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O inumano e o pensamento crítico

Marcos Brum

Há uma frase de Richard Dawkins bastante interessante em um de seus


documentários: "é curioso, mas a religião por muitas vezes tende a fazer
com que pessoas boas cometam maldades sem terem noção realmente de
que as estão cometendo".

Dawkins comenta mais ou menos isso ao analisar o caso ocorrido nos EUA
em 31 de maio de 2009 em que o ativista anti-aborto Scott Roeder matou o
físico e médico George Tiller conhecido por fazer abortos. Scott teria matado
o médico para salvar a vida de outras crianças, o que dentro de sua lógica
interna de pensamento religioso faria sentido e seria visto como um "ato
heróico" e humano. O mais intrigante nesta história é que existe um padre
americano que defende Scott e diz que o que ele fez foi correto, afinal o
médico seria um assassino de crianças e isso tinha que parar. É bastante
paradoxal você matar alguém para evitar que uma pessoa faça abortos,
mas dentro da mente de Scott ele teria agido dentro de preceitos religiosos
e provavelmente pense que Deus está bastante satisfeito por ter matado o
médico.

O Brasil não fica muito longe disso com o caso do médico e da mãe que
foram excomungados da Igreja por terem sidos responsáveis pelo aborto
em uma menina que teria engravidado aos nove anos depois de ter sido
estuprada. Neste caso a lei brasileira valida o aborto, já que é um caso de
gravidez que colocaria em risco a vida da menina. O que mais chocou foi
que o padre excomungou a mãe, a menina e o médico, no entanto o
estuprador continuou a ser aceito como cristão no seio da Santa Igreja
Católica. Claro que isso gerou uma grande polêmica, mas dentro dos
Cânones da Igreja Católica ou do Código do Direito Canônico nº 1398 de
1983 (http://www.vatican.va/archive/ESL0020/__P55.HTM) , o aborto é
passível de excomunhão automática, no entanto não há nenhum cânon que
condene o estupro especificamente. Se pensarmos do ponto de vista
institucional, o padre não fez mais que sua obrigação obedecendo aos
preceitos da Igreja Católica e seus cânones. Mas dentro do ponto de vista
do bom senso geral, condenar uma menininha de 9 anos à excomunhão por
ter feito o aborto fruto de um estupro e não condenar o estuprador é no
mínimo uma grande inumanidade. E o que é mais grave: o estuprador era o
próprio padrasto da menina.

Pois é justamente disso que eu gostaria de comentar aqui. Como as pessoas


muitas vezes cometem atos de extrema inumanidade achando que estão
completamente certas. A maioria das vezes, ao analisar mais
profundamente esses casos, pode-se constatar que tais pessoas os
cometem segundo uma lógica de pensamento que eu chamaria de
"pensamento religioso". O que eu quero chamar de "pensamento religioso"
não está restrito somente às instituições religiosas. Um comunista, um
extrema-direita, um estalinista, um maoísta, um anarquista ou um
trotskista que levasse as suas crenças às raias do fanatismo poderia
também entrar sob o guarda-chuva do conceito de lógica de pensamento
que eu estou chamando aqui de "pensamento religioso".

Entre os espíritas também ocorrem casos em que essa lógica de


“pensamento religioso” se expressa da mesma maneira, apesar da postura
de “fé raciocinada” compartilhada. Até hoje fico tentando entender o que
seria “fé raciocinada”, já que fé pressupõe acreditar em “dogmas”, e a
razão não combina com dogmas. O caso ocorreu no ano passado, quando
uma mulher que perdeu sua mãe e duas filhas no acidente do vôo 3054 da
TAM em 2007, entrou com um processo contra o médium Woyne Figner
Sacchetin por seu livro “O vôo da esperança”, no intuito de obrigá-lo a tirar
tal livro de circulação. No livro o médium afirma que os passageiros tiveram
que passar por esse tipo de morte porque tinham sido cruéis algozes numa
vida passada, mais especificamente na Roma Antiga. Ele teria recebido essa
informação do espírito de Santos Dumont. Agora imagine você perder quase
a família inteira carbonizada e ainda ter que ouvir que eles mereceram isso
porque tinham sido pessoas cruéis na vida passada? Tome o lugar do outro
e imagine você ouvir uma atrocidade dessas expondo sua família quando
ainda são bastante presentes a dor e a saudade da sua mãe e de suas duas
filhinhas, uma de 10 e outra de 14. Não é uma falta de respeito publicar um
livro desses? Não é uma inumanidade perante a dor do outro?

Alguns poderiam me questionar: por que “pensamento religioso”? – Porque


em geral o “pensamento religioso”, ao contrário do modo de pensar
científico, vai construindo nas pessoas uma lógica interna que as torna cada
dia menos questionadora sobre mundo e os fatos que os cercam. A isso
conhecemos como “dogmas” que é simplesmente aceitar determinadas
“verdades” sem que se permita qualquer questionamento ou dúvida. E
assim as pessoas vão sendo todos os dias habituadas a simplesmente
aceitar as coisas como verdades dadas, vão se tornando cada vez mais
acríticas. No entanto algumas se tornam tão acríticas ou tão “dogmáticas”
que podem chegar ao ponto de serem convencidas a cometerem atos de
extrema crueldade, achando que estão na verdade fazendo um bem à
humanidade.

