseguição te me contou que disse isso para a res) normalmente e um deles vem me
ou preconceitos”, ao final se colo- própria mãe, senti que nosso traba- abordar com algum pergunta, já tive
cou no lugar daqueles que agridem lho está surtindo efeito, pois algum a felicidade de um jovem me parar
e entendeu que muitas vezes esses o tempo depois a aluna nos procurou na rua para dizer que teve a primei-
fazem por insegurança. dizendo que o relacionamento dela ra relação, mas que se cuidou (usou
Para Eduardo da Silva Mariano, de em casa havia melhorado, que elas camisinha), que lembrou do que foi
15 anos, que, assim como Angélica, já tinham mais diálogo”, conta, emo- conversado na Terapia Comunitária”.
participou pela primeira vez da Terapia cionada, Daniela.
Comunitária, o espaço foi “um modo E o mais interessante, diz a ACS Os resultados da prática
de expressar os nossos sentimentos, Hilda, é que “com o tempo, os la-
sem o medo de sofrer qualquer tipo de ços que vão se firmando entre os “Os resultados”, diz a coorde-
preconceito e colocar tudo o que nos adolescentes e a Equipe Saúde da nadora pedagógica Beatriz, “saltam
aborrece aqui na escola. É legal por- Família ultrapassam os portões da aos olhos. No ano de 2006, quando
que a gente também escuta os outros, escola. Um exemplo para todos são começamos essa atividade aqui na
as queixas dos colegas e se coloca no as próprias Laudicéia e Jéssica, que escola, tínhamos 10 adolescentes
lugar deles também”. hoje nos procuram na Unidade, vão grávidas, em 2007 caiu para duas e
para conversar e o mais importante: este ano (2008) temos somente uma
Exercício do falar tornaram-se multiplicadoras, pois aluna adolescente grávida. O que mu-
sabemos que o jovem tende a escu- dou: conscientização”, enfatiza.
E esse é o outro objetivo maior tar mais outro jovem que um adul- A enfermeira Patrícia coloca que
desta terapia: exercitar o falar. “A gen- to. E ter multiplicadores no ambien- “foi verificado que a TC abriu um
te escolar é uma conquista, porque panorama nunca antes observado
eles têm a liberdade de se alguma em nossa comunidade, os adoles-
coleguinha perguntar algo que elas centes começaram a formar redes
não saibam, ou não tenham segu- solidárias e a se identificar como
rança para dizer, ou elas vêm com grupo e criaram novas estratégias
essas colegas na unidade, ou vêm de diálogo e participação”.
até nós e nos colocam a questão A experiência da UBS Vila Espa-
para que possamos ajudá-las”. nhola, em São Paulo, vem validar
Hilda completa: “Como são mui- o conteúdo da TC como um instru-
tos alunos, nem sempre conseguimos mento para a promoção à saúde na
guardar o rosto de cada um, mas eles comunidade e particularmente como
guardam os nossos. Não raro eu estou um canal de diálogo entre os adoles-
fazendo minhas VD (visitas domicilia- centes, as ESF e a rede de ensino.
Revista Brasileira
30 Saúde da Família

Além disso, tem favorecido reflexões 2008, apresentar um panorama do sionais da saúde, Equipe de Saúde
sobre a dinâmica familiar nesse mo- seu trabalho junto aos jovens na III Mental, alunos, pais, membros dos
mento do ciclo vital. Mostra Nacional de Produção em conselhos gestores dos equipamen-
Outro interessante caso relatado Saúde da Família, foi questionada, tos de saúde e educação) envolvidos
de integração dos profissionais de saú- mais de uma vez, por outros profis- foram colocados em um mesmo ce-
de com os de educação é o do menino sionais dos mais diferentes lugares, nário para promover uma discussão
Rafael (nome fictício). “Rafael, aos 14 em “Como trazer o adolescente para e uma construção coletiva de formas
anos, apresentava um comportamen- a estratégia?”. Para a enfermeira, “o de enfrentamento e manejo da reali-
to obsessivo compulsivo por limpeza grande diferencial da Saúde da Famí- dade vivida pela comunidade” – essa
– ele mora numa família em que a lia é estar presente nos territórios... e, era a definição do trabalho proposto,
mãe é um tanto ‘desmazelada’ e sua se eles não estão lá, nós temos que segundo Patrícia.
casa é um caos. Nós fomos lá, acon- achá-los e ir onde estão. No caso dos Durante um dia, a escola se vol-
selhamos, mas surtiu pouco efeito. E jovens, o lugar é este aqui: a escola”. tou para o evento, as salas de aula
esse menino tinha muita dificuldade Mas a enfermeira completa que essa serviram de espaço para os debates,
de alfabetização, por causa dos pro- não é uma busca que termina aí, pois, nos quadros-negros várias frases, es-
blemas familiares”, relata a ACS Hilda assim como nas famílias, nas quais tatísticas e fotos relativas aos temas
Barros. Para tentar ajudar a solucionar se estabelecem os tipos de relações abordados: violência, diversidade so-
o caso de Rafael, a ESF elaborou uma mais diversos, na escola também há cial, família, drogas e sexualidade.
estratégia em conjunto com a escola toda uma gama de elementos a serem Para cada turma foi formada uma
e, conversando sobre o caso, chega- debatidos que ultrapassa o simples equipe composta por um represen-
ram a um projeto terapêutico para o assistencialismo: “Aqui lidamos com tante de cada grupo de atores sociais,
menino que vem dando resultado, outro universo, onde nós estamos para assumir e mediar as discussões.
confirma Beatriz: “Para ajudá-lo na fora do nosso habitat, lidamos com Com a participação de mais de 800
alfabetização, as agentes de saúde novas estruturas, há mais atores so- pessoas, para Beatriz esse dia foi es-
foram à casa do Rafael e trouxeram ciais, diretora, professores, coordena- pecial, “pois apresentamos para de-
os produtos que ele usa para limpar dores pedagógicos, o próprio pessoal bate 10 casos reais aqui da escola,
a casa. Começamos a usar os rótulos de segurança, limpeza, manutenção, de 10 crianças com os mais diversos
das embalagens para alfabetizá-lo e, vizinhos, a pessoa que vende balas tipos de dificuldades que precisavam
assim, ele foi despertando interesse, na esquina e, é claro, os pais. É um de uma intervenção multiprofissional.
pois estava aprendendo a escrever os universo complexo e trabalhar com o Eram crianças que sofriam de dificul-
nomes de coisas que eram próximas a adolescente envolve considerar todos dades de socialização, baixa auto-
ele”. Hilda completa que “assim ele foi esses fatores”, ressalta Patrícia. estima e algumas agressivas”. “Dali
criando uma auto-estima, vendo que E justamente por isso, para dar saíram”, coloca Beatriz, “algumas
estava conseguindo progredir. Hoje conta de um diálogo maior, a ESF da propostas concretas para elaboração
ele, apesar do transtorno continuar, Unidade Vila Espanhola empreen- de projetos pedagógico-terapêuticos
está bem mais leve e estamos traba- deu na escola, em junho de 2007, não só para essas crianças em situ-
lhando com a mãe dele no sentido de o Fórum de Relações Humanas. ação de risco mais emergencial, mas
dar mais atenção ao filho e de procu- “Todos os atores (professores, profis- para toda a comunidade escolar”.
rar manter a casa mais em ordem”.
Fórum de troca de idéias
Mas o que é a Terapia Comunitária?
A enfermeira Patrícia conta que
A Terapia Comunitária é cearense e maior de idade!
quando foi a Brasília, em agosto de Conforme publicado na edição especial de maio, deste ano, da
Revista Brasileira Saúde da Família, a TC nasceu em Fortaleza, no
Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina, da
“No ano de 2006, quando Universidade Federal do Ceará (UFC), e há 18 anos vem sendo desen-
começamos essa atividade volvida pelo prof. Dr. Adalberto Barreto, que já formou cerca de sete mil
aqui na escola, tínhamos terapeutas comunitários, que atuam em 23 estados brasileiros.
10 adolescentes grávidas, A Terapia Comunitária é um instrumento que permite construir redes
em 2007 caiu para duas sociais solidárias de promoção à vida e mobilizar os recursos e as com-
e este ano (2008) temos petências dos indivíduos, das famílias e das comunidades. Procura sus-
somente uma aluna citar a dimensão terapêutica do próprio grupo e convida os participantes
adolescente grávida” a uma mudança de olhar, de enfoque, sem querer desqualificar as con-
Beatriz, coordenadora pedagógica. tribuições de outras abordagens, mas ampliar seu ângulo de ação.
31

Como se trata de uma zona das mais pobres da capi-


tal paulistana, a situação da infância no território da
Vila Espanhola passou a ser motivo de preocupação
dos profissionais da estratégia Saúde da Família, uma
vez que se observava um grande número de crianças
nas ruas, sem atividades e, às vezes, sem os devidos
cuidados até mesmo por parte das mães, que preci-
savam trabalhar.
Era perceptível a ausência do brincar no cotidiano das
crianças e, por esse motivo, com o apoio da comuni-
dade optou-se por oferecer um espaço lúdico, que vai
ser recuperado.
A Brinquedoteca Cantinho das Artes foi criada em
1998, por profissionais da Unidade Básica de Saúde
Vila Espanhola.

Criança feliz, feliz a brincar


O título escolhido para esta ma-
téria pode ser uma das frases mais
exaustivamente usadas quando se
trata do assunto infância, mas...
por mais que já se tenha repetido,
ela não perde sua força. Isso pelo
simples motivo de que criança
precisa brincar. E precisa fazê-lo
não só para ser feliz, mas também
para aprender.
Para a enfermeira da UBS Vila
Espanhola Patrícia Pinheiro, “é nos
jogos ou brincando que a criança
aprende a conviver e conhecer e a
se conhecer, saber quais são seus
direitos e quais os do próximo,
quais são seus deveres”.
Aliado a isso procurou-se desen-
volver hábitos de responsabilidade
e trabalho, valorizar os brinquedos
e as atividades lúdicas e criativas,
Após passar por três endereços, antes não perfeita-
criar um espaço de convivência que mente adequados ao objetivo do trabalho, a Brinque-
propicie interações espontâneas e doteca Cantinho das Artes hoje se encontra instalada
desprovidas de preconceitos. em uma casa alugada, com recursos advindos de do-
nativos da comunidade, que reconheceu a importân-
Assim a Brinquedoteca foi cia da iniciativa.
aberta, há 10 anos, inicialmente
Revista Brasileira
32 Saúde da Família

ACS Maria Regina Assendina, que


está envolvida com a Brinquedoteca
desde sua criação.
Maria Regina se comove ao falar
sobre uma das meninas que atende
na Brinquedoteca: “Eu me emocio-
no muito com essa menina, a mãe
dela nos procurou, estava difícil
lidar com a criança, que na época
tinha de quatro para cinco anos.
Era muito desobediente, só ficava
na rua, era respondona, falava mui-
to palavrão e devagarzinho íamos
fazendo as visitas na casa dela, no
início ela não queria me ver, mas
toda semana eu ia lá e com jeitinho
e com muita paciência fui ganhan-
do a sua confiança. Ela deixou de
ser arredia e conseguimos trazê-la
A gerente da UBS Vila Espanhola, Sandra Bernardete (de branco), com as monitoras da Brinquedoteca. para cá e a partir do momento que
passou a conviver com as outras
crianças, principalmente as outras
em um barracão da prefeitura que sempre que surge um novo assunto, meninas, brincando, ela foi deixan-
não vinha sendo usado, atrás da um novo questionamento por parte do de falar palavrão, deixando de
própria unidade, tendo como obje- das crianças. ser agressiva. Ela hoje já tem seis
tivos estimular o desenvolvimento Além disso, há a preocupação anos e está um encanto só!”, brinca,
global das crianças, procurando das profissionais de estarem próxi- muito emocionada a ACS, de certo
minimizar carências afetivas, e dar mas às crianças, para que possam por ver seu esforço recompensado
oportunidade para as crianças de... pontualmente “ensinar noções de em uma criança para a qual é dada
serem crianças! Pode parecer pouco higiene, comportamento e educa- uma oportunidade.
(ser criança), mas não é, quando se ção, estimulando a convivência com A ACS Magda Abreu cita o caso
observa a realidade que as envolve as outras crianças, estimular a con- de dois irmãos que freqüentam a
e por vezes as privam desse direito vivência grupal, respeitar os limites Brinquedoteca, enquanto um é ex-
muito cedo. dos outros e o próprio”, coloca a pansivo, muito ativo, brinca (e briga!),
No dia-a-dia do projeto, quem
está à frente são as Agentes Comu-
nitárias de Saúde da unidade, que
se revezam nos períodos matutinos “Apesar do crescimento geográfico e
e vespertinos, nos quais são atendi- da demanda, a simples referência deste espaço
das, por vez, 40 crianças, com ida- na comunidade trás a lembrança de todos que
se esforçaram, passaram e deixaram um pouco
des entre cinco e 12 anos.
do seu conhecimento e amor ao próximo, como
Apesar de não haver um pro-
semente de esperança de um futuro melhor.
jeto pedagógico, por não se tratar
As lições aprendidas com a experiência foram
de uma escola ou creche, a geren-
que não é fácil mudar o cotidiano, é difícil trazer
te da UBS Vila Espanhola, Sandra o saber aonde há fome, dor e miséria, contudo
Bernardete de Lara Vianna, coloca com parceria e boa vontade o tempo fez provar
que “em tudo que é feito aqui existe que o difícil não é impossível.
uma intenção, num desenho que é
exibido, depois procuramos conver- É possível aprender que a persistência e o diálogo
sar com as crianças para saberem eram a chave desta transformação e continuarão
o que eles entenderam, que lição sendo, pois só dessa maneira conseguiremos
pode ser tirada do que viram, seja ir ao encontro dos nossos objetivos”.
desenho, seja filme”, completa. São, Patrícia Pinheiro, enfermeira da UBS Vila Espanhola.
então, propostas rodas de conversa
33

conta Magda, o outro era extrema- ca às ACS, Patrícia conta que todos tenham responsabilidades sobre
mente calado, introspectivo e quase se envolveram, e um dos reflexos é suas coisas, sobre seus brinque-
não se relacionava com as demais que hoje essa criança, que ainda dos”, completa Eide.
crianças. “Quando constatamos esse está na Brinquedoteca, já se rela- “Com os resultados alcançados
problema, passamos a intensificar ciona um pouco mais com as ou- com essa parceria entre a ESF e
nossas visitas domiciliares à casa tras. “E é muito gratificante ver um comunidade, é possível perceber
deles e identificamos que essa famí- retorno do nosso trabalho”, conta, que, ao longo desses 10 anos, em
lia estava bem desestruturada, com emocionada, a ACS Magda. particular os últimos dois, uma mu-
os pais com sérios problemas e, por Assim, favorecendo a aproxi- dança comportamental significativa
alguma razão, aparentemente só um mação dos cuidadores e crianças, entre as crianças da comunidade”,
dos irmãos estava desenvolvendo promoção à apropriação da comu- enfatiza a enfermeira Patrícia. “Não
dificuldades de convívio. Levamos nidade do espaço: envolvendo-a por podemos computar esse avanço em
então a questão para o restante da meio de sensibilizações. números, mas podemos observar
equipe”, ressalta Magda. Já a cuidadora/monitora Eide o empenho das nossas primeiras
Esse é um dos benefícios em ter Maria de Abreu, que atua na Brin- crianças em dar melhores condi-
as ACS envolvidas nas atividades quedoteca como bolsista, enfatiza ções às suas próprias crianças que
da Brinquedoteca, pois, além de li- a importância da noção dos limi- hoje estão sob os cuidados da Brin-
darem com as crianças, elas têm a tes: “Muitas dessas crianças não quedoteca. As problemáticas locais,
oportunidade de chegar às famílias. têm nenhuma regra em casa, po- bem como as ocorrências graves,
A enfermeira Patrícia completa di- dem tudo na hora que querem, do foram se tornando solúveis e os ín-
zendo que, a partir da procura das jeito que querem, mas, ao chegar dices de violência foram sendo re-
ACS, toda a equipe se envolveu e, aqui na Brinquedoteca, nós temos duzidos ao longo do percurso objeti-
em conjunto, desenvolveu um pro- regras”, coloca. “E com tantas vado pelo projeto”, observa Sandra
jeto para interceder positivamente crianças assim é preciso que to- Bernardete de Lara Vianna, gerente
junto àquela família: desde a médi- das sigam e isso faz com que elas da UBS Vila Espanhola.
Revista Brasileira
34 Saúde da Família

Em primeira posição: as temidas cáries.


O segundo lugar vai para as horríveis
doenças periodontais.
E, na terceira posição, porém não menos
desagradáveis, ficam as maloclusões dentárias.

Esse é o ranking do trio de males de saúde bucal que


mais acometem a população brasileira.
E, assim como cada um desses problemas tem me-
canismos próprios de surgimento e desenvolvimento
– apesar de estarem relacionados entre si –, é neces-
sário promover estratégias de combate também espe-
cíficas. E, quaisquer que sejam as abordagens adota-
das, não há nada melhor a se fazer do que elaborar
formas de prevenção.
Essa é a lição de casa dos profissionais da estratégia
Saúde da Família e da Secretaria de Educação na cidade
gaúcha de São Valentim do Sul. E os grandes vencedo-
res dessa corrida a favor da saúde? Os alunos da rede
pública de ensino. Com direito até a prêmio no final!

