Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Marcos Brum
Dawkins comenta mais ou menos isso ao analisar o caso ocorrido nos EUA
em 31 de maio de 2009 em que o ativista anti-aborto Scott Roeder matou o
físico e médico George Tiller conhecido por fazer abortos. Scott teria matado
o médico para salvar a vida de outras crianças, o que dentro de sua lógica
interna de pensamento religioso faria sentido e seria visto como um "ato
heróico" e humano. O mais intrigante nesta história é que existe um padre
americano que defende Scott e diz que o que ele fez foi correto, afinal o
médico seria um assassino de crianças e isso tinha que parar. É bastante
paradoxal você matar alguém para evitar que uma pessoa faça abortos,
mas dentro da mente de Scott ele teria agido dentro de preceitos religiosos
e provavelmente pense que Deus está bastante satisfeito por ter matado o
médico.
O Brasil não fica muito longe disso com o caso do médico e da mãe que
foram excomungados da Igreja por terem sidos responsáveis pelo aborto
em uma menina que teria engravidado aos nove anos depois de ter sido
estuprada. Neste caso a lei brasileira valida o aborto, já que é um caso de
gravidez que colocaria em risco a vida da menina. O que mais chocou foi
que o padre excomungou a mãe, a menina e o médico, no entanto o
estuprador continuou a ser aceito como cristão no seio da Santa Igreja
Católica. Claro que isso gerou uma grande polêmica, mas dentro dos
Cânones da Igreja Católica ou do Código do Direito Canônico nº 1398 de
1983 (http://www.vatican.va/archive/ESL0020/__P55.HTM) , o aborto é
passível de excomunhão automática, no entanto não há nenhum cânon que
condene o estupro especificamente. Se pensarmos do ponto de vista
institucional, o padre não fez mais que sua obrigação obedecendo aos
preceitos da Igreja Católica e seus cânones. Mas dentro do ponto de vista
do bom senso geral, condenar uma menininha de 9 anos à excomunhão por
ter feito o aborto fruto de um estupro e não condenar o estuprador é no
mínimo uma grande inumanidade. E o que é mais grave: o estuprador era o
próprio padrasto da menina.
Não é muito difícil de ver isso hoje, quando muçulmanos e judeus brigam
por espaços sagrados em Jerusalém. A religião ou o “pensamento religioso”
que ela gera em cada um dos seus membros se torna o motivo maior das
intolerâncias e dos ódios de uns contra os outros. Do ponto de vista de uma
pessoa que não seja muçulmana nem judia, as brigas por espaços sagrados
de ambos os lados não faria nenhum sentido, seria mesmo uma
irracionalidade que só o “pensamento religioso” poderia gerar. Quem
olhasse do lado de fora diria: - porque não se abraçam, porque não se
tratam como irmãos? O que a religião dessas pobres pessoas tem ensinado
a elas? A se matarem? A se odiarem? É aí que o inumano se expressa. O
“pensamento religioso” torna a violência, o ódio e a morte justificável, o que
do ponto de vista de uma pessoa crítica seria uma grande atrocidade
irracional e injustificável. O mesmo modo de estruturação de “pensamento
religioso” pode ser encontrado nas torcidas organizadas que se digladiam
dentro e fora dos estádios. Tal pode ser visto neste caso como uma lógica
de “pensamento de torcida” levada ao fanatismo extremo e ocorre em
várias partes do mundo.
Então, mais uma vez observamos que um dos maiores atos inumanos
cometidos no século XX, a política sistemática de morte aos judeus em
diversos campos de concentração, tinha como pano de fundo esse tipo de
pensamento – o modo ou estruturação de pensamento que eu chamo aqui
de “pensamento religioso” - que faz com que os atos mais irracionais, as
maiores inumanidades sejam vistas como ações bem intencionadas e
justificáveis. A loucura de Hitler, se tornou a loucura das massas, e se
pararmos prá pensar quando a loucura se manifesta em uma sociedade
inteira, deixa então de ser loucura para passar a ser algo aceito como
normal. Os “dogmas” religiosos não deixam de ser um exemplo de loucuras
coletivas. De uma certa forma a população alemã foi convencida a aceitar
um “dogma”, e esse “dogma” se chamava Hitler, o Furher inquestionável
em suas ações.