1- A transformação do mundo romano: A “queda do Império
Romano”, decorrendo da transformação de um “império pagão” num “império cristão”, desenvolveu-se ao longo de mais de um século. Quando Constantino (274-337) subiu ao poder em 305, encontrou um império fragilizado e fraccionado, envolvido em guerras, lutas políticas e intrigas internas. A divisão imposta entre Império do Ocidente (a metade latina governada por Maximiano) e o Império do Oriente (a metade grega governada por Diocleciano), com o propósito de reorganizar o Estado, foi o primeiro passo para a sua desagregação. Com a invasão da Itália em 312, Constantino prosseguiu a sua luta contra os Césares orientais insubmissos até restabelecer a unidade do Império, Constantino tomou duas decisões que produziram consequências extraordinárias, não só no colapso gradual do Império, como também na evolução da história da arte ocidental: a oficialização do Cristianismo, reconhecendo a sua importância como factor de aglutinação cultural, e a transferência da capital para Bizâncio, em 323, cidade grega que passou a chamar-se Constantinopla, numa região de forte implantação cristã. Provavelmente, a razão que levou Constantino a converter-se e a legalizar o Cristianismo deveu-se à sua forte implantação entre os soldados e os funcionários da administração imperial e como derradeira estratégia para unir um Império destroçado. Mas não conseguiu impedir a tomada e a destruição de Roma em 476, acontecimento que marca, normalmente, o início da Idade Média. Enquanto aqui, na Europa ocidental, se formaram diversos reinos bárbaros cristãos, a Oriente, o Império Bizantino tornou-se no primeiro Império Cristão, um estado de raiz teocrática em que o imperador se considerava o representante de Deus na Terra, o seu 13º apóstolo. Com Justiniano. No séc. VI, o Império Bizantino alcançou o apogeu cultural e artístico.
2.1 – Os primórdios da arte cristã: Segundo a doutrina cristã, não era
necessário ver para crer. A natureza abstracta, invisível e inefável de Deus, fundada na fé e na espiritualidade do ser, dispensava o suporte das imagens que, enquanto matéria, se corrompiam e degradavam. Para os cristãos só o espírito era perpétuo. E, deste modo, à arte já não interessava representar a realidade, ou o “mundo visível”, para voltar a assumir as funções que já tivera nas culturas pré-clássicas: a de um talismã. Para o cristão, a única relação com a realidade física e material era o martírio, através de cujo sofrimento o homem se transcendia e aproximava de Deus.Dá-se o nome de arte paleocristã às expressões artísticas dos primeiros cristãos. Essas manifestações decorreram ao longo de cerca de três séculos, do ano 200 ao século VI da nossa Era, correspondendo ao período de expansão do Cristianismo, primeiro na clandestinidade, e depois após o Édito de Constantino, em 313, já oficializado. A extraordinária dispersão geográfica da arte paleocristã forneceu-lhe uma grande diversidade regional, facto que, no entanto, não impediu a subsistência de traços estruturantes comuns: -o uso, embora já em degradação, dos modelos estilísticos da Roma clássica (herdeira, por sua vez, das velhas tradições mediterrânicas);-a assimilação de novas formas técnicas e estéticas oriundas sobretudo das zonas periféricas do Império, com destaque para as províncias do Oriente (Egipto copta e Ásia Menos);-e a subordinação a um novo espírito e a uma nova temática: a do cristianismo que impôs toda uma iconografia retirada das Sagradas Escrituras (O Velho e Novo Testamento, as Vidas de Santos, os Textos Apócrifos) e um sentido doutrinal e pastoral às artes decorativas ( o que não impediu a sobrevivência de alguns temas pagãos).Sem dúvida, este período coincide com o da arte bizantina que se desenvolver sobretudo na parte Oriental do Império e teve a sua Idade de Ouro na época de Justiniano, entre 527 e 565. Enquanto o Império Bizantino pode ser considerado e entendido no contexto da Antiguidade final, uma vez que integra elementos gregos e orientais na cultura cristã, em 476 as “invasões bárbaras” provocaram a queda do Império Romano do Ocidente. E, em sua substituição, povos celtas e germânicos fundaram diversos reinos cristãos, herdando, por um lado, a cultura tardo-romana e paleocristã, vindo, por outro lado, a transformá-la na Idade Média, feudal e monástica. Estabelecido o Cristianismo como religião oficial do Império, foi necessário encontrar um tipo de edifício adequado, tanto funcional como simbolicamente, ao seu culto público. Numa religião de características congregacionais, os cristãos necessitavam de espaços amplos para reunir grandes grupos de crentes, tendo encontrado na basílica romana a tipologia ideal.
