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Predador

N ovamente o maldito sinal vermelho!


Pedro olha pelo retrovisor e o vê se aproximar.
Como se não bastasse o calor e o barulho
insuportáveis, ainda tem que tolerar a presença deles!
Esse não era nada diferente dos tantos outros. Era
mulato, muito jovem, roupa imunda e uma caixa de doces
na mão. A abordagem também não tinha nada de original:
__Compra um doce aí, tio!
Tio! Ele odiava aquilo também ! Não, era o que mais
odiava. Aquela intimidade forçada revirava-lhe o estômago.
O menino não percebia, ou fingia não perceber, a
evidente má vontade do jovem empresário. Sem cerimônia,
apoiou a mão sobre o vidro da porta do carro, uma
pequena brecha que Pedro, por distração, ainda não
vedara.
__Só um tio, é baratinho!
Rapidamente, num reflexo defensivo, Pedro ergueu
totalmente o vidro, horrorizado, ao perceber a pequena
mão encardida invadindo o único lugar onde ainda se
sentia protegido contra aquela turba que invadia as ruas.
O menino retirou rápido a mão e afastou-se para junto
de outro carro, depois de lhe Ter feito um clássico e
sugestivo gesto.
Pedro balançou a cabeça. Nunca se livraria daquilo,
estavam em todos os lugares como uma praga . O sinal
finalmente abriu e ele, suspirando de alívio, acelerou o
carro. Graças a Deus já estava bem perto do escritório.
A agência de viagens onde trabalhava com o sócio e
uma secretária estava se destacando rapidamente. Apesar
de todo o otimismo que sempre tivera em relação àquele
projeto, o sucesso ultrapassava as expectativas de ambos.
Claro, não era sorte, como alguns ignorantes insistiam em
afirmar, era competência e trabalho! Nisso, sim, acreditava
e já estava colhendo os frutos de sua perseverança.
Chegou finalmente ao prédio. Estacionou o carro e
subiu a rampa em direção a luz,esperando alcançar o
quanto antes a portaria. Estava quase sorrindo ,quase
esquecido da experiência desagradável de todos os dias ,
quando tropeçou em alguma coisa, e foi novamente
arrastado para aquela realidade que o perseguia.
__Ei ,cara! Vê se olha por onde anda! Tá pensando o
quê!
Era mais uma daquelas criaturas escuras, esfarrapadas,
que também se espalhavam pelas calçadas, como se
quisessem ocupar cada milímetro de espaço.
Pedro se afastou quase correndo, mas o homem,
tropeçando, ainda o seguia, estendia-lhe as mãos,
revoltado:
__Não vai pedir desculpa não? Olha aqui, seu ...!
E como o outro não se voltasse , para dar mais força às
palavras, deixou cair o que lhe restava das calças e exibiu-
se ali, na calçada, sem se importar com os olhares
horrorizados dos passantes. Ao contrário, parece que isso o
animou ,de forma que passou a gritar cada vez mais
alto ,até finalmente tropeçar nos trapos que se
embaraçavam em suas pernas, e desabar novamente ao
chão, para só assim voltar `a letargia de antes.
Pedro alcançou a entrada do prédio esbaforido e,
ignorando os elevadores e o porteiro, correu até às
escadas. Precisava descarregar de alguma forma toda
aquela tensão que lhe subia para a cabeça. Eram quatro
lances , apenas. O médico não lhe vivia dizendo que
precisava de exercícios?
Arquejante, chegou ao escritório. Jogou a maleta sobre
a mesa e se deixou desabar na cadeira . André, que já
estava lá há algum tempo, estranhou o aspecto do amigo .
__Não me diga que o elevador está quebrado!
__Não, não está! Subi as escadas porque quis!
__Quanta disposição!
__Isso é surpresa?
__Tá brincando? Logo você , Pedro Martinez, que não
dispensa o carro nem para comprar pão?
__Vamos parar de falar de mim e tratar de negócios?
__Sim, senhor, sócio! Grandes notícias, mais três
negócios fechados!
__ A perua de ontem ligou para confirmar?
__Melhor! Ela veio pessoalmente e...fez o pagamento à
vista!
__Menos mau!
__Nossa , que desânimo! Eu aqui falando da sua religião
e você aí, no maior desprezo! O que houve ,a Denise está
te dando um gelo de novo?
