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EDITORIAL
Com relativo atraso, chegamos ao número
3 de nossa Revista Cultural. Nova edição em um ano
Revista novo e cheio de expectativas, em vários segmentos da
Cultural sociedade.
Novitas
Ano I Número III Este ano começa bem: temos o carnaval logo
Janeiro de 2010
em fevereiro, o que nos proporciona um “restinho” de
ano para trabalhar e cumprir as promessas feitas aos 15
estertores finais de 2009.
poetas
Esta é uma
publicação da Editora
Novitas em periodicidade Entramos em ano eleitoral. Sendo você politizado
bimestral, distribuída ou não, convém que nos estendamos por esse assunto até
em forma eletrônica
e gratuita.
a votação que elegerá nosso novo presidente. Comente
com seus amigos, sejam eles reais ou virtuais, usando
para
Todos os
todas as
textos, imagens ou de todos os meios disponíveis para se informar sobre
qualquer outra forma quem é quem no cenário político nacional. Estude cada
de manifestação aqui candidato para criar um conceito crítico, assim como
deve-se estudar tanto seu plano para o futuro quanto
crianças
publicados foram
devidamente solicitados
seu passado. Política é História. História modifica-se
a seus autores, que
autorizaram sua pela Política. Vote de maneira correta, para que nosso
utilização por meio de país tenha um futuro sem tantas desigualdades e que
mensagem eletrônica. a Cultura, de um modo geral, seja presente na vida de Uma nova
todos os brasileirinhos que hoje correm de calças curtas
Editores:
por nossas ruas. Coletânea,
Letícia Losekann Coelho
David Fordiani Nóbrega totalmente
Revisora (contos): Nesta edição temos pessoas ilustres e/ou
Carolina Machado iluminadas escrevendo, contando histórias, poetizando a direcionada ao
vida... Gente que não só faz, como É Cultura. Merecem
Isento de registro
nossos respeito e nossos aplausos, pela desavergonhada público infantil
ISBN, conforme instrução
da Biblioteca Nacional. vontade em acontecer e disseminar conhecimento, cada (faixa entre
um sob sua forma própria.
Nesta Edição: 7 e 9 anos),
Mais uma novidade inicial:
EDITORIAL 02
Através do Twitter, fomos indicados para o realizada em
ENTREVISTA 03 Shorty Awards, como Instituição Cultural. Somos os parceria com o
únicos brasileiros classificados nessa categoria, por
OS MULLETS 05 conta dos votos daqueles que ali nos seguem (ou que ilustrador
nós perseguimos). Isso nos torna finalistas do prêmio,
NA TELA 06
considerado pelo The New York Times como o Oscar do Danilo Marques.
RADIONOVELA 07 Twitter. Gostaria de agradecer por esses votos e contar Para maiores
com vocês para a próxima fase.
CONTOS 08 informações
Dois mil e dez tem tudo para ser um ano de
POESIA 12
mudanças. Façamos cada um nossa parte. [acesse]
TWITTER 14
Boa leitura!
MEIOAMBIENTE 15
David Nobrega
CLASSIFICADOS 16
OPINIÃO 17
Entrevista
José Luiz leitura realizado pela Fundação Victor Civita, patrocinado
Goldfarb é pelo Instituto Energias de Portugal – EDP, com incentivo da
o que poderíamos Lei Rouanet, em Tocantins, Mato Grosso do Sul, Espirito
chamar de homem Santo e Interior de São Paulo;
de ação. Como 3.Programa Rio Uma cidade de Leitores: conjunto de
você poderá ler ações pró leitura realizado junto à Secretaria de Educação da
nas perguntas ao Prefeitura do Rio de Janeiro.
estilo “vamos que Além disso, ainda sou assessor da Vice-Presidência
vamos” (segundo Social e Cultural da Associação Brasileira “A Hebraica” de São
o próprio) que Paulo, atividade voluntária dedicada à minha comunidade
tivemos a honra judaica.
de ver respondidas
para esta edição da N - Em meio a tantas atividades, a literatura é
Revista Cultural prazer ou trabalho?
