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9 771518 235000
MINISTÉRIO DA SAÚDE
Secretaria de Atenção à Saúde
Departamento de Atenção Básica
Brasília / 2008
Sumário
Departamento de Atenção
Básica – DAB
Esplanada dos Ministérios,
Bloco G. Edifício Sede, Sala 655
CEP: 70.058-900 -- Brasília/DF
Telefone: (61) 3448-8337
Apresentação Revista Brasileira
Saúde da Família
Ministério da Saúde
Revista Brasileira
6 Saúde da Família
não gosto muito da idéia de multi- terão que atravessar a rua. Há esco-
plicador, porque essa denominação “Estamos trabalhando las municipais e estaduais às vezes
pode estar associada à reprodução na organização e numa mesma avenida, no mesmo
de conhecimentos ou de técnicas, eu proposição de processos bairro, em que os professores não se
gosto de pensar o jovem como “pro- formativos que, além de conhecem, mesmo sabendo que, ao
tagonista” dos processos educativos, informar e formar findar o 4º ou 5º ano do Ensino Fun-
pressupondo os processos de criação profissionais de educação damental, a criança sairá da escola
e recriação que serão deflagrados e saúde, sensibilizem e municipal e irá para a estadual. O
com base nos engajamentos, na es- Programa Saúde na Escola vai cola-
encantem para essas
cuta sensível desses jovens e nas tro- borar para essa aproximação.
cas de conhecimentos.
novas possibilidades”.
Revista: Quais são os outros
Revista: Até que ponto você parceiros, além do próprio Mi-
acredita que as Equipes Saúde e oportunidades educativas; e com nistério da Saúde, por meio da
da Família têm a Saúde Escolar uma intencionalidade educativa aber- estratégia Saúde da Família,
como algo compreendido? ta ao debate por meio da oferta de que o MEC poderá, eventual-
Jaqueline: Eu acho que essa re- atividades diferenciadas que integram mente, contar para o futuro
alidade é muito diversa no contexto os campos de acompanhamento pe- do PSE?
brasileiro, por exemplo, tive a oportu- dagógico, cultura, meio ambiente, es- Jaqueline: A Educação Integral
nidade de ir à III Mostra (Nacional de porte e lazer, artes, inclusão digital e já se materializa no Programa Mais
Produção em Saúde da Família, que direitos humanos. Nessas escolas já Educação, que reúne os ministérios
aconteceu em agosto de 2008, em existe a abertura para campos de co- da Cultura; do Esporte; do Meio Am-
Brasília) e fui surpreendida positiva- nhecimento que até então eram con- biente; de Ciência e Tecnologia; do
mente, pois vi inúmeros trabalhos de siderados genericamente como temas Desenvolvimento Social e Comba-
Equipes Saúde da Família que já tra- transversais e que, com a ampliação te à Fome, que, juntos, promovem
zem esse diálogo, são equipes de São da jornada escolar para um mínimo uma importante articulação das re-
Paulo, Fortaleza, Tocantins, de vários de sete horas diárias, têm o desafio des de proteção social, somando-se
lugares muito diferentes entre si. Algu- de se consolidarem como vivências à própria Presidência da República,
mas equipes poderão estranhar o es- curriculares. Desse modo, esperamos por meio do projeto Escolas Irmãs
paço escolar como espaço de trabalho, também que haverá abertura para as e do Projovem. Então o esperado é
contudo o propósito do PSE é estabe- Equipes de Saúde da Família. que naturalmente haja a aproxima-
lecer o diálogo, aproximar profissionais ção desses também com o PSE e
da educação e da saúde, respeitando Revista: No PSE, assim como com o Ministério da Saúde já que o
as especificidades locais e amadure- na própria estratégia Saúde conjunto das ações de promoção e
cendo esta intersetorialidade. da Família, os municípios têm prevenção da saúde é multidiscipli-
uma grande importância na nar em sua natureza e intersetorial
Revista: E, em contrapar- tomada de posições e mesmo em sua materialidade.
tida, como devem se posicio- da decisão da adoção ou não
nar os profissionais de edu- do programa. Isso faz com Revista: As pesquisas de
cação ao abrirem suas salas que as escolas municipais se- avaliação previstas para o pro-
de aula para os profissionais jam, a princípio, mais favore- grama levarão em conta so-
de saúde? cidas. Como ficam então as mente dados estatísticos ou
Jaqueline: Acredito que, na- escolas estaduais e federais? também opiniões de profissio-
quelas escolas onde já se tem uma Há uma preocupação especí- nais da Saúde da Família?
percepção mais global do desenvol- fica com elas? Jaqueline: As duas coisas, pois
vimento das crianças e adolescentes, Jaqueline: Trabalhamos no não dá para pensar em avaliação que
holística mesmo, onde processos edu- PSE com o conceito de Territórios leve em conta só dados e números,
cativos compreendem o sujeito inteiro de Responsabilidade. Esse conceito esses são importantes porque nos
e a capacidade de pensar indissocia- pretende ajudar a construir várias dão um mapa da realidade, mas é
da das outras dimensões e relações alianças. Uma dessas alianças é jus- preciso ir aos territórios, entrevistar e
mais amplas da vida, a abertura para tamente entre as Equipes Saúde da observar os atores sociais in loco, co-
o Programa Saúde na Escola poderá Família e a escola e entre as escolas lher informações e percepções acerca
ser maior. Enfatizamos que um dos de diferentes redes/sistemas. A ques- do programa, envolvendo aí as equi-
públicos do PSE é o conjunto de es- tão que está posta aqui é que cada pes de educação, de saúde, os pais e
colas que compõem o Programa Mais escola, como cada ESF, se compre- estudantes, enquanto agentes desse
Educação que propõe um projeto de enda no território em que atua, na programa. Buscaremos acompanhar
Educação Integral, em tempo inte- relação com as configurações sociais e monitorar o processo de implanta-
gral. Trata-se de uma política públi- existentes nesse território. E para as ção e avaliar continuamente o pro-
ca para ampliar tempos, espaços mudanças se efetivarem as escolas cesso de implementação do PSE.
Revista Brasileira
10 Saúde da Família
4 – Monitoramento e avaliação
da saúde dos estudantes, que se-
rão feitos por intermédio de duas
pesquisas:
– A primeira, a Pesquisa Nacional
de Saúde do Escolar (Pense), em
parceria com o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE),
que contemplará os itens da ava-
liação das condições de saúde e o
perfil socioeconômico das escolas
públicas e privadas nas 27 capitais
brasileiras. O resultado dessa pes-
quisa servirá para que as escolas e
as equipes de saúde tenham parâ-
metro para a avaliação da comuni-
dade estudantil;
– A segunda pesquisa será o En-
carte Saúde no Censo Escolar
(Censo da Educação Básica),
elaborado e aplicado no contexto nicípios cobertos pelas Equipes As ações do PSE serão acom-
do Projeto Saúde e Prevenção nas Saúde da Família. Na prática, panhadas por uma comissão inter-
Escolas (SPE) desde 2005. Essa será a integração das redes de setorial de educação e de saúde,
sondagem consiste em questões educação e do Sistema Único de formada por pais, professores e re-
ligadas mais diretamente ao tema Saúde e isso tende a se consoli- presentantes da saúde, que pode-
DST e Aids. dar ao longo do tempo”. rão ser os integrantes da equipe de
O tempo de execução de cada Ainda segundo Antônio, “as ex- conselheiros locais. Os municípios
uma dessas áreas será planejado periências anteriores nesse campo, terão de manifestar interesse em
pela Equipe Saúde da Família (ESF) com a colocação de equipes de saú- aderir ao programa. Uma Portaria
levando em conta o ano letivo e o de (médicos e dentistas) dentro das do Ministério da Saúde definirá
projeto político-pedagógico da esco- escolas, não prosperaram devido ao os critérios e recursos financei-
la. Isso possibilitará às escolas te- alto custo que implicava manuten- ros pela adesão e orientará, tam-
rem um planejamento anual acerca ção dessas equipes e à descontinui- bém, a elaboração dos projetos
das ações do PSE. dade do cuidado, não se integrando pelos municípios.
às famílias dos escolares. O PSE, ao
Ações efetivas contrário, garantirá que as ESF que
Materiais de apoio
atuam na comunidade também tra-
Para Antônio Silveira, “todas balhem na escola numa ação contí- à ponta do programa
as ações serão possíveis nos mu- nua e integrada”.
Além do incentivo financeiro, o
Ministério da Saúde ficará responsá-
vel pela publicação de almanaques
O IDEB é o indicador da qualidade do ensino brasileiro. Nele, para distribuição aos alunos das es-
é considerado o rendimento escolar, ou seja, a taxa média de colas atendidas pelo PSE. A tiragem
aprovação de um aluno. A avaliação conta com três exames: ao da publicação poderá chegar a 300
final da 4ª e da 8ª série do Ensino Fundamental e da 3ª série do mil exemplares em 2008. O Minis-
Ensino Médio. O IDEB é obtido com o resultado da média dos tério da Saúde, por meio do DAB,
alunos nessas provas dividido pelo tempo médio de conclusão de publicará a edição dos Cadernos
uma série. de Atenção Básica – Saúde Escolar
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Cidade
Pioneira
Para a coordenadora de
Saúde Bucal da Secretaria
Municipal de Saúde (SMS) do
Recife, Nilcema Figueiredo,
um dos motivos de a cidade
ter sido escolhida para ser
pioneira no PSE “está no fato
do Recife já trabalhar na pers-
pectiva de município saudá-
vel, e esse formato preconiza
o atendimento à assistência
desde a promoção à saúde até
O dentista George ao lado do presidente
a reabilitação, do nascimento
Lula, no dia do lançamento do PSE, aten- à morte e a Atenção Básica é
dendo um aluno na Escola Estadual São a porta de entrada”.
Francisco de Assis.
A filosofia de municípios
saudáveis iniciou-se em fins
dos anos 1970, dentro de
gatarem os alunos também para as um processo de evolução
do ministro da Saúde, José Gomes
unidades de saúde, para acabar com conceitual da promoção à
Temporão, entre outros, esteve saúde e nos moldes propos-
aquele preconceito de que unidade presente também o secretário de tos pela Carta de Ottawa, e
de saúde é a cara da mulher, ‘por- Cultura do Estado de Pernambu- entende que na saúde, den-
que a mulher fica grávida’, ‘porque co, Ariano Suassuna, internacio- tro de uma ótica ampliada
a mulher ganha nenê’ e ‘porque a nalmente reconhecido e autor de de qualidade de vida das
mulher leva a criança’. O unidade de obras que refletem bem a vida no pessoas, os locais públicos
saúde no Brasil, tradicionalmente, é sertão nordestino. Dono de uma vi- são locais potenciais de pro-
vista como um espaço feminino. O são de mundo moldada por quem moção à saúde e, justamente
PSE vem para ajudar a desmistificar viveu, na idade escolar, de perto os por isso, a escola é um dos
isso e tornar a UBS como um espa- problemas da aridez da seca e da locais ideais.
ço para todos e todas e temos que pobreza, Ariano, enquanto também
trabalhar essa consciência ainda na representante da cultura, entende
escola”, ressalta a secretária. bem pelo que passam as crianças,
Juliana Pinheiro, coordenadora especialmente as menos favoreci-
da Atenção Básica da SMS do Reci- das economicamente.
fe, enfatiza que, se em um primeiro
momento foram trabalhadas ques- Itinerância de arte e educação
tões relacionadas à saúde bucal, hi-
pertensão e nutrição, “num segundo Ariano atualmente desenvolve
estágio da implantação do Programa um trabalho no qual leva a cultura
Saúde na Escola em Recife, iremos para o interior do Estado de Per-
trazer outros temas para discussão, nambuco, com suas aulas-espetá-
como a saúde sexual, a reproduti- culo, uma forma de ampliar o con-
va, a mental (o sofrimento psíqui- tato das pessoas com a cultura, e
co). Utilizaremos também a rede já faz um paralelo entre trabalho e a
constituída pela Rede Academia da proposta do PSE de levar os pro-
Cidade (uma iniciativa da prefeitura fissionais de saúde para as esco-
do Recife que estimula a prática de las. “Isso é excelente, acho que do
esportes nas escolas da cidade)”. mesmo jeito que um dos meus tra-
Tereza Campos, secretária municipal de
balhos é mostrar um tipo de arte
Saúde, educação e cultura Saúde do Recife, coloca que “a capital
às pessoas que normalmente não pernambucana deu um salto qualitativo
vão ao teatro... tem gente que tem e quantitativo no que se refere à Saúde
Na ocasião do lançamento do da Família. Tínhamos em 2000 27 Equi-
PSE, além do presidente da Repú- ido ver o nosso espetáculo que pes Saúde da Família, hoje, em 2008, já
blica, Luis Inácio Lula da Silva, e nunca pisou num teatro porque são mais de 240 ESF, numa cobertura de
54% da população”.