Equipe de Saúde Bucal aposta na parceria


com escola para promover a ortodontia
preventiva e interceptativa

Na pequena cidade do Rio Gran-


de do Sul, a cerca de 180 quilôme-
tros de Porto Alegre, a população de
2.300 habitantes conta com 100%
de cobertura da Saúde da Família.
E essa cobertura tem se mostrado
decisiva para a construção de uma
saúde bucal nas crianças e jovens
do município.
Em 2003, o resultado de um le-
vantamento epidemiológico realiza-
do junto aos alunos do Ensino Fun-
damental da cidade revelou índices
elevados de dentes permanentes
cariados, perdidos e obturados
Crianças realizando bochecho com (CPO-D). Enquanto no Brasil, esse
corante no escovódromo da escola.
35

A professora de artes e letras Cláudia Eliane Zanini Bortolotto


índice, aos 12 anos de idade, é de
procura reforçar as informações passadas pela Equipe Saúde
2,78, a cidade registrou 3,68.
da Família na sala de aula. “Para isso”, diz Cláudia, “utilizamos
O mesmo levantamento registrou
dos mais diversos recursos como o teatro, a música, a pintura e
o índice de CEO-D (dente decíduo
a dramatização, envolvendo, inclusive, sempre o tema da Saúde
cariado, com extração indicada e Bucal transversalmente, procurando utilizar de forma lúdica os
obturado) de 4,33, contra 2,80 da conceitos de escovação, higiene e saúde dos dentes”. Na foto, a
média nacional. professora e a aluna Morgana Franchini, da 6ª série.
Esses indicativos levaram a
Equipe Saúde da Família (ESF) a
elaborar uma estratégia específi-
ca para o combate a esses males,
identificando que as ações a serem
adotadas deveriam partir “da edu-
cação e prevenção, considerando
que os dentes estão erupcionando
e que os dentes permanentes nas-
cem normalmente dos seis aos 12
anos, durante, portanto, em idade
escolar”, enfatiza a dentista Lucia-
ne Maria Pilotto, da Unidade Básica
de Saúde (UBS) da cidade. Por isso,
Luciane pondera que “é sabido que
trabalhar com crianças na fase es-
colar é mais produtivo porque são
mais receptivas e aprendem mais
facilmente”. Dessa forma, observa-
se a escola como espaço fundamen- “Quando começamos essa par- Cada cárie corresponde a um
tal para desenvolver projetos e pro- ceria com a unidade de saúde, ponto. Logo, quanto menos cáries,
gramas preventivos. havia muitos casos de alunos com menor a pontuação da classe e
A Escola Estadual de Ensino piolhos, até alguns com pulgões... maior a possibilidade de, no final do
Médio Silvio Sanson, com mais de basicamente os da zona rural, mas, ano, ganhar o grande prêmio.
330 alunos, tem uma realidade à medida que o trabalho foi avan-
singular, pois mais de 30% desses çando, cada vez foi mais fácil intro- Troca-se um sorriso bonito
alunos são migrantes, provenien- duzir as noções de vida saudável, por um primeiro lugar
tes de outras cidades. O diretor da higiene mesmo, no dia-a-dia dos
escola, Arselino Fardo, coloca que alunos”, conta o diretor. A cárie é o primeiro problema
esse fator é decisivo na hora de quando se trata de saúde bucal no
elaborar o projeto pedagógico dos Saúde bucal na escola Brasil. Pensando nisso, a Secretaria
alunos. “Ainda temos aqui na nossa Municipal de Saúde da cidade e os
região muitas famílias na pequena O diretor Arselino Fardo colo- profissionais da Saúde da Família
propriedade, essas pessoas vivem ca que, a partir do trabalho con- chegaram à conclusão de que é pre-
praticamente da subsistência e, as- junto escola/unidade de saúde, ciso se pensar numa forma de in-
sim, nós introduzimos a agricultura houve condições para desenvol- centivar a escovação nas crianças.
familiar aqui como disciplina da 5ª ver as práticas de prevenção e Era preciso motivá-las e criar nelas
à 8ª série”. Por isso, o diretor con- promoção. “Construímos o esco- esse compromisso. “A prevenção é
ta que há muita disparidade entre vódromo aqui na escola em par- a forma mais econômica e eficaz
os alunos, “alguns chegam à escola ceria com a Secretaria Municipal de evitar os problemas da cárie e
sem muitas noções de convivência de Saúde”. da gengiva (referindo-se às doenças
em comunidade, outros com pouco E o escovódromo é palco, todos periodontais, segundo problema de
desenvolvimento emocional. Mas os meses, de uma “disputa saudá- SB no Brasil) e, dentro das ativida-
seria um luxo a escola ensinar só vel”, entre as classes. Competição des preventivas, temos a educação
quem está preparado, temos que li- promovida pela direção da escola e a motivação, que são muito im-
dar com essas diferenças e prepará- e pela Equipe Saúde da Família da portantes para melhorar a higiene,
los para a vida”. UBS São Valentim do Sul. promover a saúde e mudar hábitos
Revista Brasileira
36 Saúde da Família

conta a professora Cláudia Bortolotto, tes, problemas de posicionamento


na composição da merenda escolar. dos dentes na arcada e mau relacio-
“Observamos ao longo de pouco mais namento dos ossos maxilares. Sendo
de dois anos que a composição da o terceiro problema de saúde bucal
merenda vem mudando, as crianças no Brasil, a maloclusão dentária
estão trazendo mais frutas e menos gera efeitos estéticos como os den-
bolachas, doces. Acredito que isso tes “encavalados” – como se diz po-
faça parte da conscientização dos pularmente – ou com diastemas (os
pais também”, coloca. dentes separados), ou ainda, dentes
permanentes que nascem fora do
Afinal, que prêmio é esse?
Arselino Fardo, diretor da Escola Estadual lugar. Porém, mais que efeitos es-
de Ensino Médio Silvio Sanson.
A turma com melhor pontuação, téticos negativos, esses problemas
ou seja, com menos pontos (logo podem trazer sérias conseqüências
e comportamentos”, coloca o secre- menos dentes sujos e/ou cariados) para a vida da criança: desde des-
tário de Saúde, Edson Macagnan. ganha no final do ano um passeio. gastes ósseos ao prejuízo, à intera-
Dessa forma foi desenvolvido o Assim, já foram feitas excursões ao ção social e ao bem-estar. Luciane
projeto Sorrindo para Passear. No zoológico, a um parque aquático da defende que “esse problema, assim
projeto, além das visitas normais da região e outros lugares com grande como a cárie e a doença periodontal,
dentista e da auxiliar de consultório atrativo para as crianças. não precisa ser tratado apenas nos
dentário (ACD), que vão à escola pro- A dentista Luciane ressalta que, Centros de Especialidades Odonto-
mover a escovação coletiva, aconte- em 2005, o índice de CPO-D aos lógicas (CEO). É possível tratá-lo na
cem de duas a três visitas-surpresa, 12 anos era de 3,68 e, em 2008, própria Unidade Básica de Saúde”.
nas quais é realizada a aplicação poucos mais de dois anos do iní- E isso a dentista tem feito a par-
do corante para revelação de placa. cio do trabalho, reduziu para 3,09, tir do momento em que foi identifi-
A ACD Elda Cavanus explica o pro- aproximando-se ao que preconiza cado um elevado número de crian-
cedimento: “No dia da revelação da a Organização Mundial de Saúde ças com esse problema e, aliado a
placa, levamos os alunos ao escovó- (OMS): menor ou igual a 3,0. atividades de ortodontia preventiva,
dromo e cada um recebe um copinho a UBS São Valentim do Sul tem
descartável com o corante. Então eles Lidando com a maloclusão atuado junto à escola também com
têm de bochechar por um minuto e ortodontia interceptativa.
dentária nas UBS
cuspir... Assim, seguimos a pontua- Prevenção
ção que vai de zero a cinco, zero pra A maloclusão dentária é a alte-
quem tem todos os dentes limpos, um ração do crescimento e desenvolvi- A ortodontia preventiva visa a
para quem tem de um a três dentes mento que afeta a oclusão dos den- evitar as maloclusões por meio da
sujos, dois para aqueles com quatro
a sete, três para os alunos com oito
a dez dentes corados e cinco para
quem estiver com dez ou mais dentes
pintados. Anotamos numa planilha e
os dados são somados por turma”,
conta. Para a dentista Luciane, é im-
portante que a pontuação se dê por
turma, e não individualmente, “pois
assim eles cobram uns dos outros a
escovação, afinal, se o coleguinha
não escovar, pode ser ponto a menos
para toda a turma”, explica.
Segundo a dentista, há outro re-
flexo nesse tipo de iniciativa, o de os
alunos multiplicarem as ações tam-
bém em casa, com os pais, de quem
acabam cobrando (e ensinando) a
escovação adequada e as práticas de
higiene bucal. Isso se reflete também,
A dentista Luciane Pilotto realizando a aplicação do corante.
37

ações, São Valentim do Sul só tem


a ganhar”, ressalta Edson, que co-
loca que “essas atividades são de
baixo custo, não requerem uso de
aparelhos ortodônticos, são de fácil
aplicabilidade e são desenvolvidas
pelos profissionais da Equipe Saú-
de da Família, e não apenas pelo
dentista ou pela ACD”.

Casos de intervenções
da Saúde da Família
Embora seja possível prevenir
e amenizar alguns problemas de
maloclusão dentária, há aqueles
casos em que é necessária um
intervenção mecânica. Aí entra
a ortodontia interceptativa, que
Os alunos da turma vencedora do Concurso Sorrindo para Passear em visita ao Jardim procura atenuar o problema ainda
Zoológico de Porto Alegre.
precocemente, “evitando ou faci-
litando um posterior tratamento,
que no caso de aparelhos orto-
discussão de valores, saberes e cren- tos e as crianças acerca da impor- dônticos, em geral, são caros e
ças da população, por isso, na cida- tância da escovação, dos cuidados, o tratamento é mais demorado”,
de, o tema é trabalhado com o grupo porque aqui no consultório a gente conta Luciane.
de gestantes, nas reuniões de pais fala e lá nas casas isso é reforçado”, Entre as intervenções possíveis
na escola, nas campanhas de vaci- conta Elda. de serem feitas pela Equipe de Saú-
nação infantil e, sobretudo, conta a Para o secretário Edson Macag- de Bucal, estão: a rampa acrílica
auxiliar de consultório dentário Elda nam, é importante o diálogo da autopolimerizável para descruza-
Cavanus, nas visitas domiciliares. saúde e da educação. “Para mim, mento de dentes anteriores; a guia
“Trabalhamos em conjunto com esse é o pilar da Atenção Básica, canina com resina fotopolimerizá-
as Agentes Comunitárias de Saúde, a prevenção e a promoção à saúde vel; e ajuste oclusal, para alguns
no sentido de conscientizar os adul- e, quanto mais investirmos nessas casos de mordida cruzada lateral.

A prática de baixo custo e manutenção que pode ser que uma futura intervenção pode causar, caso o proble-
feita na própria UBS é capaz, em determinados casos, ma se agrave, e tem a facilidade de poder ser executada
de evitar um futuro uso de aparelho ortodôntico. pelo demais profissionais de nível superior da Equipe
Janaína Canabarro dos Santos, de 14 anos, estu- Saúde da Família, uma vez capacitados.
dante da 8ª série, é uma das alunas para as quais foi Morgana Franchini, de 12 anos, é outra estu-
indicado o uso da rampa acrílica. Segundo a própria dante que utiliza a rampa. A aluna da 6ª séria se
Janaína, o resultado foi surpreendente: “Vi que meus diz satisfeita com o tratamento: “Porque eu tenho a
dentes estavam bem pra trás e isso me incomodava mordida torta, eu sentia muito desconforto e acha-
muito e tinha uma dentista lá perto de onde eu morava va que ia ficar feia. Morria de vergonha de sorrir
antes que queria arrancar meu dente”, conta. “Por sor- na frente dos colegas”, conta. Segundo a dentista
te”, conta Luciane, “os pais de Janaína mudaram-se Luciane, Morgana responde bem à intervenção e é
para São Valentim do Sul e, uma vez na nova escola, provável que não venha a precisar usar aparelho
Janaína passou a ser atendida pela ESB. Nós consta- no futuro.
tamos o problema, mas avaliamos que não havia ne- Mas há casos, no entanto, em que a interferência
cessidade de extração... percebemos que se tratava de mecânica não requer mecanismo externo. É o caso
um caso sério, mas que era possível tratar na unidade da menina Amanda Batalha Borsato, de seis anos: o
mesmo”. Hoje a aluna já deixou de usar a rampa e recém-chegado incisivo permanente inferior nasceu
apresenta um lindo sorriso. levemente recuado e a orientação é simples: empur-
A dentista ressalta, contudo, que o uso da rampa rá-lo com a língua. “A melhora tem sido visível e logo
traz algum desconforto para a paciente, mas não maior o dente estará alinhado”, conta Luciane.
Revista Brasileira
38 Saúde da Família

Na região do Bico do Papagaio, no norte de Tocantins,


está localizada a cidade de Buriti dos Tocantins. Com
pouco mais de 8 mil habitantes, cerca de 3 mil são
jovens de cinco a 19 anos.

Em Tocantins,
projeto Sorrindo para o Futuro
resgata a dignidade de crianças

O índice de CPO-D (Dentes Ca- Segundo o coordenador peda- Para o sucesso do projeto:
riados Perdidos e Obturados) na ci- gógico do Colégio Estadual Tan- uma elaboração consistente
dade, em 2003, era de 4,56, con- credo de Almeida Neves, Orlando
siderado alto em relação à média Oliveira, aproximadamente 95% O projeto Sorrindo para o Futuro
brasileira e aos padrões da OMS. dos alunos são carentes “não só contou com atividades elaboradas
Frente a essa realidade, a Equipe financeiramente, como também de para todo o ano de 2007. Dividido
de Saúde Bucal (ESB), da Saúde acompanhamento familiar no sen- em várias etapas, demonstrou que
da Família, vem, desde 2004, ten- tido de tomar as medidas cabíveis para que se tenha uma mudança de
tando viabilizar uma forma eficaz para que o aluno tenha uma boa fato é necessária a elaboração de um
de abordagem da população de higienização bucal, bem como ali- planejamento de médio e longo prazo,
cinco a 14 anos. mentação apropriada”. para não acabarem no rol de ações
Marcelo de Faria, dentista da E, justamente devido a essa re- pontuais que pouco fazem efeito.
Equipe de Saúde Bucal da Unidade alidade, a ESB da unidade Buriti Em janeiro, mesmo antes de o
Básica de Saúde de Buriti, afirma ter decidiu intervir junto à comunidade ano letivo começar, a Equipe de
observado que “o trabalho preventivo escolar com o intuito de resgatar a Saúde Bucal e os profissionais de
estava sendo realizado, pois todas as saúde bucal dos estudantes por meio educação da escola já se reuniam
crianças de rede municipal de ensino do projeto Sorrindo para o Futuro. para estruturar o cronograma do
tinham escovas e creme dental para
uso após a merenda, assim como ti-
nham também as orientações a res-
peito da higienização e alimentação.
A Equipe de Saúde Bucal realizava
visitas periódicas às escolas para es-
covação supervisionada e aplicação
tópica de flúor e os agendamentos
para atendimento ambulatorial eram
realizados, mas, ainda assim, perce-
bíamos que faltava uma estratégia
eficaz para o enfrentamento da cárie
e da perda prematura de dentes”.
Segundo Marcelo, “entre as
diversas afecções freqüentes no
município, a cárie dental e seus
agravos se destacam como um dos
principais problemas de saúde que
acometem crianças, provocando a
perda prematura dos dentes assim
como ausências na escola por moti-
vos correlatos à doença”. O dentista Marcelo Faria, da Equipe de Saúde Bucal de Buriti, na sala de aula, passando aos
alunos noções de higienização bucal e de como se formam as cáries.
39

projeto. “Partimos da constatação


e da experiência anterior na qual
sabemos que é difícil trazer os pais
para a escola”, conta a coordenado-
ra pedagógica Maria Zenaide Perei-
ra, que coloca a dificuldade de mo-
bilizar a comunidade. “Visto isso,
elaboramos uma estratégia em que
procuramos gradualmente envolvê-
los no projeto, primeiro abordando
o assunto nas reuniões com os pais,
depois trabalhando nas salas de
aula de forma que os próprios alu-
nos fossem multiplicadores dentro
de casa”, conta.
Fevereiro foi o mês em que hou-
ve o primeiro exame clínico de to-
dos os alunos da escola já dentro
do projeto. No mesmo mês, os pais
foram chamados para uma conver-
sa, na qual lhes foi lançado um de-
safio que resultaria, em março, no
começo do projeto, na prática.
Um desafio construído
Etapas da construção do escovódromo: toda a comunidade escolar, desde os alunos aos
Até o ano de 2007, a ESB promo- professores que se empenharam na obra, tocada adiante pelos próprios pais dos alunos.
via a escovação coletiva dos alunos
em um espaço improvisado e inade-
quado nos fundos de escola. Todos fi- construção da estrutura. E, assim, foi trabalho para a construção foi con-
cavam em pé, com copinhos de água requisitado aos pais que trabalham feccionado e afixado na escola e co-
descartáveis na mão, e cuspiam no na área de construção como pedrei- municado a todos os voluntários”.
próprio chão de terra batida, como é ros, por exemplo, que tirassem um A contribuição dos alunos, que
possível ver na foto abaixo. sábado para que eles próprios cons- teria caráter simbólico, acabou se
Então, a maior necessidade, na- truíssem o escovódromo. revelando vital para o projeto, uma
quele momento, para fazer com que E assim foi feito. Em sala de aula vez que com a participação de 335
os alunos percebessem a importân- e em reunião com os pais, foi pedi- alunos conseguiu-se, só aí, boa par-
cia e o respeito que deve ser dado do que cada aluno fizesse a contri- te dos tijolos utilizados. Durante
ao momento da escovação, era, jus- buição de um tijolo, o restante se- cinco sábados, 12 pais de alunos
tamente, um escovódromo. ria doado pelos pais e professores, (cinco pedreiros e sete serventes) se
Mas, como a escola não tinha de acordo com a disponibilidade, e revezaram na construção.
recurso necessário para levantar a a escola entrou com o restante do Francisco Mercê Veras é um
obra, foi lançado o desafio conjun- material necessário, como cimento, desses pais. Ele conta que foi cha-
to entre escola, pais e alunos para a água, brita etc. mado para uma reunião na escola
A técnica de higiene dental Jocil- onde os “professores colocaram
ma Alves de Sousa conta como se que tinham vários casos de crian-
deu o envolvimento dos familiares: ças com dentes estragados e colo-
“Felizmente muitos se prontificaram caram para a gente a importância
em contribuir e sugeriram que o me- de construir esse escovódromo”. O
lhor dia de semana para a empreita- pedreiro completa dizendo que ele
da seria o sábado. Formamos uma mesmo já teve dentes extraídos
equipe para colher contribuições e por falta de uma higiene correta:
doações de materiais de construção “Penso que se na minha época de
e foi estipulado o prazo de 30 dias. escola tivesse uma iniciativa des-
Um cronograma com as equipes de sa eu não teria precisado extrair e
Revista Brasileira
40 Saúde da Família

hoje minha filha não precisa pas- escovas de dente (totalizando 520
sar por isso, porque está sendo unidades), as turmas passaram a se
cuidada”, enfatiza. revezar, todos os dias, na utilização
Quem também participou da do espaço e, de abril até dezembro,
construção do escovódromo foi aconteceram escovações coletivas
o Agente Comunitário de Saúde diárias na escola. Além disso, a
Maurício Souza, que também é pai cada seis meses acontece na escola
de aluno. “Todo mundo participou, a aplicação tópica de flúor, utilizan-
fomos lá, carregamos tijolos, aju- do as novas instalações.
damos a fazer a massa e assim es- Edilson Pereira Miranda é pro-
tamos conseguindo a melhoria das fessor da 4ª série e, para ele, as
crianças na saúde bucal, unindo a ações de educação em saúde bu-
educação à saúde, o nosso trabalho cal não podem ficar só na escola:
de conscientização, principalmente “Nós fazemos a escovação aqui to-
junto às famílias mais carentes, dos os dias, depois do recreio, do
com a prática mesmo, com a esco- lanche, cada aluno aqui tem a sua
vação, com o encaminhamento ao própria escova, mas sempre pro-
Francisco foi um dos pais que trabalha- dentista”, ressalta Maurício. curamos alertar aos pais no sen-
ram na construção do escovódromo e res- tido de cobrar em casa a escova-
salta a importância da iniciativa: “Como
eu e outros pais de alunos trabalhamos
Escovações diárias ção, só assim teremos certeza do
com construção nos pediram para que resultado do trabalho, afinal elas
nós mesmos fizéssemos a obra. Eu achei A partir da inauguração do es- passam conosco só quatro horas e
excelente, pois, indiretamente, é uma for-
ma de zelar pela saúde da minha filha e
covódromo, quando então todos os meia por dia... o restante é com os
de tantas crianças”. alunos da escola ganharam novas pais”, enfatiza.