Novitas, têm-se a JLG - Prazer e trabalho. Tenho contratos de
impressão que não há movimento cultural concreto no país consultoria de minha empresa JLGoldfarb Eventos
que não tenha seu dedo, seja através de sua empresa – a Culturais, responsável pelas atividades de incentivo à
JLGoldfarb Eventos Culturais – ou por meio do cidadão leitura, mas a cada realização (e são centenas ao logo do ano)
José Luiz. tenho muito muito prazer, alegria, satisfação.
Novitas - O José Luiz Goldfarb do meio literário N - A produção literária no Brasil é enorme, se
é o curador do Prêmio Jabuti. Quais as outras faces do formos levar em conta a quantidade de obras que vão
José Luiz? ao prelo todos os dias, o que
“...todas as artes,
José Luiz Goldfarb - Sempre chega a ser um contra senso
uma pergunta difícil pois acabei se formos avaliar a média de
no mundo moderno,
envolvendo-me com tantas atividades leitura anual do brasileiro.
que eu mesmo posso esquecer de Como fazer chegar o novo leitor
leitura. Ninguém é
História da Ciência pela USP, Mestre um hábito do brasileiro. É
em História e Filosofia da Ciência pela dizer disseminar o hábito da
A leitura é requisito
História da Ciência, nas disciplinas em prol da leitura. Batalhando
História da Física, História da Lógica, principalmente pela criação de
para todas as
Epistemologia, Ciência e Religião, uma rede de boas bibliotecas
entre outras. Oriento estudantes públicas no país. Enfim criando
ações na sociedade
no Mestrado e Doutorado. Realizo um Brasil de Leitores. Na prática,
pesquisas sobre a História da pela nossa história, trabalho para
moderna.”
Física no Brasil e as influências da a vida inteira. Mas pelo Jabuti
Hermética no pensamento de Isaac eu sei que temos literatura de
Newton. Atualmente sou vice-diretor primeiríssima qualidade... Claro,
de nosso Programa de Estudos Pós- José Luiz Goldfarb faltam os leitores.
graduados em História da Ciência
na PUC-SP. Mantenho na TVPUC N - São Paulo tem projetos
o programa Nova Stella Ciência em Debate, onde a cada de incentivo à leitura que incluem o livre acesso aos
semana entrevisto um professor sobre temas relacionados à livros. Esse tipo de atitude pode ser disseminada por
ciência numa perspectiva histórica, que em 2010 completa todo território brasileiro?
seu 3º ano ininterrupto de produção. JLG - Sim e os projetos em que trabalho são exemplos.
Na área literária, além de ser curador do Jabuti há Sou otimista pois vejo crescer o interesse nacional pelo
20 anos, coordeno vários projetos de incentivo à leitura em incentivo a leitura. A JLGoldfarb vive recebendo proposta e
cinco Estados: nem sei como dar conta (risos).
1. Programa São Paulo Um Estado de Leitores :
conjunto de ações pró leitura do Governo do Estado de N - Para que possamos fazer com que um outro
São Paulo – Secretaria de Estado da Cultura – através da alguém entenda do que falamos, deve-se dominar o assunto
Organização Social (OS) de Cultura POIESIS; a que se refere, ou acabamos causando mais confusão que
2. Programa Letras de Luz: conjunto de ações pró realmente elucidando esse alguém. Isso se aplica à Literatura
de maneira geral? Ou seja, um aspirante a escritor deve Ricardo
recorrer a clássicos como base de sua escrita ou é desejável
que tente criar seu próprio estilo? Silvestrin,
JLG - Sim, sim, sim todas as artes, no mundo é autor de diversos
moderno, exigem muita muita leitura. Ninguém é um grande títulos, músico e editor.
ator sem leitura, por exemplo. A leitura é requisito para todas Já recebeu diversos
as ações na sociedade moderna. prêmios, e são eles:
N - Qual tua opinião sobre internet, literatura RS - Leiam e escrevam. Escrevam e leiam.
e direitos autorais?
Fotos: Divulgação
osmullets.blogspot.com
Os Mullets
2012 Atividades Paranormais
por Beto Canales
- faturar mais de 107 milhões nas primeiras dez semanas de
exibição, somente nas salas norte-americanas. E a grande
Eles Fazem!