__Cara! Você tá um saco, hoje! Tá falando mais do que
uma mulher velha!
__Nossa ,tensão pré- menstrual é fogo! Não, seu ...!
O rapaz recebeu o impacto da pasta lançada por Pedro
no braço esquerdo com um palavrão, menos pela dor do
que pelo trabalho que teria reorganizando toda a papelada
que ele viu espalhar-se pela sala atapetada.
__Isso não se faz!
__ Isso é pra você aprender quem manda!
André ia responder à provocação, mas ouviu passos
inconfundíveis no corredor. Com um gesto empurrou a
pasta para debaixo da mesa com o pé, enquanto Pedro
recolhia rapidamente os papéis .
__Atrapalho, meninos?
Era Denise, que acumulava as funções de secretária e
namorada oficial de Pedro.
__Denise! Que surpresa, meu anjo!
E André foi ao encontro da morena de olhos claríssimos,
de uma tonalidade que não se decidia entre o azul e o
verde. Estava especialmente deslumbrante naquele dia,
usando um vestido leve, de um amarelo suave, que lhe
deixava descobertas as costas lisas, perfeitamente
desenhadas.
André estendeu-lhe os braços ,já sentindo o perfume
discreto e sedutor, quando Pedro se interpôs entre ambos ,
chamando o amigo à realidade com uma leve, porém
precisa, cotovelada. Em seguida, passou o braço em torno
dos ombros da moça com um prazer que era mais posse
do que afeição.
Ela beijou-o de leve.
__Chegou cedo hoje __disse-lhe Pedro.
__Saudades, amor __e tornou a beijá-lo.
__Ah, a falsidade feminina!
Denise fingiu ofender-se e encostou o corpo fino ao do
rapaz, ergueu o rosto, onde a boca rosada pronunciava-
se, sussurrando-lhe bem próximo ao ouvido:
__ Quanta injustiça! Então não já cansei de lhe dar
provas do meu amor?
Dessa vez o beijo foi mais quente, e André afastou-se
um pouco, levemente incomodado. Quando os namorados
finalmente afastaram-se Denise voltou a notá-lo :
__ E você André? Como tem conseguido aturar o mau-
humor do Pedro?
__ Com diplomacia, querida. Muita diplomacia!
A moça sorriu daquele jeito que deixava André
inspirado, e só então notou a desordem da sala.
__O que que houve aqui? Eu deixei tudo perfeitamente
arrumado ontem!
__Estávamos falando de mau-humor...então pergunte a
seu namorado.
Pedro, que já tinha se ocupado de outras tarefas ,deu
de ombros:
__Vocês dois falam muito! Tratem de arrumar a
bagunça e mãos `a obra!
__Por que será que eu te amo?
__Hum...boa pergunta... __provocou André, enquanto
procurava reorganizar os documentos espalhados sobre
sua mesa.

****************
Pedro estava de volta ao seu apartamento. Não era
muito grande , mas era confortável e estava situado num
ponto privilegiado da cidade, com uma vista espetacular, e
tão estrategicamente localizado, que dali não se avistava
nem os topos dos horrendos casebres que se amontoavam
uns sobre os outros e que, para sua infelicidade , ficavam
no mesmo bairro.
Não! Dali, sobre a cama macia ,onde ao alcance de sua
mão dormia uma bela mulher nua, envolta em lençóis de
seda, se avistava apenas a imensidão azul de alvas cristas
ondulantes e outros apartamentos, ocupados por pessoas
de verdade.
Denise esticou o braço para tocá-lo:
__No que você está pensando?
Pedro ignorou a pergunta. Acariciou de leve seus
cabelos:
__Dorme.
__ Não posso. Preciso voltar para casa hoje, esqueceu?
__ Ah, é...sua mãe! Outra vez!
Pedro levantou-se com um gesto de enfado. Denise
sentou-se, apoiando-se no travesseiro. Olhou o namorado
com rancor:
__Ela não tem culpa de estar doente!
__Você já sabe qual é a solução para esse problema,
para quê discutir outra vez?
__Eu não vou levar minha mãe para um asilo, Pedro !
__ E Eu não vou mais falar sobre isso! Mas, até que você
use a cabeça para pensar, nada de alianças, nada de
marcha nupcial...para mim é ate melhor!