Entre as ações junto à comunidade escolar, figurou o Segundo o coordenador pedagógico Orlando Oliveira
desenvolvimento da Carteira de Acompanhamento/Tra- (na foto abaixo), “a diferença entre a média das cadernetas
tamento de Saúde Bucal, que foi elaborada pela Equipe do início dos trabalhos em fevereiro de 2007, quando fize-
de Saúde Bucal e apresentada aos pais em reunião e, mos o primeiro exame clínico, para dezembro, quando rea-
após a aprovação de todos, a Secretaria Municipal de lizamos o outro exame, é nítida ao traduzir que acertamos
Saúde reproduziu 600 cópias distribuídas à escola. Para na escolha desse modelo. A cada 15 dias nos reuníamos
o coordenador pedagógico Orlando Alves de Oliveira, a com a Equipe de Saúde Bucal para dar andamento ao pro-
carteira vem preencher uma lacuna: “Anteriormente nós jeto e a cada dois meses fazíamos oficinas, palestras etc”.
fazíamos ações isoladas de encaminhamento à Unida- Todos os meses os alunos de maior gravidade eram
de de Saúde, promovíamos algumas escovações espo-
agendados para consulta na UBS e na véspera do aten-
rádicas, mas não quantificávamos isso e, portanto, não
dimento as carteirinhas ficavam com a Equipe de Saúde
sabíamos se aquela ação em específico havia trazido
Bucal até a conclusão ou diminuição da gravidade da-
algum resultado prático”.
O preenchimento da carteira se dá seguido ao exame quele caso em específico. E os casos de maior gravidade
clínico dos alunos e feito de maneira coordenada. Os acabavam por ter retornos semanais à unidade.
dados obtidos são anotados pela auxiliar de consultório Já no dia do atendimento era soli citado aos pais
dentário, que quantifica de 0 a 4 a gravidade da condi- que, ao levar seus filhos, levassem também a carteira
ção bucal do aluno: de vacinação deles, a fim de que, se fosse o caso,
a ESB encaminhasse a
criança também para o se-
tor de imunização.
41

Saúde Bucal em festa professores, foram estes que de- maioria, cerca de 69%, queima ou
senvolveram, em conjunto com os enterra seu lixo e 19% o destina a
Em dezembro de 2007 foi re- alunos, os temas. céu aberto.
alizado novamente o exame clíni- A Feira foi realizada no final de Esses são alguns dos dados que
co bucal dos alunos, utilizando a 2007 e conseguiu mobilizar todo o mostram a urgência de se trabalhar
mesma carteira para verificação da colégio em prol da causa da saú- na cidade a promoção à saúde e
evolução da condição bucal dos es- de bucal e, mais do que isso, foi o a prevenção das doenças. Sidney
tudantes. Nessa segunda triagem, embrião para um evento maior que Oliveira, secretário municipal de
observou-se a excelente porcen- viria à tona um ano depois, no dia Saúde, conta que, apesar das defi-
tagem de 70% dos alunos terem 31 de outubro de 2008. ciências em saneamento na cidade,
melhorado sua saúde bucal, con- a estratégia Saúde da Família pro-
tra 20% que permaneceram esta- Feira de Educação em Saúde cura “atuar junto às pessoas e, por
cionados e 10%, nos quais houve isso, a Feira está prevista, desde
alguma piora. Para o dentista Marcelo, esse 2007, no planejamento das ações
Durante os meses de março a projeto, o da Feira da Educação em de conscientização”. O secretário
novembro, toda a escola se mobi- Saúde, ultrapassa a saúde bucal e ressalta que na cidade a cobertu-
lizou para um grande evento, em tem o objetivo de alertar a popula- ra da Saúde da Família é de 95%:
dezembro: a Feira de Saúde Bu- ção da cidade para o conjunto de “Os 5% restantes na verdade são
cal, que encerrou as atividades fatores que causa adoecimento e, de pessoas que têm residência de
do ano letivo com a discussão de mais importante, praticar a promo- fim de semana na cidade, ou seja,
temas propostos pela ESB junto ção à saúde. só utilizam Buriti como cidade-dor-
aos professores e coordenadores, Segundo dados do Sistema de mitório, ou são famílias que estão
como: A História da Saúde Bucal; Informações da Atenção Básica na região limítrofe da cidade e aca-
Conhecendo a Boca e os Dentes; (SIAB) Municipal, em Buriti dos bam sendo vinculadas às unidades
Uma Boa Alimentação para a Saú- Tocantins, apesar de haver um sis- das cidades visitas, mais próximas
de Bucal; Saúde Bucal do Bebê e tema de fornecimento de água que para elas”.
Gestante; Saúde Bucal do Idoso; e alcança 94% dos habitantes, 28% Sidney ressalta também que,
Cárie e Placa Bacteriana. a consome sem nenhum tratamen- “para conseguir a inclusão entre pro-
A Equipe de Saúde Bucal se to (filtração, fervura ou coloração). fissionais de classes diversas e ao
dividiu para dar suporte técnico Não há sistema de esgotamento sa- mesmo tempo contemplar a comu-
aos professores para a elaboração nitário e de resíduos sólidos abran- nidade com o prêmio do saber em
dos temas e abordagem. À frente gente. Aproximadamente 76% da saúde, faz-se necessário o desenvol-
do projeto Sorrindo para o Futuro população utiliza-se de fossa e vimento de uma feira voltada para a
está o dentista da Saúde da Fa- 25% destina os seus dejetos a céu “Educação em Saúde” onde a saúde
mília Marcelo Faria, que ressalta aberto. Com relação ao lixo domi- e a educação do município somam
que, apesar de a ESB ter dado um ciliar, somente 12% das casas têm esforços para verdadeiramente pro-
suporte técnico e apoio para os coleta regular de lixo, por isso a mover a saúde da comunidade”.

Em um exemplo de trabalho de conscientização e educação em saúde em Buriti dos Tocantins, o dentista Marcelo e sua equipe da UBS Buriti
encenam para os alunos um teatro de fantoches com o tema Saúde Bucal.
Revista Brasileira
42 Saúde da Família

fora aquelas doenças como hiper-


tensão e diabetes, que figuram en-
tre males que atingem quase que
universalmente a população brasi-
leira”, coloca.
Entre a divisão de tarefas na Fei-
ra, cada escola da rede pública de
ensino ficou responsável por um
tema em específico: Saúde do Idoso,
da Mulher, Bucal, da Criança e do
Adolescente, Hanseníase e Tubercu-
lose, Alimentação e Nutrição, Higie-
ne Pessoal e Dengue e Calazar.
A Feira contou com uma par-
ticipação maciça da população,
que prestigiou o evento que du-
rante todo o dia levou informações
à comunidade. Os temas foram
Profissionais das Equipes Saúde da Família de Buriti dos Tocantins.
apresentados em dois momentos,
o primeiro nas barracas montadas
por cada equipe e, num segundo
Para o idealizador do projeto recidos no município, o funciona- momento, em apresentações no
da Feira, o dentista Marcelo Faria, mento e o papel das Equipes Saúde palco de música, paródia, cordéis,
“a Feira tem a intenção de propor da Família e de Saúde Bucal, bem teatro de fantoches e dramatiza-
um trabalho de intersetorialidade como a desinformação quanto aos ções, ou seja, os recursos que as
municipal, cujo principal vínculo principais problemas de saúde no escolas lançaram mão para tratar
estabelecido se dá entre as Secre- município. Segundo a coordenado- dos assuntos.
tarias de Saúde e de Educação, ra de Atenção Básica no município, Segundo a enfermeira Adriana
com o objetivo de apresentar à Keylla Rejane Rodrigues Maciel, Batista de Melo, também da UBS
comunidade do município assun- “devido ao intenso trabalho das Buriti, esse evento veio atender a
tos relacionados aos principais ESF, já em 2008 identificamos na uma necessidade de que os pro-
problemas de saúde presentes na cidade cerca de 140 casos de han- fissionais das Equipes Saúde da
própria comunidade”. seníase, entre adultos e crianças, Família sentiam falta, pois, “às ve-
Entre os objetivos da Feira, está
o enfrentamento do fato de que
grande parte das pessoas desco-
nhece os programas de saúde ofe-

“...devido ao intenso
trabalho das ESF, já em
2008 identificamos
na cidade cerca de 140 casos
de hanseníase, entre adultos
e crianças, fora aquelas
doenças como hipertensão
e diabetes, que figuram
entre males que atingem
quase que universalmente
a população brasileira...”
Keylla Rejane Rodrigues Maciel,
coordenadora de AB de
Buriti dos Tocantins.
43

zes, nós levamos às escolas aquilo “Nós levamos às escolas aquilo que consideramos
que consideramos importante que importante que eles venham a trabalhar,
eles venham a trabalhar, como a como a questão da própria saúde bucal
questão da própria saúde bucal e e da higiene pessoal, mas, apesar da importância
da higiene pessoal, mas, apesar da desses temas, a escola tem aqueles que para ela são
importância desses temas, a es- mais relevantes no momento, mais urgentes (...)
cola tem aqueles que para ela são principalmente ao afrentamento
mais relevantes no momento, mais da gravidez na adolescência”.
urgentes. Um exemplo é com rela- Adriana Batista de Melo, enfermeira da UBS Buriti.
ção às doenças sexualmente trans-
missíveis, à sexualidade, ao plane-
jamento familiar e, principalmente,
ao afrentamento da gravidez na demiológico”. Para o dentista, isso Ainda de acordo com o organi-
adolescência, só em minha área significa que muito ainda deve ser zador da Feira, é preciso fazer com
acompanho nove casos desses”. feito para que haja uma mudança que as pessoas saiam do modelo
Contudo, Marcelo Faria afirma na forma como as pessoas encaram assistencialista e, para isso, há a
que, apesar dos temas propostos as questões de saúde, no sentido de necessidade de articulação entre a
e da conversa prévia feita com as se trabalhar a “responsabilização da saúde e a educação, para a forma-
escolas sobre a promoção à saúde, pessoa sobre a sua própria saúde e ção de agentes multiplicadores de
“ainda assim, várias barracas priori- a não dependência medicamento- conhecimento em saúde, para que
zaram o lado da doença, o lado epi- sa”, completa o dentista. esse conhecimento se propague.

Manual de Especialidades em Saúde Bucal

A reorganização da Atenção Básica em Saúde Bu- trumentos necessários


cal, a ampliação da atenção especializada, por meio à efetivação da am-
da implantação dos Centros de Especialidades Odon- pliação do espectro
tológicas (CEO) e dos laboratórios de próteses dentá- de atuação da Saúde
rias, e a viabilização da adição de flúor nas estações Bucal no âmbito do
de águas de abastecimento público são conquistas do SUS. Apresenta um
Brasil Sorridente. conjunto de princípios
O Ministério da Saúde investiu, entre 2003 e 2007, e recomendações ela-
mais de 1,8 bilhão de reais no Brasil Sorridente e até 2010 borados para facilitar
mais 2,7 bilhões serão repassados para o programa. a tomada de decisão
E, em mais uma conquista na área, o Ministério da apropriada na aten-
Saúde, por meio do Departamento de Atenção Básica, está ção aos pacientes, em
lançando o Manual de Especialidades em Saúde Bucal. situações específicas, dotando cada serviço de um
O Manual veio para colaborar no estabelecimento dos método ordenado nas diferentes especialidades.
critérios de referência e contra-referência entre a Atenção O sucesso das ações em Saúde Bucal propostas pelo
Básica, por meio, sobretudo, das Equipes de Saúde Bu- Ministério da Saúde, pode ser medido em números. Entre
cal, da estratégia Saúde da Família, e os CEO. os anos de 2002 e 2008, mais de dois milhões de den-
Um Manual pode ser entendido também como um tes deixaram de ser extraídos. E, esse resultado se deve,
guia que instrumentaliza a prática clínica e de gestão re- em grande parte, ao trabalho conjunto entre as Equipes
lativas às principais especialidades odontológicas e, dessa de Saúde Bucal em articulação com os Agentes Comu-
forma, contribui para a melhoria da qualidade dos serviços nitários de Saúde e o encaminhamento para os Centros
prestados, assim como no aperfeiçoamento da dinâmica de Especialidades Odontológicas quando há necessidade
da rede de serviços de serviços do SUS. de tratamento especializado, para o qual esta publicação
A publicação engloba um rol de especialidades vem somar esforços.
mais amplo do que a relação de especialidades míni- O Manual de Especialidades em Saúde Bucal está
mas obrigatórias para os CEO; com exceção da aten- disponível na página eletrônica do Ministério da Saúde
ção a pacientes com necessidades especiais, que no seguinte endereço:
será abordada em um volume específico; e converge http://www.saude.gov.br/dab no link: Publicações/
no sentido de construir, adequar e aprimorar os ins- Saúde Bucal
Revista Brasileira
44 Saúde da Família

A 188 quilômetros da capital catarinense, Florianópolis,


a cidade de Rio do Sul apostou no trabalho conjunto
entre as secretarias municipais de saúde e educação
para combater casos de sobrepeso infantil entre as
crianças da rede pública.
Na ponta, a parceria entre a escola e a estratégia Saú-
de da Família foi fundamental para reverter o qua-
dro que vinha se instalando em algumas crianças, no
resgate das condições que permitam acompanhar a
situação de saúde e nutrição não só na escola, mas
também nas casas dessas famílias.

Educação nutricional –
construção compartilhada
do conhecimento
Observando uma tendência na-
cional, as profissionais da Saúde da
Família de Rio do Sul constataram
o declínio, em ritmo acelerado, dos
casos de desnutrição em crianças e
adultos e o aumento da prevalência
de sobrepeso e obesidade. Frente
a essa transição nutricional, fez-se
necessária a definição de uma es-
tratégia de intervenção.
Como alguns casos foram cons-
tatados em crianças em fase esco-
lar, foram desenvolvidas ações de
promoção à alimentação saudável
nas escolas; além disso, foi desen-
volvido um trabalho de prevenção
às doenças crônico-degenerativas e
controle de carências nutricionais.
As mudanças nos padrões ali-
mentares da população, muitas
vezes “impostos” às crianças e jo-
vens que se rendem aos apelos pu-
blicitários e seus alimentos muitas
vezes gordurosos e sem nenhum A enfermeira Graciela San Martin Rodrigues Bagatoli com as
valor nutricional, geram uma “dese- nutricionistas Josilene Murara e Luize Amanda Salvador em
frente à Unidade Básica de Saúde Canta Galo.
45

A enfermeira Graciela San Martin Rodrigues


Bagatoli, da UBS/SF Canta Galo, acompa- “Minha filha passou a
nha há dois anos as crianças do Centro de
Educação Infantil, no mesmo bairro, todos
me cobrar mais frutas
os meses, as pesando e medindo. Por meio em casa e mais
de gráficos e planilhas foi capaz de identifi- verde no prato.
car nos alunos a Transição Nutricional e, a
parti dessa constatação, elaborou-se o pla- Mostrou orgulhosa
no de ação junto à comunidade escolar. a pirâmide alimentar
que ela ajudou
a construir.”
Graciela San Martin
Rodrigues Bagatoli,
enfermeira,
UBS Canta Galo.

gração da Equipe Saúde da Família


– no caso, representada pela enfer-
meira da Unidade Básica de Saúde
Canta Galo –, da escola, da criança
ducação” alimentar. Para combater que atende crianças de quatro me- e da família com as nutricionistas
esse mal, foi concebido o projeto ses a sete anos. Ambas, à época da Secretaria Municipal de Saúde
Educação nutricional – construção do trabalho, eram profissionais da de Rio do Sul.
compartilhada do conhecimento. prefeitura, a primeira lotada na A partir de encontros ao lon-
Desde outubro de 2006, a Aten- Secretaria Municipal de Saúde e go de todo o semestre letivo, foi
ção Básica na cidade, com o apoio a segunda na Secretaria Municipal elaborada a proposta pedagógica
das nutricionistas Luize Amanda de Educação. do projeto, para o qual as profis-
Salvador e Josilene Rúbia Murara, O trabalho teve como objetivo sionais utilizaram-se de apostilas
vem acompanhando o crescimen- estimular hábitos saudáveis na co- retiradas da página eletrônica do
to e desenvolvimento das crianças munidade escolar a partir da cons- Ministério da Saúde, como 10 Pas-
por meio do Sistema de Vigilância trução compartilhada do conheci- sos para uma Alimentação Saudá-
Alimentar e Nutricional (SISVAN), mento, mediante um planejamento vel, Alimentos Regionais Brasilei-
que é feito pelas Equipes Saúde didático e participativo, com inte- ros e outras.
da Família (ESF), em um Centro
de Educação Infantil do município

“Tivemos uma
preocupação primordial
(...) em todo o trabalho,
que foi a de respeitar
as condições
socioeconômicas das
famílias, (...), que se
pode ter acesso a uma
alimentação saudável
sem que isso signifique
uma alimentação cara.”
Luize Amanda Salvador,
nutricionista. Crianças do Centro de Educação Infantil Canta Galo
produzindo suas próprias pirâmides nutricionais.
Revista Brasileira
46 Saúde da Família