Texto Ouvido e Liberdade de Imaginação
Caio d´Arcanchy e Odete Rocha
Por que não transformar poesias, interpretação belíssima por um grupo de teatro
prosas, contos e outras obras literárias em de mamulengos de Minas Gerais. Ouvido
radionovelas? primeiro, lido depois, mostrou novas nuanças,
Esse questionamento do poeta Cristiano novas riquezas.
Melo, que conheceu nosso trabalho feito Por fim, o som da voz de outra pessoa
na Rádio Justiça, provocou a realização de pode nos despertar uma adormecida lembrança
uma experiência até agora bem sucedida: ancestral antiquíssima como a transmissão
a dramatização de prosas e poemas do da história oral à beira da fogueira ou os
blog “Braços Abertos”, do autor. Tudo é contos infantis ouvidos antes de dormir na
publicado no Youtube, com links no Blog infância. Mesmo quem não teve na infância
(cristianooliveirademelo.blogspot.com). quem lhe contasse histórias antes de dormir,
Profissionalmente temos um programa pode resgatar essa prática que faz parte do
de entrevista na emissora que relata causos nosso inconsciente coletivo. E eis aqui outra
vividos por juízes de Direito. Em 2008 particularidade de um texto ouvido: é muito
conhecemos um juiz baiano que mantém gostoso.
um blog de crônicas sobre o cotidiano dele.
Pensamos: vamos entrevistá-lo e, no meio do
programa, dramatizar essas crônicas. Foi um ***
sucesso! Por um desses programas recebemos
o 8º Prêmio Arco Íris de Direitos Humanos.
Ao conhecerem a experiência com Sobre os autores:
o blog “Braços Abertos” alguns poetas se
entusiasmaram com o projeto. Os termos
elogiosos nos enchem também de entusiasmo, Odete Rocha é
mas não podemos deixar escapar a autocrítica. coordenadora do portal da Rádio
Será que ao tirar um texto do papel, que aceita Justiça na web, interpreta a vovó
Graúda no programa infantil da
qualquer interpretação do leitor, e imprimir
emissora, Aprendendo Direitinho,
a ele características de rádio, não tolhemos junto com o Ministro do STF Eros
a liberdade que só o papel proporciona? Grau, o vovô Grau. Entre 2002 e
Concluímos que não. 2008 foi Consultora jurídica da TV
Quando lemos, as imagens e os sons são Justiça, onde tamb ém atuou como
unicamente nossos. A voz do personagem, a comentarista e cronista d o universo
roupa, a cadeira, a árvore e o céu são criação jurídico nos telejornais. É poeta e atriz.
nossa. Quando assistimos a um audiovisual,
as imagens e sons são criação de outrem. E Caio d´Arcanchy é jornalista.
quando ouvimos? Há 12 anos no veículo rádio,
Ao ouvir embrenhamo-nos num espaço conquistou O V Prêmio AMB
intermediário entre a leitura e o audiovisual. (Associação dos Magistrados
Brasileiros) de Jornalismo por
Que lugar é esse?
reportagens sobre crimes de trânsito
Uma obra literária tem a capacidade e novas conseqüências jurídicas,
de inspirar várias leituras e interpretações, e o 8º Prêmio Arco Íris de Direitos
qualidade aliás que caracteriza qualquer Humanos por um programa sobre
obra de arte. A cada vez que lemos uma obra direitos de transexuais. Repórter
literária algo de novo se nos descortina. Então, da Rádio Justiça desde 2007 atua
se a cada leitura a liberdade de imaginação se na cobertura jornalística do Supremo
amplia e as imagens mentais se enriquecem, Tribunal Federal e demais órgãos do judiciário e da
ouvir o texto seria como ler de novo, com justiça. Também produz e edita boletim informativo
um novo som, que vai trazer novas imagens, mensal impresso e de áudio do Unicef para radialistas
dilatando a imaginação. da Amazônia Legal e Semi-Árido.
Difícil esquecer o primeiro contato com
o poema de Raul Bopp, Cobra Norato, numa
contos & cia. mesmo tomava conta de tudo lá, mas a coluna não
Como se fosse da família deixa né? E ele é muito bom de serviço, faz tudo
direitinho do jeito que eu gosto, mas seu pudesse
Marcos Vinícius Almeida eu mesmo que pegava na lida.
