Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
****************
Pedro estava de volta ao seu apartamento. Não era
muito grande , mas era confortável e estava situado num
ponto privilegiado da cidade, com uma vista espetacular, e
tão estrategicamente localizado, que dali não se avistava
nem os topos dos horrendos casebres que se amontoavam
uns sobre os outros e que, para sua infelicidade , ficavam
no mesmo bairro.
Não! Dali, sobre a cama macia ,onde ao alcance de sua
mão dormia uma bela mulher nua, envolta em lençóis de
seda, se avistava apenas a imensidão azul de alvas cristas
ondulantes e outros apartamentos, ocupados por pessoas
de verdade.
Denise esticou o braço para tocá-lo:
__No que você está pensando?
Pedro ignorou a pergunta. Acariciou de leve seus
cabelos:
__Dorme.
__ Não posso. Preciso voltar para casa hoje, esqueceu?
__ Ah, é...sua mãe! Outra vez!
Pedro levantou-se com um gesto de enfado. Denise
sentou-se, apoiando-se no travesseiro. Olhou o namorado
com rancor:
__Ela não tem culpa de estar doente!
__Você já sabe qual é a solução para esse problema,
para quê discutir outra vez?
__Eu não vou levar minha mãe para um asilo, Pedro !
__ E Eu não vou mais falar sobre isso! Mas, até que você
use a cabeça para pensar, nada de alianças, nada de
marcha nupcial...para mim é ate melhor!
Denise odiava quando ele ficava assim tão duro, tão
insensível. Às vezes, achava que ele era feito de um
material diferente das outras pessoas. Era sempre tão
egoísta! E agora que a mãe estava doente, precisando mais
dela do que nunca, ele praticamente lhe dera um ultimato:
ou deixava a mãe sob os cuidados de uma clínica ou não se
casariam. Tinha lhe dito, sem rodeios, que não conseguiria
viver sob o mesmo teto com alguém tão doente e que
precisaria constantemente de atenção. Da atenção dela,
mais especificamente. Tinha ficado bem claro que Pedro
não admitiria que ela dividisse a atenção que deveria
dispensar apenas a ele __mesmo que fosse com a mãe
idosa e doente.
Desde esse dia, refletiu seriamente se deveria continuar
ao lado de um homem que considerava tão pouco seus
sentimentos e que, de tão certo de seu amor, não pensava
duas vezes em atormentá-la com uma decisão tão cruel.
Mas logo entendeu que não conseguiria viver longe de seu
corpo. Não sabia se era amor, o amor romântico dos filmes,
mas estava certa de se tratar de uma dependência para
qual ainda não queria encontrar cura. Desde então , vinha
tentando abrandá-lo ,mas até agora não havia conseguido
avançar nem um centímetro.
Com um suspiro, a moça levantou-se, enrolada aos
lençóis, e pôs-se a procurar as roupas, quando a porta do
quarto foi forçada com estrondo e, em seguida, aberta
violentamente .
Denise encostou-se à parede, subitamente petrificada.
Eram dois. Não estavam com os rostos cobertos e
vinham muito alterados, de armas em punho:
__ Quieta aí, p...! Cadê teu macho?
Denise não conseguia articular nenhuma palavra, o
corpo perdera a sensibilidade, como se estivesse
congelado. Sentiu o pânico aumentar quando um deles
veio em sua direção, desfigurado por uma raiva que ela
não compreendia, e puxá-la do chão, onde se deixara cair.
__Fala! Cadê o cara que tava contigo? A gente ouviu a
voz dos dois!
__Se ele tiver tentando alguma gracinha, os dois vão se
ferrar!
Nesse momento, todas as notícias que já lera ou ouvira
sobre assaltos, assassinatos, e toda sorte de violência lhe
passaram pela cabeça. Era como se estivesse no meio de
um furacão, perdera completamente o equilíbrio. Agora só
conseguia pensar no namorado. Os dois marginais o
estavam procurando pelo quarto, revirando tudo. Até que
um deles saiu em direção ao banheiro. Denise sentiu que
desmaiaria a qualquer momento. Sabia que achariam
Pedro lá, e não sabia o que aqueles dois realmente
queriam. Se fosse só dinheiro, estava bem, mas e se não se
contentassem com que tinha ali, o que seria dela e de
Pedro?
Ela estava sobre a cama ,trêmula, tentando se manter o
mais calma possível com o cano da arma apontado em sua
direção, quando ouviu o som de um disparo vindo do
banheiro. Ela não teve tempo de qualquer reação, porque o
homem ao seu lado a segurou pelos cabelos e a manteve a
frente de seu corpo , como um escudo. Chamou pelo outro,
desconfiado do silêncio que se seguiu ao tiro:
__Nando! Que que houve aí? Fala, desgraçado!
Denise já imaginava o corpo de Pedro ensangüentado,
jogado ao chão. Os soluços abalaram-lhe o corpo e a fez
esquecer o lençol que até então segurava para esconder a
nudez.
__Cala boca!
O marginal avançou com Denise a sua frente e a arma
apontada na direção da porta aberta. Tornou a chamar pelo
amigo ,mas àquela altura, já sabia o que tinha acontecido.
__Olha, eu tô com tua mulher, cara! Se tu não aparecer
agora eu ...
__Tudo bem! Eu estou saindo!
Denise ouviu a voz de Pedro e não acreditou. Então ele
estava vivo! Mas se tinha matado o outro ,então ...A moça
não concluiu o raciocínio, viu o pedaço do roupão azul que
o rapaz usava aparecer na porta . Em seguida, uma arma
foi lançada aos seus pés.
__Pronto eu estou desarmado! Deixa a moça!
__Acha que eu sou burro? Aparece primeiro ou ela
morre já!
Novo silêncio. Ela sentia o nervosismo do homem, que
lhe feria as costas com o cano da arma, aumentar cada vez
mais.
__Como é que é! Tá brincando comigo? Acha que eu
não tenho coragem de matar essa galinha !
No banheiro, agora manchado pelo sangue do rapaz
imóvel a seus pés, Pedro não se decidia. Sabia ,no entanto,
que precisava arriscar tudo. Se saísse desarmado, ele e
Denise seriam mortos. Então respirou fundo, reuniu toda
sua frieza, tirou a pistola ensangüentada das mãos do
morto e apareceu a frente do outro homem , apontando-lhe
a arma. Evitou fitar Denise, pois a visão fragilizada da
namorada poderia lhe tirar a decisão e fazer com que
botasse tudo a perder. Encarou o algoz, naturalmente
controlado .
__Solta a moça . Nós dois resolvemos isso.
__Pedro...
__Cala boca! Solta você a arma, ou então vai ver ela
morrer agora!
__No momento em que ela estiver morrendo, eu vou
estar atirando em você!
__Dane-se !Mas ela morre ! Ela morre!
Nesse instante ouviu-se sirenes pela janela . O bandido
teve um estremecimento de animal sem saída.
__Está vendo só, você não tem como escapar!
__Tu que pensa! Diz adeus pra ela!
Pedro lembraria- se para sempre do rosto de Denise
naquele momento, quando a bala perfurou suas costas, as
mesmas que, há alguns instantes atrás, estavam junto `as
suas.
O bandido ainda segurava a moça, inerte junto a si,
quando sentiu que era atravessado por vários projéteis,
alguns deles saíam do corpo gelado que tinha nos braços,
até que, quando tentava erguer o braço ferido, sua
consciência apagou-se para sempre, varada por uma bala
que o jogou para trás e deixou seu sangue impresso nos
brancos lençóis de seda.
********************************************
Fim