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Privatização pra que(m)?

ÍNDICE

1. A SAÚDE NÃO PODE PAGAR POR ESTA CRISE

1.1. Esta é uma crise econômica


1.2. O Papel da especulação Financeira
1.3. O Papel dos governos
1.4. Quem paga o preço da crise? ou, o que nós, estudantes, temos a ver com
isso?

2. A ASSISTÊNCIA À SAÚDE NOS DIAS ATUAIS

2.1. Determinação social da doença


2.2. A Assistência à Saúde na contemporaneidade

3. O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

3.1. Considerações Iniciais


3.2. Neoliberalismo e SUS
3.3. SUS e o financiamento
3.4. SUS e os Hospitais
3.5. SUS e os Hospitais Universitários
3.6. SUS e os Modelos de Gestão
3.6.1. O arcabouço teórico a partir das necessidades do capital
3.6.2. Organizações Sociais (OSs)
3.6.3. Fundações Estatais de Direito Privado (FEDP)
3.7. SUS e os Planos de Saúde: Quem paga a conta?

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS E APONTAMENTOS

LOGIAS E ANALOGIAS

No Brasil a Saúde vai bem


Mas o doente ainda vai mal

Qual o segredo profundo


Desta ciência original?

É banal: certamente
Não é o paciente
Que acumula capital.

Antonio Carlos de Brito

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1. A Saúde não pode pagar por esta crise!


1.1. Esta é uma crise econômica criados na esfera produtiva por meio de juros e
especulação. No início, todo mundo acha
A crise atual do Capitalismo tem deixado interessante, mas esse mercado financeiro
muita gente confusa e tirando conclusões começa a aumentar tanto o seu valor que este
superficiais sobre os acontecimentos. Alguns não tem mais correspondência com o valor real
dizem que é uma crise financeira, outros que criado pelos trabalhadores na esfera produtiva.
seria uma crise de “confiança” e de crédito, e Aí começam a se manifestar os sintomas da crise.
outros emendam dizendo que a crise é dos países
desenvolvidos e que por aqui chega apenas uma Os chamados ativos financeiros, que se
“marolinha”. O fato é que, para entender a “valorizaram” ficticiamente na especulação, se
realidade, precisamos de um pouco mais de depreciam – seus preços vão caindo, na medida
esforço e olhar para além da superfície dos fatos. em que aqueles especuladores que os compraram
começam a vender, para tentar realizar os ganhos
Esta é uma crise do sistema capitalista, especulativos, até que as próprias empresas
uma crise que, apesar das suas especificidades, é produtivas, que também especulam no mercado
típica do modo de produção capitalista e que financeiro, se vêem em dificuldades de caixa para
ocorre em decorrência da própria dinâmica do pagar seus compromissos e continuar investindo.
sistema. Não é um problema de credibilidade, ou Neste momento, a crise se instala de vez. Os
porque alguém emprestou dinheiro a quem não investimentos param, as empresas começam a
podia pagar, ou porque existem banqueiros de querer reduzir os custos, algumas quebram e, se
“mau-caráter” que nos levam todos a sofrer. não houver organização e luta, normalmente os
Pensar assim é acreditar que as crises existem trabalhadores, a imensa maioria da população,
por causa do caráter das pessoas e que o sistema pagam a conta.
capitalista, caracterizado pelas relações de
exploração, não tem nada de ruim, desde que 1.3. O papel dos governos
seja gerenciado por pessoas “boas”.
Os governos também estão envolvidos
Em primeiro lugar, é importante lembrar neste processo de acumulação de capital. O
como ocorre a produção sob o regime de Estado tem dívida pública e, para continuar
acumulação do capital. Toda produção de valor, gerenciando esta dívida, aumenta-se cada vez
riqueza, parte do trabalho. São os trabalhadores mais a carga tributária, que é paga,
produtivos, nas mais diferentes empresas que, majoritariamente, pelos trabalhadores para o
em seu conjunto, produzem absolutamente toda pagamento dos juros, enquanto a retirada de
a riqueza. Mas essa riqueza não é apropriada pela direitos, a precarização e as privatizações
classe trabalhadora, ela serve para aumentar avançam na Educação, na Saúde, na Previdência,
mais capital. Esse processo demonstra que o caracterizando aquilo que se convencionou
capital só existe por causa do trabalho. No denominar de políticas neoliberais. Importante
entanto, como os capitalistas competem entre si, ressaltar neste contexto o papel da Desvinculação
para produzir mais e vender mais, eles investem das Receitas da União (DRU), instrumento
em novas tecnologias e compram máquinas cada criado pelo governo FHC e perpetuado pelo
vez mais modernas que eliminam “postos” de governo Lula, que retira 20% de tudo que é
trabalho. Assim o capital vai “matando” quem o arrecadado pelo Estado e deveria ser investido
alimenta. Ao reduzir a quantidade de trabalho nas políticas sociais de caráter universalizante,
empregada, ocorre uma tendência à redução da para justamente arcar com os juros da dívida
taxa de lucro das empresas em geral. Essa é a pública.
contradição central do capitalismo.
Além disso, como todos podem conferir
1.2. O papel da especulação financeira na grande mídia, os Bancos Centrais e os
governos do mundo todo e do Brasil, já gastaram
Para fugir deste destino, quando esta centenas de bilhões de dólares para salvar
tendência de queda da taxa de lucro aparece, empresas e bancos. Não nos enganemos, este
uma parcela dos capitalistas começa a transferir Estado, com ou sem bolsa-família, ainda serve a
parte cada vez maior do seu capital para o uma minoria da população.
mercado financeiro, para tentar absorver valores

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1.4. A Crise é mundial pode se dar com a estatização de empresas e a


transferência de recursos públicos para as
Como dissemos, o sistema capitalista corporações e os bancos, ou seja, a socialização
entra em crise porque no seu modo de agir há dos prejuízos; mas pode se dar principalmente
uma contradição que não será resolvida: a convencendo os trabalhadores de que eles
produção coletiva do valor pelo trabalho e a sua precisam “fazer sua parte para que todos
apropriação privada pelo capital. Agora é possamos sair desta crise”. Este último
importante ressaltar porque a crise ocorreu neste instrumento já está em operação no Brasil,
momento. quando o governo Lula já acena com a
possibilidade de um novo pacto social.
Depois de décadas de avanço da
internacionalização da produção – ou da As conseqüências deste processo será o
globalização – o mundo inteiro participa do avanço das privatizações na Educação, Saúde e
processo de produção de valor. Uma empresa Previdência, antes direitos garantidos pelo
capitalista sueca, ou norte-americana, produz Estado com financiamento público, hoje novos
uma parte do produto na Suécia, outra no espaços para o capital se valorizar. Será o avanço
México, outra no Brasil, e vende no mundo todo. da precarização dos serviços públicos como
Assim, pela produção, o capitalismo ligou o Educação, Saúde e Previdência, materializando
mundo todo no mesmo processo de acumulação. serviços qualitativamente diferentes para os
Também a especulação financeira foi diferentes segmentos da sociedade. Quem pode
“globalizada”, já que se pode aplicar no mercado consumir tem acesso a uma boa educação, uma
financeiro mundial 24 horas por dia – basta ter boa assistência à Saúde. Quem não pode
dinheiro. Esse conjunto de fatores ligou todas as consumir tem acesso a uma educação pobre, e a
pontas do processo de produção e fez com que a uma assistência à Saúde pobre – “cesta básica
crise, que começou no EUA, rapidamente para a saúde”, que não garante acessibilidade a
atingisse todo o mundo. serviços de alta densidade tecnológica. Tudo isso
numa conjuntura de redução dos direitos
1.5. Quem paga o preço da Crise? ou o trabalhistas, de flexibilização das relações de
que nós, estudantes, temos a ver com trabalho, de redução de salários, de aumento do
isso? desemprego etc. Qual o impacto desta realidade
na saúde e na doença da população? Numa
Normalmente, quando acontecem crises população brasileira em que 60 dos 100 milhões
como esta os capitalistas buscam se salvar. Essa de trabalhadores estão em situação de
salvação pode se dar através das fusões das informalidade? Numa população mundial em
empresas, ou seja, com a centralização de capital; que um terço das pessoas está fora da esfera da
produção e fora da esfera do consumo?