Denise odiava quando ele ficava assim tão duro, tão
insensível. Às vezes, achava que ele era feito de um
material diferente das outras pessoas. Era sempre tão
egoísta! E agora que a mãe estava doente, precisando mais
dela do que nunca, ele praticamente lhe dera um ultimato:
ou deixava a mãe sob os cuidados de uma clínica ou não se
casariam. Tinha lhe dito, sem rodeios, que não conseguiria
viver sob o mesmo teto com alguém tão doente e que
precisaria constantemente de atenção. Da atenção dela,
mais especificamente. Tinha ficado bem claro que Pedro
não admitiria que ela dividisse a atenção que deveria
dispensar apenas a ele __mesmo que fosse com a mãe
idosa e doente.
Desde esse dia, refletiu seriamente se deveria continuar
ao lado de um homem que considerava tão pouco seus
sentimentos e que, de tão certo de seu amor, não pensava
duas vezes em atormentá-la com uma decisão tão cruel.
Mas logo entendeu que não conseguiria viver longe de seu
corpo. Não sabia se era amor, o amor romântico dos filmes,
mas estava certa de se tratar de uma dependência para
qual ainda não queria encontrar cura. Desde então , vinha
tentando abrandá-lo ,mas até agora não havia conseguido
avançar nem um centímetro.
Com um suspiro, a moça levantou-se, enrolada aos
lençóis, e pôs-se a procurar as roupas, quando a porta do
quarto foi forçada com estrondo e, em seguida, aberta
violentamente .
Denise encostou-se à parede, subitamente petrificada.
Eram dois. Não estavam com os rostos cobertos e
vinham muito alterados, de armas em punho:
__ Quieta aí, p...! Cadê teu macho?
Denise não conseguia articular nenhuma palavra, o
corpo perdera a sensibilidade, como se estivesse
congelado. Sentiu o pânico aumentar quando um deles
veio em sua direção, desfigurado por uma raiva que ela
não compreendia, e puxá-la do chão, onde se deixara cair.
__Fala! Cadê o cara que tava contigo? A gente ouviu a
voz dos dois!
__Se ele tiver tentando alguma gracinha, os dois vão se
ferrar!
Nesse momento, todas as notícias que já lera ou ouvira
sobre assaltos, assassinatos, e toda sorte de violência lhe
passaram pela cabeça. Era como se estivesse no meio de
um furacão, perdera completamente o equilíbrio. Agora só
conseguia pensar no namorado. Os dois marginais o
estavam procurando pelo quarto, revirando tudo. Até que
um deles saiu em direção ao banheiro. Denise sentiu que
desmaiaria a qualquer momento. Sabia que achariam
Pedro lá, e não sabia o que aqueles dois realmente
queriam. Se fosse só dinheiro, estava bem, mas e se não se
contentassem com que tinha ali, o que seria dela e de
Pedro?
Ela estava sobre a cama ,trêmula, tentando se manter o
mais calma possível com o cano da arma apontado em sua
direção, quando ouviu o som de um disparo vindo do
banheiro. Ela não teve tempo de qualquer reação, porque o
homem ao seu lado a segurou pelos cabelos e a manteve a
frente de seu corpo , como um escudo. Chamou pelo outro,
desconfiado do silêncio que se seguiu ao tiro:
__Nando! Que que houve aí? Fala, desgraçado!
Denise já imaginava o corpo de Pedro ensangüentado,
jogado ao chão. Os soluços abalaram-lhe o corpo e a fez
esquecer o lençol que até então segurava para esconder a
nudez.
__Cala boca!
O marginal avançou com Denise a sua frente e a arma
apontada na direção da porta aberta. Tornou a chamar pelo
amigo ,mas àquela altura, já sabia o que tinha acontecido.
__Olha, eu tô com tua mulher, cara! Se tu não aparecer
agora eu ...
__Tudo bem! Eu estou saindo!
Denise ouviu a voz de Pedro e não acreditou. Então ele
estava vivo! Mas se tinha matado o outro ,então ...A moça
não concluiu o raciocínio, viu o pedaço do roupão azul que
o rapaz usava aparecer na porta . Em seguida, uma arma
foi lançada aos seus pés.