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Cidadania e saúde –
um posicionamento
contra a violência
no Rio de Janeiro
De uma forma geral, na cidade do
Rio de Janeiro, o panorama da saú-
de ainda é fortemente marcado por
uma rede assistencial com hospitais
públicos de grande porte, postos de
atendimento médicos (os PAM), que
se caracterizam por ambulatórios de
especialidades e centros municipais
de saúde, nos quais predomina o
atendimento sob demanda espontâ-
nea e aqueles atendimentos atrelados
a programas de saúde, como o de
controle de diabetes e hipertensão.
Ao observar o local de atuação das
Equipes Saúde da Família (ESF) na ci-
dade do Rio de Janeiro, percebe-se que
os profissionais estão onde são mais
necessários, “temos uma concentração
desses profissionais em áreas de maior
risco social, ou seja, nas favelas e vilas.
Ou seja, há sim um esforço, por par-
te da Atenção Básica no município,
em alcançar quem mais precisa”, Vista geral do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, umas das co-
coloca a psicóloga Ana Aguiar. munidades mais carentes da capital fluminense conta com o trabalho
dedicado das Equipes Saúde da Família.
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Proposta de enfrentamento
O documento traz um estudo sobre ção conjunta no manejo de situações Dificuldade: “Quando se é
as pandillas juveniles (gangues ju- de violência”, segundo uma das in- morador e profissional, tudo
venis) na América Central e aponta tegrantes do grupo de coordenação fica mais difícil. Pois não po-
três grandes fatores de risco: vio- do projeto, a psicóloga Ana Aguiar. demos falar de certas coisas.
lência doméstica, instabilidade Com início das atividades em 2007, Para não se prejudicar en-
econômica e instituições comuni- a proposta da ferramenta é estimular quanto morador”.
tárias débeis. O relatório ressalta a construção de abordagens a partir Possibilidade: “Melhor forma
também, afirma Ana Aguiar, “os do trabalho em equipe. de tratar esse tema é agindo
benefícios trazidos por investimen- O trabalho começou com ofici- de forma indireta, por meio de
tos em programas de prevenção da nas mensais de leitura de textos parcerias para incentivo ao es-
violência e o impacto direto sobre a que abordam o tema da violência porte e atividades educacionais
saúde mental dessa população”. e exposição comentada de filmes. e grupos que ensinem ocupa-
Para trabalhar esses pontos, fo- Sempre participam do encontro ções profissionalizantes”.
ram elaboradas, em parceria com dois representantes de cada ESF, Outro exemplo:
os profissionais da estratégia Saúde sendo um ACS e um profissional Dificuldade: “Sentimento de
da Família, novas oficinas. A Ofici- de nível superior. Essa divisão per- estar invadindo a privacidade/
na de Qualificação de Práticas, que mitiu um maior leque de opiniões autoridade familiar”.
propõe encontros regulares abor- e de pontos de vista. No encontro “Chefe de família, a mãe, que
dando a cada sessão temas diferen- deu-se também a aplicação de um na maioria das vezes não en-
tes, com profissionais das ESF, e a questionário curto abarcando os contramos em casa, por estar
Oficina Temática, que trabalha com pontos-chave para elaboração de trabalhando”.
todas as equipes um mesmo tema uma proposta de enfrentamento: Possibilidades: “Reunir famí-
por um período de oito meses. -- No seu território, em qual ciclo lias para a discussão que abor-
de vida (criança, adolescente, daria as causas, conseqüências
Dinâmica dos jovem adulto, idoso) a equipe e soluções para o fim ou a re-
Encontros Temáticos reconhece mais fatores de ris- dução da violência familiar”.
co para violência? “Acompanhamento das famí-
Elaborado em parceria com a -- Quais dificuldades e possibili- lias que temos o conhecimen-
divisão de Saúde Mental da cidade, dades que a equipe encontra to acerca da violência”.
o Encontro Temático “foi concebido para trabalhar a violência nes- E assim, sucessivamente, come-
para ser uma experiência coletiva se ciclo de vida? çaram as trocas de idéias, experiên-
para discutir a percepção e constru- Divididas em oito grupos, as cias e possibilidades reais de inter-
equipes confrontaram as respostas venção na vida de muitos jovens. A
e iniciaram a discussão de um pro- Agente Comunitária de Saúde Maril-
jeto terapêutico. Logo se observou za Santana, da Unidade Básica de
que o ciclo de vida adolescente/jo- Saúde Esperança, no Complexo do
vem adulto é aquele com mais fato- Alemão, relata um dos muitos ca-
res de risco. sos que vivenciou: “O de uma mãe
Entre uma das causas mais im- que, infelizmente, estava vinculada
portantes desse fator de risco está o ao tráfico, como usuária, e, por isso,
acesso desse jovem ao trabalho e às não deixava as crianças saírem de
Equipes Saúde da Família. casa, passava quase todas as noites
A partir das respostas obtidas com fora, colocando em risco não só a
o questionário, foi elaborada uma car- saúde, mas a própria segurança das
tografia que serve como parâmetro e crianças”. Segundo Marilza, ela não
guia para a construção de estraté- podia confrontar diretamente a mãe
gias de embate à violência, sobretu- sobre o uso de drogas, pois, além de
do para os profissionais da ponta da estar indo contra o poder paralelo
estratégia, os ACS e as enfermeiras, que se estabeleceu na comunidade,
sobre como lidar, caso a caso, com a simples menção ao problema po-
esses jovens em risco social. deria fazer com que a mãe se fechas-
O texto foi construído balancean- se ainda mais ao diálogo. Então Ma-
do as dificuldades e possibilidades rilza procurou agir de outra maneira,
de atuação, a exemplo: conversando com essa mãe, às vezes
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mais duramente, sobre o futuro que O diálogo nos limites propõe uma sutil analogia entre o
essa situação de quase total aban- da grande tela antigo comércio de escravos e a
dono estaria proporcionando aos atual exploração da miséria pelo
filhos, uma vez que não lhes dava Entre os recursos utilizado s marketing social que forma uma
a devida atenção e carinho. “Como para prover o debate de idéias e solidariedade de fachada. Esse fil-
agente de saúde, eu tive a obrigação incentivar a discussão, foram exi- me discute os espólios de nosso
de alertar essa mãe que, caso con- bidos dois filmes que trazem a te- passado escravista: as persisten-
tinuasse essa situação, o conselho mática da violência e sua inserção tes desigualdades econômicas e
tutelar deveria ser acionado e, sob o nas favelas. Um deles foi “Última sociais. O longa conta a história
risco de perder a guarda dos filhos, Parada 174”, do diretor Bruno Bar- de uma ONG fictícia que compra
finalmente conseguimos sensibilizar reto, produzido em 2007 e com ro- computadores para o Projeto In-
essa moradora, para que pelo me- teiro inspirado na história real do formática na Periferia, porém esse
nos voltasse para casa para dormir seqüestro do ônibus 174, no Rio equipamento é superfaturado, ca-
com os filhos, que comparecesse à de Janeiro, no ano de 2000. O fil- racterizando uma fraude e se uti-
unidade de saúde, que os levassem me reconstrói a vida de Sandro do lizando das boas intenções de jo-
também... e assim estamos lidando Nascimento, um menino de rua que vens. Traz à tona uma discussão
com essa mãe, tentando aos poucos sobreviveu à chacina da Candelária sobre o papel desses jovens e da
ganhar essa batalha”. e que, após alguns anos, foi o res- educação na realidade em que vi-
Já a ACS Iris Márcia Pereira da ponsável pelo seqüestro do ônibus vem. Em paralelo, corre outra tra-
Silva, da UBS Baiana, diz que pro- que terminou com a sua morte por ma no filme, a de uma escrava grá-
cura confrontar os que ficam nas policiais. Antes de ser uma apologia vida fugitiva, do século XVIII, que,
ruas, pedindo-lhes que retornem à marginalidade, a película procura ao ser devolvida ao seu “dono” pelo
para casa, “sempre quando vejo reconstruir o caminho trilhado pelo capitão-do-mato, prefere abortar a
um grupinho parado numa esquina, seqüestrador, de abandono social, dar à luz um filho escravo.
procuro me aproximar, perguntar de falta de perspectivas, que o le-
o que estão fazendo ali. Se não é vou a um trágico desfecho. A inten- Saúde, educação e cidadania
horário escolar, eu aconselho a eles ção foi alertar aos jovens o rumo
irem para casa, ficar com a mãe, que pode tomar uma vida ligada às Para Fátima Virgínia Siquei-
fazer o dever de casa da escola ou drogas e longa das possibilidades ra de Menezes Silva, supervisora
pelo menos ir jogar bola, ter alguma que a educação pode oferecer. operacional do Grupo de Apoio
atividade saudável, que não seja fi- O outro filme exibido, “Quan- Técnico da SF e dos Agentes Co-
car na rua, parado, exposto ao peri- to vale ou é por quilo?”, de Sér- munitários de Saúde, do distrito
go e ao aliciamento”. gio Bianchi, produzido em 2005, 3.1, “é importante que as equipes
de todo o distrito dialoguem, pois
os problemas muitas vezes são os
mesmos, são compartilhados e
passam pelas áreas em comum,
como as escolas da comunidade,
com as quais procuramos fazer
um trabalho de conscientização
junto à diretoria, para justamente
tentar alcançar esses jovens e es-
sas crianças”.
A médica da UBS Baiana,
também no Complexo do Alemão,
Cláudia Barbosa Zukuin Antas re-
força: “Como pediatra eu venho
observando ao longo dos anos que
A Agente Comunitária de Saúde Marilza Santana faz sim muita diferença a educa-
é uma das muitas profissionais de uma das uni-
dades básicas de saúde situadas no Complexo ção. Em trabalhos que venho rea-
do Alemão. O sorriso nunca ausente, mesmo lizando, proponho um projeto tera-
numa realidade onde parece que os males cau- pêutico e educacional ainda para
sados pela violência batem à porta diariamen-
te, demonstra a força de uma profissional que as crianças na primeira infância
carrega o sentimento que dá nome à unidade e é surpreendente a resposta que
onde atua: Esperança.
Revista Brasileira
22 Saúde da Família
temos delas, o quanto de diferen- Cláudia ressalta que o projeto metralhadora? Então utilizamos o
ça que isso faz para essas crianças pedagógico para crianças que vi- tá-tá-tá da metralhadora. A palavra
ao chegarem à idade escolar, isso vem nesse tipo de realidade surte casa também, pois a casa que elas
reflete na capacidade de rendimen- mais efeito quando se trabalha com conhecem não é aquela bonitinha
to escolar. Só é possível promover os próprios elementos que cercam dos livros, toda colorida, com telha-
mudanças em qualquer comunida- essa criança, “na alfabetização, por do, não, a noção de casa para eles é
de, seja na questão da violência, exemplo, começamos a trabalhar um barracão, geralmente apertado,
seja na questão da saúde, dos di- dentro da perspectiva do projeto onde dormem muitas pessoas, então
reitos humanos, se houver um in- Fala Maria Favela, que propõe essa é essa imagem com a qual vamos
vestimento concreto e bem plane- dinâmica. Quais sons essas crianças trabalhar, assim trazendo a educa-
jado em educação”. estão acostumadas a ouvir? – É o de ção para a realidade delas”.