A SAÚDE NÃO PODE PAGAR POR ESTA CRISE

2. A Assistência à Saúde nos dias atuais


2.1. Determinação social da doença Se entendermos a saúde como a condição
que permita a realização do humano, ou o
Para responder às indagações acima, desenvolvimento máximo de seu potencial, de
devemos nos ater por um momento no debate da acordo com as possibilidades sociais dadas pelo
determinação do processo saúde-doença e das desenvolvimento dos meios de produção, as
necessidades dos grupos humanos. Devemos necessidades serão entendidas como um patamar
entender que toda necessidade nos grupos universal a partir do qual cada um poderá se
humanos é determinada objetivamente e se desenvolver. Por outro lado, numa sociedade
expressa de maneira subjetiva, já que toda marcada pelas relações de exploração, que não
necessidade subjetiva só pode ser construída a permite o acesso igualitário aos produtos da
partir de uma necessidade concreta e civilização, como conhecimento, novas
possibilidades historicamente construídas. tecnologias, educação, assistência à saúde,
moradia, alimentação etc., necessidade de saúde

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pode ser entendida apenas como atenção restrita dos meios de produção, para o desenvolvimento
a determinadas situações que impeçam a livre máximo do potencial de cada um, mas esta
exploração de alguns, ou à mera satisfação da possibilidade é limitada pelas necessidades das
sensação de abandono, falta de “carinho”. classes dominantes. Hoje temos máquinas
capazes de perfurar rochas e que não exponham
Para ilustrar a determinação “em última os trabalhadores de forma intensa à inalação da
instância” sobre o processo saúde-doença do poeira de sílica. Mas por uma questão
modo como a sociedade se organiza para econômica, na abertura de túneis, estradas e
produzir e reproduzir seus meios de subsistência, mineração, persistem os processos primitivos,
podemos citar a Peste Negra, que dizimou mais expondo os trabalhadores a lesões irreversíveis
de um terço da população européia durante o nos pulmões. Sabe-se, ainda, através de estudos,
Feudalismo. Naquele período histórico, com que o exame clínico da mama, ou mesmo o auto-
restritas trocas comerciais e a população vivendo exame, não tem impacto nos índices de
nos feudos, toda produção alimentar era mortalidade e sobrevida das pacientes com
estocada nos mesmos, criando condições câncer de mama, por detectar nódulos em
satisfatórias para a reprodução de roedores, vetor estágios avançados. Sabe-se também que o
do patógeno. Ou podemos analisar a tuberculose exame que tem impacto na sobrevida destas
como epidemia durante o início do processo de mulheres é a mamografia. Porém, no Brasil,
industrialização. Obviamente o bacilo da cerca de 90% dos mamógrafos encontram-se à
tuberculose percorreu a humanidade ao longo da disposição daqueles que podem consumi-lo,
sua história, mas somente com as condições daqueles que podem pagá-lo. E apenas 10% dos
geradas pelo processo de industrialização, a mamógrafos encontram-se disponíveis para
saber, jornadas de trabalho de 18 horas, inserção aqueles que dependem do Estado.
das crianças no processo produtivo, condições de
moradia precárias, sem iluminação e úmidas, 2.2. A Assistência à Saúde na
que o bacilo encontrou condições de se contemporaneidade
reproduzir e superar a barreira imunológica dos
trabalhadores. Como vimos, o direito à sobrevivência e
sua possibilidade de realização são socialmente
Podemos também analisar em que determinados conforme o modo de produção, o
período histórico a expectativa de vida da grau de desenvolvimento das forças produtivas, a
população dos países centrais praticamente inserção dos diferentes grupos no processo de
dobrou. Certamente foi durante o Capitalismo, produção em cada momento histórico e pelo
mas em um momento histórico específico, acirramento da luta de classes. Num momento
caracterizado por conquistas dos trabalhadores, e histórico como o que vivemos, marcado pelo
expresso no Estado de Bem Estar Social, em que imenso desenvolvimento das forças produtivas,
os produtos da civilização minimamente foram diante do qual, mantendo-se as relações de
universalizados. Para finalizar, poderíamos exploração, grande parte dos trabalhadores
analisar em que período histórico existe maior torna-se dispensável – o capital mata quem o
queda da mortalidade infantil nos países alimenta, ao eliminar os trabalhadores e inserir
centrais, se foi na criação da vacina contra máquinas - constitui-se, assim, uma grande
poliomielite, ou se quando os trabalhadores massa de sobrantes, em que a possibilidade de
conquistaram o direito à licença-maternidade. realização da sobrevivência deste grupo está
Para espanto de alguns, o maior índice de queda seriamente ameaçada.
da mortalidade infantil, mesmo somando as
quedas relativas às demais vacinas hoje A expressão deste ideário se dá na
obrigatórias para o lactente, se dá quando as definição, pelo Banco Mundial, daquilo que seria
trabalhadoras conquistam a licensa- a “cesta básica para a saúde”, a que deveria ter
maternidade. direito aquela parcela da população que não
O fato é que nos dias de hoje existem tivesse qualquer possibilidade de consumir
condições objetivas, dadas pelo desenvolvimento livremente os serviços de saúde.

3. O Sistema Único de Saúde (SUS)


3.1. Considerações iniciais

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O SUS é, sem dúvida, produto de sindical desestruturado; em que a especulação,
conquistas históricas, mas nos cabem aqui as taxas de juros, os swaps, bônus e derivativos
algumas considerações sobre este processo. em geral se hipertrofiam, na expectativa fictícia
Sabemos que as principais bandeiras cravadas na de gerar valor; em que temos a formação dos
Constituição Federal de 1988, como blocos econômicos como expressão de uma nova
universalidade e integralidade na assistência à partilha econômica do mundo; em que temos os
Saúde foram gestadas dentro daquilo que se organismos multilaterais, como a Organização
convencionou chamar de movimento da Reforma Mundial do Comércio (OMC), o Fundo
Sanitária. Obviamente seria minimalista dizer Monetário Internacional (FMI) e o Banco
que este movimento foi homogêneo na defesa de Mundial, como instrumentos de interesses
seus conteúdos, suas bandeiras e suas práticas estratégicos do capital. Para finalizar, temos
políticas. Seria ingenuidade, todavia, pensar que forças produtivas suficientes para universalizar
não houve um projeto hegemônico, que venceu os produtos da civilização para o conjunto da
na defesa de suas bandeiras e sua prática política. sociedade, mas um terço da mesma não tem
possibilidades de trabalho ou de consumo, sendo
Este projeto hegemônico se caracterizou que pela primeira vez na história universal a
principalmente pela centralidade da luta economia declara que a maioria dos seres
institucional, que tem suas limitações, já que, humanos é desnecessária e descartável, pois, na
apesar de garantir no papel a universalidade e a economia contemporânea, o trabalho não cria
integralidade na assistência à Saúde, a realidade riqueza, os empregos não dão lucro, os
que temos é a de um Sistema de Saúde para desempregados são dejetos inúteis e
quem pode consumir. E outro Sistema de Saúde inaproveitáveis.
“seletivo” para aquela porção da sociedade
sobrante, os trabalhadores desempregados, mal 3.2. Neoliberalismo e o SUS
remunerados, superexplorados, terceirizados.
Isto, pois, avanços ou retrocessos na Os reflexos destas transformações
universalização dos produtos da civilização econômicas e do trabalho vão atingir os outros
dependem da correlação de forças em setores da sociedade, dentro daquilo que se
determinada sociedade. convencionou denominar neoliberalismo. A crise
do Capitalismo passa a ser explicada, pelos
Pudemos observar que a correlação de neoliberais, pelo excesso de gastos do Estado,
forças na formulação de um Sistema de Saúde pelo poder excessivo dos trabalhadores e pelos
que seja universal e integral encontra-se elevados salários, que inviabilizariam o
desfavorável para os trabalhadores. Como citado crescimento da economia. Preconiza-se, assim,
acima, nos encontramos num período histórico um Estado menos interventor, que reduza
caracterizado pela globalização, ou seja, pela substancialmente os gastos sociais ao mínimo
internacionalização da produção e das finanças, necessário para viabilizar a aceitação social da
além de um desenvolvimento das forças nova situação. Um Estado forte apenas para
produtivas (novas tecnologias, máquinas etc.) romper o poder dos trabalhadores e no controle
que não podem se desenvolver plenamente, pois do dinheiro, indicando as medidas de
não existiria uma demanda solúvel, não existiria estabilidade monetária como meta suprema dos
possibilidade de consumir tudo aquilo que pode governos. Para tal, a receita neoliberal passou a
ser produzido. preconizar abertamente a contenção dos gastos
com bem-estar, a restauração da taxa “natural”
Em outras palavras, atualmente temos um de desemprego (exército de reserva) e a redução
processo em que cada vez mais e mais os dos impostos sobre os rendimentos mais altos,
trabalhadores são retirados do processo além das privatizações.
produtivo com a incorporação de novas
tecnologias, resultando numa dificuldade de Sistematizando o conhecimento, devemos
gerar valor na esfera da produção; em que as 63 entender: a) gastos sociais mínimos e
mil corporações possuem 690 mil filiais estabilidade monetária, como sendo o uso do
espalhadas pelos países periféricos como o excedente econômico pelo Estado, obtido pelos
Brasil, local em que tem a possibilidade de se impostos pagos pelos trabalhadores, para manter
utilizar das melhores disponibilidades de as altas taxas de juros da dívida pública,
matérias-primas, facilidades creditais e fiscais, retirando assim investimentos na Educação,
precarização do trabalho e um movimento Saúde, Previdência, Moradia etc., precarizando o