Tratava-se de um edifico laico e sem referências aos cultos pagãos,
que estava conotado com a administração e o exercício da justiça terrena. Por outro lado, a sua organização espacial axial favorecia a concentração d atenção do público sobre o altar onde se celebrava a Eucaristia. A primeira igreja que Constantino mandou construir já seguia o modelo com que se elaborou a arte sacra ocidental. Na Igreja de São João de Latrão o espaço organizava-se longitudinalmente em cinco naves separadas por colunatas e direccionadas para a cabeceira, em cuja abside se situava o altar. Uma nave perpendicular - o transepto – separava o “espaço profano” do “espaço sagrado”, reforçando a divisão entre sacerdotes e fiéis. Por vezes, o edifício era antecedido pelo nártex, um pátio aberto destinado aos catecúmenos que se iniciavam nos mistérios do Cristianismo. Simultaneamente, a Igreja Cristã desenvolveu outros tipos de edifícios dedicados ao culto, como os baptistérios e os martyria (destinados aos túmulos dos mártires) que, tal como os mausoléus, adoptaram a planta centrada, de tradição clássica. Um dos melhores exemplos desta tipologia é o Mausoléu de Santa Constança, a filha de Constantino, apresentando ainda reminiscências da tradição clássica. As primeiras igrejas construídas obedeceram a dois modelos principais: - o de planta basilical, em cruz latina, com cinco ou três naves separadas por arcadas e/ou colunatas e cobertas por tectos de armação de madeira; - e o de planta centrada, de influência helenística e oriental, com formas circulares, octogonais ou em cruz grega, e cobertas em cúpula e meias cúpulas. Em ambos os modelos sobressai a preocupação em destacar as linhas cruciformes, cuja simbologia se havia já começado a definir. O seu modelo mais característico – o da basílica de três naves , com a nave central destacada das laterais pelas dimensões e pela iluminação, orientada no terreno no sentido leste-oeste, com abside coberta com meia cúpula – só começou a impor-se como dominante durante o séc. V, no Ocidente, influenciando decisivamente toda a evolução artística seguinte, até ao românico.
2.2 – A arte das catacumbas: As primeiras obras de arte cristã
conhecidas datam de finais do séc. II e constam de decorações pintadas nas catacumbas romanas, as galerias subterrâneas onde os cristãos sepultavam os mortos e praticavam o culto. Compostas de numerosas e labirínticas ramificações (os ambulacra), sobrepondo-se por vezes em vários níveis, ora conduzem a capelas funerárias (os cubicula), a túmulos em forma de arco para os mártires (os arcosolia), ora apresentam nichos rectangulares nas paredes (os loculi) a fim de receberem as sepulturas. O núcleo de catacumbas mais importante encontra-se em Roma, fora de portas, e é anterior à legalização do culto por Constantino. É aí que se começa a revelar a grande revolução iconográfica, com as novas figurações e as novas temáticas que a nova fé viria a introduzir na representação pictórica. Para os cristãos primitivos, cuja fé se fundava na esperança de uma vida eterna no Além, o ritual funerário e segurança das sepulturas era de extrema importância. É esta preocupação que exprimem nessas pinturas, ainda sem a presença da ideia de sofrimento ou a predominância da imagem de Cristo. Dominam as paisagens do Paraíso prometido, as cenas bíblicas e do Novo Testamento, e a figura do Bom Pastor, símbolo de Cristo que conduz os fiéis ao paraíso. Mas, se o conteúdo do repertório é declaradamente simbólico e alegórico, o sistema decorativo, os elementos utilizados e a geometria ordenadora do espaço pictórico ainda fazem lembrar a pintura de Pompeia.Embora hoje muito danificada, a pintura foi a arte figurativa mais usada no período paleocristão. Iniciou-se nos nichos sepulcrais das catacumbas, onde se definiram técnicas, composições, temáticas e simbologias. Daí passou para a decoração das igrejas, preenchendo o interior das absides maiores e das cúpulas de cobertura, com frescos de cores suaves em que as figuras e ornamentos vegetais se inscreviam em áreas geométricas demarcadas por linhas de cor. As composições eram planas e lineares, mantendo-se, tal como na escultura, a tendência para o abandono da profundidade espacial; para a simplificação dos corpos; e para um aumento da expressividade em detrimento do realismo visual (olhos grandes e penetrantes, gestos formais e simbólicos…). Esta última característica acentuou a espiritualidade e transcendência das figuras e dos temas. Estes reproduziram com mais frequências cenas do Novo Testamento como o baptismo de Cristo (alusão à conversão), Cristo como Bom Pastor, Cristo rodeado pelos Apóstolos ou pelos quatro Evangelistas, acompanhados ou representados pelos símbolos animais – o tetramorfo - , Cristo em ascensão.