— Sei... Mas o senhor tem mais empregado
quebracorpo.com.br aqui, seu João? - inquiriu o delegado.
— Não, senhor... Só o Toinho... Uma mão
na roda. O terreno meu já foi maior, já fui rico
O fusca perdeu o controle no meio da curva. seu delegado, rico de esbanjar dinheiro, meu pai
Foi deslizando sobre a lama, a traseira escapando, foi mais, esse terreno meu, dobrava essa serra
e quase se se chocou contra o barranco à beira da inteirinha, o senhor deve de lembrar-se desse
estrada, não fosse pelo hábito do velho em guiar tempo...
nessas condições. Ainda chovia bastante –, mas ele — Já ouvi falar, seu João.
não poderia esperar. “O rapaz apareceu morto no — Depois eu fui vendendo as terra pra um,
meio do retiro, seu delegado. Uma desgraça, uma pra outro, os filhos foram indo embora, nenhum
tragédia... Moço novo, bão de serviço... Cuidava quis seguir nessa vida, então fui vendendo e dando
de tudo aqui pra mim” — disse o fazendeiro João o dinheiro pra eles... Ficou só a sede, e um pastinho
Andrade, que era um dos poucos a ter telefone miúdo, onde mexo com essa meia dúzia de vaca
em casa, naquele tempo. “Mas como é que o moço que o Toinho toma conta pra mim... Toma não né,
morreu seu João?” —perguntou o delegado. “Aí é coitado, tomava... Tomava... Como se fosse filho...
que tá, seu delegado... Aí é que tá...” — e ficou — O senhor ouviu alguma coisa? Quer dizer,
aquele chiado silencioso no aparelho. “Aí que tá o teve algum barulho ou coisa assim?
que, seu João?” — insistiu. “Riscaram o bucho do — Não ouvi nada, seu delegado... Cheguei
homem, seu delegado...” lá, ele tava durinho...
Não poderia esperar. Um dia antes recebera — E a sua mulher?
um aviso do batalhão: dois sujeitos perigosos — Ouviu nada não, né bem? — perguntou,
haviam escapado da cadeia de Lavras, cidade o fazendeiro.
vizinha. Tentou contatar o batalhão, para avisar — Nem nada seu delegado – disse a mulher
do crime na propriedade de João Andrade, mas no rabo do fogão em voz trêmula. -–, o João me
ninguém atendeu. Acordou o Dr. Tavares, recém acordou pra contar, não quis nem ir lá no retiro
formado, e único médico do pequeno povoado de pra ver... Coitado do Toinho... Ô meu Deus do
Luminárias; e também o soldado Barreto, que vinha céu...
no banco de trás do fusca, com sono no rosto –. E — Coisa muito estranha – comentou o
Seguiram para a cena do crime. médico.
João Andrade, magrelo e barba branca na — Bom, mas o rapaz tinha algum inimigo
cara, esperava na varanda da sede, no meio da declarado?
fumaça do cigarro de palha, quando o fusca parou — Que inimigo que nada, seu delegado...
e os três homens desceram no meio da chuva. Toinho era um santo... E só tem nós três aqui...
Barreto deu de querer escorregar, mas apoiou- — E os vizinhos, as fazendas vizinhas?...
se rapidamente em uma das colunas, antes de — Vizinho que nada, seu delegado... A
adentrar a varanda. fazenda mais próxima aqui só dobrando a serra...
Os homens trocaram cumprimentos em — É verdade...
tom de velório. João Andrade, disse que a estrada — A única pessoa que passa por aqui é o
estava péssima, mas que era culpa do tempo, compadre Tião.
enquanto levava os sujeitos para tomar um café — Compadre Tião? Da de linha de leite?
na imensa cozinha da fazenda. Sua mulher, D. — Ele mesmo... Passa aqui só lá pelas dez,
Rosalva, remexia lenha no fogão quando entraram; sempre me traz uns mantimento, carta dos meu
e. Fez questão de que se sentassem à mesa, toda menino...
servida: café fresco, pão de queijo, broa de fubá, — Então ele nem sabe ainda... —e coçou o
pamonha e alguns biscoitos de polvilho em latas queixo.
de alumínio areado — Daqui a pouco ele passa aí.