A menina Luísa Rodrigues Bagatoli mostra a pirâmide nutri-


cional que ela mesma confeccionou na escola. A partir das que, na medida em que se conhecem
orientações da professora e da enfermeira da Equipe Saúde
da Família, as crianças vão aprendendo o valor nutricional
os alimentos, suas características e
dos alimentos. Aliado a isso é trabalhada também a alfabe- seus benefícios, é possível fazer boas
tização (na foto abaixo), onde os elementos da alimentação escolhas.
saudável ajudam a aproximar as primeiras palavras escritas
a algo que os alunos estão trabalhando em sala de aula.
Outra estratégia foi o incremento
de temas transversais, como o uso
de elementos semelhantes da ali-
mentação e da educação, “em vez
de alfabetizar com frases do tipo: ‘a
casa é bonita’, preferimos agregar
valor, colocando ‘a laranja é sau-
dável’, ‘a beterraba faz bem para
o sangue’, por exemplo, e assim
vamos fazendo com que isso seja
natural para elas”, enfatiza Simone
Rosires Barbetta, diretora do Centro
de Educação Infantil Canta Galo.
A forte presença agrícola na re-
gião da UBS Canta Galo e do Cen-
Uma estratégia foi a criação do tro Canta Galo, ambas em territórios
“Dia da Fruta”, onde cada criança afins, favorece ainda mais o acesso
ficou encarregada de levar uma de- às verduras, legumes e frutas. As-
Envolvimento dos familiares terminada fruta e, para isso, as pro- sim, é possível desenvolver o traba-
fessoras pediram que elas acompa- lho com os alimentos da época, ou
Neste tipo de trabalho, o envolvi- nhassem os pais na compra e escolha seja, da estação – o que faz com
mento da família é fundamental, pois das frutas. Assim, pretendeu-se criar que essa experiência possa ser refle-
nada adianta todo o esforço conjunto o hábito da aquisição da alimenta- tida em qualquer lugar do país, pois
das ESF, das escolas e mesmo dos ção saudável em família, “tivemos em todas as regiões há condições
Núcleos de Apoio à Saúde da Família uma preocupação primordial nessa climáticas e lavouras específicas,
(NASF) junto às crianças se, ao che- etapa e, na verdade, em todo o tra- basta reforçar o alerta de Josilene,
garem em casa, não tiverem a opção balho, que foi a de respeitar as con- de “procurar conhecer e saber ade-
dos alimentos apresentados. E, por dições socioeconômicas das famílias, quar a alimentação apresentada às
isso, tão importante quanto se traba- fazendo-as entender que não é uma crianças ao contexto da região”.
lhar com os alunos, nas escolas, é se questão de dinheiro, que se pode ter A diretora reforça a importân-
trabalhar com os pais, pois são estes acesso a uma alimentação saudável cia de a escola buscar parcerias
que irão trazer os alimentos para a sem que isso signifique uma alimen- para fora dos muros e ressalta o
mesa. E para conscientizar também tação cara”, enfatiza Luize, que diz início do trabalho, quando procu-
os pais foi imprescindível envolvê-los
no trabalho.
Gráfico de IMC das crianças do Centro Educacional
Canta Galo em 2006
47

rou ajuda junto à UBS Canta Galo trabalharam também a questão da que mudemos o foco da atenção à
ao observar algumas crianças com freqüência dos alimentos, orientan- saúde infantil”. A cidade de Rio do
baixo peso. À época, a enfermei- do as crianças que alguns devem Sul conta hoje com 15 Unidades
ra Graciela San Martin Rodrigues ser consumidos diariamente e ou- Básicas de Saúde, 13 ESF comple-
Bagatoli foi à escola para pesar e tros devem ser procurados menos tas e duas no modelo tradicional de
medir todos os alunos e logo iden- vezes; assim, sem proibir, elas con- Atenção Básica (estas em transição
tificou também casos de sobre- seguiram a redução no consumo de para a Saúde da Família), além do
peso, aliás, coloca a enfermeira: doces, balas, refrigerantes etc. projeto completo para implantação
“Havia mais casos de sobrepeso Já Luize ressalta que outro ponto do NASF, que o município pretende
que de desnutrição”. importante para conseguir a diminui- implantar no próximo ano.
Desde então, Graciela tem ido to- ção do sobrepeso entre a criançada
dos os meses ao Centro fazer o traba- foi não focar o trabalho nesse grupo, Perfil nutricional de
lho e acompanhar de perto a evolu- “evitamos falar em sobrepeso, para crianças e adolescentes da
ção das crianças, pesando, medindo que as crianças com esse problema rede municipal de ensino
e repassando os dados para gráficos não se sentissem constrangidas pe-
individuais. A enfermeira conta que rante os coleguinhas. Trabalhamos Outro trabalho levado adiante por
sua própria filha (também aluna do com o grupo como um todo para al- Luize e Josilene foi o levantamento do
Centro Canta Galo) causou a mudan- cançar resultados específicos, seja a “Perfil nutricional de crianças e ado-
ça em determinados hábitos alimen- perda de peso em alunos com sobre- lescentes da rede municipal de en-
tares da casa, “minha filha passou peso, seja o ganho de peso em crian- sino de Rio do Sul”. Utilizado como
a me cobrar mais frutas em casa e ças abaixo do peso ideal para a ida- base para a elaboração das estraté-
mais verde no prato. Mostrou orgu- de. Assim não expusemos nenhuma gias de intervenção junto ao Centro
lhosa a pirâmide alimentar que ela delas perante o restante da turma”. de Educação Infantil Canta Galo, o
ajudou a construir”, conta. estudo realizado entre os meses de
Secretarias de Educação março e maio de 2006, com 4.320
Não trabalhar com o NÃO e Saúde interagem no projeto dos 4.932 alunos da cidade, apontou
a necessidade de “ações de interven-
Para que um trabalho desse tipo João Mário Philippi, secretário ção nutricional com objetivo de modi-
surta efeito, ressalta Josilene, uma municipal de Saúde, e Astrid Helga ficar e reduzir a freqüência de distúr-
das principais atitudes é evitar a Dyck, secretária municipal de Edu- bios dessa natureza”, coloca Josilene.
‘negação’. Ela explica: “Procuramos cação, concordam na importância O estudo apontou a faixa etária que
evitar proibir determinado alimento. dessa parceria. João Mário conta, vai dos 11 aos 15 anos como aquela
Em vez de falar ‘não coma isso’, inclusive, “que trabalhos desse tipo mais propensa a sofrer de obesidade,
‘não coma aquilo’, preferimos uma chamam a atenção dos profissionais alcançando o alto índice de 17,36%
abordagem indireta, ressaltando as ao diabetes infantil, fazendo com do total de adolescentes consultados.
qualidades da alimentação saudá-
vel, pois muitas vezes justamente a
proibição pode atiçar a curiosidade
da criança. Acreditamos que esta
é a maneira mais didática de lidar
com a questão”. As nutricionistas

“Trabalhos desse tipo


chamam a atenção dos
profissionais à diabete
infantil, fazendo com
que mudemos o foco da
atenção à saúde infantil”
João Mário Philippi,
secretário municipal de
Saúde de Rio do Sul. Crianças do Centro de Educação Infantil Canta Galo.ev
Revista Brasileira
48 Saúde da Família

Equipe Saúde da Família do interior paulista lidera


projeto intersetorial de combate às DST, Aids e gravidez
na adolescência.

Multiplicadores de cautela
Monte Alto é uma pequena cida- apresentados pela Secretaria Muni-
de da mesorregião de Ribeirão Pre- cipal de Saúde (SMS), quase 1% da
to, interior de São Paulo. Com ruas população local está infectada com o
estreitas, gente sem pressa, casas vírus HIV. São 400 casos notificados
grandes e coloridas, uma torre de numa cidade de 44 mil habitantes.
igreja que se destaca e um ritmo de De acordo com dados do Programa
vida ainda manso. Nacional de Combate à Aids, do
Mas, como muitas cidades pe- Ministério da Saúde, até junho de
quenas do interior do país, também 2007 foram notificados 474.273
começa a sofrer com problemas que, casos no País. Unidade Básica de Saúde Accácio
de Oliveira Nunes.
há bem pouco tempo, eram mais ex- Levando em consideração esses
pressivos em cidades grandes: alto números alarmantes, em 2006, a
índice de uso de drogas, aumento enfermeira Priscila Mina Galati, che-
considerável no número de adoles- fe da Equipe Saúde da Família que importantes para o sucesso do proje-
centes grávidas e de portadores de atende na Unidade Básica de Saúde to Formando Multiplicadores para a
doenças sexualmente transmissíveis Accácio de Oliveira Nunes, no Bair- Prevenção das DST/Aids e Gravidez
(DST) e Aids. ro Bela Vista, periferia da cidade, na Adolescência (PFM), como o pro-
Apesar de pequena, Monte Alto chegou à conclusão de que era hora jeto Viva Vida, do Ambulatório Mu-
apresenta uma estatística quase pa- da Saúde da Família estreitar laços nicipal DST e Aids, Ambulatório da
radoxal à sua dinâmica interiorana com sua comunidade e daí se esta- Mulher e o Centro de Referência de
e conservadora: segundo números beleceu a parceria com outros atores Assistência Social (CRAS) e SMS.
Galati diz que o projeto tem um
caráter multidisciplinar para facilitar e
potencializar suas ações, ressaltando
o fato de que as questões abordadas
como DST, Aids, gravidez na adoles-
cência, prostituição, uso de drogas e
alcoolismo são reflexos de problemas
sociais profundos cujas raízes trans-
cendem às questões puramente cura-
tivas na esfera da saúde. “A área de

Priscila Galati acredita


que os conhecimentos
adquiridos são repassados
de boca em boca e
que isso fortalece
e legitima o trabalho
da unidade de saúde
Priscila Galati, idealizadora do PFM, Paulimar Janones, secretário municipal de Saúde de perante a comunidade.
Monte Alto, e Neuza Bonjorno, coordenadora do ambulatório municipal DST e Aids.
49

Após a implantação do
projeto, em 2006, segundo
dados da SMS, os casos de
DST e Aids foram reduzidos
em 41% no perímetro
urbano de Monte Alto.

e educar a população da cidade vi-


sando à estabilização do número de
habitantes soropositivos, à diminui-
ção dos infectados por DST e de pré-
adolescentes e adolescentes grávidas.
Do conceito de DST às orientações
preventivas, tratamento, violência
doméstica e agressão física à mulher,
todas essas temáticas são abordadas
pelo livreto, que, intencionalmente, é
Oficina de prevenção de DST e Aids realizada em escola municipal de Sacramento. recheado com fotos impactantes dos
males causados pelas doenças vené-
reas. Além disso, a cartilha responde
abrangência dessa unidade é muito as com mais de 60 anos, configu- a perguntas e desfaz tabus que per-
carente e há problemas sociais muito ra-se como uma carteirinha, onde meiam o imaginário de adolescentes
grandes, por isso resolvemos buscar o usuário registra seus dados para e, também, dos adultos.
ajuda do CRAS, pois a área de atua- que possa ter controle sobre os pro- A publicação destinada aos ido-
ção deles é exatamente a nossa. Eles cedimentos médico-ambulatoriais sos traz pequenas informações so-
conhecem as famílias da região e submetidos nos últimos tempos, bre tratamentos medicamentosos e
seus problemas e isso complementa chamada de “Carteira de Saúde do orientações preventivas à saúde.
nossa atividade”, diz a enfermeira. Idoso Melhor Idade”. Monte Alto registra nove casos de
Outro salto importante, segundo O conteúdo do material, distri- idosos soropositivos, mas a Secreta-
ela, foi a aproximação do projeto Viva buído em todas as Unidades Básicas ria de Saúde estima que o número
Vida do Ambulatório DST e Aids, de Saúde (UBS) e escolas públicas e real, bem como o da população jo-
coordenado pela enfermeira Neuza particulares do município atende à vem, seja maior. “Hoje há uma pres-
Bonjorno, que há mais de duas dé- necessidade emergente de informar são enorme por parte da mídia e da
cadas se dedica à área. Bonjorno re-
vela que se uniu ao projeto tão logo
tomou conhecimento da idéia. “Eu
trabalho com DST e Aids há mais de
20 anos e logo que soube do projeto
procurei a Priscila. O problema de
infecção por HIV em nossa cidade
é muito preocupante e alguma coisa
precisava ser feita”, fala.
O primeiro fruto dessa força-tare-
fa, encabeçada pela ESF de Prisci-
la, foi a produção de duas cartilhas
que abordam temáticas pertinentes
às práticas saudáveis na população
de Monte Alto. A primeira intitula-
da “Conversando sobre DST e Aids,
Gravidez na Adolescência e Violência
Sexual Doméstica” e outra exclusiva-
mente voltada aos idosos, que, além
de informar sobre direito das pesso-
Revista Brasileira
50 Saúde da Família

O uso de drogas é
bastante discutido nas
aulas sobre educação
sexual e hábitos saudáveis
à saúde por dois fatores
pragmáticos:
a contaminação por HIV
entre usuários de drogas
injetáveis ainda é grande
no município e, além disso,
o indivíduo que usa
entorpecentes está mais
suscetível a ter práticas
sexuais menos seguras e
de ser indisciplinado em
caso de tratamentos
Meninas aprendem desenhando sobre gravidez na adolescência e métodos anticonceptivos na às DST e Aids.
UBS Accácio de Oliveira Nunes.

sociedade para que os idosos man- abrangência da UBS Accácio de Oli- na adolescência, supõe-se que
tenham vida social e sexual ativa. veira Nunes, mas os números cres- essa informação seja passada para
Há os clubes da melhor idade e centes de infecções notificadas de frente de maneira informal. Um in-
festas para esse público aconte- DST e Aids despertam maior preocu- divíduo repassa o que aprendeu e
cendo sempre. A família também pação por parte da gestão da unidade. assim a informação chega aos gru-
estimula muito esse comportamen- Atualmente, a UBS e seus parceiros pos sociais.
to sem aconselhamento adequado realizam trabalho de educação sexu- Após a implantação do projeto,
e o resultado disso é aumento con- al em escolas, prostíbulos, empresas em 2006, segundo dados da SMS,
creto de idosos contaminados com privadas e clubes da terceira idade. os casos de DST e Aids foram redu-
doenças venéreas e HIV”, revela A dinâmica do projeto de Monte zidos em 41% no perímetro urbano
Priscila Galati. Alto é simples, porém eficaz. Para de Monte Alto e até 50% no núme-
Hipertensão e diabetes são as cada abordagem direta com o in- ro de adolescentes grávidas. “Hou-
enfermidades campeãs na região de divíduo sobre DST, Aids e gravidez ve uma melhoria na qualidade de
vida da população da cidade com
a implementação do projeto de pre-
venção às DST e Aids. Dentro das
possibilidades do município, o tra-
balho feito é muito bom”, comenta
o secretário municipal de Saúde,
Paulimar Janones.
Se alguém é diagnosticado com
algum tipo de doença sexualmente
transmissível, é porque a adquiriu de
outra pessoa, provavelmente em uma
relação sexual. Mas, mesmo estando
conscientes do processo de transmis-
são, algumas mulheres se recusam a
revelar a seus parceiros ou parceiras
que estão doentes, temendo algum
tipo de represália psicológica ou fí-
sica. Para os Agentes Comunitários
de Saúde (ACS), a abordagem de um
paciente do sexo masculino ainda é
mais difícil e complicada.
51

ESF na escola A área de abrangência da UBS “O Agente Comunitário


Accácio de Oliveira Nunes é consi- de Saúde é uma
A maneira mais eficiente encon- derada área de risco por apresen- ponte, uma espécie
trada pela ESF da unidade Accácio tar problemas sociais como violên- de mensageiro,
de Oliveira Nunes e pelo projeto cia, baixo índice de escolaridade, entre a unidade
Viva Vida de educar sexualmente evasão escolar, alcoolismo, desa- de saúde e
a população adolescente da comu- gregação familiar e um altíssimo a comunidade”.
nidade foi a intervenção direta nas número de jovens que se drogam. Célia Pientznauer –
quatro escolas da cidade. Conscientes dessa realidade, os médica de família.
O Ambulatório de DST e Aids responsáveis pelo PFM vão cons-
representado pela enfermeira tantemente à escola local orientar
Neuza Bonjorno leva às escolas os alunos do Ensino Fundamental
educação sexual e condutas de com aulas de educação sexual, au- ras e de ser indisciplinado em caso
autocuidado e prevenção, desde tocuidado, prevenção às DST, Aids, de tratamentos às DST e Aids.
2003, e foi justo por essa expe- gravidez na adolescência e drogas. “As aulas de educação sexual mi-
riência que se uniu às atividades Numa conversa rápida com os nistradas aqui na escola, por meio
propostas pela ESF coordenada alunos de uma determinada escola, do projeto, são importantes porque
por Galati. O Ambulatório Munici- na área de abrangência da UBS Ac- têm credibilidade junto aos alunos e
pal de Saúde da Mulher é outro cácio de Oliveira Nunes, pode-se ter suas famílias, pois são trabalhadas
componente importante do projeto idéia dos problemas enfrentados por por profissionais de saúde, e não por
Formando Multiplicadores para a esses adolescentes diariamente. nossos professores”, analisa Maria
Prevenção das DST, Aids e Gravi- Segundo uma das alunas de 15 Alice, coordenadora da escola.
dez na Adolescência. anos, de cada dez conhecidos da A professora de ciências Célia
A partir de 2006, com a institui- mesma faixa etária ou colegas no Farnes diz que apóia a iniciativa
ção do projeto de Formação de Multi- bairro, sete se drogam. Ela mesma na escola porque muitos profes-
plicadores, essas quatro instituições tem uma irmã presa por tráfico de sores não estão preparados para
em conjunto – ESF, Ambulatório DST drogas no presídio de Ribeirão Preto. falar sobre sexo e, além do mais,
e Aids, Ambulatório Saúde da Mulher “Aqui nesta área é moda usar drogas, segundo ela, há um conteúdo pro-
e CRAS Vera Cruz promovem, siste- eu mesma já fui convidada muitas gramático formal a ser seguido
maticamente, ações de monitora- vezes, mas sempre resisti porque me que não contempla, como deveria,
mento da saúde e qualidade de vida lembro da minha irmã. Não quero a educação sexual.
dos moradores do Bairro Bela Vista e ter a mesma história de vida que ela
seu entorno, área de abrangência da teve, não quero parar num presídio. Fala, Garoto!
ESF. Para os organizadores do pro- Quero ter uma vida diferente. Eu sem-
jeto, o trabalho conjunto facilita os pre aconselho as pessoas que posso, Além das visitas, a ESF recebe em
procedimentos de identificação dos mas cada um sabe de sua própria suas instalações os adolescentes que
problemas da comunidade e, dessa vida”, reflete a menina. Sua colega de participam do grupo “Fala, Garoto!”,
forma, fica mais fácil saná-los. 16 anos perdeu um tio aos 46 anos, uma iniciativa do PFM. O “Fala, Ga-
usuário de drogas injetáveis; ele tinha roto!” é uma espécie de curso de
Aids e estava co-infectado por outras conscientização, com duração de seis
16 doenças oportunistas. meses, para práticas sadias de vida
Casos como os dessas meninas que incluem, além de sexualidade,
e de dezenas de outros alunos são DST e Aids, temáticas relacionadas ao
conversados durante a abordagem álcool, drogas e convivência familiar.
da equipe nas escolas. O uso de O grupo se reúne uma vez por
drogas é bastante discutido nas au- semana e submete os participantes
las sobre educação sexual e hábitos às atividades lúdicas, oficinas e pa-
saudáveis à saúde por dois fatores lestras. Priscila Galati acredita que
pragmáticos: a contaminação por os conhecimentos adquiridos são
HIV entre usuários de drogas inje- repassados de boca em boca e que
táveis ainda é grande no município isso fortalece e legitima o trabalho
e, além disso, o indivíduo que usa da unidade de saúde perante a co-
entorpecentes está mais suscetível munidade. “Eles são orientados a
Neuza Bonjorno indica uso correto de a ter práticas sexuais menos segu- ensinar aos amigos e à família o
preservativo em escola local.
Revista Brasileira
52 Saúde da Família

que aprenderam aqui. Formamos Eu ainda brincava de boneca discriminada por eles. “Se eu tives-
multiplicadores assim”, comenta. se conhecido o “Fala, Garoto!” antes
Praticamente todos os adolescen- O resultado de uma das dinâmi- não teria feito essa burrada, as meni-
tes entrevistados que freqüentaram ou cas do grupo “Fala, Garoto!” chamou nas da unidade me apoiaram muito.
freqüentam o projeto dizem que não atenção dos coordenadores do proje- Agora vou perder minha mocidade
se sentiam preparados corretamente to: “Um dia estávamos falando sobre cuidando de minha filha”, revela,
para enfrentar situações de risco no autocuidado e prevenção de gravidez emocionada, a menina.
que diz respeito às práticas sexuais. na adolescência e a dinâmica propos- Ela fala, age e se comporta como
“Aprendi a colocar a camisinha num ta era que o grupo fizesse um desenho uma criança grande e triste. Olhar
pênis de borracha”, diz, envergonha- que ilustrasse os órgãos reprodutores perdido, aparência abatida. De ca-
da, uma aluna. femininos e o resultado nos deixou beça baixa, ajeita a alça de seu ves-
Os pacientes drogados com pro- pensativas. As meninas desenharam tido folgado de gestante e reflete:
blemas psicológicos são encaminha- uma mulher grávida. Isso parece uma “Quando engravidei eu ainda brin-
dos ao CRAS, e no departamento de besteira, mas na verdade é o reflexo cava de boneca!”.
Saúde Mental o paciente é submeti- da realidade daqui”, diz a enfermeira A assistente social do CRAS
do, por 15 dias, caso seja necessário, Neuza Bonjorno. Renata Cheyenne Belarmino diz
ao tratamento psicológico. Já houve casos de meninas que que o contexto vivido por essa
Todo esse processo de abordagem engravidaram aos 12 anos e quase adolescente, que foi abandonada
à comunidade, dentro ou fora das ins- todos os adolescentes da área co- pelo pai da criança, foi decisivo
talações da UBS, é discutido com os nhecem algum caso semelhante. nessa história. “O mais triste des-
ACS, que são os olhos e os mensa- Uma dessas adolescentes, de 16 se caso é que ela pensa que ele
geiros da ESF na região. São eles que anos, acabou de ter uma filha. Ela vai voltar para ficar com ela. Ela
identificam potenciais problemas, começou a freqüentar o “Fala, Garo- não compreende e não aceita que
encaminham pessoas, marcam exa- to!” ainda no início da gestação, con- isso foi mais uma aventura passa-
mes, acompanham o tratamento de vidada por uma ACS e estimulada geira na vida dele. A ausência de
doentes crônicos, identificam neces- pelas colegas de escola. A presença acompanhamento familiar na vida
sidades emergentes das famílias visi- da menina grávida nas oficinas e dela foi determinante para que
tadas e, acima de tudo, servem como palestras sobre métodos anticon- isso acontecesse”, diz.
ouvidores. “O Agente Comunitário de ceptivos e gravidez na adolescência Segundo a assistente social, mui-
Saúde é uma ponte, uma espécie de era um paradoxo necessário, servia tas meninas da comunidade mantive-
mensageiro, entre a unidade de saúde como exemplo vivo aos colegas e, ram relacionamentos com os operários
e a comunidade”, sintetiza a médica ao mesmo tempo, era uma forma que vinham fazer serviços na região.
de família Célia Pientznauer. de evitar que ela se isolasse e fosse Para que situações como essa sejam

Agentes Comunitários de Saúde da UBS Accácio de Oliveira Nunes.