__Pronto eu estou desarmado! Deixa a moça!
__Acha que eu sou burro? Aparece primeiro ou ela
morre já!
Novo silêncio. Ela sentia o nervosismo do homem, que
lhe feria as costas com o cano da arma, aumentar cada vez
mais.
__Como é que é! Tá brincando comigo? Acha que eu
não tenho coragem de matar essa galinha !
No banheiro, agora manchado pelo sangue do rapaz
imóvel a seus pés, Pedro não se decidia. Sabia ,no entanto,
que precisava arriscar tudo. Se saísse desarmado, ele e
Denise seriam mortos. Então respirou fundo, reuniu toda
sua frieza, tirou a pistola ensangüentada das mãos do
morto e apareceu a frente do outro homem , apontando-lhe
a arma. Evitou fitar Denise, pois a visão fragilizada da
namorada poderia lhe tirar a decisão e fazer com que
botasse tudo a perder. Encarou o algoz, naturalmente
controlado .
__Solta a moça . Nós dois resolvemos isso.
__Pedro...
__Cala boca! Solta você a arma, ou então vai ver ela
morrer agora!
__No momento em que ela estiver morrendo, eu vou
estar atirando em você!
__Dane-se !Mas ela morre ! Ela morre!
Nesse instante ouviu-se sirenes pela janela . O bandido
teve um estremecimento de animal sem saída.
__Está vendo só, você não tem como escapar!
__Tu que pensa! Diz adeus pra ela!
Pedro lembraria- se para sempre do rosto de Denise
naquele momento, quando a bala perfurou suas costas, as
mesmas que, há alguns instantes atrás, estavam junto `as
suas.
O bandido ainda segurava a moça, inerte junto a si,
quando sentiu que era atravessado por vários projéteis,
alguns deles saíam do corpo gelado que tinha nos braços,
até que, quando tentava erguer o braço ferido, sua
consciência apagou-se para sempre, varada por uma bala
que o jogou para trás e deixou seu sangue impresso nos
brancos lençóis de seda.
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o depoimento havia sido longo e cansativo. Pior


ainda haviam sido as explicações, os detalhes mil
vezes recontados, as lágrimas ,os ataques
histéricos que sempre acompanhavam a morte. Era o ritual
de praxe , tão doloroso quanto o próprio fato, mas não
havia como escapar dele.
No entanto, de tudo, o que mais o incomodava era não
Ter como apagar de sua mente a sensação assombrosa de
alívio que se seguiu ao som do primeiro disparo que matou
Denise. Tomando a iniciativa, o bandido havia resolvido
seu dilema. Não que Pedro houvesse, em algum momento,
desejado que a namorada fosse sacrificada, mas porque
não admitia a própria morte, não naquele momento. E não
havia escolha. Era o que ficava ecoando em sua cabeça
desde o momento em que atirara de volta , através do
corpo dela , sem nem ao menos Ter certeza de que já
estava morta após o primeiro disparo. Não havia escolha.
Se deixasse que o sentimento o paralisasse , estaria morto
também- ou aleijado- o que lhe era muito mais
aterrorizante.
Ficava imaginando se teria coragem de atirar mesmo se
no lugar de Denise estivesse alguém de seu sangue, e
mentalmente fazia com que as vítimas mudassem de rosto.
Ora era sua mãe quem estava na mira do revólver , ora seu
pai, um dos irmãos , o filho que ainda não tivera e, em
todos os casos, sua reação era a mesma . E o mais incrível
era que isso não o assustava, pois compreendera desde
cedo que o verdadeiro poder era não se deixar dominar por
sentimento algum.
Depois do ocorrido, Pedro, instantaneamente, voltou
sua atenção para a questão prática. Um exame mais
detalhado mostraria de onde partiram todas as balas no
corpo da moça. Havia ainda o assaltante morto no banheiro
.
Quando os policiais chegaram haviam-no encontrado
ainda segurando o revólver, imóvel diante dos corpos na
sala. Um dos policiais o fez sentar-se e comentou com
outro que ele estava em choque, mas Pedro estava apenas
tentando lembrar-se do número de seu advogado. Já o
conhecia há um bom tempo, era um homem experiente,
lúcido e abençoadamente despido de qualquer escrúpulo
inútil. Além do mais, tinha influência e conhecimento
suficientes para ratificar sua versão de que todas as
balas que vitimaram Denise partiram do revólver do
assaltante, enfurecido com a morte do companheiro.