— Coitado do Toinho, gente... Uma E ficaram em silêncio. Veio então o barulho da
barbaridade – comentou D. Rosalva. chuva no telhado colonial, e da lenha crepitando.
— Homem bão demais... Nunca tive problema — Mas o senhor sentiu falta de alguma
com ele, seu delegado – reforçou seu João. coisa? — prosseguiu o delegado. – Pode ter sido um
— E como é que o encontraram? latrocínio... Digo, roubo seguido de assassinato...
— Mortinho! Um horror... fFoi pouco antes — explicou enquanto a mulher fez o nome do pai,
de ligar pro senhor, seu delegado... Eu acordo muito talvez por causa do pecado daquela palavra.
cedo, bem cedinho mesmo. Cinco horas já estou — Olha, na hora do apavoramento, eu nem
andando por aí. Eu não agüento mais serviço, por pensei nisso... Larguei até a porteira do curral
causa da coluna. Mas também já trabalhei muito aberta... Mas tenho que olhar... Só que não tenho
nessa vida... E não tenho preguiça não, sabe? Pulo nada de muito valor aqui... Quando muito o
da cama cedinho todo dia... Aí troco de roupa, lavo telefone... Meu pai quem comprou, foi o primeiro
a cara e vou lá no retiro pra proseá com Toinho, pra dessas bandas... O povo vinha de longe pra usar.
ver como é que tá indo a lida. Se eu pudesse, eu
8 - REVISTA CULTURAL NOVITAS Nº3 - Dezembro 2009
9 - REVISTA CULTURAL NOVITAS Nº3 - Dezembro 2009
Hoje não, né? ratos fugiram rapidamente com o barulho.
— Dinheiro? Cofre? Algum objeto valioso? — Vamos voltar pra casa, doutor. A coisa
— Nem um, nem outro... Passei tudo pros está pior do que eu imaginava.
meus menino... Eu já fui rico, teve tempo que eu Voltaram pelo mesmo caminho. A mulher
nem dormia direito, com medo de algum malandro continuava no rabo do fogão. Barreto tomava café
entrar aqui. Agora nem me preocupo... com um dos braços apoiados na mesa.
— Há uma grande possibilidade, seu João... — O que foi, João? —indagou a esposa ao ver
A vítima tinha algum dinheiro? na cara do marido incompreensão e perplexidade.
— Coitado do Toinho... Muito menos, era — Sumiu, Rosa... O Toinho sumiu...
um santo. Teve mês de ele trabalhar a troco de E mulher também se agitou. Depois seu
comida. Se ele tivesse aqui na época que eu era João. Houve um falatório danado. Barreto que foi
rico... —e suspirou. tentar conter a agitação da mulher acabou deixando
— Ele trabalhava há muito tempo para o o copo cair e espatifar-se no chão. O pandemônio
senhor? durou cerca de uns cinco minutos. Então estavam
— Desde moleque... No começo ele me sentados e quietos de novo. O delegado fez uma
ajudava, e aos poucos foi aprendendo a mexer com breve pausa, respirou fundo e disse:
criação. Quando a coluna enguiçou, ele já fazia — Não podemos perder a cabeça agora. Eu
tudo sozinho... sei que é difícil pra vocês, mas precisam manter
— E quantos anos ele tinha quando chegou a calma. Vamos fazer o seguinte: Eu vou precisar
aqui? usar seu telefone, seu João. Vou ligar no batalhão
— Quinze anos, bem? e avisar do ocorrido. Quando muito, até na parte
— Quatorze, João... da tarde eles estarão aqui. Quem fez isso não tem
— Quatorze, bem? como estar muito longe, ainda mais com esse
— Quatorze... tempo. Enquanto isso, eu e o Barreto ficamos aqui
— E hoje? pra garantir a segurança de vocês.