53

“Minha vida mudou depois que eu busquei ajuda Joelma Rufino procurou ajuda da
no Viva Vida e comecei a conversar com o UBS e de lá foi encaminhada para
psicólogo e assistente social. Hoje aceito a minha o Ambulatório DST e Aids, onde ini-
realidade e tenho uma vida normal”. ciou seu tratamento. “Minha vida
Joelma Rufino – usuária. mudou depois que eu busquei ajuda
no Viva Vida e comecei a conversar
com o psicólogo e assistente social.
Hoje aceito a minha realidade e
tenho uma vida normal. Não con-
menos freqüentes, o PFM alerta as aos 15 anos, usei de tudo: maconha, seguiria me libertar das drogas se
empreiteiras que têm obras em cur- cocaína, crack e pico – droga injetá- não tivesse ajuda deles. Eu aprendi
so na área e seus funcionários sobre vel. Eu me casei pela primeira vez muitas coisas e quero que minha
pedofilia e cuidados preventivos às quando tinha 18 anos, nessa época história sirva como exemplo a to-
DST e Aids. tive a minha primeira filha, dois anos dos. Se pudesse dar um conselho
e meio depois eu me separei e voltei aos adolescentes, como dou aos
O caminho que leva às a me prostituir e usar drogas. Quan- meus filhos, eu diria para que nun-
drogas pode levar à Aids do eu tinha quase 21 anos fui tra- ca se aproximassem das drogas. Eu
balhar numa boate em Araraquara, tenho certeza que se não tivesse me
Joelma Rufino tem 31 anos e fiquei lá por dois anos e passei por envolvido com elas eu não teria que
trabalha com varredora de rua. Há três boates”, revela. passar pelo que passo, eu não teria
seis anos descobriu que tem o vírus Foi quando engravidou, pela o vírus HIV”, fala.
HIV. Todos os dias acorda às 6h e só segunda vez, de seu atual mari- Apostando no boca-a-boca, o
retorna à casa às 18h. Para ela, essa do, que descobriu que tinha sido projeto Formando Multiplicadores
foi a oportunidade de reerguer sua contaminada com o vírus HIV e para a Prevenção das DST e Aids
vida e recobrar sua dignidade, uma hepatite C. A criança nasceu con- e Gravidez na Adolescência está
bênção, como ela prefere dizer. taminada, mas foi negativada aos conseguindo melhorar a realidade
A história de vida de Joelma, oito meses. Depois do diagnóstico, de centenas de pessoas de uma
como a de boa parte das pessoas Joelma viu-se mergulhada num ci- maneira simples e eficaz, usando
que vivem próximas à UBS Accácio clo de autodestruição, desespero seus pacientes, estudantes e co-
de Oliveira Nunes, é marcada pela e depressão. Seu marido, também munidade como multiplicadores
tragédia e pela dor. Aos 14 anos des- viciado em drogas, preso por trá- de informações sobre DST, Aids,
cobre as drogas e o álcool e em pou- fico de entorpecentes, dividia com gravidez na adolescência, uso de
co tempo se prostituía para alimentar ela não só o vício, mas a sentença drogas e violência. A dinâmica é:
seu consumo. “Comecei a me drogar da destruição iminente. Aprendeu? Passe para frente!

Ondas do Rádio
É na hora do almoço que centenas de moradores de clínico e quando observam as primeiras melhoras logo
Monte Alto ouvem as notícias da prefeitura em uma emis- abandonam os remédios e desaparecem. A doença con-
sora AM. Entre uma notícia e outra é bem provável que che- tinua lá e esse indivíduo pode seguir contaminando ou-
gue uma mensagem do tipo “Seu João da Silva, por favor, tras pessoas”, argumenta.
compareça à Unidade de Saúde da sua comunidade”. É A transmissão vertical do vírus HIV, quando a mãe
dessa forma que as UBS da cidade chamam os pacientes contamina o filho no nascimento, também é uma pre-
que abandonaram seus tratamentos por algum motivo, so- ocupação constante do Viva Vida. Neuza Bonjorno diz
bretudo as pessoas que convivem com DST e Aids. que o percentual de bebês negativados ao longo do
Para evitar qualquer tipo de especulação sobre o tratamento é grande. As gestantes contaminadas são
motivo do chamado, a Secretaria de Saúde tem o cui- assistidas de maneira rigorosa e o processo se comple-
dado de não permitir que o Ambulatório Municipal DST ta quando os bebês são negativados.
e Aids seja mencionado. Os pacientes sempre são con- A unidade, que também é centro de testagem, con-
vidados a comparecer em determinadas unidades de ta com consultório odontológico próprio que atende às
saúde e de lá são encaminhados para a continuidade demandas dos pacientes que vivem com DST e Aids
dos seus tratamentos. e seus familiares. Infectologistas, clínicos e psicólogos
A enfermeira Neuza Bonjorno diz que essa medida foi também fazem parte da equipe do ambulatório.
tomada devido ao número crescente de doentes crônicos, Nas dependências do prédio também funciona uma
não só os que têm Aids que abandonam seus tratamen- pequena fábrica de fraldas que supre as necessidades
tos. “Há pacientes com DST que iniciam o tratamento das unidades de saúde do município.
Revista Brasileira
54 Saúde da Família

Um grupo de estudantes da Universidade Federal de


Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais, encontrava-se,
em meados de 2007, insatisfeito com as diretrizes
dos cursos da área de saúde. Os universitários sen-
tiam falta de uma grade curricular que privilegiasse a
formação de profissionais capacitados para atuar de
acordo com os princípios da universalidade, integra-
lidade e eqüidade do Sistema Único de Saúde (SUS).
Alguns desses estudantes já conheciam e haviam es-
tabelecido relações com movimentos sociais como o
dos Trabalhadores Rurais sem Terra, o dos Atingidos
por Barragens, a Marcha Mundial das Mulheres, o
Movimento Estudantil e o Movimento Hip Hop.

O Controle Social se concretizando


por meio de Mãos Jovens
acadêmico para o enfrentamento das
questões de saúde, sobretudo das
populações mais carentes próximas à
universidade”, coloca Laura Mendes
de Barros, aluna de medicina. Uma
das preocupações dos estudantes é
colaborar com as classes populares
para que elas discutam seus direitos
por meio do entendimento e enfrenta-
mento de seus próprios problemas.

Confluência de Ideais

“A oportunidade de ter vivencia-


do essas experiências”, conta Raíssa
Os alunos de graduação da UFJF com o líder comunitário
Pedro da Silva Vargas, membro da Associação de Mora- Nascimento de Faria, que cursa medi-
dores do Bairro de Santa Luzia, e as alunas da Escola cina, “foi fundamental para que tivés-
Estadual Maria de Magalhães Pinto. semos esse olhar e essa preocupação
em questionar o modelo assistencia-
lista que predomina nos currículos
Estudantes de medicina, enfer- “visando contribuir para o fortaleci- das universidades. No qual prevalece
magem, odontologia e outros cursos, mento do SUS, articulando a inte- a transmissão do saber a partir de
os jovens procuraram o Núcleo de ração ensino-serviço-comunidade”, pessoas que se entendem enquanto
Assessoria, Treinamentos e Estudos coloca Beatriz Franscisco Farah, sujeitos pensantes, para outras que
em Saúde (Nates), que desenvolve membro da equipe do Nates. são vistas como objetos pensados”.
projetos de extensão na UFJF, justa- A idéia era desenvolver trabalhos Janaína Mezzonato Machado,
mente para os acadêmicos de gra- “na tentativa de colaborar com a pro- também estudante de medicina, res-
duação nos cursos ligados à saúde, dução do conhecimento científico e salta “o desejo de concretizar o diálo-
55

go entre duas realidades: uma basea- parceiros como os Conselhos Regio- que uma vez delimitada a associa-
da na lógica técnico-científica e outra nal e Local de Saúde. ção, por meio de análises qualitati-
na lógica popular. Para nós esses dois Outro parceiro importante do II vas e quantitativas do questionário,
mundos se influenciam mutuamente e Encontro foi a Secretaria Municipal o passo seguinte foi a definição da
são influenciados por conceitos e valo- de Saúde, que, por meio da estra- forma dessa intervenção: “Por meio
res construídos historicamente”, diz. tégia Saúde da Família, a partir das de reuniões com o movimento, com
Para Ludmilla Taborda Moreira Unidades Básicas de Saúde (UBS) os profissionais envolvidos tanto do
Assis, universitária de enfermagem, localizadas nos territórios dos bairros Conselho Local de Saúde quanto da
o crescimento do número de jovens Santa Luzia, com cerca de 12.500 Saúde da Família, determinamos
no Brasil não tem sido acompanhado habitantes, e Ipiranga, com popula- como atividade a ser realizada a
por políticas públicas voltadas para ção aproximada de 13 mil pessoas, elaboração de um jornal da comu-
esse público e que estas, quando cedeu seus espaços para inscrições nidade em parceria com jovens de
implementadas, devem valorizar a e diálogos com a sociedade. Parti- 15 a 21 anos”.
escola “a exemplo desse próprio pro- ciparam as UBS de Santa Efigênia, A escolha desse público não foi
grama que os Ministérios da Saúde e Cruzeiro do Sul, Ipiranga, Santa Lu- por acaso, os profissionais envolvi-
da Educação lançaram em conjunto zia e Teixeiras. dos perceberam a intenção de ofe-
(referindo-se ao Programa Saúde na O líder comunitário Pedro da Sil- recer orientações aos jovens sobre
Escola). A diferença deve começar a va Vargas, membro da Associação de higiene, sexualidade e promoção à
ser feita assim: a partir da escola e Moradores do Bairro de Santa Luzia, auto-estima. A maioria dos movi-
da educação popular”, finaliza. agraciada pelo Projeto de Extensão, mentos tem como objetivo a promo-
Logo, os alunos da UFJF começa- coloca que a parceria com as ESF ção social e humana e, em comum,
ram as discussões sobre o que de fato foi decisiva “pela inserção que esse o fato de não receberem contribui-
poderiam fazer para serem agentes modelo tem na comunidade, penso ções formalizadas de órgãos públi-
transformadores. Nascia o projeto: a Saúde da Família como a melhor cos, sobreviverem de doações e seus
Educação Popular e os Movimentos política pública da área da saúde já participantes serem voluntários.
Sociais: Construindo Interação em pensada neste país”. Pedro conta
Universidade e Comunidade. que, como membro da associação, Mãos Jovens
sabe a “dificuldade que é fazer com
Integração que a comunidade se mobilize, para Quanto à produção, chegou-se à
Universidade/Comunidade tirar a pessoa de casa mesmo quan- conclusão de que o jornal devia ser
do o assunto é do interesse dela. E a bem artesanal, com montagens, co-
O grupo decidiu por trabalhar Saúde da Família mostra respeito pe- lagens e até alguns trechos escritos
com Educação Popular junto a al- las desigualdades sociais, porque os à mão, para que o produto final fos-
gum movimento social já existente hospitais, em geral, estão nos centros se menos denso, coloca Laura. “As-
na área delimitada: os bairros de das cidades, longe das periferias”. sim, os jovens da comunidade têm
Ipiranga e Santa Luzia, próximos à a oportunidade de repassar o que
universidade e, portanto, mais aces- Educação Popular em Saúde aprenderam de uma forma descon-
síveis aos estudantes. Para a esco- traída, sem a pressão de ter que sair
lha, foi realizado um levantamento A universitária do curso de medi- perfeitinho”, ressalta Laura. Ludmilla
junto a diversos movimentos sociais cina, Laura Mendes Barros, explica Taborda completa: “O próprio nome
que atuam junto a essas populações.
Foram aplicados questionários semi-
A aluna do 3º ano do Ensino Médio
estruturados junto aos representantes Vivian Maria Leite entregando o jornal
comunitários com os seguintes itens Mãos Jovens para o grupo de capoeira do
referentes aos movimentos: identifi- bairro Santa Luzia.

cação, objetivos, interação e articula-


ção com a comunidade, avanço/pers-
pectivas e como vêem a presença da
universidade na comunidade.
Entre as atividades para escolha
do movimento social que viria a ser
contemplado pelo projeto, figurou o
II Encontro Regional de Saúde da
Região Sul de Juiz de Fora, com
Revista Brasileira
56 Saúde da Família

eleito pelo grupo de trabalho para o As reuniões com os jovens são


jornal significa isso: “Mãos Jovens”, algumas das etapas onde efetiva-
ou seja, mãos que são capazes de mente se dá a construção de um
produzir um trabalho assim são as diálogo para definição de temas
mesmas mãos capazes de fazer di- e abordagens. Diálogo, no senti-
ferença, mostrar que eles são tão do literal da palavra: quando se
capazes quanto quaisquer outros”. ouve, mas quando também se fala,
A divulgação da atividade se deu quebrando a lógica do acadêmico,
com distribuição de folhetos em es- como “detentor do conhecimento”.
colas, grupos religiosos e teatrais O estudante de medicina, Neandro
promovendo encontros com os jo- Paula de Oliveira do Valle, desta-
vens interessados. O palco dos tra- ca esta etapa do trabalho, que se
balhos foi a Escola Estadual Maria refere como tempestade de idéias,
de Magalhães Pinto, onde estudam “como uma das mais importantes,
a maioria dos jovens que se interes- pois é quando todos podem expor
Na confecção do jornal, universitárias trabalharam saram pelo projeto. suas idéias sem ressalvas”, diz.
lado a lado com as estudantes do Ensino Médio.

Vivian Maria Leite, Jean Batista


Coimbra e Rafaela da Cruz Cor-
reia exibem com orgulho o fruto
do trabalho, o jornalzinho Mãos
Jovens: Educação Popular em
Saúde a partir do olhar do jovem.

Rafaela da Cruz Cor-


reia, também de 18
anos, foi uma das cola-
O “Mãos Jovens” aborda um pouco da realidade que boradoras do “Mãos Jo-
cerca esses jovens, resgatando a história da comunidade vens”, mas já está na fa-
onde vivem, apresentando perguntas e respostas sobre culdade, onde cursa pedagogia. Ela acredita que uma
sexualidade, sendo que “as perguntas que estão lá são das principais conquistas vem sendo a mudança na
as mesmas feitas com mais freqüência pelos jovens, ge- forma que as pessoas percebem a saúde. “Antes a gen-
ralmente sobre sexualidade, métodos anticonceptivos, te pensava que ter saúde era só não ficar doente, mas
informações sobre DST e Aids. Ou seja, mostra que eles é muito mais que isso, saúde hoje significa muito mais
têm carência de conversar sobre isso, pois muitas vezes que falta de doenças, saúde significa você estar forte,
eles já ouviram falar sobre como se contrai o vírus, sobre não só fisicamente, emocionalmente também, com paz
com o evitar uma gravidez indesejada, mas sentem falta de espírito. Saúde significa você fazer o que você gosta
mesmo é de um espaço para falar sobre isso, de expor e ser feliz por isso, então saúde é isso: é ser feliz!”.
suas idéias, vontades, desejos, enfim, coisas próprias da
adolescência”, coloca o estudante Neandro.
O jovem Jean Batista Coimbra, de 12 anos, é um dos
alunos da 6ª série que ajudou na confecção do jornalzi-
nho “Mãos Jovens”. Para ele essa foi uma “ótima opor-
tunidade de colaborar um pouco com a escola e passar
para os outros o que a gente conversa no grupo, já que
nem todos têm a oportunidade de participar conosco”.
A adolescente de 18 anos Vivian Maria Leite, que
cursa o 3º ano do Ensino Médio, conta que participar
da produção do Jornal foi “excelente, pois nós podemos
divulgar o grupo de capoeira do bairro que vem ajudando
vários jovens que antes não tinham muito o que fazer,
mas tinham muita ‘energia’ para gastar. E o legal tam-
bém da capoeira é que as pessoas que fazem acabam
formando quase uma família e eles se ajudam nesse sen-
tido: de cuidar e de olhar uns pelos outros”.
57

Foco na educação sexual – essa é uma necessidade


que se faz urgente para as Equipes Saúde da Família
de todo o território brasileiro, e o município de Fazen-
da Rio Grande não foge à regra.

Cola na idéia: a melhor proteção


é a sua consciência
Fazenda Rio Grande, interior pa- é confirmada pela Agente Comunitária Para ajudá-la a elaborar uma res-
ranaense, distante 35 quilômetros de de Saúde (ACS) Selma de Oliveira de posta, a enfermeira buscou apoio em
Curitiba, a arte é a aliada para pro- Lara, estudante do curso de Pedago- outra instituição do governo federal
mover a conscientização do jovem gia: “Nas visitas domiciliares (VD) que que atua junto aos adolescentes da ci-
sobre educação afetivo-sexual, sobre fazemos, geralmente só conseguimos dade: o Programa Agente Jovem.
seu próprio corpo e conseqüências ‘pegar em casa’ a mãe, os idosos e as Conciliando a experiência do
de seus atos. crianças menores. Os adolescentes, projeto à vivência dos profissionais
A enfermeira da Unidade Básica de quando não estão na escola, também da Saúde da Família, chegou-se à
Saúde Gralha Azul Michelly Alessan- não estão em casa, ficam na rua, jo- fórmula: unir à Saúde, a Educação
dra da Silva Camargo ressalta o grande gando bola, no shopping ou mesmo à e a Arte.
número de adolescentes grávidas na toa. É difícil ter contato com eles e é Este tripé, apesar dos inúmeros
cidade, “esses jovens começam sua difícil também fazer com que venham relatos de sucesso país afora, ainda
vida sexual cedo e não é raro vermos aqui para a unidade. Eles não querem é um desafio para ser implementado,
meninas de 15, 16 anos grávidas... saber, acham que é coisa chata”, diz.
até mesmo já tomamos conhecimento Frente à essa realidade surgiu para
de alguns casos de meninas de 13 e a enfermeira Michelly a questão: –
14 anos”. Segundo dados de 2007 do “Como falar a esses jovens, uma vez
Instituto Brasileiro de Geografia e Esta- que constatamos ser esse o público
tística, nesta faixa estão os mais de 13 mais difícil de se alcançar, mesmo
mil adolescentes da cidade. Realidade pela estratégia Saúde da Família?”.