Durante o Encontro
Temático – Violência e
Saúde, os profissionais
debateram as suas di-
versas experiências.
Nesta foto, uma ACS
mostra, por meio da
árvore genealógica de
uma das famílias de sua
área, como podem ser
complexas as relações
familiares que se esta-
belecem atualmente em
nossa sociedade.
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Cartografia da violência
Segue abaixo a cartografia, dividida nos temas mais ressaltados pelos profissionais, elaborada a partir
dos Encontros Temáticos: – Código do silêncio, Violência explicitada, Família e Ciclos de vida.
Código do silêncio
Dificuldades Possibilidades
“Quando se é morador e profissional, tudo fica mais difícil. Pois não pode- “Quando a pessoa está sendo vítima da violência ela nos procura não
mos falar de certas coisas. Para não se prejudicar enquanto morador.” como morador, mas como profissional. Nós temos sempre uma solução,
“É fazer a comunidade falar sobre esse assunto que tanto incomoda. No ou quase uma, para tentarmos pelo menos amenizar um pouco.”
nosso território as pessoas não querem discutir essa “ferida” e já acham
“A melhor forma de tratar esse tema é agindo de forma indireta, por meio
que o contexto da violência é normal, além disso, o morador tem muito
medo de tocar nesse assunto, pois acha que isso pode fazê-lo se compro- de parcerias para incentivo ao esporte e atividades educacionais e grupos
meter com o poder paralelo.” que ensinem ocupações profissionalizantes.”
“O ciclo de violência dentro da comunidade.” “A tentativa constante de coexistência pacífica com os fatores provocadores
“Alguns assuntos são proibidos na comunidade.” da violência.”
“Há necessidade do silêncio em relação ao que e a quem provoca a violência.”
“Não fazer visitas a algumas casas.”
Violência explicitada
Dificuldades Possibilidades
“Violência externa da comunidade gerando intenso convívio com a força “Fazer reuniões mensais com a comunidade.”
paralela e todos os malefícios que ela traz.” “Formação de pequenos grupos por microárea com vários temas com par-
“O tráfico de drogas... grupo fechado que não aceita aproximação ticipação dos residentes de Saúde da Família.”
da equipe.”
“Nenhuma, não tem tráfico.”
“Fazer a população entender que a violência não é só tiro e polícia.”
“Acesso ao módulo após violência policial.”
Família
Dificuldades Possibilidades
“Falta de abertura para falar no assunto e despertar o interesse das famí- “Reunir famílias para a discussão que abordaria as causas, conseqüências
lias para essa discussão.” e soluções para o fim ou a redução da violência familiar.”
“Conflito entre familiares.” “Mural abordando o tema violência infantil (imagens com intuito de sen-
“Sentimento de estar invadindo a privacidade/autoridade familiar.” sibilizar a população).”
“Chefe de família, a mãe, que na maioria das vezes não encontramos em “Acompanhamento das famílias que temos o conhecimento acerca
casa, por estar trabalhando.” da violência.”
“Filhos de pais diferentes.” “Grupos de mães com ênfase nas adolescentes e primigestas.”
“Falta de perspectiva de vida, ‘facilidade’ de dinheiro rápido vindo do
tráfico associada à dificuldade financeira da família.”
“Diversas mães com pouca idade gerando, muitas vezes, o despreparo para
o cuidado e o vínculo afetivo, assim como a privação dos direitos delas.”
“Ausência de referência paterna.”
Ciclos de vida
Dificuldades Possibilidades
“As dificuldades são as envolvidas no nosso próprio conceito sobre a vida. “Trabalho educativo intenso junto com a comunidade.”
As barreiras e preconceitos que trazemos da nossa própria vivência.” “Para conseguir alcançar esses grupos (jovens e adolescentes), temos que ir
“Os adolescentes não têm uma participação ativa nos encontros, não pro- às escolas ou a locais onde eles se reúnem, como na ONG Afro-Reggae.”
curam para tirar possíveis dúvidas, quando chega até nós é porque já tem “Oficinas para os adolescentes e parcerias com outras instituições.”
um problema instalado.”
“Oficina para os adolescentes por meio de parceiros sociais, grupos e
“Os jovens, principalmente homens, são trabalhadores, o que dificulta, rodas sobre a violência.”
devido ao horário, o nosso encontro com eles.”
“Envolver a família no cuidado.”
“Difícil acesso ao jovem em razão da influência do tráfico.”
“Tentar sensibilizar no sentido de se ter alguma qualidade de vida por
“Valorização social da coragem = uso de armas.” meio de encontros contínuos com esses jovens.”
“A facilidade de se envolver com o poder paralelo.” “Trabalho em equipe com seus familiares é papel importante, levantando
“Falta de informações, educação, projetos para ocupar o tempo ocioso a auto-estima deles e de seus familiares.”
dos jovens.” “Criar um grupo, fazer passeios, atividades de lazer, criar vínculos e con-
fiança entre os componentes desse grupo. Entrar em certos assuntos por
meio estratégicos, como jogos etc.”
“Grupos realizados pelos ACS, que são jovens e pertencem à mesma
comunidade, para falar sobre sexo, drogas e violência.”
Revista Brasileira
24 Saúde da Família
“Procuramos conscientizar
os familiares de que não é
uma atividade isolada da
mulher e incentivamos os
pais a participarem desse
momento importante
tanto na vida de suas
companheiras como na
vida de seus filhos.” Grupo de mães lactantes se
Raquel Nascimento, enfermeira. reúne na Unidade Básica de
Saúde Vila Vintém.
Revista Brasileira
26 Saúde da Família
A Terapia Comunitária
como instrumento de
transformação junto à escola
A Unidade Básica de Saúde Vila de intervir efetivamente nesta par-
Espanhola, na Zona Norte da capi- cela da população acompanhada
tal paulista, está inserida em uma pela Equipe Saúde da Família”.
comunidade com alto índice de vul- Nesse contexto, a Terapia Comu-
nerabilidade social e violência. In- nitária (TC) tem sido, desde 2005,
dicadores de saúde demonstram a um instrumento de transformação
precariedade das condições de vida por permitir a reflexão, facilitar a es-
da comunidade. cuta e compreensão de si e do outro.
Aliado a isso, tem sido um de- A Terapia foi utilizada como uma es-
safio para os profissionais de saú- tratégia de acolhimento dos adoles-
de estabelecer um diálogo franco centes da Escola Municipal de Ensi-
e direto com os adolescentes. Um no Fundamental Humberto Dantas.
grupo, segundo a enfermeira Pa- Uma das profissionais que con- A enfermeira Patrícia Pinheiro
trícia Pinheiro, “categoricamente duzem esse trabalho é a enfermeira durante uma sessão de Tera-
refratário às propostas de ações Patrícia Pinheiro. Com dois anos de pia Comunitária.
realizadas pela unidade de saúde, formação em TC, Patrícia construiu,
onde o diálogo tanto familiar quanto junto com os Agentes Comunitários tes, da comunidade escolar e com
com os profissionais de saúde fica de Saúde (ACS) da unidade, um mo- uma linguagem própria.
inviabilizado rotineiramente, o que delo de Terapia Comunitária adequa- Segundo a enfermeira, “o método
determinou a busca de uma forma do às necessidades dos adolescen- utilizado inicialmente foi o de oferecer
a TC aos alunos da escola. No início
dos trabalhos pensávamos que tería-
mos dificuldade de vinculação com o
grupo e inclusive receio de não con-
seguir seguir os passos da TC. Com
o desafio assumido e compartilhado,
aos poucos conseguimos construir
um espaço aconchegante de expres-
são onde a emoção pudesse ser vi-
vida por todos e as histórias tiveram
Alunos da Escola Muncipal de Ensino lugar para serem contadas e revistas.
Fundamental Humberto Dantas em uma Os temas mais escolhidos foram:
sessão de Terapia Comunitária.
morte, luto e perdas afetivas, carên-
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durante a terapia ter, por vezes, sido fortalecer essa imagem, sendo mais
rude com os colegas, na tentativa de presente’. Quando essa adolescen-
proteger os amigos de “perseguição te me contou que disse isso para a res) normalmente e um deles vem me
ou preconceitos”, ao final se colo- própria mãe, senti que nosso traba- abordar com algum pergunta, já tive
cou no lugar daqueles que agridem lho está surtindo efeito, pois algum a felicidade de um jovem me parar
e entendeu que muitas vezes esses o tempo depois a aluna nos procurou na rua para dizer que teve a primei-
fazem por insegurança. dizendo que o relacionamento dela ra relação, mas que se cuidou (usou
Para Eduardo da Silva Mariano, de em casa havia melhorado, que elas camisinha), que lembrou do que foi
15 anos, que, assim como Angélica, já tinham mais diálogo”, conta, emo- conversado na Terapia Comunitária”.
participou pela primeira vez da Terapia cionada, Daniela.
Comunitária, o espaço foi “um modo E o mais interessante, diz a ACS Os resultados da prática
de expressar os nossos sentimentos, Hilda, é que “com o tempo, os la-
sem o medo de sofrer qualquer tipo de ços que vão se firmando entre os “Os resultados”, diz a coorde-
preconceito e colocar tudo o que nos adolescentes e a Equipe Saúde da nadora pedagógica Beatriz, “saltam
aborrece aqui na escola. É legal por- Família ultrapassam os portões da aos olhos. No ano de 2006, quando
que a gente também escuta os outros, escola. Um exemplo para todos são começamos essa atividade aqui na
as queixas dos colegas e se coloca no as próprias Laudicéia e Jéssica, que escola, tínhamos 10 adolescentes
lugar deles também”. hoje nos procuram na Unidade, vão grávidas, em 2007 caiu para duas e
para conversar e o mais importante: este ano (2008) temos somente uma
Exercício do falar tornaram-se multiplicadoras, pois aluna adolescente grávida. O que mu-
sabemos que o jovem tende a escu- dou: conscientização”, enfatiza.
E esse é o outro objetivo maior tar mais outro jovem que um adul- A enfermeira Patrícia coloca que
desta terapia: exercitar o falar. “A gen- to. E ter multiplicadores no ambien- “foi verificado que a TC abriu um
te escolar é uma conquista, porque panorama nunca antes observado
eles têm a liberdade de se alguma em nossa comunidade, os adoles-
coleguinha perguntar algo que elas centes começaram a formar redes
não saibam, ou não tenham segu- solidárias e a se identificar como
rança para dizer, ou elas vêm com grupo e criaram novas estratégias
essas colegas na unidade, ou vêm de diálogo e participação”.
até nós e nos colocam a questão A experiência da UBS Vila Espa-
para que possamos ajudá-las”. nhola, em São Paulo, vem validar
Hilda completa: “Como são mui- o conteúdo da TC como um instru-
tos alunos, nem sempre conseguimos mento para a promoção à saúde na
guardar o rosto de cada um, mas eles comunidade e particularmente como
guardam os nossos. Não raro eu estou um canal de diálogo entre os adoles-
fazendo minhas VD (visitas domicilia- centes, as ESF e a rede de ensino.