2.3 – A arte bizantina e o Império Romano do Oriente: A excelente
situação estratégica, militar e económica de Constantinopla – uma “porta” entre a Ásia e a Europa – converteu-a no entreposto comercial mais importante da época e, por consequência, num ponto de encontro entre as culturas que se desenvolveram à sua volta: a cultura cristã europeia e a cultura islâmica asiática e norte-africana. O Império Bizantino é, pois, a história da parte oriental do Império Romano: uma história romana pelas origens que a motivam, oriental pelas influências que a determinaram e cristã pela cultura que a fundamenta. Foi no reinado de Justiniano (527-565) que Constantinopla afirmou não só o domínio político e cultural sobre o Ocidente, como também se tornou na capital artística de uma época que, pela sua magnitude, se designou a “idade de ouro” justiniana. Combatendo com êxito contra os Persas e os Vândalos, Justiniano recuperou o domínio de Itália e das costas do Norte de África e de Espanha. Foi neste período de expansão do Império que estabeleceu um Exarcado em Ravena, que possui as mais belas construções desta arte. É o caso do Mausoléu de Gala Placídia, com planta cruciforme, construído no tempo de Honório, filho de Teodosio, dedicado a sua irmã. Nesta cidade, encontram-se igualmente os maravilhosos monumentos de Santo Apolinário, Santo Apolinário, o Novo e S.Vital. Porém, a obra mais representativa da “idade de ouro” justiniana é a Igreja de Hagia Sofia, a “Divina Sabedoria”, uma obra espiritual com que Justiniano quis glorificar Deus. Como quase todos os monumentos construídos e, Bizâncio, esta igreja foi obra da vontade de um imperador absoluto, que nela consolidou a pompa e ritual hieráticos, exaltação da sua majestade suprema. Em Hagia Sofia foram usados métodos e recursos construtivos e engenhosos. Para a sua concepção e realização, o imperador, homem de grande perspicácia, soube chamar até si os dois estudiosos mais eminentes do seu tempo, Antémio de Tralles, considerado o “príncipe de todos os arquitectos e engenheiros”, e Isidoro de Mileto, matemático conhecido pela sua “singular inteligência”. Assim conseguiu edificar a igreja mais invulgar de todo o Oriente.
O mosaico bizantino: O mosaico bizantino é a arte do esplendor,
expressão artística mais essencial de Bizâncio, que recobre as paredes das igrejas e emociona o espectador com a sua riqueza e brilho cromáticos. Esta arte parietal, cujos motivos são sempre de inspiração bíblica ou votivos, possui uma representação esquemática, decorativa, sem preocupações de volume, modelação ou ilusão de profundidade. Têm uma função decorativa de valores e cores convencionais. Os mosaicos que fazem a transição da arte paleocristã para a bizantina são os de Santo Apolinário, o Novo. A Igreja de São Vitale, construída na mesma cidade, possui os mais famosos painéis de mosaico bizantino do século VI. Os mais importantes mostram a imperatriz Teodora e o imperador Justiniano acompanhados dos seus respectivos séquitos. As figuras são estilizadas mas já com a preocupação de individualizar os rostos. Cada personagem possui características fisionómicas diferentes, onde sobressaem os grandes olhos, de olhar fixo para a frente. Das representações bíblicas destaca-se a figura de Cristo Pantocrator, o Todo-Poderoso. Esta representação de Cristo – adulto, de barba e cabeça aureolada, com a mão direita em posição de bênção – é colocada no centro da abside principal da igreja e, como tal, torna-se a figura dominante. Cristo pode ter nas mãos o globo terrestre ou os livros sagrados, encontrando-se, frequentemente, rodeado pelos apóstolos ou pelos evangelistas. A sua figura, grave mas serena, cheia de espiritualidade, e o colorido suave do rosto denunciam já preocupações de volumetria, apesar de sobreposta a fundos lisos e dourados. A representação austera das personagens, peculiar no mosaico bizantino, destinava-se a simbolizar todos os que renunciavam ao mundo para seguir a vida monástica. Mas a sumptuosidade dos materiais – tesselas e mármores empregues nos mosaicos e nas paredes, o ouro das absides e das abóbadas – reflectia o poder e a glória da arte cristã do Oriente.