“Os adolescentes, quando


não estão na escola,
também não estão em casa,
ficam na rua, ou jogando bola,
ou no shopping, ou à toa
mesmo. É difícil ter contato
com eles e é difícil também
fazer com que venham aqui
para a unidade”.

Selma de Oliveira de Lara –


ACS da UBS Gralha Azul.
Apresentação dos Agentes Jovens no pátio da escola, a música, no caso o Rap, a serviço da saúde e da educação.
Revista Brasileira
58 Saúde da Família

pois requer uma sensibilidade por


parte dos atores sociais em conciliar
as necessidades colocadas a uma
linguagem de fácil assimilação.
Com o esforço conjunto entre a
Equipe Saúde da Família (ESF) e
do Agente Jovem, foi realizado na
cidade o projeto: Adolescente multi-
plicadores de Saúde Integral – uma
experiência de protagonismo juvenil
na saúde.

Dinâmica dos trabalhos

Com os 35 alunos do Agente


Jovem, foram realizadas 11 encon- Álvaro Ramos (ao violão) e os adolescentes do Programa Agente Jovem.

tros de duas horas, com os temas


Definição de saúde; Corpo da Mu-
lher e do Homem; Drogas; Sexo; DST; Gravidez; Papel do Jovem na “Só é possível mudar a realidade
Comunidade; Trabalho em Equipe; destes jovens, e não só com
e Protagonismo Juvenil. relação à saúde, com promoção
Durante os encontros foram uti- à cidadania, uma grade
O Programa Agente Jovem é
voltado aos jovens de 15 a 17 lizados, como didática, dinâmicas diversificada de atividades
anos em situação de risco e vul- e oferta de lazer e esporte”.
grupais, discussão de filmes, pôs-
nerabilidade social pertencentes Álvaro Ramos dos Santos –
teres, jogos educativos e músicas.
a famílias com renda per capita colaborador do Agente Jovem.
Os jovens foram, conforme sua pre-
de até meio salário mínimo. Ele
ferência, divididos em três áreas:
busca capacitar os menores para
atuar como agentes de transfor- música, desenho e informativo.
mação de suas comunidades. “Foi um período muito rico”, con- conhecer coisas novas e não que-
Além disso, as atividades de- ta Michelly, “conseguimos atingir es- ro mais ficar como eu ficava, sem
senvolvidas pelo projeto visam a ses jovens, criamos aqui um espaço nada pra fazer”.
garantir a permanência do jovem de promoção à saúde juvenil, estabe- Para Álvaro Ramos dos Santos,
no sistema educacional e, ainda, lecemos vínculo entre o adolescente que é um dos colaboradores do
proporcionar experiências práti- e a ESF. Hoje eles nos procuram, Agente Jovem, “só é possível mudar
cas que o preparem para a futura
colocam suas dúvidas e até mesmo a realidade destes jovens, e não só
inserção no mercado de trabalho.
O jovem beneficiado recebe uma nos contam coisas pessoais, alegrias com relação à saúde, com promoção
bolsa de R$ 65,00, mas precisa também. Conseguimos criar nessas à cidadania, uma grade diversifica-
estar matriculado na escola. O 35 cabeças o protagonismo juvenil. da de lazer e esporte”. Álvaro, que
Agente Jovem é um programa do A arte é uma maneira universal de se também trabalha na Organização
governo federal e está sob gestão chegar aos jovens e hoje eles são os Não-Governamental Centro de As-
do Ministério do Desenvolvimento nossos multiplicadores”. sistência e Desenvolvimento Integral
Social e Combate à Fome (MDS). Luiz Henrique Ferreira, de 16 (Cadi), sintetiza a sua opção em tra-
Na foto os adolescentes do Pro-
anos, é um desses multiplicado- balhar com esse público: “O adoles-
grama em Fazenda Rio Grande.
res. O jovem, atualmente na 6ª cente multiplicador é aquele capaz
série, participa da atividade desde de dividir a informação recebida com
o início e atua no grupo de músi- outros, mas capaz, sobretudo, de fa-
ca, “disseram na escola que ha- zê-lo de forma crítica”, revela.
via um grupo que tirava os jovens
das ruas, já que eu não tinha nada Arte e educação
para fazer, perguntei ao diretor da a serviço da saúde
escola se eu podia participar”,
coloca Luiz. Depois de dois anos A apresentação dos trabalhos
ele conta: “Eu aprendi muita coisa desenvolvidos pelo projeto se deu
diferente, estou mais curioso pra em uma escola escolhida pelos pró-
59

prios integrantes do grupo, por ser


onde a maioria estuda, estudou ou
tem vínculos.
Na ocasião, os adolescentes can-
taram um rap sobre afetividade e
educação sexual; na letra da músi-
ca elementos daquilo que aprende-
ram, dos conceitos trabalhados em
grupo, na forma do estilo musical
popularizado entre eles. Colocando
todo o apelo que o estilo tem a favor
da conscientização:

Quem cola na idéia diga ow


Quem cola na idéia diga ow
Quem cola na idéia diga ow

Placa de perigo! A enfermeira Michelly Alessandra da Silva Camargo e a vice-diretora


Na curva avisa: do Colégio Estadual Dr. Bayard Osna, Neide Arseno Tesseroli.
Adolescente em fase sexual ativa.

Informação de nada adianta. colega ele tem a certeza de que não É um tema muito específico, envol-
É uma questão de consciência será repreendido. E é por isso que ve diversas áreas, diversas conse-
e atitude. trabalhamos, para que esse colega qüências”, completa Neide.
Um olhar de esperança. tenha as respostas certas para lhe Para a pedagoga, movimentos
dar: que use camisinha, que respei- como o feito pelo Agente Jovem em
Quem cola na idéia diga ow te o seu corpo, que tenha consciên- parceria com a Saúde da Família
cia de seus atos”, coloca Álvaro. são importantes, “pois, ao ver que
Nem tudo é agora. Neide Arseno Tesseroli, vice- outro indivíduo, da mesma condi-
Nem tudo é assim. diretora e pedagoga do Colégio ção social, da mesma idade, que
Estadual Dr. Bayard Osna, onde o estuda no mesmo lugar, é capaz de
O que é bom no momento, trabalho foi apresentado, ressalta fazer uma apresentação artística,
Às vezes guarda um futuro ruim! “a felicidade de saber que nós não de compor uma música, de se apre-
Então relaxa e... pensa: estamos sozinhos nessa batalha. É sentar com segurança à frente dos
A melhor proteção é a bom saber que outras esferas da so- outros, cria-se aí um espelho, um
sua consciência! ciedade estão preocupadas com o referencial do eu também posso, se
que se passa dentro da escola”. A ele conseguiu eu também consigo.
E assim, com diversão e intera- vice-diretora coloca que atualmente E cria entre estes jovens uma rela-
ção com os colegas, as mensagens os pais estão “colocando nas costas ção de respeito e confiança, daí o
foram passadas adiante, para cerca das escolas não só a educação, mas poder do multiplicador, do protago-
de 370 alunos. “Às vezes, para o jo- toda a formação moral. Temos que nista mesmo, como diz o nome do
vem, é muito mais fácil perguntar, dar conta de, muitas vezes, suprir projeto”, ressalta.
se abrir com o colega do que com carências afetivo-emocionais, por
o pai, a mãe ou o professor. Com o causa da falta dos pais. É preciso
resgatar para a escola o seu papel “É preciso resgatar para a
primordial: o do conhecimento cien- escola o seu papel primordial:
tífico, mas para isso precisamos de o do conhecimento científi-
parceiros, pois, frente à demanda co, mas para isso precisamos
que temos, sozinhos não damos de parceiros, pois, frente à
conta”, desabafa. O próprio tema demanda que temos, sozinhos
da sexualidade é um fator com- não damos conta”.
plicado de lidar, pois “um assunto Neide Arseno Tesseroli –
que nem sempre a escola está bem vice-diretora do Colégio Estadual
preparada para falar é sobre sexo. Dr. Bayard Osna.
Revista Brasileira
60 Saúde da Família

Outra frente de ação – uma nova necessidade


A Equipe Saúde da Família da Unidade Básica nidade, em geral eles acabam por concordar com
Gralha Azul, da qual fazem parte tanto a enfermeira essa abordagem preventiva. Estamos vendo a possi-
Michelly, quanto a ACS Selma, constatou que a neces- bilidade de se realizar oficinas sobre o tema também
sidade de se trabalhar a sexualidade vai além do tra- com os pais”.
balho com adolescentes: é preciso alcançar também A própria ACS Selma coloca um exemplo pessoal:
os pré-adolescentes. “Meu filho de sete anos chegou para mim e pergun-
O médico Danilo Tatim Saad (na foto abaixo) con- tou: ‘Mãe, o que é sexo?’ – Ou seja, aos sete anos ele
ta que ainda quando cursava medicina, em 2004, na já ouviu, em algum lugar, alguém, algum coleguinha,
Universidade Federal do Paraná, participou de um pro- falar sobre isso. E nessas horas a melhor tática é
jeto de extensão sobre prevenção e promoção à saúde, o jogo aberto, a conversa franca. Não podemos de-
e para este aplicaram um questionário junto à popula- monstrar embaraço, vergonha, se respondermos com
ção contemplada. Constataram que, não raro, crianças clareza... só assim eles se sentirão seguros para nos
inciam sua vida sexual cedo. “E essa pesquisa que procurar novamente, quando as novas questões fo-
participei, há mais de quatro anos, se reflete aqui mes- rem surgindo”.
mo na unidade, pois sabemos de casos de meninas Ressalta o médico Danilo: “E, assim, as questões
de 13 anos grávidas. Ora, se aos 13 anos já estão referentes à sexualidade vão aparecendo: entre os oito
grávidas, com que idade se despertou nessas crianças e os 10 anos as perguntas mais frequentes são sobre o
o interesse sexual? Identificamos que muitas começam funcionamento do corpo. ‘Como se engravida?’ ‘Como
mesmo aos 11 anos”, adverte. são feitos os gêmeos? As mulheres engravidam duas
Visto mais essa realidade, a Equipe abriu outra vezes ao mesmo tempo?’... enfim, os porquês come-
‘frente de trabalho’, em setembro de 2008. A ESF çam a borbulhar nas cabeças deles. Já entre os 10 e
está fazendo uma ação preventiva junto às crianças os 13 anos, há o fenômeno de massa: ‘Um coleguinha
da escola próxima à unidade. meu fez, eu tenho que fazer também’, nessa idade a
Danilo conta que este projeto, ainda piloto, consis- maioria deles já sabe o que é e alguns estão tendo as
te em aulas uma vez por semana, de uma hora e meia, primeiras experiências afetivas, os primeiros toques,
nas quais apresenta, em uma linguagem acessível às o primeiro beijo etc.”, e conclui Danilo: “A partir dos
crianças, os primeiros conceitos de educação sexual. 13 anos... nessa fase já lidamos com os problemas
“Na primeira aula abordamos anatomia, fisiolo- concretos, a gravidez na adolescência, o pré-natal,
gia e patologia, mas para ficar fácil para o repertório as DST. E é isso que procuramos evitar: esse atendi-
lingüístico delas falamos: estrutura, funcionamento mento curativo”.
e como estraga (doenças). Na se-
gunda aula falamos sobre os mé-
todos anticoncepcionais, e assim
por diante, sempre respeitando as
crianças para não as chocarmos.
Por exemplo, as DST só trabalha-
mos com as crianças um pouco
maiores, pois o trabalho envolve
também exibição de slides e algu-
mas imagens podem chocá-las”,
argumenta Danilo, que completa:
“Paralelamente a esse trabalho
fazemos um trabalho intenso tam-
bém com as ACS e os pais. Esses
últimos, no início das atividades,
apresentaram alguma resistência,
mas, quando conversamos e mos-
tramos a realidade, os números,
exemplificamos os casos que esta- O médico Danilo Talim Saad.
mos atendendo e, principalmente,
a alta incidência em nossa comu-
61

A cidade de Sacramento, no interior de Minas Gerais,


reduz sedentarismo e número de casos de depressão
com atividade física e estímulo cultural.

O esforço que dá resultados!


Toda quarta-feira é a mesma so dos Santos, a criação do projeto intersetorial e dados da SMS mos-
coisa, dezenas de pessoas saem de atende a uma necessidade do muni- tram que o projeto Academia Viva
suas casas, no meio da tarde, rumo cípio: a redução do crescente núme- já conta com 700 atletas, mas a
às aulas de ioga oferecidas pelo pro- ro de jovens, adultos e idosos obesos expectativa é que esse número che-
jeto Academia Viva, uma iniciativa com hipertensão arterial e depres- gue a dois mil em pouco tempo.
coordenada pela Superintendência são. Além do mais, segundo ele, foi Cinco programas compõem o pro-
Municipal de Saúde (SMS) de Sa- uma forma encontrada para afastar jeto Academia Viva, que atende dire-
cramento, em Minas Gerais, em os jovens das drogas e de hábitos tamente 1.200 moradores de Sacra-
que todas as outras superintendên- nocivos à saúde. “A implantação do mento: atividades físicas e práticas
cias estão envolvidas. Academia Viva vem transformando a corporais, atividades de lazer, educa-
Um grande salão da prefeitu- cidade, e a população está satisfeita. ção em saúde, Cara Limpa e Escola
ra é o cenário utilizado por uma Estamos conseguindo reduzir o nú- Promotora de Saúde. O Cara Limpa
multidão de uniforme branco para mero de usuários de drogas, álcool oferece opções de lazer para toda a
as práticas da atividade que já e, sobretudo, depressão”, diz. família e tem como foco a conscien-
transformaram vidas. Assim como O projeto Academia Viva está tização sobre o uso de entorpecen-
ioga, futsal, capoeira, basquete, contemplado por um projeto maior tes e álcool pelos adolescentes. O
kung fu, música, teatro, natação e chamado Cidade Viva, que abarca trabalho voluntário é valorizado no
hidroginástica são oferecidos, gra- ações nas áreas de educação, assis- âmbito do programa, que conta com
tuitamente, à comunidade. tência social, cultura, saúde e es- o apoio das Equipes Saúde da Fa-
Segundo o superintendente de porte. Cento e sessenta profissionais mília (ESF). O Cara Limpa também
Saúde, o odontólogo Reginaldo Afon- integram a equipe multidisciplinar e estimula o bom relacionamento en-

“As UBS não têm cara


de unidade hospitalar.
Suas cores são vibrantes
e sua arquitetura faz
com que os pacientes
se sintam bem em
suas dependências.
São unidades completas
com ESF e Equipes
de Saúde Bucal (ESB)”.
Reginaldo Afonso dos Santos,
superintendente de Saúde.

Unidade Básica de Saúde de Sacramento


Revista Brasileira
62 Saúde da Família

A cada semana as atividades Segundo participantes, a po-


programadas pela Academia Viva pulação responde bem ao Cidade
são organizadas, em forma de rodí- Viva/Academia Viva e é difícil escu-
zio, por uma determinada Unidade tar de alguém alguma queixa sobre
Básica de Saúde (UBS) e os Agen- o projeto. Os ACS dizem que, de-
tes Comunitários de Saúde (ACS), pois da implantação do projeto, as
da respectiva unidade, são respon- comunidades que vivem nas áreas
sáveis por coordená-las. de abrangência das UBS ficaram
mais participativas e atuantes – os
Infra-estrutura e apoio popular agentes são os responsáveis pelas
inscrições nas atividades esporti-
A população de Sacramento con- vas e sociais oferecidas.
ta com seis Equipes de Saúde, que Uma das estratégias adotadas
Reginaldo dos Santos, superintendente chamam a atenção dos visitantes pelo Cidade Viva, por meio da
municipal de Saúde de Sacramento. pela estrutura dos prédios e equipa- Superintendência de Desenvolvi-
mentos. “As UBS não têm cara de mento Humano e Social (SDHS),
tre jovens e idosos e a aproximação unidade hospitalar. Suas cores são para resgatar a população jovem
de universitários, em estágios não vibrantes e sua arquitetura faz com da ociosidade, das drogas e do al-
remunerados, para o monitoramento que os pacientes se sintam bem em coolismo, foi agregar as atividades
das atividades executadas. suas dependências. São unidades culturais e artísticas às atividades
completas com ESF e Equipes de físicas ofertadas. No Centro Inte-
Saúde na Escola Saúde Bucal (ESB)”, diz o superin- grado de Excelência Socioeduca-
tendente Reginaldo Afonso. cional (CIESE), crianças de até
O programa Escola Promoto- O bem-estar e qualidade de vida 15 anos participam de artesana-
ra de Saúde, uma parceria entre dos moradores do município são to, dança, atividades esportivas e
a SMS e a Superintendência Mu- compromissos do Academia Viva. musicoterapias, além de acompa-
nicipal de Educação (SME), além Para complementar os projetos da nhamento escolar e atendimento
de oferecer aos alunos das redes SMS, a prefeitura municipal inau- psicossocial. Duzentas crianças
municipal e estadual de ensino gurou, em frente à UBS Chico Pi- participam. O Projovem Adoles-
oficinas e palestras sobre hábitos nheiro, uma praça especialmente cente oferece exatamente as mes-
saudáveis de vida, subsidia as es- projetada com aparelhos de ginásti- mas atividades que o CIESE, só o
colas na execução de práticas que ca, inspirada em praças de Pequim, público que é diferente: o Projo-
estimulem a saúde, priorizando a na China. vem atende adolescentes de 15 a
atividade física, merenda escolar Com quase 22.200 habitantes, 18 anos e tem um número máxi-
saudável, prevenção de tabagismo, Sacramento conta com uma infra- mo de 50 participantes.
violência escolar, na promoção à estrutura pouco comum às de Simone Gomes dos Santos,
cultura de paz, e conscientização cidades semelhantes: quatro gi- monitora do Projovem, diz que os
sobre sexualidade precoce. “As násios cobertos, duas vilas olímpi- participantes do projeto têm suas
ações serão incorporadas ao currí- cas, seis campos de futebol, casa vidas transformadas. “Para mim
culo escolar por meio de atividades de cultura com teatro e um asilo o projeto é importantíssimo. Tudo
multidisciplinares e visa também à municipal muito bem estruturado. que eu estou passando agora para
integração entre a escola e a comu- Toda essa estrutura a serviço do esses adolescentes eu tirei da mi-
nidade”, alega o superintendente. Cidade Viva. nha experiência aqui e das mi-
nhas vivências como adolescente
também. É importante estabelecer
esse diálogo”, diz.
“Há um tempinho, a cada fim de semana, As turmas de caminhadas, hi-
registrávamos algumas tentativas de suicídio e até droginástica, ginástica e ioga são as
alguns casos consumados. Desde que o mais freqüentadas por idosos. Há
Cidade Viva/Academia Viva foi implantado, casos de pessoas que tiveram suas
graças a Deus, não temos mais que fazer histórias de vida completamente
esse tipo de conta”. mudadas depois que começaram fre-
Reginaldo Afonso dos Santos, qüentá-las. “É muito gratificante ver
superintendente de Saúde. a melhora na vida dessas pessoas.
63

O projeto Academia Viva


já conta com 700 atletas,
mas a expectativa é que
esse número chegue a
dois mil em pouco tempo.