Revista Brasileira
30 Saúde da Família
Além disso, tem favorecido reflexões 2008, apresentar um panorama do sionais da saúde, Equipe de Saúde
sobre a dinâmica familiar nesse mo- seu trabalho junto aos jovens na III Mental, alunos, pais, membros dos
mento do ciclo vital. Mostra Nacional de Produção em conselhos gestores dos equipamen-
Outro interessante caso relatado Saúde da Família, foi questionada, tos de saúde e educação) envolvidos
de integração dos profissionais de saú- mais de uma vez, por outros profis- foram colocados em um mesmo ce-
de com os de educação é o do menino sionais dos mais diferentes lugares, nário para promover uma discussão
Rafael (nome fictício). “Rafael, aos 14 em “Como trazer o adolescente para e uma construção coletiva de formas
anos, apresentava um comportamen- a estratégia?”. Para a enfermeira, “o de enfrentamento e manejo da reali-
to obsessivo compulsivo por limpeza grande diferencial da Saúde da Famí- dade vivida pela comunidade” – essa
– ele mora numa família em que a lia é estar presente nos territórios... e, era a definição do trabalho proposto,
mãe é um tanto ‘desmazelada’ e sua se eles não estão lá, nós temos que segundo Patrícia.
casa é um caos. Nós fomos lá, acon- achá-los e ir onde estão. No caso dos Durante um dia, a escola se vol-
selhamos, mas surtiu pouco efeito. E jovens, o lugar é este aqui: a escola”. tou para o evento, as salas de aula
esse menino tinha muita dificuldade Mas a enfermeira completa que essa serviram de espaço para os debates,
de alfabetização, por causa dos pro- não é uma busca que termina aí, pois, nos quadros-negros várias frases, es-
blemas familiares”, relata a ACS Hilda assim como nas famílias, nas quais tatísticas e fotos relativas aos temas
Barros. Para tentar ajudar a solucionar se estabelecem os tipos de relações abordados: violência, diversidade so-
o caso de Rafael, a ESF elaborou uma mais diversos, na escola também há cial, família, drogas e sexualidade.
estratégia em conjunto com a escola toda uma gama de elementos a serem Para cada turma foi formada uma
e, conversando sobre o caso, chega- debatidos que ultrapassa o simples equipe composta por um represen-
ram a um projeto terapêutico para o assistencialismo: “Aqui lidamos com tante de cada grupo de atores sociais,
menino que vem dando resultado, outro universo, onde nós estamos para assumir e mediar as discussões.
confirma Beatriz: “Para ajudá-lo na fora do nosso habitat, lidamos com Com a participação de mais de 800
alfabetização, as agentes de saúde novas estruturas, há mais atores so- pessoas, para Beatriz esse dia foi es-
foram à casa do Rafael e trouxeram ciais, diretora, professores, coordena- pecial, “pois apresentamos para de-
os produtos que ele usa para limpar dores pedagógicos, o próprio pessoal bate 10 casos reais aqui da escola,
a casa. Começamos a usar os rótulos de segurança, limpeza, manutenção, de 10 crianças com os mais diversos
das embalagens para alfabetizá-lo e, vizinhos, a pessoa que vende balas tipos de dificuldades que precisavam
assim, ele foi despertando interesse, na esquina e, é claro, os pais. É um de uma intervenção multiprofissional.
pois estava aprendendo a escrever os universo complexo e trabalhar com o Eram crianças que sofriam de dificul-
nomes de coisas que eram próximas a adolescente envolve considerar todos dades de socialização, baixa auto-
ele”. Hilda completa que “assim ele foi esses fatores”, ressalta Patrícia. estima e algumas agressivas”. “Dali
criando uma auto-estima, vendo que E justamente por isso, para dar saíram”, coloca Beatriz, “algumas
estava conseguindo progredir. Hoje conta de um diálogo maior, a ESF da propostas concretas para elaboração
ele, apesar do transtorno continuar, Unidade Vila Espanhola empreen- de projetos pedagógico-terapêuticos
está bem mais leve e estamos traba- deu na escola, em junho de 2007, não só para essas crianças em situ-
lhando com a mãe dele no sentido de o Fórum de Relações Humanas. ação de risco mais emergencial, mas
dar mais atenção ao filho e de procu- “Todos os atores (professores, profis- para toda a comunidade escolar”.
rar manter a casa mais em ordem”.
Fórum de troca de idéias
Mas o que é a Terapia Comunitária?
A enfermeira Patrícia conta que
A Terapia Comunitária é cearense e maior de idade!
quando foi a Brasília, em agosto de Conforme publicado na edição especial de maio, deste ano, da
Revista Brasileira Saúde da Família, a TC nasceu em Fortaleza, no
Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina, da
“No ano de 2006, quando Universidade Federal do Ceará (UFC), e há 18 anos vem sendo desen-
começamos essa atividade volvida pelo prof. Dr. Adalberto Barreto, que já formou cerca de sete mil
aqui na escola, tínhamos terapeutas comunitários, que atuam em 23 estados brasileiros.
10 adolescentes grávidas, A Terapia Comunitária é um instrumento que permite construir redes
em 2007 caiu para duas sociais solidárias de promoção à vida e mobilizar os recursos e as com-
e este ano (2008) temos petências dos indivíduos, das famílias e das comunidades. Procura sus-
somente uma aluna citar a dimensão terapêutica do próprio grupo e convida os participantes
adolescente grávida” a uma mudança de olhar, de enfoque, sem querer desqualificar as con-
Beatriz, coordenadora pedagógica. tribuições de outras abordagens, mas ampliar seu ângulo de ação.
31
conta Magda, o outro era extrema- ca às ACS, Patrícia conta que todos tenham responsabilidades sobre
mente calado, introspectivo e quase se envolveram, e um dos reflexos é suas coisas, sobre seus brinque-
não se relacionava com as demais que hoje essa criança, que ainda dos”, completa Eide.
crianças. “Quando constatamos esse está na Brinquedoteca, já se rela- “Com os resultados alcançados
problema, passamos a intensificar ciona um pouco mais com as ou- com essa parceria entre a ESF e
nossas visitas domiciliares à casa tras. “E é muito gratificante ver um comunidade, é possível perceber
deles e identificamos que essa famí- retorno do nosso trabalho”, conta, que, ao longo desses 10 anos, em
lia estava bem desestruturada, com emocionada, a ACS Magda. particular os últimos dois, uma mu-
os pais com sérios problemas e, por Assim, favorecendo a aproxi- dança comportamental significativa
alguma razão, aparentemente só um mação dos cuidadores e crianças, entre as crianças da comunidade”,
dos irmãos estava desenvolvendo promoção à apropriação da comu- enfatiza a enfermeira Patrícia. “Não
dificuldades de convívio. Levamos nidade do espaço: envolvendo-a por podemos computar esse avanço em
então a questão para o restante da meio de sensibilizações. números, mas podemos observar
equipe”, ressalta Magda. Já a cuidadora/monitora Eide o empenho das nossas primeiras
Esse é um dos benefícios em ter Maria de Abreu, que atua na Brin- crianças em dar melhores condi-
as ACS envolvidas nas atividades quedoteca como bolsista, enfatiza ções às suas próprias crianças que
da Brinquedoteca, pois, além de li- a importância da noção dos limi- hoje estão sob os cuidados da Brin-
darem com as crianças, elas têm a tes: “Muitas dessas crianças não quedoteca. As problemáticas locais,
oportunidade de chegar às famílias. têm nenhuma regra em casa, po- bem como as ocorrências graves,
A enfermeira Patrícia completa di- dem tudo na hora que querem, do foram se tornando solúveis e os ín-
zendo que, a partir da procura das jeito que querem, mas, ao chegar dices de violência foram sendo re-
ACS, toda a equipe se envolveu e, aqui na Brinquedoteca, nós temos duzidos ao longo do percurso objeti-
em conjunto, desenvolveu um pro- regras”, coloca. “E com tantas vado pelo projeto”, observa Sandra
jeto para interceder positivamente crianças assim é preciso que to- Bernardete de Lara Vianna, gerente
junto àquela família: desde a médi- das sigam e isso faz com que elas da UBS Vila Espanhola.
Revista Brasileira
34 Saúde da Família
Casos de intervenções
da Saúde da Família
Embora seja possível prevenir
e amenizar alguns problemas de
maloclusão dentária, há aqueles
casos em que é necessária um
intervenção mecânica. Aí entra
a ortodontia interceptativa, que
Os alunos da turma vencedora do Concurso Sorrindo para Passear em visita ao Jardim procura atenuar o problema ainda
Zoológico de Porto Alegre.
precocemente, “evitando ou faci-
litando um posterior tratamento,
que no caso de aparelhos orto-
discussão de valores, saberes e cren- tos e as crianças acerca da impor- dônticos, em geral, são caros e
ças da população, por isso, na cida- tância da escovação, dos cuidados, o tratamento é mais demorado”,
de, o tema é trabalhado com o grupo porque aqui no consultório a gente conta Luciane.
de gestantes, nas reuniões de pais fala e lá nas casas isso é reforçado”, Entre as intervenções possíveis
na escola, nas campanhas de vaci- conta Elda. de serem feitas pela Equipe de Saú-
nação infantil e, sobretudo, conta a Para o secretário Edson Macag- de Bucal, estão: a rampa acrílica
auxiliar de consultório dentário Elda nam, é importante o diálogo da autopolimerizável para descruza-
Cavanus, nas visitas domiciliares. saúde e da educação. “Para mim, mento de dentes anteriores; a guia
“Trabalhamos em conjunto com esse é o pilar da Atenção Básica, canina com resina fotopolimerizá-
as Agentes Comunitárias de Saúde, a prevenção e a promoção à saúde vel; e ajuste oclusal, para alguns
no sentido de conscientizar os adul- e, quanto mais investirmos nessas casos de mordida cruzada lateral.
A prática de baixo custo e manutenção que pode ser que uma futura intervenção pode causar, caso o proble-
feita na própria UBS é capaz, em determinados casos, ma se agrave, e tem a facilidade de poder ser executada
de evitar um futuro uso de aparelho ortodôntico. pelo demais profissionais de nível superior da Equipe
Janaína Canabarro dos Santos, de 14 anos, estu- Saúde da Família, uma vez capacitados.
dante da 8ª série, é uma das alunas para as quais foi Morgana Franchini, de 12 anos, é outra estu-
indicado o uso da rampa acrílica. Segundo a própria dante que utiliza a rampa. A aluna da 6ª séria se
Janaína, o resultado foi surpreendente: “Vi que meus diz satisfeita com o tratamento: “Porque eu tenho a
dentes estavam bem pra trás e isso me incomodava mordida torta, eu sentia muito desconforto e acha-
muito e tinha uma dentista lá perto de onde eu morava va que ia ficar feia. Morria de vergonha de sorrir
antes que queria arrancar meu dente”, conta. “Por sor- na frente dos colegas”, conta. Segundo a dentista
te”, conta Luciane, “os pais de Janaína mudaram-se Luciane, Morgana responde bem à intervenção e é
para São Valentim do Sul e, uma vez na nova escola, provável que não venha a precisar usar aparelho
Janaína passou a ser atendida pela ESB. Nós consta- no futuro.
tamos o problema, mas avaliamos que não havia ne- Mas há casos, no entanto, em que a interferência
cessidade de extração... percebemos que se tratava de mecânica não requer mecanismo externo. É o caso
um caso sério, mas que era possível tratar na unidade da menina Amanda Batalha Borsato, de seis anos: o
mesmo”. Hoje a aluna já deixou de usar a rampa e recém-chegado incisivo permanente inferior nasceu
apresenta um lindo sorriso. levemente recuado e a orientação é simples: empur-
A dentista ressalta, contudo, que o uso da rampa rá-lo com a língua. “A melhora tem sido visível e logo
traz algum desconforto para a paciente, mas não maior o dente estará alinhado”, conta Luciane.
Revista Brasileira
38 Saúde da Família
Em Tocantins,
projeto Sorrindo para o Futuro
resgata a dignidade de crianças
O índice de CPO-D (Dentes Ca- Segundo o coordenador peda- Para o sucesso do projeto:
riados Perdidos e Obturados) na ci- gógico do Colégio Estadual Tan- uma elaboração consistente
dade, em 2003, era de 4,56, con- credo de Almeida Neves, Orlando
siderado alto em relação à média Oliveira, aproximadamente 95% O projeto Sorrindo para o Futuro
brasileira e aos padrões da OMS. dos alunos são carentes “não só contou com atividades elaboradas
Frente a essa realidade, a Equipe financeiramente, como também de para todo o ano de 2007. Dividido
de Saúde Bucal (ESB), da Saúde acompanhamento familiar no sen- em várias etapas, demonstrou que
da Família, vem, desde 2004, ten- tido de tomar as medidas cabíveis para que se tenha uma mudança de
tando viabilizar uma forma eficaz para que o aluno tenha uma boa fato é necessária a elaboração de um
de abordagem da população de higienização bucal, bem como ali- planejamento de médio e longo prazo,
cinco a 14 anos. mentação apropriada”. para não acabarem no rol de ações
Marcelo de Faria, dentista da E, justamente devido a essa re- pontuais que pouco fazem efeito.