Não é muito difícil de ver isso hoje, quando muçulmanos e judeus brigam
por espaços sagrados em Jerusalém. A religião ou o “pensamento religioso”
que ela gera em cada um dos seus membros se torna o motivo maior das
intolerâncias e dos ódios de uns contra os outros. Do ponto de vista de uma
pessoa que não seja muçulmana nem judia, as brigas por espaços sagrados
de ambos os lados não faria nenhum sentido, seria mesmo uma
irracionalidade que só o “pensamento religioso” poderia gerar. Quem
olhasse do lado de fora diria: - porque não se abraçam, porque não se
tratam como irmãos? O que a religião dessas pobres pessoas tem ensinado
a elas? A se matarem? A se odiarem? É aí que o inumano se expressa. O
“pensamento religioso” torna a violência, o ódio e a morte justificável, o que
do ponto de vista de uma pessoa crítica seria uma grande atrocidade
irracional e injustificável. O mesmo modo de estruturação de “pensamento
religioso” pode ser encontrado nas torcidas organizadas que se digladiam
dentro e fora dos estádios. Tal pode ser visto neste caso como uma lógica
de “pensamento de torcida” levada ao fanatismo extremo e ocorre em
várias partes do mundo.

O século XX foi bastante marcado por esse tipo de pensamento encontrado


por toda parte e manifestado nos diversos ‘ismos’ que surgiram. Se formos
observar o nazismo na Alemanha, por exemplo, pode-se constatar que
enquanto a grande massa era ensandecidamente adestrada através de
símbolos, de grandes catarses provocadas por pelotões colocados em
pavilhões imensos para habituar as pessoas a acreditarem no Führer sem
nenhum questionamento, sabe-se por alguns historiadores como Alan
Bullock, Hugh Trevor-Roper, James Webb, Joachim Fest, etc. que Hitler tinha
bastante gosto por idéias ocultistas e esotéricas como a da Ariosofia. Este
sistema filosófico-religioso pregava a ideologia sobre a raça ariana e que,
segundo seus seguidores, teria como representantes mais puros os indo-
europeus e os germânicos. A cruz suástica – SWASTICA - é na verdade um
símbolo yantra que representa equilíbrio, expansão e evolução do universo
segundo o hinduísmo. Os yantras são símbolos que teriam poderes. Assim, a
suástica é um yantra que pode ser encontrado na mão de Ganesha
(http://hprakesh10.files.wordpress.com/2009/08/ganesha.jpg) e também é
usado por Shiva. A cruz suástica de Hitler inverte o sentido do yantra hindu,
representando, portanto, desequilíbrio e destruição. O historiador Nicholas
Goodrick-Clarke escreveu sobre a relação entre as influências ocultistas e
esotéricas que eram do gosto de Hitler com o nazismo em seu livro The
Occult Roots of Nazism: Secret Aryan Cults and Their Influence on Nazi
Ideology (As raízes ocultas do nazismo: os cultos arianos secretos e sua
influência na ideologia nazista).

Então, mais uma vez observamos que um dos maiores atos inumanos
cometidos no século XX, a política sistemática de morte aos judeus em
diversos campos de concentração, tinha como pano de fundo esse tipo de
pensamento – o modo ou estruturação de pensamento que eu chamo aqui
de “pensamento religioso” - que faz com que os atos mais irracionais, as
maiores inumanidades sejam vistas como ações bem intencionadas e
justificáveis. A loucura de Hitler, se tornou a loucura das massas, e se
pararmos prá pensar quando a loucura se manifesta em uma sociedade
inteira, deixa então de ser loucura para passar a ser algo aceito como
normal. Os “dogmas” religiosos não deixam de ser um exemplo de loucuras
coletivas. De uma certa forma a população alemã foi convencida a aceitar
um “dogma”, e esse “dogma” se chamava Hitler, o Furher inquestionável
em suas ações.

Mas isso não aconteceu só no nazismo. Aconteceu também na revolução


cultural de Mao, onde os jovens execravam e assassinavam os professores
em praça pública acusando-os de burgueses
(http://cds.aas.duke.edu/exhibits/redsoldier/images/red_shame382w.jpg,
http://veja.abril.com.br/230708/imagens/livros1.jpg) , no governo totalitário
manifestado no Stalinismo burocrático, com o culto à personalidade de
Stálin e a morte de milhões causadas pela coletivização forçada da
agricultura e os expurgos resultando na execução de 680.000 pessoas com
a permissão de Stálin para o uso da tortura em prisões. E ocorreu nas
perseguições de governos socialistas a religiões como, por exemplo, na
revolução socialista de 1924 no México contra o clero e as edificações da
Igreja Católica, na repressão a todas as religiões na URSS e na própria
perseguição aos judeus durante o nazismo, perseguição essa que também
tem um caráter de discriminação religiosa. Dessa maneira todos os ‘ismos’
do século XX – Comunismo, fascismo, nazismo, socialismo investiram contra
as religiões por as considerarem ameaça aos seus projetos de construção
de uma nova sociedade.

É isso que eu gostaria de chamar a atenção. O humano se torna inumano e


se justifica quando falta o bom senso, quando falta o pensamento crítico
que possa evitar, ou mesmo servir de vacina contra a formação de um
modo de pensamento “religioso”, acrítico, “dogmático”, fanático e
irracional. Porque tal forma de estruturação de pensamento sempre
encontra justificativa para qualquer ato, sempre acaba convertendo o
inumano e injustificável em algo visto como bom e aceitável porque é
compartilhado por muitos ou por uma sociedade inteira, o que o faz ganhar
o status de ‘normal’. E ainda hoje se arrastam desavenças entre católicos e
protestantes na Irlanda, Israelenses e Palestinos em guerras intermináveis,
muçulmanos e judeus disputando lugares sagrados, os conflitos no Iraque
entre muçulmanos sunitas e xiitas, os Talebans no Afeganistão e por aí vai.

O inumano não resiste ao pensamento crítico bem desenvolvido. É disso


que precisamos!

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