— Vinte e nove, bem? Seu João mostrou ao delegado onde
— Vinte e oito, João. estava o telefone, depois voltou pra cozinha onde
— Vinte e oito, seu delegado... permaneceu em silêncio. Barreto andava de um
E ficaram em silêncio. lado pro outro. O médico, com cotovelo na mesa e
— Mas enfim, vamos ver o corpo... — e se mão no queixo, parecia tentar resolver a questão.
levantou. A mulher fuçava na lenha cantarolando num tom
Eles seguiram o velho João Andrade, e sua de sussurro uma canção desconhecida.
botina surrada, batendo no assoalho de tábuas — Talvez ele ainda esteja vivo... —disse o
velhas. Frestas escuras, algumas com remendos médico.
de ripa e pregos bambos; as paredes soltando tinta, — Vivo, doutor? —disse Barreto parando de
uma camada amarela por baixo de uma camada andar.
azul. A casa transpirava ausência de força. E seu — Vivo sim...
João disse que o rapaz era sozinho no mundo. Não — Ah, trem... To falando que eu vi o bucho
tinha parentes, nem nada. Apareceu na fazenda do homem furado. Como é que homem anda aí com
a procurar trabalho. Com os filhos longe, achou bucho furado, doutor?
bom ter um ajudante. Apontou, pela porta aberta, — Bom, seu João... Em primeiro lugar o
o quarto onde o rapaz dormia. Com a permissão senhor não é médico, talvez o senhor não tenha
de seu João, o delegado deu uma rápida espiada e reparado direito. Talvez o sujeito estivesse apenas
sentiu um ar de abandono naquele leito. desacordado.
Na varanda, enquanto seu João vestia uma — Tava não seu doutor... Quem dera
capa de chuva, o delegado solicitou ao soldado estivesse... Durinho, com o bucho esturricado.
Barreto, que ficasse na cozinha com a D. Rosalva. — Bom, é preciso ser um profissional pra
— Eu tenho alguns calmantes na minha saber.
maleta, talvez fosse melhor sedá-la – disse o — Se ele tivesse só desmaiado, e acordasse,
médico. tinha vindo pra casa, gritado. Num ia sumir pro
— Minha preocupação não é essa, doutor. mato...
— Você acha que quem fez isso ainda pode — Talvez estivesse desorientado, seu João...
estar por aí? Acho que devemos procurar nos arredores...
— Talvez sim, talvez não. Melhor não — Não sei, não... Ninguém viu esse corpo
arriscar. além do senhor, seu João. Na hora do susto o senhor
Barreto voltou pra cozinha. Os três homens pode muito bem ter se confundido. O senhor não
puseram-se a caminhar num ladrilhado de pedras olhou os batimentos do rapaz... Não tem como ter
de quartzito até o retiro. A porteira do curral certeza se ele estava morto ou não.
estava aberta, nenhuma vaca, nenhum bezerro. — Eu já acho outra coisa – disse Barreto.
Atravessaram o curral. E dentro do retiro, com Quem fez isso carregou o corpo e escondeu no mato.
aspecto de desleixo e cochos vazios, olharam com Pra confundir a gente. Enquanto a gente procura o
espanto a ausência do cadáver. corpo, o caboclo vaza. Isso parece vingança;. Talvez,
antes de chegar aqui, esse rapaz tenha feito alguma
— Santa Mãe de Deus... —disse seu João, coisa de muito ruim pra alguém. Descobriram onde
antes de perder um pouco o controle e apontar, ele estava e vieram acertar as contas. Tem gente
repetidamente, o local exato onde Toinho estava. muito ruim nesse mundo. Talvez nem tenha sido
E os outros dois não entenderam. O médico ele, talvez o pai dele... Lembra do caso da Fazenda
dispos-se a acalmá-lo. O delegado procurou Tira-Couro, seu João?
alguma pista, mas só via sujeira e teias de aranha. — Lembro sim... Meu pai me contava essa
“As goteiras e a leve enxurrada que corria no chão, história, diz ele que o avô dele, meu bis-avô, era
lavaram o sangue”, ele pensou. Depois correu o olho vivo quando aconteceu. Onde arrancaram o couro
ao redor, foi até o fim do retiro, abriu uma porta do homem...
toda bamba, ali dentro alguns sacos de farelo. Dois — Que história é essa? — indagou o
médico. ali, todo dia no mesmo horário. Mesmo de porteira
— Mataram um homem a troco de nada na aberta eles permanecem no curral no horário da
fazenda. Sete homens o amarraram sem roupa num ordenha, porque é a hora que eles comem. O senhor
tronco, e arrancaram o coro dele que nem bicho. não entende de gado não é? Os animais não saíram.