Equipe de Saúde Bucal da Unidade alidade, a ESB da unidade Buriti Em janeiro, mesmo antes de o
Básica de Saúde de Buriti, afirma ter decidiu intervir junto à comunidade ano letivo começar, a Equipe de
observado que “o trabalho preventivo escolar com o intuito de resgatar a Saúde Bucal e os profissionais de
estava sendo realizado, pois todas as saúde bucal dos estudantes por meio educação da escola já se reuniam
crianças de rede municipal de ensino do projeto Sorrindo para o Futuro. para estruturar o cronograma do
tinham escovas e creme dental para
uso após a merenda, assim como ti-
nham também as orientações a res-
peito da higienização e alimentação.
A Equipe de Saúde Bucal realizava
visitas periódicas às escolas para es-
covação supervisionada e aplicação
tópica de flúor e os agendamentos
para atendimento ambulatorial eram
realizados, mas, ainda assim, perce-
bíamos que faltava uma estratégia
eficaz para o enfrentamento da cárie
e da perda prematura de dentes”.
Segundo Marcelo, “entre as
diversas afecções freqüentes no
município, a cárie dental e seus
agravos se destacam como um dos
principais problemas de saúde que
acometem crianças, provocando a
perda prematura dos dentes assim
como ausências na escola por moti-
vos correlatos à doença”. O dentista Marcelo Faria, da Equipe de Saúde Bucal de Buriti, na sala de aula, passando aos
alunos noções de higienização bucal e de como se formam as cáries.
39
hoje minha filha não precisa pas- escovas de dente (totalizando 520
sar por isso, porque está sendo unidades), as turmas passaram a se
cuidada”, enfatiza. revezar, todos os dias, na utilização
Quem também participou da do espaço e, de abril até dezembro,
construção do escovódromo foi aconteceram escovações coletivas
o Agente Comunitário de Saúde diárias na escola. Além disso, a
Maurício Souza, que também é pai cada seis meses acontece na escola
de aluno. “Todo mundo participou, a aplicação tópica de flúor, utilizan-
fomos lá, carregamos tijolos, aju- do as novas instalações.
damos a fazer a massa e assim es- Edilson Pereira Miranda é pro-
tamos conseguindo a melhoria das fessor da 4ª série e, para ele, as
crianças na saúde bucal, unindo a ações de educação em saúde bu-
educação à saúde, o nosso trabalho cal não podem ficar só na escola:
de conscientização, principalmente “Nós fazemos a escovação aqui to-
junto às famílias mais carentes, dos os dias, depois do recreio, do
com a prática mesmo, com a esco- lanche, cada aluno aqui tem a sua
vação, com o encaminhamento ao própria escova, mas sempre pro-
Francisco foi um dos pais que trabalha- dentista”, ressalta Maurício. curamos alertar aos pais no sen-
ram na construção do escovódromo e res- tido de cobrar em casa a escova-
salta a importância da iniciativa: “Como
eu e outros pais de alunos trabalhamos
Escovações diárias ção, só assim teremos certeza do
com construção nos pediram para que resultado do trabalho, afinal elas
nós mesmos fizéssemos a obra. Eu achei A partir da inauguração do es- passam conosco só quatro horas e
excelente, pois, indiretamente, é uma for-
ma de zelar pela saúde da minha filha e
covódromo, quando então todos os meia por dia... o restante é com os
de tantas crianças”. alunos da escola ganharam novas pais”, enfatiza.
Entre as ações junto à comunidade escolar, figurou o Segundo o coordenador pedagógico Orlando Oliveira
desenvolvimento da Carteira de Acompanhamento/Tra- (na foto abaixo), “a diferença entre a média das cadernetas
tamento de Saúde Bucal, que foi elaborada pela Equipe do início dos trabalhos em fevereiro de 2007, quando fize-
de Saúde Bucal e apresentada aos pais em reunião e, mos o primeiro exame clínico, para dezembro, quando rea-
após a aprovação de todos, a Secretaria Municipal de lizamos o outro exame, é nítida ao traduzir que acertamos
Saúde reproduziu 600 cópias distribuídas à escola. Para na escolha desse modelo. A cada 15 dias nos reuníamos
o coordenador pedagógico Orlando Alves de Oliveira, a com a Equipe de Saúde Bucal para dar andamento ao pro-
carteira vem preencher uma lacuna: “Anteriormente nós jeto e a cada dois meses fazíamos oficinas, palestras etc”.
fazíamos ações isoladas de encaminhamento à Unida- Todos os meses os alunos de maior gravidade eram
de de Saúde, promovíamos algumas escovações espo-
agendados para consulta na UBS e na véspera do aten-
rádicas, mas não quantificávamos isso e, portanto, não
dimento as carteirinhas ficavam com a Equipe de Saúde
sabíamos se aquela ação em específico havia trazido
Bucal até a conclusão ou diminuição da gravidade da-
algum resultado prático”.
O preenchimento da carteira se dá seguido ao exame quele caso em específico. E os casos de maior gravidade
clínico dos alunos e feito de maneira coordenada. Os acabavam por ter retornos semanais à unidade.
dados obtidos são anotados pela auxiliar de consultório Já no dia do atendimento era soli citado aos pais
dentário, que quantifica de 0 a 4 a gravidade da condi- que, ao levar seus filhos, levassem também a carteira
ção bucal do aluno: de vacinação deles, a fim de que, se fosse o caso,
a ESB encaminhasse a
criança também para o se-
tor de imunização.
41
Saúde Bucal em festa professores, foram estes que de- maioria, cerca de 69%, queima ou
senvolveram, em conjunto com os enterra seu lixo e 19% o destina a
Em dezembro de 2007 foi re- alunos, os temas. céu aberto.
alizado novamente o exame clíni- A Feira foi realizada no final de Esses são alguns dos dados que
co bucal dos alunos, utilizando a 2007 e conseguiu mobilizar todo o mostram a urgência de se trabalhar
mesma carteira para verificação da colégio em prol da causa da saú- na cidade a promoção à saúde e
evolução da condição bucal dos es- de bucal e, mais do que isso, foi o a prevenção das doenças. Sidney
tudantes. Nessa segunda triagem, embrião para um evento maior que Oliveira, secretário municipal de
observou-se a excelente porcen- viria à tona um ano depois, no dia Saúde, conta que, apesar das defi-
tagem de 70% dos alunos terem 31 de outubro de 2008. ciências em saneamento na cidade,
melhorado sua saúde bucal, con- a estratégia Saúde da Família pro-
tra 20% que permaneceram esta- Feira de Educação em Saúde cura “atuar junto às pessoas e, por
cionados e 10%, nos quais houve isso, a Feira está prevista, desde
alguma piora. Para o dentista Marcelo, esse 2007, no planejamento das ações
Durante os meses de março a projeto, o da Feira da Educação em de conscientização”. O secretário
novembro, toda a escola se mobi- Saúde, ultrapassa a saúde bucal e ressalta que na cidade a cobertu-
lizou para um grande evento, em tem o objetivo de alertar a popula- ra da Saúde da Família é de 95%:
dezembro: a Feira de Saúde Bu- ção da cidade para o conjunto de “Os 5% restantes na verdade são
cal, que encerrou as atividades fatores que causa adoecimento e, de pessoas que têm residência de
do ano letivo com a discussão de mais importante, praticar a promo- fim de semana na cidade, ou seja,
temas propostos pela ESB junto ção à saúde. só utilizam Buriti como cidade-dor-
aos professores e coordenadores, Segundo dados do Sistema de mitório, ou são famílias que estão
como: A História da Saúde Bucal; Informações da Atenção Básica na região limítrofe da cidade e aca-
Conhecendo a Boca e os Dentes; (SIAB) Municipal, em Buriti dos bam sendo vinculadas às unidades
Uma Boa Alimentação para a Saú- Tocantins, apesar de haver um sis- das cidades visitas, mais próximas
de Bucal; Saúde Bucal do Bebê e tema de fornecimento de água que para elas”.
Gestante; Saúde Bucal do Idoso; e alcança 94% dos habitantes, 28% Sidney ressalta também que,
Cárie e Placa Bacteriana. a consome sem nenhum tratamen- “para conseguir a inclusão entre pro-
A Equipe de Saúde Bucal se to (filtração, fervura ou coloração). fissionais de classes diversas e ao
dividiu para dar suporte técnico Não há sistema de esgotamento sa- mesmo tempo contemplar a comu-
aos professores para a elaboração nitário e de resíduos sólidos abran- nidade com o prêmio do saber em
dos temas e abordagem. À frente gente. Aproximadamente 76% da saúde, faz-se necessário o desenvol-
do projeto Sorrindo para o Futuro população utiliza-se de fossa e vimento de uma feira voltada para a
está o dentista da Saúde da Fa- 25% destina os seus dejetos a céu “Educação em Saúde” onde a saúde
mília Marcelo Faria, que ressalta aberto. Com relação ao lixo domi- e a educação do município somam
que, apesar de a ESB ter dado um ciliar, somente 12% das casas têm esforços para verdadeiramente pro-
suporte técnico e apoio para os coleta regular de lixo, por isso a mover a saúde da comunidade”.
Em um exemplo de trabalho de conscientização e educação em saúde em Buriti dos Tocantins, o dentista Marcelo e sua equipe da UBS Buriti
encenam para os alunos um teatro de fantoches com o tema Saúde Bucal.
Revista Brasileira
42 Saúde da Família
“...devido ao intenso
trabalho das ESF, já em
2008 identificamos
na cidade cerca de 140 casos
de hanseníase, entre adultos
e crianças, fora aquelas
doenças como hipertensão
e diabetes, que figuram
entre males que atingem
quase que universalmente
a população brasileira...”
Keylla Rejane Rodrigues Maciel,
coordenadora de AB de
Buriti dos Tocantins.
43
zes, nós levamos às escolas aquilo “Nós levamos às escolas aquilo que consideramos
que consideramos importante que importante que eles venham a trabalhar,
eles venham a trabalhar, como a como a questão da própria saúde bucal
questão da própria saúde bucal e e da higiene pessoal, mas, apesar da importância
da higiene pessoal, mas, apesar da desses temas, a escola tem aqueles que para ela são
importância desses temas, a es- mais relevantes no momento, mais urgentes (...)
cola tem aqueles que para ela são principalmente ao afrentamento
mais relevantes no momento, mais da gravidez na adolescência”.
urgentes. Um exemplo é com rela- Adriana Batista de Melo, enfermeira da UBS Buriti.
ção às doenças sexualmente trans-
missíveis, à sexualidade, ao plane-
jamento familiar e, principalmente,
ao afrentamento da gravidez na demiológico”. Para o dentista, isso Ainda de acordo com o organi-
adolescência, só em minha área significa que muito ainda deve ser zador da Feira, é preciso fazer com
acompanho nove casos desses”. feito para que haja uma mudança que as pessoas saiam do modelo
Contudo, Marcelo Faria afirma na forma como as pessoas encaram assistencialista e, para isso, há a
que, apesar dos temas propostos as questões de saúde, no sentido de necessidade de articulação entre a
e da conversa prévia feita com as se trabalhar a “responsabilização da saúde e a educação, para a forma-
escolas sobre a promoção à saúde, pessoa sobre a sua própria saúde e ção de agentes multiplicadores de
“ainda assim, várias barracas priori- a não dependência medicamento- conhecimento em saúde, para que
zaram o lado da doença, o lado epi- sa”, completa o dentista. esse conhecimento se propague.
Educação nutricional –
construção compartilhada
do conhecimento
Observando uma tendência na-
cional, as profissionais da Saúde da
Família de Rio do Sul constataram
o declínio, em ritmo acelerado, dos
casos de desnutrição em crianças e
adultos e o aumento da prevalência
de sobrepeso e obesidade. Frente
a essa transição nutricional, fez-se
necessária a definição de uma es-
tratégia de intervenção.