2.4 – A influência germânica: o renascimento carolíngio A partir do
séc. V, a parte ocidental do império foi invadido pelos chamados “povos bárbaros” de origem germânica que, em sucessivas incursões, acabaram por entrar e saquear Roma, em 410. De todos os que irromperam pelo Império, só os Visigodos, Os Ostrogodos, os Burgúndios e os Francos se estabeleceram e criaram reinos que coincidiam, praticamente, com as antigas províncias romanas. O facto de, na altura, os bárbaros já se encontrarem romanizados e cristianizados, falando o latim, contribuiu para a fusão entre as duas culturas, daí resultando sociedades dominadas pela aliança entre o poder temporal, partilhado entre chefes bárbaros e latifundiários romanos, e o poder espiritual, presidido pelo Papa e pelos bispos cristãos. Durante toda a Idade Média predominou uma tal estrutura de características feudais. Na Gália emergiu Carlos Magno, um bravo guerreiro franco que pretendeu restaurar o Império do Ocidente e que viria a ser coroado imperador, pelo Papa Leão III, do designado Sacro Império Romano-Germânico, simbolicamente no Natal de 800. Assim, não só reforçava a autoridade da Igreja em toda a Cristandade Ocidental, como também conseguia desafiar o poder da, então mais forte, Igreja bizantina ortodoxa. A partir de Aquisgrano Aix-la- Chapelle, em francês; Aachen, em alemão, que passou a ser o centro cultural e artístico da Europa Carlos Magno iniciou uma operação de construção de grandes dimensões que contou com residências reais, vinte e sete catedrais e quatrocentos mosteiros. As fundações monásticas foram, aliás, importantes centros de actividade cultural e artística, principalmente na execução de manuscritos e iluminuras para a difusão do Evangelho e da cultura latina. Do ponto de vista da cultura artística, podemos entender o renascimento carolíngio como um esforço bem conseguido para unir a tradição céltico- germânica com a cultura latino-mediterrânica. Após a morte do último monarca carolíngio, emergiu Otão I, o Gordo, rei da Germânia, cuja ambição era reconstruir o Império Carolíngio. Neste novo impulso cultural e artístico, herdeiro da arte carolíngia, Otão I traçou como prioridades restabelecer a dignidade imperial, preservar a paz e a justiça e expandir a fé. O que significava proteger a Igreja e, principalmente, aqueles que eram os centros de evangelização, os mosteiros. Era em centros religiosos como Corvey, Hildesheim, Mainz ou Reichenau que se encontravam as grandes oficinas de iluminuras e os scriptoria eclesiásticos. As obras que melhor representam a arquitectura otoniana e que prenunciam o românico são a Igreja de S.Jorge de Oberzell e a igreja beneditina de S.Miguel de Hildesheim, construída segundo uma planta inspirada no plano do Mosteiro de Saint-Gall. Segundo o plano carolíngio, a nave central entende-se entre dois cruzeiros destacados, onde se salientam dois transeptos simétricos coroados por quatro torres-lanterna.
A arte dos “bárbaros”: A tradição cultural e artística dos povos
germânicos, nómadas por natureza, que a partir dos séculos IV e V ocuparam a Europa Ocidental, baseava-se na ornamentação de objectos de adorno e de uso quotidiano, de raízes geométricas, orgânicas e abstractas. Os Godos, que fundaram reinos na Península Ibérica (Visigodos) e em Itália (Ostrogodos), procuraram adaptar-se às culturas mediterrânicas deixando testemunhos artísticos que, de algum modo, relacionam o mundo bárbaro com a tradição romana. Mas é na Península Ibérica que melhor observamos as tendências conciliadoras, através de obras visigóticas, como pequenas igrejas e objectos de metal e ourivesaria. Em regiões setentrionais onde Roma não tinha chegado, como a Irlanda, chegou o Cristianismo e uma intensa vida monástica onde se produziram os scriptoria mais originais. Entre muitos outros, destacam-se os Evangeliários de Kells ou de Lindisfarne, como excelentes exemplos da arte germânica, patenteando as raízes célticas que os originaram. O Mosteiro de Saint-Gall: a cidade santa: A ordem de S.Bento, fundada por S.Bento de Núrsia em 529, na Itália, estabeleceu a Regra fundamental das actividades e dos comportamentos dos monges no quotidiano de um mosteiro. Sujeitos aos votos da obediência, da pobreza e da castidade, os monges ocupavam o seu dia na reza, no estudo das Sagradas Escrituras, na cópia de manuscritos e nos afazeres diários a que o seu quotidiano obrigava. A maioria das comunidades monásticas que nasceram na Europa nesta época adoptou a Regula (a Regra) beneditina imposta por Carlos Magno em todas as fundações do seu Império. No ano da morte de Carlos Magno, em 814, decorreu em Aix-la-Chapelle (Aachen) um importante concílio da Igreja ocidental, no qual o abade Haito apresentou um plano do que devia ser um mosteiro ideal. Seguidamente, enviou-o a Gozberto, abade do mosteiro de Saint-Gall, na província carolíngia de Alemanni. Este desenho constitui um notável documento, representando uma verdadeira civitas sancta, com uma grande abadia, a igreja e todos os edifícios destinados a abrigar a vida quotidiana e autónoma de uma comunidade religiosa: jardins, estábulos, albergues, oficinas, escola e hospital. Trezentas e quarenta e uma inscrições designavam as funções de cada edifício, bem como a descrição do seu mobiliário.