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setor público, e elaborando o discurso da são o enfarte, o derrame, a pneumonia, a
ineficácia do Estado; b) flexibilização e bronquite, as neoplasias, etc. doenças que exigem
precarização das relações de trabalho, como o uso de tecnologia mais onerosa, de intervenção
sendo a possibilidade do aumento da exploração curativa e de tratamentos mais sofisticados. O
dos trabalhadores; c) privatizações como sendo a pressuposto de que as doenças
abertura de novos espaços pra valorizar o infectocontagiosas predominam na população
dinheiro, como a Educação, a Saúde, a pobre e as crônico-degenerativas nos estratos
Previdência, as rodovias, as empresas estatais mais ricos é falso e leva à ações equivocadas. As
etc. duas categorias de doenças atingem
predominantemente os mais pobres, até porque
Com o argumento da necessidade de são a maioria e os mais vulneráveis. Por isto, um
equilibrar as contas públicas, os sucessivos pacote de “cesta básica para a Saúde”, como
governos após a redemocratização do país (que propõe o Banco Mundial, não dão conta desta
redemocratização!!!), tem sistematicamente realidade.
adotado medidas no sentido de reduzir as
despesas da máquina administrativa do Estado, No final, quem pode pagar convênio nem
levando a um sucateamento e amputação sempre está satisfeito, sofre uma série de
inconseqüente de serviços e organizações restrições e não tem assistência ampla, exceto a
públicas, ao mesmo tempo em que aumenta o custos altos. E o “restante da população”, sem
volume de recursos destinados ao pagamento de condições financeiras, ficará à mercê de uma
juros, de encargos e do principal da dívida assistência à saúde gratuita restrita à assistência
externa e interna. básica (primária), sujeito a filas maiores que
aquelas já existentes, seja pela falta de vagas para
No campo da saúde, parece que se quer consultas ambulatoriais e/ou internações, seja
reabilitar, a partir dos pressupostos elucidados pela falta de funcionários amedrontados com a
acima, para os pobres, um modelo de atenção à violência nas regiões dos postos de saúde, além
saúde com centralidade absoluta na atenção de desmotivados com os salários e condições de
básica, com o que devemos concordar, desde que trabalho. Por sua vez, os diagnósticos, estarão
isto não signifique o impedimento do acesso aos mais atrasados que o habitual, interferindo no
procedimentos mais complexos sempre que tratamento e prognóstico das doenças. Tudo isto
necessários. Negar à população, que custeia o acontecendo em escalas cada vez maiores
sistema através dos impostos, o acesso a estes enquanto, por lei (1988), todos os indivíduos têm
procedimentos é tão nefasto quanto submeter o igual direito à saúde, garantido pelo Estado.
sistema ao consumo irracional dos mesmos,
atendendo à voracidade do capital. Concentrar-se Não pretendemos fazer apologia da
na atenção primária não é equívoco técnico, é assistência predominantemente hospitalar,
opção política oposta à construção de sistemas porém, nas condições materiais em que a
universais e integrais. Uma opção política que sociedade se encontra, é equivocada sua redução
afirma que para alguns é suficiente o mínimo, o abrupta e isolada, sem o respaldo de mudanças
menos sofisticado, o elementar, o primário, o na estrutura econômica da sociedade. Ademais,
comum, o geral ou o arcaico e para os outros, os as unidades básicas são insuficientes perto do
mais privilegiados, os que têm acesso à riqueza crescimento urbanopopulacional com o qual
material e podem pagar pelos serviços de saúde, crescem rápida e assustadoramente as más
estes poderão usufruir do avanço científico e condições de vida. Onde poderia haver um
tecnológico, da sofisticação, da qualificação, da trabalho integrado dos profissionais da saúde
especialização e do moderno. com a comunidade, através de visitas
domiciliares, controles de epidemias,
A dicotomia entre prevenção x cura, acompanhamento de pacientes com tuberculose
atenção primária x atenção terciária, ou hanseníase, prevenção de doenças da infância,
simplificação x sofisticação, não leva em incentivo ao aleitamento materno, etc., hoje se
consideração o quadro sanitário nacional. Se, de encontra um serviço ruim ou a ausência dele: ou
um lado somos campeões em doenças foram fechados, ou tornaram-se pronto
infectocontagiosas como a tuberculose, a atendimento, ou faltam profissionais.
hanseníase, a leptospirose, etc. onde a prevenção
é fundamental, por outro lado, as principais Os programas de demissões voluntárias,
causas de morte, incluindo os ricos e os pobres, más condições de trabalho e baixos salários

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ajudaram a esvaziar as unidades. O bilhões de reais gastos na saúde. A partir de1997,
desabastecimento de vacinas no Brasil desde recupera-se, em parte, o volume de gasto neste
1996, principalmente em São Paulo e Rio de setor, chegando, em 1999, a 20,3 bilhões de reais
Janeiro, já colocou em risco a saúde de milhares (dados do Ministério da Saúde). Contudo, a
de crianças brasileiras, com doenças que não evolução dos gastos em saúde, nestes últimos
deveriam mais existir. A não auto-suficiência na anos, não acompanhou a inflação do período.
produção de vacinas e medicamentos devido à Além disto, o aumento de recursos na saúde,
falta de investimentos governamentais em nestes últimos anos, se destinaram menos para a
tecnologia já fez com que o Brasil ficasse à mercê ampliação ou melhoria dos serviços, e mais para
das multinacionais tendo que adquirir produtos a amortização da dívida do setor. Em 1997 foram
inadequados de países como a Suíça e a Índia. gastos 449,9 milhões de reais para o pagamento
Em 1997, o Brasil precisava de 200 milhões de da dívida, em 1998, este valor foi de 551,7
doses (vacinas em geral) e, no entanto, produzia milhões de reais e, em 1999, o volume de
somente 112 milhões. recursos destinados à amortização da dívida do
setor de saúde, chegou a R$ 2,3 bilhões, ou seja,
A crise da saúde também é uma crise da mais de 10% do seu orçamento (dados do
pesquisa na saúde. Fundações como a Fundação Ministério da Saúde). A lógica do financiamento
Osvaldo Cruz (Fiocruz / RJ) e o Instituto não mudou desde então.
Adolpho Lutz (SP) não recebem apoio financeiro
para projetos de pesquisas ligadas aos diversos Além disto, como já pudemos analisar
ramos da saúde coletiva - ambiental, ou têm que conjunturalmente, a política de ajuste
abandonar os já existentes. A produção de econômico, a estabilidade monetária, a
medicamentos pela estatal CEME (Central de manutenção das altas taxas de juros da dívida
Medicamentos), embora não tivesse concluído pública continuam sendo a questão central do
seu projeto original de desenvolvimento e atual governo, e determinante das demais
autonomia na fabricação de medicamentos ao políticas, que se materializam de maneira
menos servia diversos municípios brasileiros focalizada, terceirizada e precarizada. Os
carentes, hoje não existe mais. Isto favorece as instrumentos que o Estado e os diversos
indústrias farmacêuticas de capital privado governos tem usado para consolidar esta política,
apesar da regulamentação oficial para produção entre outros, podem ser expressos na já citada
de medicamentos genéricos. Desvinculação das Receitas da União (DRU), que
retira 20% do montante arrecadado pelo Estado
3.3. SUS e o financiamento que deveria ser investido nas políticas sociais
universalizantes. Aqui também nos cabe atentar
Ao analisar o gasto federal em saúde após para outro instrumento utilizado, que são as
a década de 1980, podemos afirmar que existem reformas fiscais e tributárias. A tendência
alguns patamares de gastos a serem destacados observada nas últimas décadas é a de redução
neste período. Até a formulação do SUS, os das taxações sobre os rendimentos mais altos
gastos com saúde eram da ordem de 7 bilhões de atrelada à desregulamentação da circulação de
dólares ao ano. No período 1990-1993, quando capitais. Obviamente se as arrecadações do
houve um decréscimo da taxa de investimento Estado não diminuem, quem paga por isso são os
em torno de 16% ao ano, só voltando a crescer trabalhadores, cada vez mais e mais explorados.
em 1993 quando o gasto federal com saúde foi de
8,3 bilhões de dólares. O ano de 1992 foi o mais A aprovação de Emenda Constitucional
crítico com apenas 6,5 bilhões de dólares. 29, em seu texto original, que vincula recursos
Universalizou-se o Sistema de Saúde e os das três esferas de governo para a saúde e define
investimentos continuaram os mesmos, apesar os gastos em Saúde, pode significar um avanço
das taxas de inflação altíssimas do período na saúde. Mas não significará mudança
considerado. substantiva no financiamento deste setor se as
políticas econômicas não se alterarem.
Nos dois anos seguinte, 1994 e 1995,
houve uma pequena melhora, sendo que neste Em 1990 o Brasil investiu apenas 88
último ano, o Ministério da Saúde executou um dólares per capita dos recursos públicos na
total de 18,7 bilhões de reais. Outro ano crítico saúde, e em 1998, 115,3 dólares per capita. Nos
para a saúde foi em 1996, quando se observou países centrais o gasto per capita varia de 800 à
uma variação negativa de 13,9%, com apenas 14,3 2000 dólares. Em termos de PIB, o Brasil gasta