Ah, mas aí os três irmãos dele ficaram sabendo, e Não existem. O retiro está aos pedaços, à porta
se juntaram pra vingar o crime. Saíram caçando os onde está guardado o farelo não é aberta há anos,
culpados, não tinha muita lei naquele tempo... Era não tem silagem, nem bosta de vaca tem doutor.
olho por olho, não tinha moleza não. Quando eles Onde já se viu curral sem bosta de vaca? Não faz
achavam, matavam mesmo. E depois arrancavam sentido... Então liguei na casa do Compadre Tião,
a orelha... E foram juntando, formando um colar falei com esposa dele. Ela me disse que ele não
com elas. Pegaram todos os sete que tinham passa aqui na fazenda do seu João pra pegar leite,
escalpelado o coitado. só pra deixar uns mantimentos, que uns amigos
— Não conhecia não, Barreto. doam. Não tem vacas, não tem Toinho... O quarto
— O famoso “Sete Orelhas”, doutor. Caso onde o suposto rapaz dorme, está abandonado.
real, mesmo. Eu acho que esse rapaz, o Toinho, Veja esse assoalho, doutor. Se tivesse um homem
morreu de vingança. Esconderam o corpo pra jovem e bom de serviço aqui, essas coisas não
fugir. Vai saber lá o que esse menino fez antes de estariam assim.
aparecer aqui sozinho, sem família, sem passado, — O senhor não está dizendo que...
seu João? E só pode ter sido vingança. Senão — Sim...Os filhos os abandonaram.
teriam matado o senhor, a sua esposa, se fosse Contagiaram-se com a alucinação, doutor. Isolados
caso de latrocínio... Isolados aqui, demoraria muito aqui esses anos todos, convivendo apenas com a
pra alguém dar notícia... loucura do outro...
— Tanto tempo aqui comigo... Muito boa
gente... Como se fosse da família.
— Mas e antes? Não tem como o senhor
saber...
Estranho seria se eu não me
— Muito menos o senhor. O senhor nem o apaixonasse por você
conheceu.
— Acho mais provável que esteja vivo,
agoniando, desorientado em algum canto. Tatiana Cavalcanti
A mulher cantarolava, em tom quase coffeeandhistory.blogspot.com
inaudível. O delegado entrou na cozinha, andou
devagar até a mesa parando próximo do seu João.
Deu-lhe dois tapinhas nas costas e disse:
— Fique tranqüilo, meu amigo. Vai dar tudo Na escola ele era da turma que
certo. entregava os trabalhos em dia, tirava boas
— Acho que esse homem pode estar vivo, notas porque tem uma inteligência irritante e
delegado – advertiu o médico. todos os professores, coordenadores e bedéis
— Foi vingança. Certeza.
— Eu pensei que eram os dois elementos adoravam ele. Porque ele gente, vocês não
que tinham escapado da cadeia, em Lavras, há sabem. Ele tem um olho azul e uma gentileza
dois dias. Mas liguei no batalhão e me disseram que só vendo. E a alma dele cintila fazendo
que prenderam os sujeitos num boteco, ontem de dele o cara mais incrível do mundo. Eu era
madrugada. Bom, mas isso não importa mais... O da turma do fundão, que de vez em quando
importante agora é que o seu João e D. Rosalva entregava os trabalhos e tirava notas ruins
fiquem bem...
— Mas e o Toinho... Nem enterro vai ter... mesmo estudando porque as coisas da vida
Tragédia... eram muitas e enfim não dava para prestar
— Tudo vai ficar bem, seu João. O senhor atenção em tudo. E os dois únicos professores
tem que confiar em mim. O senhor confia em mim, que gostavam de mim eram aqueles que
seu João? achavam minha enrolação charmosa e
— Confio sim, seu delegado.