Eu presenciei histórias incríveis de


transformação”, avalia a instrutora
Carmem Silva. As UBS também
oferecem aulas de artesanato para
a terceira idade.
“A participação maciça da po-
pulação nas atividades propostas,
redução do sedentarismo, desco-
brimento de novas lideranças e
aumento do número de voluntá-
rios nos serviços dirigidos à po-
pulação, valorizando a sociabi-
lização, redução do número de
Aparelhos que estimulam
internações hospitalares, redução atividades físicas em praça
da procura por pronto-atendimen- municipal de Sacramento.

to, redução da mortalidade cardio-


vascular, melhoria da qualidade
de vida dos portadores de hiper-
tensão, diabetes, obesidade e ta-
bagistas são conquistas do Cidade A estratégia Saúde da Família é a alma do projeto. As ativida-
Viva/Academia Viva e da popula- des propostas pelo Cidade Viva/Academia Viva são coordenadas
ção de Sacramento”, diz Reginal- pelas ESF. São os ACS que mobilizam a comunidade para partici-
do Afonso do Nascimento. pação das atividades físicas e culturais oferecidas e atuam como
monitores no desenvolvimento de metas.
Mudar de Vida O trabalho de sensibilização empreendido pelas UBS do mu-
nicípio começa no momento em que um paciente busca atendi-
Reginaldo Afonso dos Santos mento médico. Logo após o término do atendimento, o usuário é
revela que, há pouco tempo, Sa- encaminhado a alguma atividade física ou cultural. Hipertensos e
cramento vivia uma triste história. sedentários são recomendados a fazer atividades físicas e a assis-
“Há um tempinho, a cada fim de tir às palestras sobre hábitos sadios de alimentação, por exemplo.
semana, registrávamos algumas Idosos geralmente são indicados aos grupos de ioga, hidroginásti-
tentativas de suicídio e até alguns ca ou às aulas de artesanato. Boa parte das atividades oferecidas
casos consumados. Desde que é realizada nas UBS e coordenada pelos ACS.
Dona Bilu tem 80 anos e constantemente procura a UBS de
o Cidade Viva/Academia Viva foi
sua área de residência para verificar a saúde e, mais do que isso,
implantado, graças a Deus, não
encontrar suas amigas para as oficinas de artesanato. Quando
temos mais que fazer esse tipo de
não aparece pelas atividades de sua unidade, algum ACS a pro-
conta”, comenta. cura para verificar os motivos da ausência. Sempre que pode,
Todos os dias, centenas de crian- mostra a quem quiser ver, seus bordados e artesanato.
ças, adolescentes, adultos e idosos O trabalho das unidades de saúde junto às comunidades vai
saem de suas casas rumo às aulas, muito além do simples atendimento médico curativo. Depois do
oficinas, palestras e exercícios que projeto, todas as UBS de Sacramento converteram-se em centros de
transformam suas vidas e a vida recrutamento para as atividades do Cidade Viva/Academia Viva.
da pequena Sacramento. Todos os “Eu vivia muito triste antes desse projeto, vivia doente. Hoje eu
dias, não só às quartas-feiras, é dia venho sempre à unidade para ver como anda minha saúde e tam-
de mudar de vida e recomeçar a bém para participar dos grupos de artesanato e encontrar minhas
contar histórias. colegas. Já até arranjei um namorado”, revela a octogenária Bilu.
Revista Brasileira
64 Saúde da Família

O Projeto Viver Saudável transforma a realidade de


uma comunidade inteira na periferia de Goiânia a
partir da integração entre saúde e escola.

Escola saudável, gente feliz!


Prédio pequeno, em frente a uma
pracinha com poucas flores, duas
árvores e casebres ao entorno. Um
muro caiado de branco anuncia ao
visitante o número 15, da rua Luís
do Couto, na Vila Concórdia, perife-
ria de Goiânia, em letras garrafais:
Escola Municipal Pedro Ciríaco de
Oliveira. Todos os dias centenas de
alunos, alguns funcionários e mui-
tos moradores da comunidade cru-
zam o muro branco de letras azuis
carregando consigo, além de livros, Equipe pedagógica e colaboradores do PVS.

esperança, coragem e, sobretudo,


perseverança. Crianças alegres, fun-
cionários bem-humorados, um con-
tentamento visível no rosto de todos. Distrito Sanitário Leste de Goiânia, cesso, estabelecer e executar metas
Uma escola sadia. Universidade Federal de Goiás, Se- que mudassem o rumo das coisas. A
Para muita gente, a descrição cretarias Municipais de Saúde e poucos quilômetros dali, no Distrito
acima seria incompatível à de uma Educação de Goiânia e Escola Mu- Sanitário Leste, a sina de tumulto e
escola pública na periferia de uma nicipal Pedro Ciríaco de Oliveira. insucesso da escola, bem como da
capital, mas, felizmente, essa reali- Até o ano de 2006, a Pedro Ci- vida de seus alunos, funcionários e
dade tangível vai se repetindo país ríaco compartilhava com tantos ou- da comunidade da Vila Concórdia,
afora graças à dedicação obstinada tros estabelecimentos públicos de estava começando a mudar.
de profissionais como os professo- ensino os estigmas da violência e Ao tomar conhecimento que a
res Jovino Ferreira e Veruska Prado, precariedade, ainda que a direção Secretaria de Vigilância em Saúde
idealizadores do Projeto Viver Sau- da escola tivesse tentado, sem su- (SVS) havia publicado edital para se-
dável (PVS), uma parceria entre o leção de projetos, no âmbito da Polí-
tica Nacional de Promoção à Saúde,
o professor de educação física Jovino
Ferreira, lotado no Distrito Sanitário
Leste e também professor da rede
municipal de ensino, e a nutricionis-
ta Veruska Prado, também do Distri-
to Sanitário, inscreveram o programa
na seleção e viram sua criação con-
templada. A partir desse momento,
uma luz se acende para a escola.
Após o estabelecimento oficial do
programa, era necessário encontrar
uma escola que estivesse disposta
e fosse receptiva à reestruturação
proposta e que, ao mesmo tempo,
pertencesse à rede municipal de en-
Jovino Ferreira e Veruska Prado, idealizadores do Projeto Viver Saudável.
65

A relação escola-comunidade che-


gou a um ponto de interação e envolvi-
mento jamais imaginado pelos respon-
sáveis do programa. A escola ofereceu
aos homens da localidade palestra
sobre saúde sexual e cuidados ínti-
mos, o resultado foi tão bom que um
grupo de mães procurou a direção
da escola para saber quando novas
rodas de conversa seriam marcadas,
pois, segundo elas, na noite em que
se seguiu o encontro, seus maridos
Reunião com os parceiros do Projeto. demonstraram renovado interesse em
suas práticas sexuais. “Elas vieram
aqui e me perguntaram quando iam
ter mais daquelas palestras e disse-
sino e estivesse na zona de atuação muito importante do Viver Saudável ram que foi muito bom para elas”,
da estratégia Saúde da Família. A é o resgate emocional conseguido por diverte-se a diretora.
escola de muros brancos se encai- meio das atividades ligadas à valori- A experiência do programa foi
xava perfeitamente ao perfil buscado zação das ações que despertam no tão bem sucedida que seu modelo
e assim se estabeleceu como escola alunado e comunidade o interesse por foi expandido para mais dez unida-
embrião do programa. eventos que oferecem conforto psicoló- des escolares do Distrito Sanitário
O programa propõe a integração gico e autoconfiança, como o Delícias
ensino-serviço-comunidade por meio da Vida, trabalho que, entre outras
do diálogo entre professores, peda- coisas, ensinou procedimentos ade-
gogos, profissionais da Saúde da quados de manipulação de alimentos, Família, escola e
Família, nutricionistas, enfermeiros, bem como o preparo de alimentação comunidade se beneficiam
odontólogos, profissionais de educa- mais saudável e com alto teor nutricio- quando a espiral de
ção física e alunos e suas famílias, nal, e o Ruas do Lazer, que estimulou opressão é neutralizada
funcionários e moradores da região a prática de atividades físicas e recrea- e deixa de fazer mais
da escola. Estima-se que quase cin- tivas fora das dependências da institui- vítimas no seu processo
co mil pessoas sejam beneficiadas, ção. Ambas as atividades fortalecem a de desagregação da
de maneira direta ou indireta, com imagem da Pedro Ciríaco como motor
auto-estima familiar.
o sucesso do programa. Além disso, social referencial da Vila Concórdia.
converte-se em ferramenta de empo-
deramento social e coletivo que visa
tão-somente à transformação da es-
cola e do seu entorno em ambiente
integrado e atuante. Um catalisador
socioeducativo-comunitário.
Não há como se mensurar nú-
meros ainda, mas os responsáveis
do Viver Saudável asseguram que as
mudanças são visíveis. A diretora da
escola, Marineze Messias Santana, diz
que os alunos estão mais confiantes,
menos agressivos e, portanto, mais
comprometidos com a escola, e seus
familiares muito mais participativos.
Veruska Prado diz que o PSE vem
complementar às atividades do PVS.
Ponto forte do projeto é o estímulo à
auto-estima de seus alunos e parcei-
ros. A escola alega que uma parte Alunos da Escola Municipal Pedro Ciríaco de Oliveira reconhecem a importância
do PVS em suas vidas.
Revista Brasileira
66 Saúde da Família

Leste de Goiânia. Segundo Kátia Re-


gina Borges, da Divisão de Doenças
Crônico-Degenerativas da Secretaria
Municipal de Saúde, há ainda o inte-
resse de implantá-lo em escolas per-
tencentes a outros distritos sanitários
da cidade, mas um entrave burocrá-
tico dificulta a expansão: a delimita-
ção por distrito das áreas de Goiânia
pela secretarias municipais de saúde
e educação não é convergente e isso
prejudica parte das comunidades lo-
cais que não sabem ao certo em que
raio de abrangência estão cobertas.
Quando foi convidada a integrar
o Viver Saudável, a preocupação de
Ana Lúcia Alves, enfermeira da Equi- na vida da escola e da comunidade Os resultados positivos da par-
pe Saúde da Família (ESF), era a de com orientações acerca de marcação ceria entre ESF, escola e PSV esti-
evitar a medicalização no ambiente de consultas, esclarecimento sobre o mularam a instituição municipal de
escolar dissociada de uma estraté- funcionamento do Distrito Sanitário, ensino a inserir no seu plano peda-
gia maior de promoção à saúde. A serviços oferecidos e políticas de in- gógico anual, no conteúdo progra-
ESF contribui, de maneira pontual tegração entre saúde e escola. mático de disciplinas afins, ações de
A contrapartida da Pedro Ciríaco promoção à saúde. Para Ana Lúcia
vem na forma de apoio expressivo Alves, essa atitude é reflexo direto
na divulgação das atividades da ESF da integração da ESF à realidade da
Com carências de todos e, sobretudo, na época de campa- escola e de sua vizinhança.
os tipos acumuladas pela nhas de vacinação, quando se pode Com carências de todos os tipos
vida, muitas vezes as observar um incremento massivo acumuladas pela vida, muitas vezes
pessoas só precisam ser no número de pessoas atendidas. as pessoas só precisam ser escuta-
escutadas. Palavras de Estima-se que 900 famílias sejam das. Palavras de afeto e de estímulo
afeto e de estímulo po- atendidas pela estratégia Saúde da podem mudar realidades. Foi por
dem mudar realidades. Família em toda a região do Distrito meio dessas análises conjunturais
Sanitário Leste de Goiânia. que a Equipe Saúde da Família pôs
em prática o Grupo Terapêutico de
Pais. Depois das sessões de desa-
bafo, os pais saíam mais aliviados
e mais confiantes. Família, escola e
comunidade se beneficiam quando
a espiral de opressão é neutralizada
e deixa de fazer mais vítimas no seu
processo de desagregação da auto-
estima familiar.
A Universidade Federal de Goi-
ás (UFG) aposta tanto no PSV que
também incluiu em suas práticas
pedagógicas, no curso de Enferma-
gem, tópicos sobre saúde na escola
e, além disso, ofereceu, por meio
das Faculdades de Odontologia e
Enfermagem, a professores que
participam do programa um curso
de Metodologia da Problematiza-
ção. Esse curso prepara o profes-
Alunos da Escola Municipal Pedro Ciríaco de Oliveira. sor para identificar e administrar
67
A escola ainda não fez
um levantamento
Para Jacqueline Lima, professora
formal sobre a
do curso de Enfermagem da UFG, o
mudança dos hábitos
contato de seus alunos com a reali-
alimentares de seus
dade das escolas públicas é impres-
alunos, mas, a partir cindível para o entendimento, pelo
da observação do lixo profissional, das demandas diretas
coletado, a cada final da comunidade. “Essa passagem
de recreio ou jornada dos alunos de enfermagem por aqui
letiva, fica clara a é importante porque possibilita que
mudança paulatina o enfermeiro perceba a escola como
dos velhos costumes. ambiente onde se pode trabalhar
com saúde. Nossa dinâmica de mu-
danças foi extraordinária”, diz.
A escola ainda não fez um levan-
os problemas escolares, tomando
tamento formal sobre a mudança dos
como referencial o aprendizado
hábitos alimentares de seus alunos,
compartilhado docente e aluno, no
mas, a partir da observação do lixo
que diz respeito às praticas peda- desafios, senhora bonachona de voz
coletado, a cada final de recreio ou
gógicas inclusivas. amigável e muito empolgada com
jornada letiva, fica clara a mudança
A coordenadora pedagógica sua profissão, retrato fidedigno de
paulatina dos velhos costumes. A
Sandra Fátima da Fonseca, há nove uma diretora realizada. Sorridente,
cada dia se observa menos restos
anos na escola Pedro Ciríaco, diz diz estar empolgada e que a história
de embalagens de salgadinhos e
que a implantação do programa foi da escola municipal Pedro Ciríaco
biscoitos recheados e, paralelamen-
a maior conquista presenciada por de Oliveira está dividida em antes
te, um aumento de restos de frutas,
ela ao longo desses anos de traba- e depois do Projeto Viver Saudável.
como cascas de bananas.
lho, “as mudanças aqui foram ge- Para ela, a escola e a comunidade
rais, tudo mudou: a percepção dos da Vila Concórdia transformaram-se
professores, o comportamento dos Mulheres transformadoras,
realidades tranformadas por completo. “Costumo me empol-
alunos, a merenda escolar que ficou gar e dizer que esse é um programa
mais saudável. Os alunos estão mais de primeiro mundo. Muita coisa mu-
magros e o consumo de frutas au- Marineze Messias Santana é uma
dessas pessoas que não têm medo de dou após sua aplicação. Sinto que
mentou”, revela empolgada. os alunos estão mais participativos,
conscientes e receptivos às propos-
tas. O Viver Saudável fez uma revo-
lução aqui. Essa escola está de por-
tas abertas à comunidade sempre.
Se quiserem aferir pressão, verificar
taxa de açúcar, aprender a controlar
o diabetes e a ter hábitos saudáveis
de vida, tudo isso nós oferecemos.
Essa escola está de portas abertas a
todos”, sentencia a diretora.
Certamente a personalidade da
diretora foi preponderante para o
bom andamento das atividades do
programa. “Ela é uma pessoa fantás-
tica. Uma mulher de trabalho, soa
Reeducação alimentar, chave para que tudo desse certo. Ela
prática de exercícios físicos é muito comprometida com a esco-
e interação de escola
e comunidade.
la”, revela emocionada a enfermeira
A receita campeã do PVS. Ana Lúcia Alves.
De fato, andando pelas depen-
dências da escola e conversando
com os alunos, é fácil constatar o ca-
Revista Brasileira
68 Saúde da Família

rinho e o respeito conquistados por


essa senhora. Os alunos se sentem
cômodos para falar dos problemas e
reconhecem os avanços e a impor-
tância da diretora nessa caminhada.
Pedro Henrique, de 13 anos, estuda
há três no Pedro Ciríaco e sente as
melhorias oriundas do programa. Re-
conhecendo que está acima do peso,
diz que a escola oferece mecanismos
para auxiliá-lo a mudar de situação,
“a merenda está melhor e a escola
me ensina a ter uma alimentação
mais saudável e levar bons hábitos
para minha casa, mas eu prefiro co-
mer biscoito e salgadinho na meren- A diretora Marineze Messias Santana reflete sobre as conquistas
da”, revela o garoto. e transformações provocadas pelo PVS.

Késia Gonçalves, ex-aluna da


escola, acompanhou todas as fases
do projeto enquanto ainda estudava cola Municipal Pedro Ciríaco de Oli- dos pela UFG à terapia de pais. Uma
na Pedro Ciríaco, participou de to- veira. Nos últimos dois anos, depois revolução na vida de todos os envol-
das as práticas sugeridas e afirma que o programa foi implantado, essa vidos: da equipe da escola, dos res-
que aprendeu muito nos últimos relação se potencializou e Joelma viu ponsáveis do programa, do Distrito
dois anos em que estudou no local: tudo mudar a sua volta. “Meu filho Sanitário Leste e, principalmente, da
“As mudanças aqui foram enormes, foi abraçado por todos e desenvolveu comunidade beneficiada.
aprendi muita coisa que aplico em uma relação incrível com os profes-
casa hoje. Aprendi a comer melhor e sores e os colegas. A partir daí, eu fiz Reflexões e novos caminhos
a cuidar da minha saúde”, comenta. questão de participar ativamente de
Foi por necessidade de acom- tudo que acontecia lá e fui convida- Numa tarde cinzenta e chuvosa
panhar um filho disléxico à escola da a fazer parte do conselho escolar. em Goiânia, Marineze caminha em
que Joelma Santana mudou com- Minha vida começou a mudar nesse frente à escola, pára na pracinha,
pletamente sua vida e descobriu-se momento. Com o PVS, mudanças faz silêncio, cruza os braços e de-
importante para a comunidade da que eu jamais imaginava acontece- sabafa: “Eu já enterrei mais de 15
Vila Concórdia. Hoje, nove anos de- ram”, comenta orgulhosa. alunos, isso é muito doloroso lem-
pois, está diretamente envolvida nas Joelma mudou sua vida e vai brar. Foi uma época difícil, essa era
atividades da instituição e diz que prestar vestibular para sociologia tida como uma das escolas mais
essa relação começou a se estreitar este ano. Por sua causa seu marido problemáticas daqui. Hoje as espe-
porque teve medo de que seu filho também voltou a estudar depois de ranças estão renovadas, não preci-
fosse rejeitado ou não se adaptasse 32 anos afastado da escola. Embo- sarei mais passar por isso”, reflete.
à convivência com os colegas, mas, ra não tenha mais filhos estudando, O educador Paulo Freire dizia que
felizmente, o oposto ocorreu e, de lá seu trabalho de formiguinha, que não é possível reconstruir o Brasil e
para cá, Joelma virou um dos perso- ela julga ser pequeno, de casa em humanizá-lo com adolescentes brin-
nagens principais da história da Es- casa, convencendo conhecidos, pais cando de matar gente, ofendendo a
de alunos e parentes, trouxe, nova- vida e destruindo sonhos. O progra-
mente ao ambiente escolar, dezenas ma Viver Saudável, mesmo com as
de pessoas e interrompeu ciclos de limitações orçamentárias impostas,
O educador Paulo Freire miséria e marginalização. está conseguindo provar que é possí-
dizia que não é possível As tais mudanças a que ela e vel reverter essa situação ensinando
reconstruir o Brasil e tantos outros se referem são sig- aos seus adolescentes a construir
humanizá-lo com nificativas na vida de pessoas tão sonhos, valorizar a vida e renascer
adolecentes brincando carentes. Do queijo oferecido na sempre que preciso. Ainda há o que
de matar gente, merenda, passando pela presença fazer, mas um futuro melhor promete
ofendendo a vida e das Equipes Saúde da Família, dos cruzar o muro branco de letras azuis
destruindo sonhos. serviços e apoio pedagógico presta- e continuar mudando realidades.
69