Como alguns casos foram cons-
tatados em crianças em fase esco-
lar, foram desenvolvidas ações de
promoção à alimentação saudável
nas escolas; além disso, foi desen-
volvido um trabalho de prevenção
às doenças crônico-degenerativas e
controle de carências nutricionais.
As mudanças nos padrões ali-
mentares da população, muitas
vezes “impostos” às crianças e jo-
vens que se rendem aos apelos pu-
blicitários e seus alimentos muitas
vezes gordurosos e sem nenhum A enfermeira Graciela San Martin Rodrigues Bagatoli com as
valor nutricional, geram uma “dese- nutricionistas Josilene Murara e Luize Amanda Salvador em
frente à Unidade Básica de Saúde Canta Galo.
45
“Tivemos uma
preocupação primordial
(...) em todo o trabalho,
que foi a de respeitar
as condições
socioeconômicas das
famílias, (...), que se
pode ter acesso a uma
alimentação saudável
sem que isso signifique
uma alimentação cara.”
Luize Amanda Salvador,
nutricionista. Crianças do Centro de Educação Infantil Canta Galo
produzindo suas próprias pirâmides nutricionais.
Revista Brasileira
46 Saúde da Família
rou ajuda junto à UBS Canta Galo trabalharam também a questão da que mudemos o foco da atenção à
ao observar algumas crianças com freqüência dos alimentos, orientan- saúde infantil”. A cidade de Rio do
baixo peso. À época, a enfermei- do as crianças que alguns devem Sul conta hoje com 15 Unidades
ra Graciela San Martin Rodrigues ser consumidos diariamente e ou- Básicas de Saúde, 13 ESF comple-
Bagatoli foi à escola para pesar e tros devem ser procurados menos tas e duas no modelo tradicional de
medir todos os alunos e logo iden- vezes; assim, sem proibir, elas con- Atenção Básica (estas em transição
tificou também casos de sobre- seguiram a redução no consumo de para a Saúde da Família), além do
peso, aliás, coloca a enfermeira: doces, balas, refrigerantes etc. projeto completo para implantação
“Havia mais casos de sobrepeso Já Luize ressalta que outro ponto do NASF, que o município pretende
que de desnutrição”. importante para conseguir a diminui- implantar no próximo ano.
Desde então, Graciela tem ido to- ção do sobrepeso entre a criançada
dos os meses ao Centro fazer o traba- foi não focar o trabalho nesse grupo, Perfil nutricional de
lho e acompanhar de perto a evolu- “evitamos falar em sobrepeso, para crianças e adolescentes da
ção das crianças, pesando, medindo que as crianças com esse problema rede municipal de ensino
e repassando os dados para gráficos não se sentissem constrangidas pe-
individuais. A enfermeira conta que rante os coleguinhas. Trabalhamos Outro trabalho levado adiante por
sua própria filha (também aluna do com o grupo como um todo para al- Luize e Josilene foi o levantamento do
Centro Canta Galo) causou a mudan- cançar resultados específicos, seja a “Perfil nutricional de crianças e ado-
ça em determinados hábitos alimen- perda de peso em alunos com sobre- lescentes da rede municipal de en-
tares da casa, “minha filha passou peso, seja o ganho de peso em crian- sino de Rio do Sul”. Utilizado como
a me cobrar mais frutas em casa e ças abaixo do peso ideal para a ida- base para a elaboração das estraté-
mais verde no prato. Mostrou orgu- de. Assim não expusemos nenhuma gias de intervenção junto ao Centro
lhosa a pirâmide alimentar que ela delas perante o restante da turma”. de Educação Infantil Canta Galo, o
ajudou a construir”, conta. estudo realizado entre os meses de
Secretarias de Educação março e maio de 2006, com 4.320
Não trabalhar com o NÃO e Saúde interagem no projeto dos 4.932 alunos da cidade, apontou
a necessidade de “ações de interven-
Para que um trabalho desse tipo João Mário Philippi, secretário ção nutricional com objetivo de modi-
surta efeito, ressalta Josilene, uma municipal de Saúde, e Astrid Helga ficar e reduzir a freqüência de distúr-
das principais atitudes é evitar a Dyck, secretária municipal de Edu- bios dessa natureza”, coloca Josilene.
‘negação’. Ela explica: “Procuramos cação, concordam na importância O estudo apontou a faixa etária que
evitar proibir determinado alimento. dessa parceria. João Mário conta, vai dos 11 aos 15 anos como aquela
Em vez de falar ‘não coma isso’, inclusive, “que trabalhos desse tipo mais propensa a sofrer de obesidade,
‘não coma aquilo’, preferimos uma chamam a atenção dos profissionais alcançando o alto índice de 17,36%
abordagem indireta, ressaltando as ao diabetes infantil, fazendo com do total de adolescentes consultados.
qualidades da alimentação saudá-
vel, pois muitas vezes justamente a
proibição pode atiçar a curiosidade
da criança. Acreditamos que esta
é a maneira mais didática de lidar
com a questão”. As nutricionistas
Multiplicadores de cautela
Monte Alto é uma pequena cida- apresentados pela Secretaria Muni-
de da mesorregião de Ribeirão Pre- cipal de Saúde (SMS), quase 1% da
to, interior de São Paulo. Com ruas população local está infectada com o
estreitas, gente sem pressa, casas vírus HIV. São 400 casos notificados
grandes e coloridas, uma torre de numa cidade de 44 mil habitantes.
igreja que se destaca e um ritmo de De acordo com dados do Programa
vida ainda manso. Nacional de Combate à Aids, do
Mas, como muitas cidades pe- Ministério da Saúde, até junho de
quenas do interior do país, também 2007 foram notificados 474.273
começa a sofrer com problemas que, casos no País. Unidade Básica de Saúde Accácio
de Oliveira Nunes.
há bem pouco tempo, eram mais ex- Levando em consideração esses
pressivos em cidades grandes: alto números alarmantes, em 2006, a
índice de uso de drogas, aumento enfermeira Priscila Mina Galati, che-
considerável no número de adoles- fe da Equipe Saúde da Família que importantes para o sucesso do proje-
centes grávidas e de portadores de atende na Unidade Básica de Saúde to Formando Multiplicadores para a
doenças sexualmente transmissíveis Accácio de Oliveira Nunes, no Bair- Prevenção das DST/Aids e Gravidez
(DST) e Aids. ro Bela Vista, periferia da cidade, na Adolescência (PFM), como o pro-
Apesar de pequena, Monte Alto chegou à conclusão de que era hora jeto Viva Vida, do Ambulatório Mu-
apresenta uma estatística quase pa- da Saúde da Família estreitar laços nicipal DST e Aids, Ambulatório da
radoxal à sua dinâmica interiorana com sua comunidade e daí se esta- Mulher e o Centro de Referência de
e conservadora: segundo números beleceu a parceria com outros atores Assistência Social (CRAS) e SMS.
Galati diz que o projeto tem um
caráter multidisciplinar para facilitar e
potencializar suas ações, ressaltando
o fato de que as questões abordadas
como DST, Aids, gravidez na adoles-
cência, prostituição, uso de drogas e
alcoolismo são reflexos de problemas
sociais profundos cujas raízes trans-
cendem às questões puramente cura-
tivas na esfera da saúde. “A área de
Após a implantação do
projeto, em 2006, segundo
dados da SMS, os casos de
DST e Aids foram reduzidos
em 41% no perímetro
urbano de Monte Alto.
O uso de drogas é
bastante discutido nas
aulas sobre educação
sexual e hábitos saudáveis
à saúde por dois fatores
pragmáticos:
a contaminação por HIV
entre usuários de drogas
injetáveis ainda é grande
no município e, além disso,
o indivíduo que usa
entorpecentes está mais
suscetível a ter práticas
sexuais menos seguras e
de ser indisciplinado em
caso de tratamentos
Meninas aprendem desenhando sobre gravidez na adolescência e métodos anticonceptivos na às DST e Aids.
UBS Accácio de Oliveira Nunes.
sociedade para que os idosos man- abrangência da UBS Accácio de Oli- na adolescência, supõe-se que
tenham vida social e sexual ativa. veira Nunes, mas os números cres- essa informação seja passada para
Há os clubes da melhor idade e centes de infecções notificadas de frente de maneira informal. Um in-
festas para esse público aconte- DST e Aids despertam maior preocu- divíduo repassa o que aprendeu e
cendo sempre. A família também pação por parte da gestão da unidade. assim a informação chega aos gru-
estimula muito esse comportamen- Atualmente, a UBS e seus parceiros pos sociais.
to sem aconselhamento adequado realizam trabalho de educação sexu- Após a implantação do projeto,
e o resultado disso é aumento con- al em escolas, prostíbulos, empresas em 2006, segundo dados da SMS,
creto de idosos contaminados com privadas e clubes da terceira idade. os casos de DST e Aids foram redu-
doenças venéreas e HIV”, revela A dinâmica do projeto de Monte zidos em 41% no perímetro urbano
Priscila Galati. Alto é simples, porém eficaz. Para de Monte Alto e até 50% no núme-
Hipertensão e diabetes são as cada abordagem direta com o in- ro de adolescentes grávidas. “Hou-
enfermidades campeãs na região de divíduo sobre DST, Aids e gravidez ve uma melhoria na qualidade de
vida da população da cidade com
a implementação do projeto de pre-
venção às DST e Aids. Dentro das
possibilidades do município, o tra-
balho feito é muito bom”, comenta
o secretário municipal de Saúde,
Paulimar Janones.
Se alguém é diagnosticado com
algum tipo de doença sexualmente
transmissível, é porque a adquiriu de
outra pessoa, provavelmente em uma
relação sexual. Mas, mesmo estando
conscientes do processo de transmis-
são, algumas mulheres se recusam a
revelar a seus parceiros ou parceiras
que estão doentes, temendo algum
tipo de represália psicológica ou fí-
sica. Para os Agentes Comunitários
de Saúde (ACS), a abordagem de um
paciente do sexo masculino ainda é
mais difícil e complicada.
51
que aprenderam aqui. Formamos Eu ainda brincava de boneca discriminada por eles. “Se eu tives-
multiplicadores assim”, comenta. se conhecido o “Fala, Garoto!” antes
Praticamente todos os adolescen- O resultado de uma das dinâmi- não teria feito essa burrada, as meni-
tes entrevistados que freqüentaram ou cas do grupo “Fala, Garoto!” chamou nas da unidade me apoiaram muito.
freqüentam o projeto dizem que não atenção dos coordenadores do proje- Agora vou perder minha mocidade
se sentiam preparados corretamente to: “Um dia estávamos falando sobre cuidando de minha filha”, revela,
para enfrentar situações de risco no autocuidado e prevenção de gravidez emocionada, a menina.
que diz respeito às práticas sexuais. na adolescência e a dinâmica propos- Ela fala, age e se comporta como
“Aprendi a colocar a camisinha num ta era que o grupo fizesse um desenho uma criança grande e triste. Olhar
pênis de borracha”, diz, envergonha- que ilustrasse os órgãos reprodutores perdido, aparência abatida. De ca-
da, uma aluna. femininos e o resultado nos deixou beça baixa, ajeita a alça de seu ves-
Os pacientes drogados com pro- pensativas. As meninas desenharam tido folgado de gestante e reflete:
blemas psicológicos são encaminha- uma mulher grávida. Isso parece uma “Quando engravidei eu ainda brin-
dos ao CRAS, e no departamento de besteira, mas na verdade é o reflexo cava de boneca!”.