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com saúde pouco mais de 3%, já nos países
centrais, este valor chega a12% do PIB (dados do Podemos observar que nos momentos
Conselho Nacional de Saúde e do Ministério da iniciais de estruturação de uma formação social
Saúde). capitalista, o Capital repassa ao Estado a
responsabilidade por reproduzir a infra-estrutura
Em geral, o dinheiro destinado à saúde necessária para a produção. Desde o provimento
não chega, integralmente, aos serviços públicos, de energia, a instalação das redes viárias, dos
como observamos com a questão da CPMF. Além meios de comunicação etc., até a reprodução da
disso, pode-se dizer, que o endividamento força de trabalho. Os recursos para esta tarefa
externo foi exponenciado nos anos 90, pois a que assume o Estado são originários todos da
dívida externa brasileira evoluiu de um total de exploração do trabalhador e são transferidos via
64 bilhões de dólares em 1980, para 145,66 impostos pagos, parte pelos trabalhadores. Uma
bilhões em 1994, no início do Plano Real, vez estabilizada esta reprodução, passa a tornar-
chegando hoje a cerca de 250 bilhões. No se interessante para o capital, que, então, busca
orçamento de 2000, a saúde foi contemplada retirá-la do jugo do Estado.
com 5,99% do orçamento, ao passo que para
pagar a dívida externa (juros, encargos e Para exemplificar o exposto acima, vamos
amortizações) previu-se cerca de 45% do analisar como se estruturou a rede de hospitais
Orçamento federal (dados do Senado Federal). privados no país e os ataques que os serviços
públicos vêm sofrendo com a implantação das
MAIS VERBA PÚBLICA PARA A SAÚDE políticas neoliberais. A rede hospitalar privada,
CONTRA A DRU desde 1945, sempre foi superior à rede estatal.
PELA APROVAÇÃO DA EC 29 Em 1945, a porcentagem de leitos privados
representava 55% dos leitos totais, enquanto em
3.4. SUS e os Hospitais 1975, os leitos privados passam a representar
quase 68% dos leitos totais. Atualmente, o setor
A inserção, hoje, no modelo neoliberal privado ocupa quase 71% dos leitos totais.
implica muito mais em “não estar inserido”, isto
é, em estar desempregado, que por sua vez Convém ressaltar que a expansão da rede
implica na falta de poder de compra mínimo para hospitalar privada, principalmente durante os
serem mantidas condições de existência, ou governos militares, ocorreu financiada com
subsistência, ou sobrevivência, algo que não está recursos públicos, através da criação dos
ocorrendo. O “Estado mínimo” neoliberal deixa denominados Plano de Pronta Ação (PPA) e do
que a readequação do trabalho resolva-se sob a Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social
influência da “mão invisível”. (FAS). Como primeira constatação, podemos
sistematizar da seguinte maneira: a rede
Os governos neoliberais procuram hospitalar no país é predominantemente privada,
desempenhar seu papel “mínimo” e ideológico, fruto de um processo histórico de privatização, e
em particular na área da saúde que é o setor que foi estruturada hegemonicamente com
nos interessa, fazendo “desmanchar-se” a financiamento público, pago pelos trabalhadores.
estrutura hospitalar construída ao longo do
século XX, dividindo-a e/ou entregando-a as Cabe agora analisar a forma como as
iniciativas privadas, seguindo o modelo redes hospitalares privadas relacionam-se com o
preconizado, defendido e implantado desde a Estado. Esta relação pode se dar através da
década de 80 nos EUA e Inglaterra. prestação de serviços das redes privadas ao
paciente que é incapacitado de consumir os
Antes de esmiuçar como este processo se produtos da assistência à saúde. Isto ocorre
desenvolveu em um país periférico como o Brasil, principalmente com aquelas empresas médico-
devemos entender que a assistência à saúde, em hospitalares chamadas segmento de baixa
uma sociedade caracterizada por relações de tecnologia, que não conseguiram se modernizar
exploração, permite realizar o lucro da indústria para disputar o consumo daqueles pacientes que
farmacêutica e de aparelhos hospitalares, da podem pagar, diretamente ou através dos planos
exploração da força de trabalho em saúde nos de saúde. A maior expressão disso seriam as
serviços de saúde, como os hospitais, e de criar o “Santas Casas de Misericórdia”.
espaço de mercado para os seguros e planos de
saúde.

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Esta situação traz uma série de legislativa para celebrar contratos de gestão com
problemáticas na universalização da assistência à o poder executivo e assim participar do
Saúde. Estas empresas médicas, para obterem orçamento.
seus lucros, dependem substancialmente dos
recursos públicos repassados pelo Estado para a Uma tendência atual dos hospitais
saúde, através das políticas de saúde. Num públicos, através do governo Lula, é a
exemplo drástico desta situação, poderíamos transformação em fundações estatais de direito
citar a cidade de Natal, que passa por uma crise privado, possibilitando autonomia
sem precedentes na Saúde e que cerca de 70% administrativa e financeira. Temos um processo,
dos recursos públicos destinados à Saúde do portanto, de privatização da rede hospitalar
município destinam-se a este tipo de empresa estatal que ainda sobrou. Uma privatização fruto
médica. das necessidades de abrir novos espaços para
valorizar o capital.
Numa conjuntura de implantação das
políticas neoliberais, em que os recursos públicos Assim, o “mau gerenciamento” e a falta de
para as políticas sociais, em especial a saúde, são recursos criam possibilidades do governo
cada vez menores, podemos imaginar a transferir, em parceria ou não, as
qualidade dos serviços de saúde nestes hospitais responsabilidades com a saúde pública às
privados. Além disso, estas empresas médico- “organizações sociais” – entidades privadas- ou
hospitalares definem os procedimentos que às fundações estatais de direito privado, que
prestarão ao Estado, dando preferência passam a assumir a direção e determinar os
obviamente àqueles procedimentos mais recursos para saúde. No plano ideológico, estas
rentáveis. Com isso, aquela parcela da população privatizações são justificadas pela ineficácia do
correspondente a 80%, incapaz de consumir público e a necessidade de novos modelos de
assistência à Saúde, diretamente ou através dos gestão.
planos de saúde, sofre sérias restrições de acesso
aos serviços de saúde secundários e terciários, O discurso neoliberal defende, como já
limitando-se seu acesso à “cesta básica para a colocado, a autoregulação do mercado através da
saúde”. competitividade, da boa administração
(managed care), e reutiliza o princípio liberal do
Enquanto isso, aquelas empresas médico- individualismo como fundamento para a
hospitalares que se modernizaram, centralizando construção de uma nova sociedade mais
capital, denominadas segmento de alta competitiva, sob argumento de que o
tecnologia, se incorporam cada vez mais à Saúde “autoritarismo estatal” tornou a sociedade
Suplementar, prestando serviços àqueles que passiva e habituada com a improdutividade do
podem pagar. Poderíamos exemplificar como governo. Portanto, é uma sociedade que também
modelo o Hospital Sírio Libanês, em São Paulo tem culpa e onde os pobres são culpados pela
Analisamos acima, de maneira superficial, o pobreza; os desempregados pelo desemprego; os
movimento das empresas médico-hospitalares corruptos pela corrupção; os favelados pela
até os dias atuais. Cabe agora analisar mais violência urbana; os sem terras pela violência no
profundamente o papel do Estado neste campo; os pais pelo mau rendimento escolar dos
processo. filhos; os professores pela péssima qualidade dos
serviços educacionais.
A reforma do sistema hospitalar e a
estruturação de um Sistema focalizado têm seu A redução do papel do Estado na
ápice nas mudanças propostas pelo Ministério da prestação de serviços públicos, em qualquer
Administração e Reforma do Estado (MARE - esfera da sociedade, respalda-se, segundo seus
1995), seguindo as cartilhas impostas pelos teóricos e dirigentes, na necessidade de
organismos multilaterais como o FMI e o BM. transformar as instituições estatais em
Desde então, para resolver o problema da organizações mais competitivas e, portanto, que
procura por serviços hospitalares, o Ministério sigam as leis de mercado. Entretanto, como
da Saúde recomendava a prática de consórcios equacionar assistência à saúde e lucro?
intermunicipais e interestaduais e a
transformação de hospitais estatais em Modelos como do governo de Tatcher
organizações sociais, isto é, entidades públicas (Inglaterra) que implantaram um modo de
não estatais de direito privado, com autorização assistência pública - denominado “quango”:

20
Privatização pra que(m)?
quasi autônomas non- governamental produzido pela humanidade na assistência à
organizations -, têm servido de referência ou, saúde para a maioria da população.
guia, para os governantes, inclusive brasileiros.
Hoje são mais de 5.000 destas organizações, cuja 3.5. SUS e os Hospitais Universitários
receita é da ordem de 70 bilhões de dólares, onde
os quangocratas são geralmente nomeados por Os Hospitais Universitários cumprem um
interesses políticos ou amizade, não se sentem importante papel na assistência à Saúde da
servidores públicos e, as quango, são menos população, na Educação em Saúde e na produção
sujeitas ao controle externo. Com isso, os de conhecimentos, já que está diretamente
problemas de nepotismo, uso de interesses relacionado à Universidade. São alvo, como os
pessoais, má gestão, inadequada aplicação de outros setores estatais, das políticas de
recursos e, mesmo a corrupção, se mantém. precarização dos serviços públicos e de
privatização dos direitos sociais, transformados
Uma das primeiras conseqüências das em mercadorias para quem pode consumir.
políticas brasileiras de privatização no setor da
saúde pública (“políticas de parceria” - década de A realidade dos Hospitais Universitários,
90), nos níveis estadual e municipal, e em portanto, não difere da realidade da assistência à
particular na capital paulista foi o Saúde no país. O resultado deste processo
superfaturamento. As cooperativas privadas ou culmina naquilo que conhecemos como “crise
as organizações sociais- também privadas -, dos hospitais universitários”, que tem mobilizado
tinham possibilidade de comprar medicamentos estudantes e trabalhadores na defesa da
sem licitação pública, superfaturar despesas e qualidade e da administração pública, com o
escapar da fiscalização dos conselhos de saúde. financiamento adequado para os processos
educacionais (diante da falta de docentes,
O resultado já se sabe: desmonte das preceptores e locais adequados para a Educação),
redes hospitalares estatais e a submissão da assistência à Saúde e produção de conhecimento
assistência terciária à lógica de acumulação do nestes hospitais.
capital. Segundo dados do IBGE (1999), houve
uma redução de leitos para internações no Brasil A privatização deste setor tem-se dado
entre 1992-1999 de 27%: de 544.357 baixou para principalmente através da terceirização da
484.945. Segundo a recomendação da OMS, que gestão, com as Fundações Privadas de Direito
habitualmente não é seguida pelo Banco Mundial Privado, ditas “Fundações de Apoio”. Estas
naquilo que não interessa ao mercado, deve empresas abrem possibilidade, através da gestão
haver 4 leitos /1000 habitantes. Portanto, um dos recursos públicos, de criar novos espaços
déficit de mais de 100 mil leitos no Brasil. Uma para se valorizar o capital, precarizam as relações
política que chega aos limites da crueldade: quer de trabalho, além de abrir condições para a
privatizar até a dor e fazer da doença e do apropriação privada dos conhecimentos
sofrimento humanos um negócio lucrativo produzidos no interior da Universidade Pública,
que corresponde a 80% do conhecimento
Desta forma, o Sistema de Saúde produzido em nossa sociedade. Um vasto campo
consolida-se como um sistema caracterizado pelo para as corporações ligadas à produção de
estabelecimento de um pacote de benefícios medicamentos, alimentos, vacinas e etc. Além
padrão (“cesta básica para a saúde”); limitação disso, as fundações cobram uma taxa para
do acesso à serviços de atenção terciária para administrar os recursos públicos, que
80% da população; controle da oferta de serviços corresponde a aproximadamente 9% do total que
públicos em função dos custos; adoção de formas administra.
de co-pagamentos; favorecimento à iniciativa
privada; incentivo à concorrência na prestação de No caso do Hospital das Clínicas ligado à
serviços ambulatoriais e hospitalares, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
envolvendo indistintamente os setores público e USP, gerido pela fundação FAEPA, que recebe do
privado e; do papel regulador do Estado, com o estado de São Paulo e do governo federal
deslocamento de atribuições para entidades de aproximadamente o montante de recursos que o
direito privado. Favorece-se assim a acumulação município de Ribeirão Preto arrecada, podemos
de capital por um segmento da população imaginar o montante de dinheiro que fica retido
restrito, e a falta de acesso àquilo que já foi nestas empresas.

19
Privatização pra que(m)?
É essencial analisarmos mais assistência mais demorada, como os
precisamente o que vem ocorrendo nos Hospitais transplantes, pacientes com câncer,
Universitários. Para isso, vamos utilizar como medicamentos excepcionais, pacientes com Aids
campo de estudo o complexo Hospitalar ligado etc. Estes procedimentos pouco interessam ao
ao campus de São Paulo da USP (HC-USP) e ao setor privado, como os planos de saúde, já que
campus de Ribeirão Preto da USP (HCRP-USP), são pouco rentáveis. Assim, toda população
geridos através deste modelo fundacional. Os acaba por usar os serviços destes hospitais com
complexos hospitalares das “Clínicas”, financiamento público, podendo ou não
patrimônio público construído historicamente consumir um plano de saúde. Sabidamente, há
com recursos públicos, provindo dos décadas, o respaldo à qualidade da assistência à
trabalhadores, atende anualmente milhões de saúde vem da integração entre ensino-pesquisa e
pessoas. Em 1996 foram 931 mil consultas assistência de várias áreas.
ambulatoriais, 30 mil cirurgias, 57 mil
internações no HC-USP, enquanto em 2007 Outras colocações importantes a serem
foram 600 mil consultas, 33 mil internações no feitas, do papel que as Fundações possuem nos
HCRP-USP. Hospitais Universitários, dizem respeito à quebra
do regime de dedicação integral à docência e à
Entretanto, no bojo das medidas pesquisa (RDIDP) nas Universidades Públicas, já
neoliberais, está o atendimento desigual à saúde, que permitem que os docentes deixem de se
privilegiando os que podem pagar (convênios e dedicar à carreira acadêmica exclusivamente
particulares). Em geral, nos serviços públicos de para se dedicar aos atendimentos particulares e
saúde existem placas indicando: pacientes “SUS” aos convênios. Além disso, podemos pontuar a
e pacientes “Particulares e Convênios”. E o possibilidade de organização de “cursos pagos”
privilégio vai mais além: há prioridade no por parte destas Fundações, que utilizam o
atendimento de quem paga (fura-fila), e até prestígio destas instituições públicas junto à
exclusividade nos quartos de internação. sociedade, o corpo docente das mesmas, o espaço
público, e o conhecimento produzido
Os dirigentes – médicos ou não - afirmam coletivamente com financiamento público, para
“que o mercado dita as regras do jogo”, embora promover cursos pagos de “aprimoramento
na constituição de 1988 conste que a assistência profissional”, “especializações” nas diversas áreas
à saúde no SUS deva ser prestada com igualdade, da saúde etc.
sem preconceitos e privilégios de qualquer
espécie. Uma das afirmações contraditórias O que hoje ocorre com o HC-USP e com o
desses dirigentes refere-se à privatização como HCRP-USP é resultado da contínua implantação
instrumento para aumentar a receita. Mas uma do conjunto de políticas neoliberais (“anti-
análise minuciosa mostra claramente quanto são sociais”) em curso desde a década de 70 e
pequenos os recursos provenientes dos avalizada pelos sucessivos governos. Trata-se,
convênios de planos de saúde ou de outras mais uma vez, de um “novo” governo apenas com
empresas privadas: em 1995 o Hospital das uma “roupagem” diferente, isto é, ele mantém
Clínicas (H. C. USP) recebeu 238 milhões de uma linha de ação que é radicalmente a mesma,
reais, enquanto os convênios ou outras empresas com desemprego, alteração nas leis trabalhistas e
“pagaram” pelos serviços prestados, 1,17 milhão do direito à aposentadoria, - interferentes diretos
de reais, o que corresponde a 98% de verbas no poder aquisitivo dos trabalhadores. Como já
públicas no HC-USP. Dados de 2007 do HCRP- ressaltado, o financiamento para os Hospitais
USP mostram tendência semelhante, sendo que Universitários segue a mesma tendência do
97,5% das receitas provem das verbas públicas, financiamento para a assistência à Saúde em
entretanto, o privilégio no atendimento é do geral.
paciente particular ou conveniado.
Ademais, quando o lucro não é o esperado
Pode-se afirmar, assim, que nenhuma pelas empresas, sabemos quem paga a conta com
mudança efetiva foi adotada para impedir o a socialização dos prejuízos. Foi o que aconteceu
progressivo desmanche da assistência à saúde com a Fundação que se apoiava no HC-USP,
gratuita universal, igualitária. Sabe-se, ainda, Fundação Zerbini, cuja dívida socializada com os
que os Hospitais Universitários possuem papel trabalhadores chegava a 200 milhões de reais em
privilegiado na assistência à Saúde de alta 2006, ano em que estas informações chegaram
densidade tecnológica, que necessitam de até a grande mídia.