Agora , havia um considerável desfalque em sua conta,
mas considerando a repercussão e as conseqüências que a
verdade teria, o lucro era seu.
No enterro, o rosto de Denise estava sereno e quase tão
belo quanto antes. Olhando seu rosto fixamente, Pedro
vasculhou a própria alma à procura de um resquício de
remorso ou saudade, mas não havia nada. Nem a mais
leve sombra.

André ainda não se conformava. Já ouvira um cem


número de vezes a versão do amigo. De como estavam, ele
e Denise, no apartamento quando foi invadido por dois
assaltantes; da reação de Pedro, quando ele usou um dos
revólveres que mantinha no apartamento- sabia que o
amigo tinha um, ou mais deles, em cada cômodo,
estrategicamente escondidos- para surpreender e matar
um dos invasores, da sua tentativa de negociar a vida de
Denise com o que lhe apontava uma arma, e por fim, da
vingança irracional do bandido, quando se viu cercado pela
polícia.
Pedro tivera que contar a história incontáveis vezes
para a polícia, para a família de Denise ,os amigos de
ambos. Os jornais reviraram a notícia de quantas formas
puderam, em versões e depoimentos dramáticos , em cores
vivas e a mesma profundidade rasa em que eram mestres.
Uma semana depois, Outra nova tragédia desviou sua
atenção. A opinião pública fartava-se cada vez mais rápido.
Mas para André Denise era muito mais que uma
simples notícia, ou colega de trabalho. Era a mulher por
quem secretamente mantinha esperanças. Nunca achou
que Pedro a merecesse. Era por demais egoísta o amigo de
faculdade, excessivamente preocupado com o próprio bem-
estar para entender uma mulher como ela. Nunca deixou
que percebessem, se bem que desconfiava que o amigo
sabia de seus sentimentos e cruelmente gozava com o fato
de possuir algo que André queria tanto e não poderia ter.
Denise estava cega, como também as outras antes dela.
Pedro não era só um homem atraente ,era também
cativante, mas não como um ser humano sabe ser. Ele não
conquistava as outras pessoas, mas as dominava, as
submetia como um deus. Aceitava os sacrifícios de quem o
amava com naturalidade e em troca lançava aos pés do
devoto agradecido uma migalha de seu sorriso de
aprovação ou um afago.
O que abalava André não era apenas o ressentimento
por haver perdido duas vezes a mulher que amava para o
mesmo homem. Era a forma anormal como Pedro
relembrava tudo, com a mesma triste resignação que se
conta uma partida em que seu time joga e perde. André
entendia assim os sentimentos do amigo: apenas um jogo
que ele não ganhou.
Alguns detalhes o incomodavam mais: o retrato de
Denise já não estava sobre sua mesa e, às vezes, flagrava
o colega assoviando descontraidamente. Denise o amara
apaixonadamente e, em troca, ele lhe bebera toda a seiva,
sem remorso.
Depois do fato,André não sentia mais a mínima vontade
de permanecer naquele escritório,fazendo o papel de sócio
de quem considerava uma espécie de parasita, sem o
consolo de ver Denise entrar pela porta todas as manhãs.
Acabou de arrumar os pertences numa maleta. Não
deixaria um bilhete,ou ligaria para dar qualquer satisfação
a Pedro por sua saída. Sabia que ele tampouco ligaria para
cobrar qualquer explicação. Depois da morte de Denise ,
André não mais escondia a animosidade que sentia crescer
cada vez que Pedro se aproximava. O agora ex-sócio já
havia notado tudo com sua argúcia de predador . Era
mestre em farejar sentimentos,alimentava-se deles já que
não os possuía, era a teoria de André. Sim, dali para frente,
o que entre eles estivesse pendente em relação à
sociedade seria acertado por advogados.
Desceu devagar os quatro lances de escadas.
Lá fora, o céu de Ipanema, solidário, escurecia, chorava
com ele.
Caminhou sob a chuva fina , e pela primeira vez
naqueles dias, sentiu algo quente aquecer-lhe a alma,
como se os braços daquela que nunca teve lhe
envolvessem e libertassem o coração.

Fim

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