Saúde Mental o paciente é submeti- da realidade daqui”, diz a enfermeira A assistente social do CRAS
do, por 15 dias, caso seja necessário, Neuza Bonjorno. Renata Cheyenne Belarmino diz
ao tratamento psicológico. Já houve casos de meninas que que o contexto vivido por essa
Todo esse processo de abordagem engravidaram aos 12 anos e quase adolescente, que foi abandonada
à comunidade, dentro ou fora das ins- todos os adolescentes da área co- pelo pai da criança, foi decisivo
talações da UBS, é discutido com os nhecem algum caso semelhante. nessa história. “O mais triste des-
ACS, que são os olhos e os mensa- Uma dessas adolescentes, de 16 se caso é que ela pensa que ele
geiros da ESF na região. São eles que anos, acabou de ter uma filha. Ela vai voltar para ficar com ela. Ela
identificam potenciais problemas, começou a freqüentar o “Fala, Garo- não compreende e não aceita que
encaminham pessoas, marcam exa- to!” ainda no início da gestação, con- isso foi mais uma aventura passa-
mes, acompanham o tratamento de vidada por uma ACS e estimulada geira na vida dele. A ausência de
doentes crônicos, identificam neces- pelas colegas de escola. A presença acompanhamento familiar na vida
sidades emergentes das famílias visi- da menina grávida nas oficinas e dela foi determinante para que
tadas e, acima de tudo, servem como palestras sobre métodos anticon- isso acontecesse”, diz.
ouvidores. “O Agente Comunitário de ceptivos e gravidez na adolescência Segundo a assistente social, mui-
Saúde é uma ponte, uma espécie de era um paradoxo necessário, servia tas meninas da comunidade mantive-
mensageiro, entre a unidade de saúde como exemplo vivo aos colegas e, ram relacionamentos com os operários
e a comunidade”, sintetiza a médica ao mesmo tempo, era uma forma que vinham fazer serviços na região.
de família Célia Pientznauer. de evitar que ela se isolasse e fosse Para que situações como essa sejam
“Minha vida mudou depois que eu busquei ajuda Joelma Rufino procurou ajuda da
no Viva Vida e comecei a conversar com o UBS e de lá foi encaminhada para
psicólogo e assistente social. Hoje aceito a minha o Ambulatório DST e Aids, onde ini-
realidade e tenho uma vida normal”. ciou seu tratamento. “Minha vida
Joelma Rufino – usuária. mudou depois que eu busquei ajuda
no Viva Vida e comecei a conversar
com o psicólogo e assistente social.
Hoje aceito a minha realidade e
tenho uma vida normal. Não con-
menos freqüentes, o PFM alerta as aos 15 anos, usei de tudo: maconha, seguiria me libertar das drogas se
empreiteiras que têm obras em cur- cocaína, crack e pico – droga injetá- não tivesse ajuda deles. Eu aprendi
so na área e seus funcionários sobre vel. Eu me casei pela primeira vez muitas coisas e quero que minha
pedofilia e cuidados preventivos às quando tinha 18 anos, nessa época história sirva como exemplo a to-
DST e Aids. tive a minha primeira filha, dois anos dos. Se pudesse dar um conselho
e meio depois eu me separei e voltei aos adolescentes, como dou aos
O caminho que leva às a me prostituir e usar drogas. Quan- meus filhos, eu diria para que nun-
drogas pode levar à Aids do eu tinha quase 21 anos fui tra- ca se aproximassem das drogas. Eu
balhar numa boate em Araraquara, tenho certeza que se não tivesse me
Joelma Rufino tem 31 anos e fiquei lá por dois anos e passei por envolvido com elas eu não teria que
trabalha com varredora de rua. Há três boates”, revela. passar pelo que passo, eu não teria
seis anos descobriu que tem o vírus Foi quando engravidou, pela o vírus HIV”, fala.
HIV. Todos os dias acorda às 6h e só segunda vez, de seu atual mari- Apostando no boca-a-boca, o
retorna à casa às 18h. Para ela, essa do, que descobriu que tinha sido projeto Formando Multiplicadores
foi a oportunidade de reerguer sua contaminada com o vírus HIV e para a Prevenção das DST e Aids
vida e recobrar sua dignidade, uma hepatite C. A criança nasceu con- e Gravidez na Adolescência está
bênção, como ela prefere dizer. taminada, mas foi negativada aos conseguindo melhorar a realidade
A história de vida de Joelma, oito meses. Depois do diagnóstico, de centenas de pessoas de uma
como a de boa parte das pessoas Joelma viu-se mergulhada num ci- maneira simples e eficaz, usando
que vivem próximas à UBS Accácio clo de autodestruição, desespero seus pacientes, estudantes e co-
de Oliveira Nunes, é marcada pela e depressão. Seu marido, também munidade como multiplicadores
tragédia e pela dor. Aos 14 anos des- viciado em drogas, preso por trá- de informações sobre DST, Aids,
cobre as drogas e o álcool e em pou- fico de entorpecentes, dividia com gravidez na adolescência, uso de
co tempo se prostituía para alimentar ela não só o vício, mas a sentença drogas e violência. A dinâmica é:
seu consumo. “Comecei a me drogar da destruição iminente. Aprendeu? Passe para frente!
Ondas do Rádio
É na hora do almoço que centenas de moradores de clínico e quando observam as primeiras melhoras logo
Monte Alto ouvem as notícias da prefeitura em uma emis- abandonam os remédios e desaparecem. A doença con-
sora AM. Entre uma notícia e outra é bem provável que che- tinua lá e esse indivíduo pode seguir contaminando ou-
gue uma mensagem do tipo “Seu João da Silva, por favor, tras pessoas”, argumenta.
compareça à Unidade de Saúde da sua comunidade”. É A transmissão vertical do vírus HIV, quando a mãe
dessa forma que as UBS da cidade chamam os pacientes contamina o filho no nascimento, também é uma pre-
que abandonaram seus tratamentos por algum motivo, so- ocupação constante do Viva Vida. Neuza Bonjorno diz
bretudo as pessoas que convivem com DST e Aids. que o percentual de bebês negativados ao longo do
Para evitar qualquer tipo de especulação sobre o tratamento é grande. As gestantes contaminadas são
motivo do chamado, a Secretaria de Saúde tem o cui- assistidas de maneira rigorosa e o processo se comple-
dado de não permitir que o Ambulatório Municipal DST ta quando os bebês são negativados.
e Aids seja mencionado. Os pacientes sempre são con- A unidade, que também é centro de testagem, con-
vidados a comparecer em determinadas unidades de ta com consultório odontológico próprio que atende às
saúde e de lá são encaminhados para a continuidade demandas dos pacientes que vivem com DST e Aids
dos seus tratamentos. e seus familiares. Infectologistas, clínicos e psicólogos
A enfermeira Neuza Bonjorno diz que essa medida foi também fazem parte da equipe do ambulatório.
tomada devido ao número crescente de doentes crônicos, Nas dependências do prédio também funciona uma
não só os que têm Aids que abandonam seus tratamen- pequena fábrica de fraldas que supre as necessidades
tos. “Há pacientes com DST que iniciam o tratamento das unidades de saúde do município.
Revista Brasileira
54 Saúde da Família
Confluência de Ideais
go entre duas realidades: uma basea- parceiros como os Conselhos Regio- que uma vez delimitada a associa-
da na lógica técnico-científica e outra nal e Local de Saúde. ção, por meio de análises qualitati-
na lógica popular. Para nós esses dois Outro parceiro importante do II vas e quantitativas do questionário,
mundos se influenciam mutuamente e Encontro foi a Secretaria Municipal o passo seguinte foi a definição da
são influenciados por conceitos e valo- de Saúde, que, por meio da estra- forma dessa intervenção: “Por meio
res construídos historicamente”, diz. tégia Saúde da Família, a partir das de reuniões com o movimento, com
Para Ludmilla Taborda Moreira Unidades Básicas de Saúde (UBS) os profissionais envolvidos tanto do
Assis, universitária de enfermagem, localizadas nos territórios dos bairros Conselho Local de Saúde quanto da
o crescimento do número de jovens Santa Luzia, com cerca de 12.500 Saúde da Família, determinamos
no Brasil não tem sido acompanhado habitantes, e Ipiranga, com popula- como atividade a ser realizada a
por políticas públicas voltadas para ção aproximada de 13 mil pessoas, elaboração de um jornal da comu-
esse público e que estas, quando cedeu seus espaços para inscrições nidade em parceria com jovens de
implementadas, devem valorizar a e diálogos com a sociedade. Parti- 15 a 21 anos”.
escola “a exemplo desse próprio pro- ciparam as UBS de Santa Efigênia, A escolha desse público não foi
grama que os Ministérios da Saúde e Cruzeiro do Sul, Ipiranga, Santa Lu- por acaso, os profissionais envolvi-
da Educação lançaram em conjunto zia e Teixeiras. dos perceberam a intenção de ofe-
(referindo-se ao Programa Saúde na O líder comunitário Pedro da Sil- recer orientações aos jovens sobre
Escola). A diferença deve começar a va Vargas, membro da Associação de higiene, sexualidade e promoção à
ser feita assim: a partir da escola e Moradores do Bairro de Santa Luzia, auto-estima. A maioria dos movi-
da educação popular”, finaliza. agraciada pelo Projeto de Extensão, mentos tem como objetivo a promo-
Logo, os alunos da UFJF começa- coloca que a parceria com as ESF ção social e humana e, em comum,
ram as discussões sobre o que de fato foi decisiva “pela inserção que esse o fato de não receberem contribui-
poderiam fazer para serem agentes modelo tem na comunidade, penso ções formalizadas de órgãos públi-
transformadores. Nascia o projeto: a Saúde da Família como a melhor cos, sobreviverem de doações e seus
Educação Popular e os Movimentos política pública da área da saúde já participantes serem voluntários.
Sociais: Construindo Interação em pensada neste país”. Pedro conta
Universidade e Comunidade. que, como membro da associação, Mãos Jovens
sabe a “dificuldade que é fazer com
Integração que a comunidade se mobilize, para Quanto à produção, chegou-se à
Universidade/Comunidade tirar a pessoa de casa mesmo quan- conclusão de que o jornal devia ser
do o assunto é do interesse dela. E a bem artesanal, com montagens, co-
O grupo decidiu por trabalhar Saúde da Família mostra respeito pe- lagens e até alguns trechos escritos
com Educação Popular junto a al- las desigualdades sociais, porque os à mão, para que o produto final fos-
gum movimento social já existente hospitais, em geral, estão nos centros se menos denso, coloca Laura. “As-
na área delimitada: os bairros de das cidades, longe das periferias”. sim, os jovens da comunidade têm
Ipiranga e Santa Luzia, próximos à a oportunidade de repassar o que
universidade e, portanto, mais aces- Educação Popular em Saúde aprenderam de uma forma descon-
síveis aos estudantes. Para a esco- traída, sem a pressão de ter que sair
lha, foi realizado um levantamento A universitária do curso de medi- perfeitinho”, ressalta Laura. Ludmilla
junto a diversos movimentos sociais cina, Laura Mendes Barros, explica Taborda completa: “O próprio nome
que atuam junto a essas populações.
Foram aplicados questionários semi-
A aluna do 3º ano do Ensino Médio
estruturados junto aos representantes Vivian Maria Leite entregando o jornal
comunitários com os seguintes itens Mãos Jovens para o grupo de capoeira do
referentes aos movimentos: identifi- bairro Santa Luzia.
Informação de nada adianta. colega ele tem a certeza de que não É um tema muito específico, envol-
É uma questão de consciência será repreendido. E é por isso que ve diversas áreas, diversas conse-
e atitude. trabalhamos, para que esse colega qüências”, completa Neide.
Um olhar de esperança. tenha as respostas certas para lhe Para a pedagoga, movimentos
dar: que use camisinha, que respei- como o feito pelo Agente Jovem em
Quem cola na idéia diga ow te o seu corpo, que tenha consciên- parceria com a Saúde da Família
cia de seus atos”, coloca Álvaro. são importantes, “pois, ao ver que
Nem tudo é agora. Neide Arseno Tesseroli, vice- outro indivíduo, da mesma condi-
Nem tudo é assim. diretora e pedagoga do Colégio ção social, da mesma idade, que
Estadual Dr. Bayard Osna, onde o estuda no mesmo lugar, é capaz de
O que é bom no momento, trabalho foi apresentado, ressalta fazer uma apresentação artística,
Às vezes guarda um futuro ruim! “a felicidade de saber que nós não de compor uma música, de se apre-
Então relaxa e... pensa: estamos sozinhos nessa batalha. É sentar com segurança à frente dos
A melhor proteção é a bom saber que outras esferas da so- outros, cria-se aí um espelho, um
sua consciência! ciedade estão preocupadas com o referencial do eu também posso, se
que se passa dentro da escola”. A ele conseguiu eu também consigo.