20
Privatização pra que(m)?
transferência de propriedade para o setor
POR UMA GESTÃO 100% PÚBLICA DOS privado, há pelo menos a transferência da
HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS responsabilidade administrativa, sendo que o
financiamento continua sendo público.
3.6. SUS e os Modelos de Gestão
O instrumento, pelo qual se utilizam os
a) O arcabouço teórico a partir das governos para implementar o processo de
necessidades do Capital privatização, surge por meio dessas Organizações
Sociais. Segundo o Plano Diretor da Reforma do
Um importante marco que sistematiza a Estado entende-se por organizações sociais as
forma como se daria a implementação do entidades de direito privado que, por iniciativa
neoliberalismo no Brasil é o Plano Diretor da do Poder Executivo, obtêm autorização
Reforma do Aparelho do Estado, formulado por legislativa para celebrar contrato de gestão com
Bresser Pereira, que estava à frente do Ministério esse poder, e assim ter direito à dotação
da Administração Federal e Reforma do Estado orçamentária.
(MARE), seguindo as diretrizes dos organismos
multilaterais, e foi aprovado em 1995 pelo então As Organizações Sociais estão
presidente da república, Fernando Henrique regulamentadas pela Lei Federal nº 9.637, de 15
Cardoso. de março de 1998, em conjunto com a aprovação
do Plano Nacional de Publicização. No Estado de
De modo geral, o Plano Diretor pregava: São Paulo a Lei Complementar nº 846, de 04 de
(1) o ajustamento fiscal duradouro; (2) reformas junho de 1998, qualifica as entidades como
econômicas orientadas para o mercado, que, Organizações Sociais. Estava criado o arcabouço
acompanhadas de uma política industrial e jurídico necessário para a implementação das
tecnológica, garantam a concorrência interna e OS’s e para o avanço do processo de terceirização
criem as condições para o enfrentamento da no Brasil. Isto se afirma na medida em que,
competição internacional; (3) a reforma da quando analisamos o orçamento do Estado
previdência social; (4) a inovação dos destinado à saúde, especificamente em relação à
instrumentos de política social, proporcionando assistência ambulatorial e hospitalar, destaca-se
maior abrangência e promovendo melhor o montante atualmente destinado às
qualidade para os serviços sociais; e (5) a Organizações Sociais de Saúde (OSS), que atinge
reforma do aparelho do Estado, com vistas a a ordem de grandeza de um bilhão de reais de
aumentar sua governança, ou seja, sua gasto para o ano de 2006.
capacidade de implementar de forma eficiente
políticas públicas. No âmbito federal, a legislação que cuida
das Organizações Sociais (Lei nº 9.637, de 15 de
Os chamados setores não exclusivos é o março de 1998) sofre questionamento quanto à
que mais chama a atenção, pois a principal sua constitucionalidade, por meio de Ação Direta
caracterização que se faz é de que esses setores de Inconstitucionalidade proposta em
são de responsabilidade pública, mas não 27/11/1998 (ADIN 1923), pendente de
necessariamente estatal. Há uma diferenciação julgamento no Supremo Tribunal Federal.
entre os conceitos de público e estatal. Com isso,
abre-se a possibilidade do processo de A participação popular é outra diretriz
terceirização, um processo de transferência das constitucional para a execução das ações e
responsabilidades do Estado para o setor privado serviços de saúde, sendo conhecida de modo
no que tange às áreas não exclusivas, que em geral como Controle Social, tendo nos Conselhos
geral são as áreas sociais. de Saúde (Nacional, Estaduais e Municipais) os
órgãos do controle. Em relação às OS´s, ambos
b) Organizações Sociais (OSs) têm atualmente posição contrária à sua utilização
para a gestão da saúde. Segue a deliberação
O processo de terceirização da número 001 de 10 de Março de 2005 do
administração pública é uma das principais Conselho Nacional de Saúde (íntegra no anexo,
diretrizes no que tange à implantação das documento nº 01):
políticas neoliberais na estrutura do Estado. Uma
vez que no âmbito institucional-legal não é a) Posicionar-se contrário à
possível uma privatização stricto sensu, com terceirização da gerência e da gestão de serviços e

19
Privatização pra que(m)?
de pessoal do setor saúde, assim como, da saúde4, sem se preservar a legislação sobre a
administração gerenciada de ações e serviços, a administração pública e os princípios e diretrizes
exemplo das Organizações Sociais (OS), das do Sistema Único de Saúde
Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público (OSCIPs) ou outros mecanismos com Ainda, há a questão trabalhista que não
objetivo idêntico, e ainda, a toda e qualquer pode ser afastada, na medida em que as questões
iniciativa que atente contra os princípios e atinentes à terceirização, dentro das
diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS). Organizações Sociais, ocasionam graves prejuízos
b) Estabelecer o prazo de 12 (doze) às condições de trabalho, caracterizados por
meses, a partir desta data, para que os órgãos de desvio de função, sobrecarga de serviços e alta
gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) adotem rotatividade quanto às empresas terceirizadas.
medidas para o cumprimento do estabelecido no
item .a. desta Deliberação. A terceirização também implica um
processo de precarização do trabalho, uma vez
No estado de São Paulo temos um que as funções desempenhadas por servidores
laboratório para estudar os impactos das OSs, já públicos serão desempenhadas por profissionais
que sucessivos governos têm implementado uma contratados por empresas privadas, que possuem
política ofensiva de privatização do patrimônio menos direitos trabalhistas em relação ao
público. Somando-se o ajuste fiscal para funcionário público. A longo prazo isso pode
pagamento da dívida pública e o arrocho das inclusive acarretar diminuição da qualidade do
políticas sociais temos um tripé que sustenta a serviço prestado por conta das condições mais
política dos governos no último período, precárias sob os quais os trabalhadores
caracterizada pela entrega do patrimônio público terceirizados são obrigados a trabalhar.
para o capital privado.
As terceirizações também não estão
O mais importante processo de submetidas a algumas regras da administração
transferência de responsabilidades para o setor pública como a lei de licitações. Esses
privado no Estado de São Paulo, no que tange à mecanismos podem facilitar o desvio dos
saúde, é a entrega da gestão de hospitais públicos recursos públicos, que foi o teor de uma série de
para as OS´s. Mas o governo estadual tem denúncias recebidas sobre os processos de
lançado mão de outra estratégia para entregar as terceirização nos hospitais da administração
responsabilidades do Estado com saúde para o direta: superfaturamento de contratos, prestação
setor privado: inúmeros hospitais públicos sob de serviço aquém do contratado, favorecimento
administração direta tiveram diversos serviços individual, dentre outros.
que exerciam terceirizados. Desde os serviços
menos complexos, como segurança e limpeza, até Para finalizar, cabem algumas
serviços mais complexos, como a radiologia e o sistematizações das conseqüências das OSs:
atendimento médico, estão sendo prestados por Transferência de "poupança pública" ao setor
empresas terceirizadas nos hospitais. privado lucrativo; Repasse de patrimônio, bens,
serviços, servidores e dotação orçamentária
Vários estados (Tocantins, Rio de Janeiro, públicos a empresas de Direito Privado;
Bahia e Roraima) também passaram a transferir Desregulamentação do Sistema Público de
serviços de saúde a entidades terceirizadas tais compra de bens e serviços (Lei 8.666/Lei das
como cooperativas, associações, entidades Licitações); Os Servidores Públicos continuarão
filantrópicas sem fins lucrativos (ou com fins vinculados aos seus órgãos de origem, mas
lucrativos), entidades civis de prestação de integrarão a um "Quadro em Extinção"; Fim do
serviços, etc. Assim, por meio de contratos de Regime Jurídico Único (praticamente não
gestão ou termos de parcerias, transferiu-se haverão mais servidores públicos nos Serviços
serviços diversos ou unidades de serviços de Sociais Competitivos). O regime de contrato de
saúde públicos a entidade civil, entregando-lhe o trabalho será o da C.L.T; Fim do Concurso
próprio estadual ou municipal, bens móveis e Público no acesso aos Cargos Públicos;
imóveis, recursos humanos e financeiros, dando- Desprofissionalização dos Serviços e dos
lhe autonomia de gerência para contratar, Servidores Públicos; Flexibilização do contrato
comprar sem licitação, outorgando-lhe de trabalho, das conquistas trabalhistas,
verdadeiro mandato para gerenciamento, inclusive da organização sindical.
execução e prestação de serviços públicos de