Há dez anos, Estado do Acre


leva saúde às escolas
O Programa Saúde na Escola, implantado pela Se-
cretaria Estadual de Educação (SEE), em 1998, tem o
objetivo de desenvolver ações de promoção à saúde,
prevenção e recuperação da saúde escolar, contribuin-
do para a melhoria das condições de crescimento e de-
senvolvimento, do rendimento escolar, da auto-estima
e da autoconfiança do aluno, bem como a diminuição
dos índices de evasão, repetência e absenteísmo, e esti-
mulando a adoção de estilo de vida saudável. Para esse
fim, o programa oferece atendimentos em atenção bá-
sica nas áreas de odontologia, medicina, enfermagem,
serviço social, psicologia e fonoaudiologia aos alunos
da rede estadual matriculados no Ensino Fundamen-
tal, com equipes multidisciplinares atuando em forma Bandeira do Estado do Acre
de rodízio nas escolas estaduais das cidades de Rio
Branco, Cruzeiro do Sul, Capixaba, Xapuri, Porto Acre,
Plácido de Castro, Brasiléia e Senador Guiomard.
No início do programa, os atendimentos eram feitos Conselho Brasileiro de Oftalmologia e do Ministério da
em quatro ônibus adaptados com consultórios médi- Educação, o Estado desenvolveu também uma cam-
cos e odontológicos. Mas, a partir de 1999, o projeto panha estadual, a fim de incluir crianças das séries
foi reestruturado e foram extintas as unidades móveis, não contempladas na iniciativa nacional.
dando preferência àquelas cuja localização não era
coberta pela estratégia Saúde da Família; aumentou-
se o quadro de profissionais; as demandas de média e Objetivos do programa
alta complexidade passaram a ser referenciadas para • Desenvolver atividades de promoção à saúde
a Fundação Hospital Estadual do Acre (Fundhacre), voltadas aos escolares;
por meio de convênio; começaram a ser realizados • Prover atendimento médico, odontológico,
atendimentos de odontopediatria e endodontia, entre fonoaudiológico, psicológico, de enfermagem
outros avanços. e serviço social aos alunos;
É interessante notar que muitos dos atendimentos
• Identificar os principais problemas de saúde
feitos são dirigidos também aos educadores, vigias,
enfrentados pela população escolar atendida
merendeiras e aos pais ou responsáveis pelos alu-
pelo PSE;
nos. Entre as funções de cada profissional envolvido
no processo, os médicos e enfermeiras, por exemplo, • Identificar os principais temas a serem
procuram promover a melhoria das condições de saú- abordados nas escolas, de acordo com as
de escolar, reduzindo o número de faltas, evasão e necessidades de cada ambiente escolar;
reprovação por problemas de saúde por meio de aten- • Propor estratégias para minimizar os problemas
dimento clínico e de promoção a ações educativas e detectados;
preventivas sobre diversos temas afins. Além das reu- • Diminuir o índice de reprovação e evasão nas
niões com os pais e do atendimento médico, é feita escolas da rede pública de ensino do Estado,
triagem oftalmológica, participação em campanhas causado por problemas relacionados à saúde;
de vacinação, de combate à dengue e são repassadas • Minimizar a incidência de doenças que
instruções sobre higiene, alimentação, acuidade visu- afligem a comunidade escolar, tais como
al e auditiva, verminose e importância do tratamento hepatite, diarréia, cárie, verminoses, anemias,
da água, planejamento familiar, drogas, violência, pri- entre outras;
meiros socorros, DST, aids, alcoolismo e tabagismo, • Possibilitar ao educando uma melhor condição
entre outras. física, psíquica e social, por meio da ação
Além de ter participado da Campanha Nacional direta dos profissionais da área de saúde.
de Reabilitação Visual Olho no Olho, de iniciativa do
Revista Brasileira
70 Saúde da Família
Artigo
Introdução
Saúde bucal pode influenciar a qualidade de vida
por seu impacto na aparência, funcionalidade e relacio-
namento da pessoa com seu entorno no curso da vida.
Embora nas últimas décadas mudanças possam ser ob-
servadas no perfil de distribuição de doenças bucais no
Brasil (BRASIL, 2004b) especialmente em crianças, cá-
rie dentária, doença gengival e dor dental ainda fazem
parte do cotidiano dos brasileiros.
Os gradientes de saúde, tanto geral quanto bucal,
demonstram claramente a influência de determinantes
psicossociais, econômicos, ambientais e políticos na
construção e manutenção da saúde. O significativo au-
mento na experiência de trauma dentário, por exemplo,
tem desvendado o impacto de novos contextos socioam-
bientais na vida coletiva associados a violências, espe-

A importância cialmente nos centros urbanos (MOYSÉS et al., 2008).


Iniqüidades em saúde são cada vez mais evidenciadas,
mesmo em espaços intra-urbanos.
das ações de A reprodução de modelos de atenção em saúde cen-
trados em abordagens biomédico-comportamentais tem

prevenção e provocado pouco impacto não apenas na modificação do


perfil epidemiológico da condição de saúde bucal de for-
ma sustentável, como também na redução de iniqüida-

promoção à saúde des. Uma reorientação radical em estratégias de preven-


ção de doenças bucais e promoção à saúde é apontada
como a principal forma de buscar a sustentabilidade da
bucal para a saúde e a eqüidade (WATT, 2007).
Mudanças conceituais importantes sobre a determi-

comunidade nação da saúde e a busca de evidências sobre a efeti-


vidade de ações de prevenção de doenças e promoção
à saúde reforçam a necessidade de construir estratégias

escolar efetivas nos ambientes onde as pessoas vivem. O docu-


mento recentemente lançado pela Comissão Internacio-
nal de Determinantes Sociais da Saúde (WORLD HEAL-
Simone Tetu Moysés TH ORGANIZATION, 2007) aponta três recomendações
para combate às iniqüidades em saúde no mundo: 1.
Doutora em Epidemiologia e Saúde Pública
Pontifícia Universidade Católica do Paraná / Pós-Graduação Melhoria das condições de vida diária; 2. Combate a ini-
em Odontologia – Área de Concentração em Saúde Coletiva qüidades na distribuição de poder, dinheiro e recursos;
Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba 3. Compreensão adequada do problema e avaliação do
impacto de ações.
Condições de vida na primeira infância, emprego,
trabalho, ambiente físico e social onde as pessoas vi-
vem podem definir as condições materiais, suporte psi-
cossocial e opções de comportamento que as fazem
mais ou menos vulneráveis a situações ruins de saúde.
Investimentos nos primeiros anos de vida têm um enor-
me potencial para reduzir iniqüidades entre gerações.
Experiências durante a infância, bem como o acesso à
educação, são fundamentos para toda a vida (EARLY...,
2007). Vantagens e desvantagens sociais acumuladas
ou agrupadas em períodos críticos da vida, particular-
71

mente na infância e adolescência, são apontadas como Muito se tem feito em escolas com o intuito de melho-
possíveis determinantes de iniqüidades em saúde bucal rar a saúde e a educação de crianças e adolescentes. De
(WATT, 2007; PERES, M. A.; PERES, K. G., 2008). As- práticas prescritivas, regulatórias e para controle da vida,
sim, crianças precisam viver em ambientes seguros, sau- restringindo criatividades e potencialidades, a práticas
dáveis, suportivos, cuidadores e responsivos. Pré-escolas problematizadoras e de estímulo à construção da cidada-
e escolas, como parte do ambiente de vida que contribui nia e da libertação de sujeitos. Foi assim desde o início
para o desenvolvimento de crianças, podem ter um papel do século XX, quando intervenções de saúde pública cen-
vital na construção de suas capacidades, com impacto tradas na inspeção médica de crianças, exames físicos e
ao longo de toda a vida (WORLD HEALTH ORGANIZA- a introdução da merenda escolar passaram a ser desen-
TION, 2008), influenciando não apenas suas atitudes e volvidas em escolas para estabelecer saúde pessoal e hi-
comportamentos em relação à saúde, mas também sua giene. Mais tarde, a educação para saúde foi introduzida
ação enquanto cidadãos na comunidade, quando adultos como estratégia para evitar comportamentos de risco à
(MOYSES et al., 2003). saúde, como o tabagismo, a drogadição, a alimentação
Uma escola que assume sua responsabilidade pela inadequada ou a “sexualidade irresponsável”. Dessa for-
ação em saúde e combate iniqüidades valoriza a expan- ma, a escola passa a ser vista pelo Setor Saúde como um
são do conhecimento, desenvolve capacidades de seus espaço para mensagens, materiais e programas preventi-
professores, funcionários, pais e da comunidade como vos (STLEGER et al., 2007), reforçando uma prática de
um todo para atuar sobre os determinantes da saúde e saúde pública behaviorista (BASU, 2003), centrada na
da qualidade de vida. Estabelece parcerias para o de- abordagem individualista comportamental, com enfoque
senvolvimento de ações intersetoriais que dão supor- na reprodução de valores e comportamentos.
te à saúde de sua comunidade. Prioriza investimentos As limitações dessa abordagem voltada para esti-
de recursos voltados para ações promotoras de saúde los de vida individuais em escolas têm sido exploradas
com comprovada efetividade. Favorece a participação e na literatura, tanto em termos de sua efetividade como
empoderamento coletivos, reconhecendo e valorizando custo (LISTER-SHARP et al., 1999; SCHOU; WIGHT,
diversidades e apoiando ações comunitárias coletivas 1994). Revisões sobre práticas preventivas de saúde
no âmbito da educação e da saúde. bucal demonstram as limitações das intervenções edu-
cativas para produzir melhoras sustentáveis em saúde
Caminhos e descaminhos da promoção à bucal (BROWN, 1994; SCHOU; LOCKER, 1994; KAY;
saúde na escola LOCKER, 1996, 1997; SPROD; ANDERSON; TREA-
SURE, 1996; WATT; MARINHO, 2005). Além disso,
Em tempos de explicitação de iniqüidades sociais, práticas educativas e preventivas em escolas são, quase
econômicas, de saúde e de educação nas sociedades sempre, desenvolvidas por profissionais das Equipes de
modernas, a escola, como espaço social que abriga co- Saúde Bucal, o que amplia seu custo consideravelmente
letivos e individualidades, concretiza-se nos contextos (WATT, 2007).
urbanos como um ambiente conflituoso de construção Intervenções em escolas direcionadas para mu-
da cidadania e repressão, de proteção e ampliação de danças de comportamentos individuais muitas vezes
vulnerabilidades, de cuidado e violência. “culpabilizam as vítimas”, pois colocam nos indivídu-
Práticas de promoção à qualidade de vida e saúde os a total responsabilidade por seus comportamentos
no ambiente escolar pressupõem a contextualização da ligados à saúde. Desconsideram, portanto, que esco-
escola frente às mudanças impostas pela modernidade, lhas são fortemente influenciadas por fatores socio-
que caminham pelo direcionamento de ações para a ga- ambientais nos espaços onde as pessoas vivem. Além
rantia dos direitos coletivos e, ao mesmo tempo, pelo re- disso, podem representar uma opção política institu-
forço a potencialidades individuais e busca da cidadania. cional de alocação de escassos recursos em práticas
Isso inclui políticas públicas pensadas para o coletivo nas comprovadamente não efetivas, com importantes im-
escolas, o estímulo à convivibilidade entre a pessoa e plicações éticas.
seu entorno, na dimensão social da vida. Mas também Novas abordagens de intervenções em saúde no
a ação emancipatória e de construção da autonomia e ambiente da escola têm sido construídas nos últimos
individualidade de sujeitos a serem preparados para vi- anos, atreladas aos movimentos do setor de educação
ver em sociedade, desenvolvendo habilidades pessoais, na perspectiva de valorizar o papel da escola como cen-
fortalecendo sua autonomia e resiliência em situações tro de irradiação do desenvolvimento social da comu-
que os colocam em vulnerabilidade no contexto da vida nidade por meio dos princípios da educação inclusiva,
coletiva (ASSIS; PESCE; AVANCI, 2006; STLEGER et da participação e da democratização do conhecimento
al., 2007). (CURITIBA, 2005). Essa nova visão da escola propocia
Revista Brasileira
72 Saúde da Família

a ampliação do espectro das ações em saúde amplian- ao desenvolvimento de ações intersetoriais voltadas
do o vínculo com a comunidade escolar, a extensão dos para a promoção à saúde no território são exemplos
serviços de atenção à saúde para estudantes e funcio- de estratégias definidas por essas políticas. Além dis-
nários, a criação de ambientes fisicos e sociais de su- so, a atuação em escolas, como qualificação do cui-
porte à saúde e a ampliação do currículo para além das dado à saúde bucal, também está incluída como uma
atividades em sala de aula. ação estratégica na Política Nacional de Saúde Bucal
O movimento de Escolas Promotoras de Saúde é (BRASIL, 2004a).
um dos exemplos. Difundido, na década de 1990, pela O Programa Saúde na Escola, instituído no final
Organização Mundial da Saúde e Organização Pan- de 2007 e iniciado em 2008, por meio de uma ação
Americana da Saúde, na região das Américas, é uma integrada entre os Ministérios da Saúde e Educação,
estratégia de atuação em escolas que se fundamenta delineia-se como uma política pública de atuação em
no desenvolvimento articulado de ações sobre aspec- quatro componentes: avaliação das condições de saú-
tos que influenciam a saúde da comunidade escolar, de de estudantes; promoção à saúde e prevenção de
incluindo políticas públicas, meio ambiente, parcerias doenças; educação permanente e capacitação dos pro-
e aquisição de habilidades para a vida (IPPOLITO- fissionais e de jovens; monitoramento e avaliação da
SHEPHERD; CERQUEIRA; ORTEGA, 2005; STLEGER saúde dos estudantes. Embora ainda em fase de imple-
et al., 2007). As evidências disponíveis demonstram mentação e consolidação no país, esse programa tem a
que essa abordagem tem impacto positivo sobre o am- potencialidade de reforçar o desenvolvimento de ações
biente físico e social da escola, com possibilidade de intersetoriais importantes na promoção à saúde no am-
promover mudanças em comportamentos, como con- biente escolar, numa parceria, agora institucionalizada,
sumo de alimentos e práticas corporais, além do im- entre saúde e educação.
pacto sobre auto-estima e relacionamentos (LISTER- Analisando experiências intersetoriais de promoção à
SHARP et al., 1999). Impacto positivo de escolas saúde, (WESTPHAL; MENDES, 2000) relatam que os
promotoras de saúde também foi comprovado sobre setores da saúde e educação são os parceiros mais co-
a condição de saúde bucal de crianças, especialmente muns, mas que muitas dessas iniciativas são informais
relacionados à experiência de cárie e trauma dental e não envolvem um trabalho prévio de planejamento,
(MOYSES et al., 2003). sendo ações definidas por apenas um setor. Práticas
Portanto, tornar a escola um espaço promotor de educativas e de prevenção de doenças bucais, como es-
saúde implica comprometimento com um projeto políti- covação supervisionada e aplicações de flúor em escolas,
co-pedagogico contextualizado com a realidade de con- têm sido tradicionalmente desenvolvidas por Equipes de
flitos de propósitos explicitados no campo da educação Saúde Bucal na atenção básica. Entretanto, na maioria
contemporânea. Não se trata apenas de incorporar prá- das vezes, essas ações acontecem de forma isolada de
ticas de vigilância à saúde no espaço coletivo da escola, outras iniciativas de saúde, provocando efeitos positivos
justificadas pela facilidade para atingir uma população temporários, mas de pouco impacto em melhorias das
prioritária cativa. Mas sim compreender como imple- condições de saúde bucal da população. Essa aborda-
mentar ações essencialmente intersetoriais de suporte à gem compartimentalizada, separando a boca do resto do
saúde, já que planejadas, desenvolvidas e monitoradas corpo, pode significar duplicação de esforços, desperdício
a partir da interação de óticas complementares da saú- de recursos, além oportunizar mensagens contraditórias
de e da educação. Implica reconhecer o que a educação à população (WATT, 2007).
já faz que promova saúde e, de forma complementar, É necessário, portanto, integrar ações de promo-
pautar novos conhecimentos técnicos que suportem ção à saúde bucal a outras ações de saúde geral no
práticas ampliadas que possam efetivamente interferir ambiente da escola. A abordagem de fatores comuns
na saúde e na doença de pessoas. de risco, que coordena ações sobre condições de risco
comuns e seus comportamentos associados, objetiva
Práticas promotoras de saúde (bucal) na escola: atingir determinantes comuns a várias doenças crôni-
das políticas públicas a ações preventivas cas, inclusive doenças bucais (SHEIHAM; MOYSÉS,
O O reconhecimento da escola como lócus para o 2000). Essa abordagem, além de integralizar práti-
desenvolvimento de estratégias de promoção à saúde cas, facilita o estabelecimento de parcerias profissio-
no Brasil está explicitado nas atuais Política Nacional nais e comunitárias.
de Promoção da Saúde (BRASIL, 2006a) e Política Promover saúde bucal significa recolocar a boca den-
Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2006b). A va- tro do corpo e reconhecer o corpo como parte de uma
lorização do papel da escola no território de atuação pessoa inserida em um determinado contexto social que
das equipes do setor saúde bem como o incentivo pode aumentar sua vulnerabilidade a doenças ou dar
73

suporte para a construção de sua saúde. Adaptando a Conclusão


expressão criada por Baelum e Lopez (BAELUM; LOPEZ, A A promoção à saúde na escola pode ser uma im-
2004), é preciso contextualizar “dentes saudáveis, em portante estratégia para alcançar melhorias sustentá-
indivíduos saudáveis, em populações saudáveis”. Me- veis em saúde bucal e reduzir iniqüidades. Entretan-
lhoras sustentáveis em saúde bucal requerem, portanto, to, isso apenas será possível se forem implementadas
ações efetivas direcionadas para a criação de um am- políticas institucionais focadas nos determinantes am-
biente social, como a escola, que facilite a manutenção pliados da saúde bucal. Múltiplas estratégias, desen-
da saúde. volvidas de forma complementar, devem propiciar o
Em uma recente publicação no campo da promo- desenvolvimento de capacidades individuais e de toda
ção à saúde bucal (KWAN et al., 2005), exemplos de a comunidade escolar para atuar sobre esses determi-
políticas de saúde bucal desenvolvidas em escolas de- nantes no contexto da escola, de forma participativa,
monstram como ações específicas podem ser parte de intersetorial e baseada no conhecimento e evidências
uma abordagem ampliada de promoção à saúde, se- disponíveis sobre boas práticas. Iniciativas na escola
guindo os princípios de uma escola promotora de saúde que suportem a saúde física, mental e social de forma
(Quadro 1). Embora políticas específicas possam ser sustentável certamente terem impacto na condição de
desenvolvidas para atingir isoladamente um problema, saúde bucal de toda a comunidade escolar. A avaliação
o desenvolvimento integrado de várias políticas pode e o monitoramento dessas práticas podem apontar no-
potencializar seus efeitos e efetividade para atingir ga- vos caminhos para a construção de ações efetivas no
nhos significativos em saúde bucal. cuidado a saúde bucal.

Quadro 1. Exemplos de políticas de saúde na escola relacionadas à saúde bucal

Adaptado de Kwan et al. 2005.


Revista Brasileira
74 Saúde da Família

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