E assim, com diversão e intera- vice-diretora coloca que atualmente E cria entre estes jovens uma rela-
ção com os colegas, as mensagens os pais estão “colocando nas costas ção de respeito e confiança, daí o
foram passadas adiante, para cerca das escolas não só a educação, mas poder do multiplicador, do protago-
de 370 alunos. “Às vezes, para o jo- toda a formação moral. Temos que nista mesmo, como diz o nome do
vem, é muito mais fácil perguntar, dar conta de, muitas vezes, suprir projeto”, ressalta.
se abrir com o colega do que com carências afetivo-emocionais, por
o pai, a mãe ou o professor. Com o causa da falta dos pais. É preciso
resgatar para a escola o seu papel “É preciso resgatar para a
primordial: o do conhecimento cien- escola o seu papel primordial:
tífico, mas para isso precisamos de o do conhecimento científi-
parceiros, pois, frente à demanda co, mas para isso precisamos
que temos, sozinhos não damos de parceiros, pois, frente à
conta”, desabafa. O próprio tema demanda que temos, sozinhos
da sexualidade é um fator com- não damos conta”.
plicado de lidar, pois “um assunto Neide Arseno Tesseroli –
que nem sempre a escola está bem vice-diretora do Colégio Estadual
preparada para falar é sobre sexo. Dr. Bayard Osna.
Revista Brasileira
60 Saúde da Família
mente na infância e adolescência, são apontadas como Muito se tem feito em escolas com o intuito de melho-
possíveis determinantes de iniqüidades em saúde bucal rar a saúde e a educação de crianças e adolescentes. De
(WATT, 2007; PERES, M. A.; PERES, K. G., 2008). As- práticas prescritivas, regulatórias e para controle da vida,
sim, crianças precisam viver em ambientes seguros, sau- restringindo criatividades e potencialidades, a práticas
dáveis, suportivos, cuidadores e responsivos. Pré-escolas problematizadoras e de estímulo à construção da cidada-
e escolas, como parte do ambiente de vida que contribui nia e da libertação de sujeitos. Foi assim desde o início
para o desenvolvimento de crianças, podem ter um papel do século XX, quando intervenções de saúde pública cen-
vital na construção de suas capacidades, com impacto tradas na inspeção médica de crianças, exames físicos e
ao longo de toda a vida (WORLD HEALTH ORGANIZA- a introdução da merenda escolar passaram a ser desen-
TION, 2008), influenciando não apenas suas atitudes e volvidas em escolas para estabelecer saúde pessoal e hi-
comportamentos em relação à saúde, mas também sua giene. Mais tarde, a educação para saúde foi introduzida
ação enquanto cidadãos na comunidade, quando adultos como estratégia para evitar comportamentos de risco à
(MOYSES et al., 2003). saúde, como o tabagismo, a drogadição, a alimentação
Uma escola que assume sua responsabilidade pela inadequada ou a “sexualidade irresponsável”. Dessa for-
ação em saúde e combate iniqüidades valoriza a expan- ma, a escola passa a ser vista pelo Setor Saúde como um
são do conhecimento, desenvolve capacidades de seus espaço para mensagens, materiais e programas preventi-
professores, funcionários, pais e da comunidade como vos (STLEGER et al., 2007), reforçando uma prática de
um todo para atuar sobre os determinantes da saúde e saúde pública behaviorista (BASU, 2003), centrada na
da qualidade de vida. Estabelece parcerias para o de- abordagem individualista comportamental, com enfoque
senvolvimento de ações intersetoriais que dão supor- na reprodução de valores e comportamentos.
te à saúde de sua comunidade. Prioriza investimentos As limitações dessa abordagem voltada para esti-
de recursos voltados para ações promotoras de saúde los de vida individuais em escolas têm sido exploradas
com comprovada efetividade. Favorece a participação e na literatura, tanto em termos de sua efetividade como
empoderamento coletivos, reconhecendo e valorizando custo (LISTER-SHARP et al., 1999; SCHOU; WIGHT,
diversidades e apoiando ações comunitárias coletivas 1994). Revisões sobre práticas preventivas de saúde
no âmbito da educação e da saúde. bucal demonstram as limitações das intervenções edu-
cativas para produzir melhoras sustentáveis em saúde
Caminhos e descaminhos da promoção à bucal (BROWN, 1994; SCHOU; LOCKER, 1994; KAY;
saúde na escola LOCKER, 1996, 1997; SPROD; ANDERSON; TREA-
SURE, 1996; WATT; MARINHO, 2005). Além disso,
Em tempos de explicitação de iniqüidades sociais, práticas educativas e preventivas em escolas são, quase
econômicas, de saúde e de educação nas sociedades sempre, desenvolvidas por profissionais das Equipes de
modernas, a escola, como espaço social que abriga co- Saúde Bucal, o que amplia seu custo consideravelmente
letivos e individualidades, concretiza-se nos contextos (WATT, 2007).
urbanos como um ambiente conflituoso de construção Intervenções em escolas direcionadas para mu-
da cidadania e repressão, de proteção e ampliação de danças de comportamentos individuais muitas vezes
vulnerabilidades, de cuidado e violência. “culpabilizam as vítimas”, pois colocam nos indivídu-
Práticas de promoção à qualidade de vida e saúde os a total responsabilidade por seus comportamentos
no ambiente escolar pressupõem a contextualização da ligados à saúde. Desconsideram, portanto, que esco-
escola frente às mudanças impostas pela modernidade, lhas são fortemente influenciadas por fatores socio-
que caminham pelo direcionamento de ações para a ga- ambientais nos espaços onde as pessoas vivem. Além
rantia dos direitos coletivos e, ao mesmo tempo, pelo re- disso, podem representar uma opção política institu-
forço a potencialidades individuais e busca da cidadania. cional de alocação de escassos recursos em práticas
Isso inclui políticas públicas pensadas para o coletivo nas comprovadamente não efetivas, com importantes im-
escolas, o estímulo à convivibilidade entre a pessoa e plicações éticas.
seu entorno, na dimensão social da vida. Mas também Novas abordagens de intervenções em saúde no
a ação emancipatória e de construção da autonomia e ambiente da escola têm sido construídas nos últimos
individualidade de sujeitos a serem preparados para vi- anos, atreladas aos movimentos do setor de educação
ver em sociedade, desenvolvendo habilidades pessoais, na perspectiva de valorizar o papel da escola como cen-
fortalecendo sua autonomia e resiliência em situações tro de irradiação do desenvolvimento social da comu-
que os colocam em vulnerabilidade no contexto da vida nidade por meio dos princípios da educação inclusiva,
coletiva (ASSIS; PESCE; AVANCI, 2006; STLEGER et da participação e da democratização do conhecimento
al., 2007). (CURITIBA, 2005). Essa nova visão da escola propocia
Revista Brasileira
72 Saúde da Família
a ampliação do espectro das ações em saúde amplian- ao desenvolvimento de ações intersetoriais voltadas
do o vínculo com a comunidade escolar, a extensão dos para a promoção à saúde no território são exemplos
serviços de atenção à saúde para estudantes e funcio- de estratégias definidas por essas políticas. Além dis-
nários, a criação de ambientes fisicos e sociais de su- so, a atuação em escolas, como qualificação do cui-
porte à saúde e a ampliação do currículo para além das dado à saúde bucal, também está incluída como uma
atividades em sala de aula. ação estratégica na Política Nacional de Saúde Bucal
O movimento de Escolas Promotoras de Saúde é (BRASIL, 2004a).
um dos exemplos. Difundido, na década de 1990, pela O Programa Saúde na Escola, instituído no final
Organização Mundial da Saúde e Organização Pan- de 2007 e iniciado em 2008, por meio de uma ação
Americana da Saúde, na região das Américas, é uma integrada entre os Ministérios da Saúde e Educação,
estratégia de atuação em escolas que se fundamenta delineia-se como uma política pública de atuação em
no desenvolvimento articulado de ações sobre aspec- quatro componentes: avaliação das condições de saú-
tos que influenciam a saúde da comunidade escolar, de de estudantes; promoção à saúde e prevenção de
incluindo políticas públicas, meio ambiente, parcerias doenças; educação permanente e capacitação dos pro-
e aquisição de habilidades para a vida (IPPOLITO- fissionais e de jovens; monitoramento e avaliação da
SHEPHERD; CERQUEIRA; ORTEGA, 2005; STLEGER saúde dos estudantes. Embora ainda em fase de imple-
et al., 2007). As evidências disponíveis demonstram mentação e consolidação no país, esse programa tem a
que essa abordagem tem impacto positivo sobre o am- potencialidade de reforçar o desenvolvimento de ações
biente físico e social da escola, com possibilidade de intersetoriais importantes na promoção à saúde no am-
promover mudanças em comportamentos, como con- biente escolar, numa parceria, agora institucionalizada,
sumo de alimentos e práticas corporais, além do im- entre saúde e educação.
pacto sobre auto-estima e relacionamentos (LISTER- Analisando experiências intersetoriais de promoção à
SHARP et al., 1999). Impacto positivo de escolas saúde, (WESTPHAL; MENDES, 2000) relatam que os
promotoras de saúde também foi comprovado sobre setores da saúde e educação são os parceiros mais co-
a condição de saúde bucal de crianças, especialmente muns, mas que muitas dessas iniciativas são informais
relacionados à experiência de cárie e trauma dental e não envolvem um trabalho prévio de planejamento,
(MOYSES et al., 2003). sendo ações definidas por apenas um setor. Práticas
Portanto, tornar a escola um espaço promotor de educativas e de prevenção de doenças bucais, como es-
saúde implica comprometimento com um projeto políti- covação supervisionada e aplicações de flúor em escolas,
co-pedagogico contextualizado com a realidade de con- têm sido tradicionalmente desenvolvidas por Equipes de
flitos de propósitos explicitados no campo da educação Saúde Bucal na atenção básica. Entretanto, na maioria
contemporânea. Não se trata apenas de incorporar prá- das vezes, essas ações acontecem de forma isolada de
ticas de vigilância à saúde no espaço coletivo da escola, outras iniciativas de saúde, provocando efeitos positivos
justificadas pela facilidade para atingir uma população temporários, mas de pouco impacto em melhorias das
prioritária cativa. Mas sim compreender como imple- condições de saúde bucal da população. Essa aborda-
mentar ações essencialmente intersetoriais de suporte à gem compartimentalizada, separando a boca do resto do
saúde, já que planejadas, desenvolvidas e monitoradas corpo, pode significar duplicação de esforços, desperdício
a partir da interação de óticas complementares da saú- de recursos, além oportunizar mensagens contraditórias
de e da educação. Implica reconhecer o que a educação à população (WATT, 2007).
já faz que promova saúde e, de forma complementar, É necessário, portanto, integrar ações de promo-
pautar novos conhecimentos técnicos que suportem ção à saúde bucal a outras ações de saúde geral no
práticas ampliadas que possam efetivamente interferir ambiente da escola. A abordagem de fatores comuns
na saúde e na doença de pessoas. de risco, que coordena ações sobre condições de risco
comuns e seus comportamentos associados, objetiva
Práticas promotoras de saúde (bucal) na escola: atingir determinantes comuns a várias doenças crôni-
das políticas públicas a ações preventivas cas, inclusive doenças bucais (SHEIHAM; MOYSÉS,
O O reconhecimento da escola como lócus para o 2000). Essa abordagem, além de integralizar práti-
desenvolvimento de estratégias de promoção à saúde cas, facilita o estabelecimento de parcerias profissio-
no Brasil está explicitado nas atuais Política Nacional nais e comunitárias.
de Promoção da Saúde (BRASIL, 2006a) e Política Promover saúde bucal significa recolocar a boca den-
Nacional de Atenção Básica (BRASIL, 2006b). A va- tro do corpo e reconhecer o corpo como parte de uma
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