20
Privatização pra que(m)?
CONTRA OS MODELOS PRIVATIZANTES planejamento, o monitoramento e a avaliação em
DE GESTÃO ambos os casos. 4. Consolidar as transferências
federais e vincular aumentos de recursos à
c) Fundações Estatais de Direito Privado melhora no desempenho, desta forma
recompensando o bom desempenho e
Aparentemente movido pela necessidade penalizando o desempenho ruim (dada a
de resolver a situação jurídica ilegal de alguns importância do nível mínimo de atendimento
hospitais do Rio de Janeiro e do Rio Grande do para todos, o desempenho ruim não significaria
Sul, o governo federal, através do Ministério do necessariamente uma redução automática dos
Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG e do recursos). 6. Fortalecer e profissionalizar a
Ministério da Saúde - MS elaborou projeto de lei capacidade gerencial.
instituindo fundações estatais de direito privado,
cuja origem remonta ao decreto-lei 200 da Desde a apresentação vê-se o uso de
ditadura militar e à emenda constitucional 19 de argumento similar ao que fundamentou a contra-
1998. reforma estatal gerenciada por Bresser Pereira:
novos paradigmas, novos desafios, agilidade e
Na apresentação do documento, o efetividade para induzir mudanças em algo que
Secretário de Gestão Walter Correia da Silva funciona de modo ruim ou insatisfatório. Mas, no
informa sobre a natureza do trabalho e a época caso de uma reforma do Estado, a avaliação do
de seu início: “... a SEGES deu início em 2005 a insatisfatório não é apenas e tão somente de
uma série de estudos e análises críticas sobre as caráter ‘técnico’ porque sempre atenderá as
atuais formas jurídico-institucionais da demandas da classe que a tornou uma
administração pública, com o objetivo de propor necessidade. Dito de modo diverso, uma reforma
ajustamentos que conduzam a um arcabouço do Estado pode operar na direção de aumentar
legal mais consistente e afinado com os novos os direitos da força de trabalho ou pode
paradigmas e desafios impostos à gestão pública aprofundar as exigências de acumulação do
sem, contudo, fugir dos limites estabelecidos pelo capital e, neste caso, será uma contra-reforma do
ordenamento do direito público brasileiro. Nesse Estado por afetar os interesses e direitos da força
contexto é que nasce o Projeto Fundação Estatal de trabalho.
– da necessidade imperativa de, a luz das
disposições constitucionais, produzir direito Todavia, quando o capital imprime sua
novo para dotar o Governo de agilidade e lógica para a totalidade da vida social também o
efetividade no atendimento das demandas sociais Estado tem de ser contra-reformado para que as
do País” instituições e as políticas sociais que garantem os
direitos dos trabalhadores se transmutem em
Aparentemente, já que este projeto surge negócios que promoverão lucratividade para o
no MPOG algum tempo depois do Banco capital.
Mundial elaborar novo relatório sobre a
assistência à Saúde no país. Neste relatório O MPOG adota as concepções de Bresser
tínhamos os principais apontamentos: 1. Pereira e do BM sobre a natureza das funções do
Desenvolver e introduzir arranjos Estado, para o qual o Estado atua de forma
organizacionais que dêem às unidades de gestão concorrente com a iniciativa privada nas áreas da
níveis crescentes de autonomia e autoridade saúde, saúde, educação, cultura, esporte e
decisória sobre a gestão dos recursos, e ao pesquisa. O fetiche do mercado atinge o seu ápice
mesmo tempo responsabilizando-as pelo seu quando ao Estado se quer reservar o papel de
desempenho. Porém, a velocidade em que tal concorrente dos serviços privados e se elege a
autonomia pode ser concedida deve ser calibrada lógica empresarial – convém, lembrarmos, é a do
com a capacidade demonstrada de cada unidade, lucro! – para definir eficácia e eficiência na ação
e a capacidade do órgão central (por exemplo, a estatal que, na consecução de políticas sociais,
secretaria de saúde) de monitorar e controlar seu opera com lógica inteiramente diversa ao da
desempenho. 2. Aplicar mecanismos para empresa privada.
fortalecer a responsabilização dos gestores, como
contratos de gestão que forçam os gerentes a As políticas sociais procuram viabilizar o
focar em objetivos específicos e resultados bem-estar da maioria que não pode encontrá-lo
mensuráveis. Esse instrumento poderia servir no mercado porque ali somente alguns poderão
como um mecanismo básico para o ter o lucro e a ‘proteção social’ como mercadoria

19
Privatização pra que(m)?
na forma de serviços privados de educação, poderá obter recursos a partir da prestação de
saúde, previdência, lazer, etc. Aos que vendem e serviços em sua área de atuação.
aos que sequer conseguem vender sua força de
trabalho por não encontrarem empregos, a única Como a FEDP não compõem o Orçamento
proteção social é aquela oriunda da ação do Geral da União, não obedece à Lei de Execução
Estado pela via das políticas sociais. Orçamentária. Ou seja, a receita pública que
recebe pode ser utilizada da maneira que bem
O projeto das FEDP avança na entender sua administração, não havendo
precarização das relações de trabalho, já que o destinação definida. Ademais, as Fundações
vínculo da CLT abre várias possibilidades dentro Estatais devem obedecer à Lei de Licitações. No
da lógica da iniciativa privada: aumentar a idade entanto, a licitação na Fundação Estatal não se
e o tempo de serviço requeridos para a dá da mesma forma que na Administração
aposentadoria, restrição dos tetos de Direta, havendo regimento próprio para a
aposentadorias, ou seja, é possível fixar licitação nas Fundações Estatais, podendo cada
aposentadorias inferiores aos vencimentos dos uma ter regimento diferente.
trabalhadores da ativa, e os insatisfeitos que
complementem sua aposentadoria capitalizando- O estatuto jurídico das fundações estatais
se (este é bem o termo) com a previdência de direito privado impede que seja exercido o
privada. O substitutivo do deputado Pepe Vargas controle público da forma plena. Vejamos: “O
é claro: § 5 do artigo 2: “é facultado à fundação Conselho Curador (ou de Administração) é o
estatal de direito privado instituir, nos termos da órgão de direção superior, controle e fiscalização
lei, regime de previdência complementar”. Aqui da Fundação Estatal. É órgão colegiado, com
está subjacente novamente a ofensiva do governo representação majoritária do governo, sendo
contra os direitos previdenciários. A imposição presidido pelo titular do órgão. Conta entre seus
do vínculo pela CLT é orientada pela concepção membros com a participação de representantes
da previdência como deficitária, a ser sustentada da sociedade civil e dos empregados. Seus
apenas pela contribuição dos próprios membros podem ou não ser remunerados, de
trabalhadores e não de outras fontes. Abandona- acordo com o que dispuser a lei ou os estatutos”.
se o conceito da seguridade social solidária e os
trabalhadores são vistos apenas como “recursos Esta possibilidade de remuneração dos
humanos”, a exemplo do que acontece nas integrantes deste Conselho Curador não aparece
empresas privadas, nas quais todos os recursos, no projeto de lei do deputado federal Pepe
inclusive os trabalhadores, são mercadorias para Vargas. Mas não é vedada. Passa em silêncio.
a produção de mercadorias. Trata-se de um mecanismo que pode ser usado
como eficiente cooptação de lideranças, como
O projeto de lei permite que cada está sendo demonstrado pelos exemplos em
fundação, como ente autônomo, tenha seu plano vigência.
próprio plano de cargos, carreiras e salários.
Além da segmentação da base sindical e da “A Diretoria Executiva é responsável pela
fragilização da organização dos trabalhadores, gestão técnica, financeira, patrimonial,
para os gestores é também um problema administrativa e assistencial da Fundação. Seus
administrar pessoal cujos salários são membros são ocupantes de cargos de confiança.
diferenciados para a mesma função. O Conselho Fiscal é órgão de controle interno,
responsável pela fiscalização da gestão
A Fundação Estatal estará vincula ao econômico-financeira. O Conselho Consultivo
órgão ou entidade para qual finalidade foi criada, Social tem caráter consultivo, subordinado ao
submetendo-se à esfera de governo que a criou: Conselho Curador. Constituído por
Poder Federal, Estadual ou Municipal. A FEDP é representantes da sociedade civil, aí incluídos
a personificação de um patrimônio público usuários e outras pessoas físicas ou jurídicas com
segundo as regras do direito privado para prestar interesse nos serviços da entidade”.
serviço de interesse social. Há, portanto,
transferência de patrimônio público para pessoa Tanto o Conselho Nacional de Saúde
jurídica de direito privado. Ocorre ainda, quanto a XIII Conferência Nacional de Saúde
transferência de recursos públicos por meio de foram contrários ao projeto da FEDP, e mesmo
Contrato de Gestão, sendo que a fundação assim o ministro Temporão deu declarações de

20
Privatização pra que(m)?
que irá em frente e disse que a Conferência é planos de Saúde. Objetivando o lucro, estas
apenas consultiva e não deliberativa. empresas impõem uma série de restrições na
assistência à saúde, colocando em riso a
CONTRA AS FUNDAÇÕES ESTATAIS DE sobrevivência do paciente e prejudicando os
DIREITO PRIVADO trabalhadores em saúde. Como caso drástico,
usaremos o exemplo do documentário “Sicko”,
3.7. SUS e os PLANOS DE SAÚDE: escrito e dirigido pelo cineasta Michel Moore,
QUEM PAGA A CONTA? que retrata a situação do Sistema de Saúde nos
EUA, em que a saúde consolida-se, através dos
Os planos de saúde consolidam um planos de saúde, como espaço essencial de
Sistema de Saúde desigual para os diferentes acumulação de capital:
segmentos da sociedade, juntamente com a
precarização dos serviços públicos, as “Meu nome é Linda Pino. Estou aqui,
terceirizações e a privatização dos direitos primeiramente, hoje para fazer uma
sociais. Ou seja, aqueles que podem consumir confissão pública. Na primavera de 1987,
estes serviços, que hoje representa 20% da como uma médica, eu neguei a um homem
população, pagam; aqueles que não podem uma operação necessária para salvar sua
consumir estes serviços não têm acesso. Além vida e isso que causou sua morte.
disso, os planos de saúde representam um Nenhuma pessoa e nenhum grupo me
importante segmento capaz de gerar lucro, que é culparam por isso, porque, de fato, o que eu
sua prioridade para sobreviver na concorrência fiz foi salvar US$500.000,00. E ainda, por
entre as grandes empresas de saúde. este ato em particular, garantiu minha
reputação como uma boa diretora médica e
Para dimensionar o exposto acima, assegurou meu contínuo avanço no campo
elencamos dados que constam no estudo do plano de saúde.
promovido pelo CREMESP e IDEC, denominado Eu deixei de ganhar uns centavos de
“Planos de Saúde: nove anos após a lei dólares por semana como uma revisora
9.656/1998”, mostra que os gastos familiares médica, para ter uma renda de 6 dígitos
diretos com saúde, somado o gasto com os planos como uma médica executiva. E eu tinha um
de saúde, atingiram o percentual de 56,16% dos objetivo principal que era usar meu
gastos com saúde nos anos de 2002 e 2003 em conhecimento médico para o benefício
relação ao total de gastos com saúde no país. Os financeiro da organização em que eu
gastos públicos, que incluem todo atendimento trabalhava.
realizado pelo SUS, que deveria ser universal, E me diziam repetitivamente que eu
não ultrapassam os gastos com o setor privado, não estava negando cuidado, eu estava
representando apenas 43,85% dos gastos totais negando pagamento. Eu sei como os planos
com a saúde. de saúde machucam e matam pacientes.
Então estou aqui para dizer sobre o
Uma análise mais minuciosa nos mostra trabalho sujo dos planos de saúde e eu sou
que todos pagam para que alguns possam assombrada pelos milhares de papel no
consumir. Segundo dados do Ministério do qual eu escrevi em uma palavra mortal:
Planejamento (2006), no ano de 2005, o Estado NEGADO.
deixou de arrecadar através de deduções e Obrigada”.
renúncia fiscal o equivalente a quase 3 bilhões de
reais, que representa quase 7% do montante de No Brasil, observamos que a tendência
dinheiro movimentado pelos planos de saúde. dos planos de saúde segue a mesma lógica.
Isso sem contar os mais 1 bilhão de reais, Podemos perceber esta tendência com alguns
também em 2005, que o Estado deixou de dados objetivos, como o fato dos planos
arrecadar, também através de deduções e coletivos, mais precarizados que os planos
renúncia fiscal, daquelas empresas médicas de individuais, pois possuem um intermediário no
baixa tecnologia, chamadas eufemisticamente contrato (uma empresa é a intermediária dos
hospitais filantrópicos (Santas Casas de trabalhadores), crescem substancialmente e hoje
Misericórdia). representam quase 80% dos planos de saúde. Os
contratos coletivos são omissos em relação à
Entretanto, há de se considerar que nem demissão e aposentadoria dos trabalhadores,
tudo são rosas para aqueles que consomem os além de ser omisso em relação à rescisão