— Então vamos ficar calmos e esperar. minhas ameaças de revolução uma coisa meio
— Esperar? — interveio Barreto. Che. Um deles era o professor de História. O
E o delegado fez um sinal com os olhos para outro era o de educação física. E achavam
o soldado antes de dizer: mais charmosa ainda uma bermuda sexy
— Sim, esperar. que de vez em quando eu usava porque eu
O médico não se conteve. E depois de tinha a bundinha que dava gosto. E os bedéis
um minuto de silêncio, chamou o delegado para
conversar em particular. bom... os bedéis me manjavam muito porque
— O que está havendo? era sempre eles que me recolhiam tentando
— O senhor que é o médico e não fugir da aula em busca de coisas mais
percebeu? emocionantes do que a tal da Inconfidência
— Foram eles? Mineira.
E o delegado riu.
— Não existe nenhum Toinho, doutor. Eu cabulava aula. Ele jamais fez isso.
— Como assim, eles inventaram essa Alguns membros da minha turma já rolavam
história? seus baseados. A turma dele enrolava, no
— Mais complicado... O senhor viu alguma máximo, a pipa. Eu era o mano, ele a mina.
vaca por aqui? O homem foi morto no retiro, ou Eles se encontravam na casa de um deles
seja, estava tirando leite e mesmo que o seu João sábados e seus pais todos se conheciam.
tenha esquecido a porteira aberta, quando correu
pra dentro, os animais são acostumados a ficar Nós íamos ver o pôr do Sol na praça sei lá o
@CalazansLuciano “Mas a maioria das emoções vem depois dos tímpanos. O beijo vem depois dos tímpanos, o abraço idem. Um encontro vem depois
dos tímpanos...”
@EuHoje Eu preparo uma canção em que minha mãe “não me reconheça”... #YoHoy
@angelcabeza Nunca perguntes o que um escritor quis dizer com seu texto. O encanto do mistério pode desaparecer.
@ColunaFantasma Andava vazio: de amor. De paixão. De ambição. De sofreguidão. De destino. Já a saudade, bom, esta ia até a tampa.
#curtaconto
EDUCAÇÃO AMBIENTAL
PARA O CONSUMO
CONSCIENTE
Ângela M. Brighenti
E quem pode dizer que Meio Ambiente não tem nada a ver com Cultura? Aqueles que fazem parte do universo
cultural são os mesmos que, pela troca de saberes, entendem a necessidade em respeitar tanto o mundo onde vivemos, quanto a
individualidade daqueles com que convivem em seu dia a dia.
Assim, a Novitas agrega mais uma pequena peça neste quebra-cabeça, com projetos sociais que tenham relevância,
como este que divulgamos nesta edição:
VENDO
Sax tenor Weril (dourado), com pouco
uso, com case.
R$ 1.200,00, com parcelamento
negociável.
E-mail para contato@editoranovitas.
com.br
*A Novitas reserva-se ao direito de não publicar anúncios que sejam ofensivos ou de outras empresas que venham de encontro
aos interesses desta editora. ** Todo anúncio deve ser enviado ao e-mail contato@editoranovitas.com.br, com identificação
do anunciante (RG) e aprovação prévia para publicação. Não serão aceitas imagens em nenhum formato.
16 - REVISTA CULTURAL NOVITAS Nº3 - Dezembro 2009
17 - REVISTA CULTURAL NOVITAS Nº3 - Dezembro 2009
!
Não considero o blog um livro: blogs são feitos
para ensaios. Blogs são uma amostra do que somos
e u
s
capazes, e quando aconselho as pessoas a guardarem
o
alguns escritos sem publicar na internet, é para voltar a
“máxima” do original. O original não tem esse nome a
toa.
j á
Faço parte da geração que assumiu que o mundo
tem muita pressa, e na pressa acabamos não lendo até o
i r a
final, não voltando ao início se não entendeu e o principal:
q u
d
perguntando muito pouco. O livro pode “acabar” no
A
Japão, nos EUA mas até acabar no Brasil existe um grande
abismo. O “sumiço” do livro é preocupante uma vez que
somem os livros, somem os leitores. Eu queria acreditar
que o “sumiço “ do livro indique que as pessoas estão
lendo mais no computador, mas não é o que acontece.
Ninguém consegue ler e entender, com o msn ligado,
a página do orkut e do twitter aberta e conversando ao
mesmo tempo. Todos tem direito a fazer o seu lazer na
internet, mas na real quantos adolescentes sentam na
frente do computador, para realmente estudar?
Alguns ainda investem na história ecológica para