19
Privatização pra que(m)?
unilateral dos contratos e a reajustes. Na tabela
de preços de 2007 da Medial Saúde, a Pensando em termos dos profissionais de
mensalidade do plano individual mais completo saúde brasileiros, um estudo recente de revela
é de R$767,75, enquanto no plano coletivo cai que, para garantir um bom padrão de vida, estes
para R$351,17. Os planos coletivos sofrem menor trabalhadores mantêm diversos vínculos
controle regulatório por parte da agência empregatícios, ligados tanto à iniciativa pública
reguladora da saúde suplementar, a Agência quanto privada. São, de fato, trabalhadores
Nacional de Saúde (ANS). assalariados, e ao que tudo indica, estão se
proletarizando, da mesma forma que outras
Grande parte dos contratos firmados com tantas categorias profissionais dos nossos
os planos de saúde, principalmente aqueles tempos.
anteriores à lei 9.656/1998, que representam
quase 37% dos contratos, trazem cláusulas de Para finalizar, cabe tecer algumas
inúmeras doenças, por meio de conceitos vagos, considerações sobre a ANS, responsável pela
como “doenças crônico-degenerativas”, “doenças regulação da saúde suplementar. O arcabouço
preexistentes”, “doenças infecto-contagiosas” etc. teórico da criação destas agências também se
Segundo estudo da Faculdade de Medicina da encontra no Plano Diretor de Reforma do Estado,
USP, as doenças mais excluídas são, nesta alinhado com o preconizado pelos organismos
ordem: câncer, doenças cardiovasculares, Aids, multilaterais, ou seja, com as grandes
meningite, acidentes e causas externas, cirrose corporações: o Estado possuía em sua estrutura
hepática, insuficiência renal, hérnia, diabetes e setores estratégicos e exclusivos, que deveriam
doenças congênitas. Já os insumos mais negados ser de controle estatal; setores não exclusivos,
são: transplantes, quimioterapia, radioterapia, que são de dever do Estado, mas que podem ser
órteses e prótese, implantes, hemodiálise, compartilhados com a iniciativa privada; e os
oxigenoterapia, fisioterapia etc. setores para produção para o mercado, que
deveriam ser privatizados.
Além destas restrições de cobertura, que
interferem no trabalho em saúde, temos o Os serviços estratégicos e exclusivos eram
aumento do custo dos planos de saúde de acordo assim chamados, pois o principal usuário é o
com a faixa etária do paciente, e a fragmentação próprio Estado. “Não são atividades lucrativas” e,
da assistência, que oferece cinco tipos diferentes por isto, o Governo defendia mantê-los com o
de planos, de acordo com a capacidade de Estado, na forma de propriedade estatal, embora,
consumir dos trabalhadores. Os planos de saúde, para estes serviços defendesse o que chamou de
ademais, aumentam a precarização do trabalho “modelo de gestão gerencial”, como as “agências
em saúde, criando critérios de produtividade e autônomas”, “serviços sociais autônomos”, com o
atrelando-a aos salários, que obviamente não se objetivo de assegurar-lhes a flexibilização das
correlacionam com a qualidade da assistência relações de trabalho e dos controles da sociedade
prestada. sobre as políticas públicas. Para este setor, o
Governo propôs a transformação/qualificação
O trabalho em Saúde em nossa sociedade, dos Órgãos Públicos em Agências Executivas.
portanto, é historicamente determinado; não se
pode separá-lo da processualidade histórica. Os processos históricos e a realidade do
Após a Segunda Guerra Mundial evidencia-se a dia-a-dia nos mostram a impossibilidade de
divisão do trabalho médico, atrelado ao regular, de limitar, os processos de acumulação
acelerado desenvolvimento da ciência e da de capital. E os processos históricos e a realidade
tecnologia. Estes “novos” proletariado dos do dia-a-dia também nos ensinam que somente
serviços não só se submetem ao assalariamento, com organização e mobilização os trabalhadores
mas a um assalariamento que não acompanha o e estudantes conseguiram barrar a retirada de
rendimento do capital; ao contrário, os salários direitos e serem propositivos na universalização
dos prestadores de serviços, da mesma forma que dos produtos historicamente produzidos pela
os demais trabalhadores, perde seu valor real, na humanidade.
contra-mão da valorização do capital.

4. Considerações Finais e Apontamentos

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Privatização pra que(m)?
Constatamos que o período em que as Nesta nova conjuntura, as políticas sociais
doenças puderam ser conhecidas cientificamente universalizantes, como ocorreram durante o
– e continuam podendo, inclusive com maior Estado de Bem Estar Social nos países centrais,
riqueza de detalhes! - de forma cada vez mais cedem espaço para as políticas sociais focalizadas
profunda, é inseparável daquele em que a durante os Estados Neoliberais em todo mundo,
tecnologia desenvolveu-se a partir das ciências transformando direitos como saúde, educação e
naturais e, por sua vez, alcançou a medicina previdência, em mercadorias acessíveis àqueles
determinando seu desenvolvimento. que podem consumir, garantindo assim novos
espaços para valorização do capital.
Constatamos também que apesar do
imenso desenvolvimento das forças produtivas, a No Brasil, esta situação consolida-se a
quase totalidade da população, os trabalhadores, partir da década de 1990, com a permeabilidade
não possui o acesso igualitário aos produtos da dos planos de saúde, a precarização e o
civilização, como conhecimento, novas subfinanciamento dos setores públicos, como a
tecnologias, educação, assistência à saúde, assistência primária à Saúde e a assistência
moradia, alimentação etc. Isto pelas limitações terciária à Saúde. Com o desmanche da rede
causadas pelas relações de exploração que hospitalar pública e sua conseqüente privatização
caracterizam nossa sociedade, em o trabalho é e terceirização, através dos novos modelos de
coletivo mas a apropriação dos produtos deste gestão (Fundações de Apoio, Organizações
trabalho é privada. Sociais, FEDP etc), além da retirada dos direitos
trabalhistas.
Ademais, temos um terço da população
mundial sem possibilidades de trabalho ou de Uma realidade difícil, que exige
consumo, sendo que pela primeira vez na história organização, mobilização e resistência frente à
universal a economia declara que a maioria dos retirada de direitos historicamente conquistados.
seres humanos é desnecessária e descartável, Organização e mobilização sabendo aonde se
pois, na economia contemporânea, o trabalho quer chegar: produção e socialização de
não cria riqueza, os empregos não dão lucro, os conhecimentos; assistência conjunta primária e
desempregados são dejetos inúteis e terciária para todos; campanhas de educação e
inaproveitáveis. Um terço é a estimativa prevenção para todos. PARA TODOS, os
populacional de anêmicos crônicos no mundo. produtos historicamente produzidos pela
humanidade.

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Privatização pra que(m)?

O que será que nós, estudantes, temos a ver com isso?

A SAÚDE NÃO PODE PAGAR POR ESTA CRISE

MAIS VERBA PÚBLICA PARA A SAÚDE

CONTRA A DRU

PELA APROVAÇÃO DA EC 29

POR UMA GESTÃO 100% PÚBLICA DOS HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS

CONTRA OS MODELOS PRIVATIZANTES DE GESTÃO

CONTRA AS FUNDAÇÕES ESTATAIS DE DIREITO PRIVADO

PLANOS DE SAÚDE: QUEM PAGA A CONTA?

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